Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
52/09.8TBVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
NULIDADES DE SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2014063052/09.8TBVRL.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II - No processo de expropriação, a ampliação do pedido admite-se até à apresentação das alegações a que se refere o artigo 64.º do Código das Expropriações.
III - As benfeitorias são indemnizáveis desde que se verifiquem as circunstâncias que o justificam, na certeza de que, face ao disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, a justa indemnização deve ter em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública, nas quais se podem incluir as benfeitorias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 52/09.8TBVRL.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
II- No processo de expropriação, a ampliação do pedido admite-se até à apresentação das alegações a que se refere o artigo 64.º do Código das Expropriações.
III- As benfeitorias são indemnizáveis desde que se verifiquem as circunstâncias que o justificam, na certeza de que, face ao disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, a justa indemnização deve ter em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública, nas quais se podem incluir as benfeitorias.

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
No âmbito dos presentes autos de expropriação litigiosa, é expropriante B…, S.A., e são expropriados C…, D…, E… e F…, na qualidade de herdeiros, na herança aberta por óbito do G…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 Está na origem do processo a expropriação de uma parcela de terreno, identificada pelo n.º 28, com a área de 17.660 m2, situada no …, freguesia …, concelho de Vila Real, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 705 e na matriz predial rústica sob o artigo 57, omisso na Conservatória do Registo Predial, o qual foi objecto de declaração de utilidade pública e de urgência de expropriação, por despacho de 24 de Fevereiro de 2005 do Senhor Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República, II Série, n.º 49, de 10 de Março de 2005, nos termos documentados a fls. 4 e 5.
A aludida parcela integrava a herança acima referida, sendo os expropriados supra indicados parte dos herdeiros, detendo os expropriados C… e D… 1/21 avos indivisos da parcela e cada uma das expropriadas E… e F… 1/48 avos; em relação aos restantes herdeiros, a entidade expropriante obteve acordo com os mesmos, lavrando-se os correspondentes autos de expropriação amigável, nos termos documentados a fls. 6 e 12.
Efectuou-se a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, conforme relatório de fls. 73 e seguintes, lavrado em 20 de Abril de 2005, e a entidade expropriante foi investida na posse administrativa da parcela em questão em 12 de Maio de 2005, nos termos do auto de fls. 65.
Elaborada a decisão arbitral, em 24 de Junho de 2009, aí se qualificou o solo como apto para construção e, com vencimento por maioria de dois dos três peritos intervenientes, se fixou em € 433.852,65 o valor de indemnização a pagar aos expropriados pelo terreno em causa, sendo fixado pelo terceiro perito o valor de indemnização de € 2.092.980,00 (cf. teor de fls. 132 a 143).
Os expropriados supra indicados vieram recorrer do acórdão arbitral proferido nos autos, sustentando que “a decisão arbitral não atende suficientemente às reais características da parcela, para além de desconsiderar as benfeitorias aí existentes à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam” e que “a justa indemnização assenta na valorização da parcela de acordo com as leis da oferta e da procura e sobretudo com o seu valor real, aquele que no local, à data da declaração de utilidade pública era praticado para os prédios do mesmo tipo, actualizado de acordo com os índices de preços ao consumidor”.
Concluem pedindo que, fixando-se em € 2.092.980,00 o valor da parcela a expropriar e sem prejuízo das actualizações legais, sejam atribuídas as indemnizações de € 99,665,71 aos expropriados C… e mulher, D…, de € 43.603,75 à expropriada E… e de € 43.603,75 à expropriada F….
A expropriante, em resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Realizou-se a avaliação da parcela, nos termos do laudo de fls. 202 a 209, lavrado em Julho de 2010, onde os cinco peritos intervenientes, por unanimidade, atribuem à parcela o valor de indemnização de € 439.799,71. Os peritos redigiram ainda o relatório complementar de fls. 261 a 274, respondendo também de forma unânime às questões suscitadas pelos expropriados na sequência do relatório inicial.
Ainda em sede de diligências de prova, teve lugar a audição dos peritos, em três sessões, nos termos documentados nas respectivas actas.
1.2 Expropriante e expropriados apresentaram alegações, nos termos do artigo 64.º do Código das Expropriações.
Os expropriados suscitam aí a ampliação do pedido em € 17.985,94, invocando o disposto no artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; concluem que deve revogar-se a decisão arbitral recorrida e, admitido e ampliado o pedido, deve ser dado provimento ao recurso, fixando-se o valor da parcela expropriada em € 2.294.422,50 e indemnizando-se os expropriados C… e mulher, D…, no montante de € 109.258,21, a expropriada E… em € 47.800,47 e a expropriada F… igualmente em € 47.800,47, montantes estes reportados à data da declaração de utilidade pública e a serem actualizados conforme o disposto no n.º 1 do artigo 34.º do Código das Expropriações (fls. 337 a 345).
A expropriante defende a inadmissibilidade da pretendida ampliação do pedido e conclui que o recurso dos expropriados deve improceder no valor que ultrapassa a avaliação (fls. 650 a 659).
Proferida sentença, aí se indeferiu a ampliação do pedido e, concordando com o relatório unânime dos peritos, decidiu-se nos seguintes termos:
«Por todo o exposto, fixa-se em € 439.799,71 (quatrocentos e trinta e nove mil, setecentos e noventa e nove euros e setenta e um cêntimos) o valor da parcela n.º 28, atribuindo-se aos expropriados, a indemnização na proporção da respetiva quota-parte, a pagar pela expropriante, montantes estes atualizados a partir da data da DUP até este momento, de acordo com o índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, e considerando para o efeito os montantes já entregues, atento o entendimento firmado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2001, publicado no Diário da República I S-A, de 25/10/2001, e ao qual acrescem juros à taxa legal desde a data da presente decisão e até efetivo e integral pagamento.
Custas (…)».
2.1 Os expropriados, não se conformando com a sentença proferida, vieram interpor recurso, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«1. A, aliás douta, decisão recorrida, quanto à ampliação do(s) pedido(s), porque desprovida de fundamentação, maxime de direito, viola o disposto nos arts. 205.º n.º 1 CRP e 158.º n.º 1 e 668.º n.º 1 alínea b), ambos do CPCivil, pelo que é nula.
2. Mesmo que assim se não entenda, então, porque labora em conclusão sem premissas, padece de erro de actividade (erro de construção ou de formação) e, por tal via, são violados todos dispositivos elencados na conclusão antecedente e com o sobredito efeito.
3. Por outro lado e ainda, é nula, por traduzir a prática de um acto que a lei não admite, já que a irregularidade cometida pode influir no exame e na decisão da causa, ao violar o plasmado no n.º 1, do art. 201.º CPCivil.
4. Em processo de expropriação, atento o seu especial tramitar, o encerramento da discussão ocorre com a apresentação pelas partes das alegações que antecedem a prolação da sentença.
5. Representando a ampliação do pedido um mero desenvolvimento do quantitativo inicialmente indicado pelos expropriados, no requerimento de interposição do recurso do acórdão arbitral, pode ela ser deduzida como foi, in casu, nas alegações a apresentar imediatamente antes da sentença ser proferida.
6. Assim, a, aliás douta, decisão em crise, tendo por inadmissível a ampliação dos pedidos, viola o disposto no n.º 2, in fine, do art. 273.º CPCivil, conjugado com o plasmado no n.º 1 do art. 64.º CExp.
7. Donde, deve ser admitida a ampliação do pedido, em 17.985,94 €, porquanto desenvolvimento e consequência do primitivo, porque legal e tempestivo, devendo ser atribuídas as indemnizações de € 109.258,21 a C… e mulher, D…, de € 47.800,47 a E… e de € 47.800,47 a F…, reportadas à data da DUP e a serem actualizadas à da decisão final do processo, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 24.º CExp., na consideração do peticionado e do que segue.
8. Ao não declarar quais os factos que o Tribunal julgou como não provados, porque, a propósito, completamente omissa, a sentença recorrida viola o n.º 2 do art. 653.º do CPCivil, pelo que é nula face ao consagrado nas alíneas a) e d) do n.º 1, do art. 668.º CPCivil, porquanto não foram especificados os fundamentos de facto que levar(i)am à sua desconsideração, em consequência, e não existe pronúncia sobre questões que dev(er)iam ter-se apreciado, como, por exemplo, o atinente às infra-estruturas rede de saneamento, estação depuradora em ligação com essa rede, rede de gás e rede telefónica.
9. Há insuficiência da matéria de facto tida por provada para a prolação decisória ao os factos considerados como assentes não contemplarem, sequer, a simples possibilidade de efectuar o cálculo da indemnização a pagar aos expropriados ou o modo e a forma como aquela pode atingir-se. Donde, não só não há pronúncia sobre questão/questões que deveria(m) ter sido apreciada(s) como não são especificados os fundamentos de facto que justificam a decisão indemnizatória atribuída aos ora recorrentes, pelo que a sentença é nula, em vista do nas alíneas a) e d) do n.º 1, do art. 668.º CPCivil.
10. Mas, ainda que, agora em sede “De Direito”, se considere que a sentença possui factualidade e virtualidade que permita alcançar-se o quantum indemnizatório, certo é que esta viola o disposto no art. 684.º n.º 4 CPCivil e por os efeitos do julgado em sede de decisão arbitral, na parte não recorrida, não poderem ser prejudicados, como foram, por aquela, pelo que deveria ter-se por definitivamente fixado: que o solo da parcela é apto para construção, regendo o art. 21.º do Regulamento do PDM de Vila Real, à data em vigor; o coeficiente de 10% para transformação da área útil em área bruta; e, o factor de correcção de 5% em face da previsão do no n.º 10 do art. 26.º CExp. Igualmente, que a percentagem a considerar para efeitos do n.º 6 do art. 26.º CExp. nunca poderia ser inferior a 11,5% (se bem que pudesse atingir 13%, como propugnado).
11. Mesmo que se adopte uma asserção restritiva à força do caso julgado daquela decisão arbitral (“… essa força de caso julgado não implica que as premissas da decisão adquiram idêntico valor, quando, mesmo que não expressamente impugnadas, se impugne a decisão que nelas se baseie e na medida em que a decisão as refira de modo expresso ou constituam seu antecedente lógico, necessário e imprescindível”), tal não implica que as premissas em que aquela se estriba possam, sem mais, ser liminarmente afastadas, em nome dum juízo eminentemente técnico decorrente da novel prova pericial, porquanto também aqueloutra se funda nesse mesmo pressuposto e foi elaborado por pessoas com, pelo menos, igual competência e saber, pelo que ao Tribunal cabia proceder à análise crítica das provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, porquanto “a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”, assim violando o disposto no n.º 2 do art. 653.º e o art. 591.º, ambos do CPCivil, sendo nula, face à não pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada, como preceituado na alínea d), do n.º 1, do art. 668.º CPCivil.
12. A parcela expropriada, como consta do Relatório de Vistoria ad perpetuam rei memoriam, possuía as seguintes benfeitorias não voluptuárias: 115 árvores de porte médio; 72 árvores de fruto, na generalidade novas, 15 videiras baixas, adultas; 8 pequenos carvalhos, 6 fruteiras novas e 4 marmeleiros adultos; um tanque rectangular, bem construído e conservado, com 5.5 × 6.9 × 0.65 m, com paredes em placas de granito e fundo lajeado por placas também em granito; e um barracão térreo, ocupando 160 m2, que se encontrava habitado.
13. Essas benfeitorias são indemnizáveis em visto do disposto na alínea c), a contrario, do n.º 2, do art. 23.º CExp. – que, doutro modo, é violado –, por € 81.350,00, por ser o seu valor real e de mercado.
14. Mesmo numa perspectiva reducionista, que tome por padrão apenas ser admissível adicionar o valor das benfeitorias ao resultante da potencialidade construtiva do terreno se aquelas puderem ser aproveitadas no âmbito da construção a realizar, então, sempre havia que liquidar aos expropriados a correspondente indemnização se bem que, nessa óptica, ora restringida ao valor do tanque, das múltiplas árvores e do barracão térreo que continuam no implantados na parcela expropriada.
15. Provada, como ficou, a existência de benfeitorias, por ser facto impeditivo do direito à sua indemnização, era à expropriante que cabia demonstrar que o aproveitamento construtivo invocado para a parcela acarretaria a inutilização dessas benfeitorias. Não tendo, salvo melhor e douta opinião, produzido tal prova (impossível, pelo menos, quanto ao na antecedente conclusão), a decisão recorrida viola o plasmado no n.º 2 do art. 342.º CCivil, pelo que é nula.
16. A área bruta de construção para efeitos de cálculo da indemnização a considerar deve ser de 17.600 m2, porque a que é possível edificar, sendo permitida pelo art. 21º do Regulamento do PDM de Vila Real, à data em vigor, sob pena de violação dos princípios da igualdade, na sua vertente positiva, e do Estado de Direito Democrático – cfr. arts. 13.º e 2.º da CRPort. – e do na 2.ª parte do n.º 12 do art. 26.º CExp.
17. A percentagem a considerar para efeitos dos n.ºs 6 e 7 do art. 26.º CExp. deve ser de 22% – 13% e 9%, respectivamente –, face à localização da parcela, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona, por um lado, e à existência na parcela ou junto dela de, não só, acesso rodoviário (1,5%), rede de abastecimento de água (1,0%), rede de energia eléctrica (1,0%) como, também, de rede de saneamento (1,5%), estação depuradora em ligação com a rede de saneamento (2%), rede de gás (1%) e rede telefónica (1%), por outro.
18. A relativa ao n.º 6 do art. 26.º CExp. porque se trata de uma parcela/local bem no “coração” da cidade de Vila Real, ecologicamente preservado e com óptima exposição solar, dotado de toda a panóplia de equipamentos existentes e próprios duma grande urbe, como in casu.
19. A relativa ao n.º 7 do art. 27.º CExp. porque existe, desde antes do desencadear do processo expropriativo, a uma distância (muito) inferior a 50 m da parcela expropriada, rede de saneamento, estação depuradora em ligação com essa rede, rede de gás e rede telefónica no extremante e contíguo edifício (“arranha céus”) da Universidade/Serviços Sociais.
20. Deve, ainda, ser tomado como valor do custo de construção 601,64 €/m2, tendo por base que os preços da habitação por metro quadrado de área útil, para vigorar em 2005, para o concelho de Vila Real é de 668,49 €/m2 da área útil, conforme Portaria n.º 1379-A/2004, de 30 de Outubro, publicada no Diário da República – I Série-B, n.º 256.
21. Tudo sob pena de violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da justa e adequada indemnização (cfr., nomeadamente, os arts. 62.º n.º 2 da CRPort., 23.º e segs. do CExp. e 1310.º do CCivil),
22. Porquanto a justa indemnização assenta na valorização da parcela de acordo com as leis da oferta e da procura e sobretudo com o seu valor real – aquele que no local, à data da declaração de utilidade pública, era praticado para os prédios do mesmo tipo – actualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor.
Termina defendendo que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que admita a formulada ampliação do pedido, indemnizando-se os expropriados/recorrentes C… e mulher, D…, por € 109.258,21, E… por € 47.800,47 e F… por € 47.800,47, valores esses reportados à data da declaração de utilidade pública e a serem actualizadas à da decisão final do processo, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 24.º Código das Expropriações, com todas as consequências daí advenientes,
2.2 A expropriante não respondeu.
2.3 Em primeira instância foi proferido despacho, nos termos dos artigos 668.º e 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, concluindo não se verificarem as apontadas nulidades da sentença recorrida (fls. 424 a 429).
3. Colhidos os vistos e na ausência de razões que obstem ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelos recorrentes definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar:
● A pretendida ampliação do pedido: a alegada nulidade da sentença a ela reportada e a admissibilidade legal da ampliação.
● As restantes nulidades alegadas em relação à sentença proferida.
● O adequado valor da indemnização. A este propósito se apreciarão a pretendida valorização das valências construtivas do terreno expropriado, a alegada desconsideração das benfeitorias e de infra-estruturas existentes e os demais valores de avaliação mencionados.
II)
Fundamentação
1. Matéria de facto.
1.1 Importa começar por considerar os factos que foram julgados provados na sentença que é objecto de recurso e que integralmente se transcrevem.
«1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional datado de 24 de Fevereiro de 2005, publicado no Diário da República n.º 49 II Série de 10 de Março de 2005, foi declarada a utilidade pública e atribuído o carácter de urgência da parcela n.º 28.
2. A parcela n.º 28 situa-se no …, freguesia …, concelho de Vila Real, possuindo a área de 17.660 m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 705 e na matriz predial rústica sob o artigo 57.
3. A parcela n.º 28 confronta a norte com caminho, a sul com serviços florestais, a nascente com H… e irmãs e a poente com terrenos da I… e outros.
4. De acordo com a vistoria ad perpetuam rei memoriam:
I. A parcela n.º 28 tinha implantada uma construção (barraco) com a área de 160 m2.
II. Os 17500 m2 do terreno da parcela encontravam-se espalhados por três calços com ligeiras diferenças de nível entre si, situando-se em média cerca de 2,5 m abaixo dos arruamentos contornantes.
III. A parcela possuía bom perfil agrológico, configuração retangular e boas condições de acesso.
IV. Tinha 4000 m2 na extrema norte, do lado poente ocupados por pomar, onde vegetam 115 árvores de porte médio.
V. Os 11.000 m2 em continuação para sul da parcela estavam a ser utilizados por culturas hortícolas e onde vegetam, dispersas, 72 árvores de fruto, na generalidade novas e quinze videiras baixas, adultas.
VI. Os últimos 2.200 m2 da extrema sul da parcela não estão há anos a ser cultivados, encontrando-se povoados por mato, donde sobressaem oito pequenos carvalhos, 6 fruteiras novas e 4 marmeleiros adultos.
VII. Na parte central cultivada da parcela, na extrema poente encontrava-se um tanque retangular, bem construído e conservado, com 5,50 × 6,90 × 0,65 m, tendo as paredes em placas de granito e sendo o fundo lajeado por placas também de granito. Este tanque recebe águas duma mina, pertença da parcela, mas situada em terreno profundo da I…, que está manilhada nos primeiros seis metros, que são seguidos por 10 metros, a céu aberto. No terreno da parcela a água é encaminha até ao tanque, por rego aberto em placas de granito.
VIII. Na extrema norte da parcela, lado nascente do pomar, estava construído um barraco térreo, muito modesto, ocupando 160 m2 de área, com algumas das paredes exteriores em alvenaria seca de pedra miúda que, com o seu logradouro ocupavam 300 m2.
IX. A construção possuía rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão.
X. Na área envolvente, próxima da parcela, não existe grande número de casas habitacionais.
XI. O acesso do centro da cidade à parcela era feito, na parte final, depois das piscinas municipais, por arruamento reto, sem passeios, com pavimento asfaltado, mas estreito e de forte pendente.
5. A parcela é também servida de rede de abastecimento de água.
6. De acordo com o PDM de Vila Real à data da DUP a parcela enquadrava-se em “área de equipamento estruturante existente”.»
1.2 Justifica-se nos seguintes termos a fixação da matéria de facto:
«A convicção do Tribunal quanto à factualidade apurada formou-se com base na análise detalhada de todos os documentos juntos aos autos, no auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” a fls. 73 a 77, no laudo pericial subscrito unanimemente por todos os peritos a fls. 202 a 209, nas respostas dadas pelos Senhores Peritos aos quesitos apresentados e esclarecimentos prestados a fls. 261 a 274, bem como aos esclarecimentos prestados presencialmente pelos Senhores Peritos e que, no essencial, confirmaram o vertido no respetivo relatório pericial e os esclarecimentos já prestados por escrito.»
2. A pretendida ampliação do pedido: a alegada nulidade da sentença a ela reportada e a admissibilidade legal dessa ampliação.
2.1 A este propósito, invocando o disposto nos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição e 158.º, n.º 1, e 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, os recorrentes pretendem que a sentença, ao apreciar a pretendida ampliação do pedido, é desprovida de fundamentação, maxime de direito, pelo que é nula.
As causas de nulidade da sentença são taxativamente enunciadas no artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e que vigorava à data de prolação da sentença que aqui se discute; assim, é nula a sentença quando não contenha a assinatura do juiz [alínea a)], não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [alínea b)], os fundamentos estejam em oposição com a decisão [alínea c)], o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [alínea d)] ou condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [alínea e)].
Estes pressupostos mantêm-se na redacção do Código de Processo Civil actualmente em vigor, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, especificamente, no seu artigo 615.º.
O dever de fundamentação decorre do princípio consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (artigo 154.º na redacção actual), onde se diz que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
Esta exigência vem desde a redacção inicial do referido diploma e é óbvia a sua razão de ser: a apreciação do acerto ou do desacerto da decisão proferida e a sua eventual impugnação por via de recurso só é possível com o conhecimento dos seus fundamentos de facto e de direito.
Nas palavras ainda actuais do Prof. Alberto dos Reis, “desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei” (“Código do Processo Civil Anotado”, volume I, Coimbra Editora, página 284); mas o mesmo autor salientava, relativamente à nulidade: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (obra citada, volume V, página 140).
No mesmo sentido, o ensinamento dos Prof.s Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (“Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, página 688): “Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, (…) o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”.
E este é o entendimento preponderante em sede de jurisprudência – a título exemplificativo, cf. o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de Abril de 2012, no âmbito do processo 497/07.8TBODM-A.E1.S1, disponível nas bases jurídico-documentais do IGFEJ (www.dgsi.pt).
Assim, a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente, casos em que se poderá questionar o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
Na sentença recorrida, apreciando a pretendida ampliação do pedido, afirma-se em sede de “saneamento”:
«Da ampliação do pedido
Em sede de alegações proferidas nos termos do artigo 64.º do Código das Expropriações vieram os expropriados pugnar pela ampliação do pedido, peticionado a atribuição das indemnizações de € 109.258,21 ao expropriado C… e mulher D…, € 47.800,47 à expropriada E… e 47.800,47 à expropriada F…, fixando-se o valor da parcela a expropriar em € 2.294.422,50.
Nas respetivas alegações veio a entidade expropriante pugnar pelo indeferimento do requerido.
Com efeito, no processo de expropriação por utilidade pública, o objeto de cognição do tribunal é delimitado pela decisão arbitral e pelas alegações do recorrente, donde, por inadmissível, impõe-se concluir pelo indeferimento da requerida ampliação do pedido.
Nestes termos, indefere-se a requerida ampliação do pedido.»
Em ulterior despacho, proferido nos termos dos artigos 668.º e 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o tribunal recorrido considerou que, em sede de sentença, se pronunciou, «no sentido de indeferir a requerida ampliação do pedido, por, salvo o devido respeito por opinião contrária, as alegações de recurso da decisão arbitral delimitarem o objecto de cognição do Tribunal.
Na verdade e sem prejuízo de, salvo o devido respeito por opinião contrária, a requerida alteração implicar também uma alteração dos respetivos fundamentos em que se baseia o pedido formulado, sob pena de qualquer ampliação se achar virtualmente contida no pedido inicial de “justa indemnização”, a decisão que antecede pronunciou-se sobre a mesma, entendendo não ser tal ampliação admissível pelo supra exposto (…)».
Perante o que se deixa transcrito e sem prejuízo da breve fundamentação quanto às razões que justificam o entendimento do tribunal, não se vê que ocorra a pretendida nulidade da sentença; o tribunal a quo considera que, estando o seu conhecimento delimitado pela decisão arbitral que é objecto de recurso em primeira instância e pelas alegações do recorrente (premissas), é inadmissível a posterior ampliação do pedido (conclusão).
A conclusão quanto à inexistência de nulidade não é alterada pelo facto de não se fazer uma referência explícita a qualquer norma jurídica.
Os recorrentes, remetendo para o disposto no artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pretendem ainda que opera a nulidade pelo facto da apreciação feita na sentença “traduzir a prática de um acto que a lei não admite, já que a irregularidade cometida pode influir no exame e na decisão da causa”.
Não se vê em que medida a apreciação feita na sentença recorrida traduz a prática de acto não admitido pela lei, o que, a verificar-se, seria contraditório com a pretensão imediatamente anterior dos recorrentes, ao afirmarem a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito – o que pressupõe o dever de fundamentação e, nessa medida, a obrigação de apreciação.
Assim, não operam as nulidades suscitadas em relação à sentença e antes enunciadas, importando antes apreciar a questão de mérito, isto é, determinar se é ou não admissível, no caso concreto, a ampliação do pedido pretendida pelos recorrentes – e que o tribunal recorrido decidiu em sentido negativo.
2.2 A questão não é incontroversa, na medida em que o Código das Expropriações não é explícito quanto à mesma, registando-se a existência de decisões divergentes.
Não deixa no entanto de ter aplicação a regra do artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, nos termos da qual os processos especiais se regulam pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns, observando-se em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras o que se acha estabelecido para o processo ordinário. Esta regra mantém-se no artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na sua redacção actual.
Acolhendo-se o entendimento exposto no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, proferido em 26 de Novembro de 2002, no processo 9921492, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt), cuja transcrição se actualiza por nota, na parte em que remete para as normas do Código das Expropriações e perante as alterações entretanto efectuadas neste diploma, «o processo de expropriação contempla duas fases, uma administrativa – em que se insere o acto expropriativo e visa o acordo das partes ou a fixação da indemnização por arbitragem – e, outra judicial, que tem por objectivo final a fixação, com observância do contraditório, da justa indemnização.
A fase judicial inicia-se com a interposição de recurso da decisão arbitral, no qual “o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas e designar o seu perito” (artigo 56.º do Código das Expropriações (…)) – (artigo 58.º na redacção actual).
O recurso iniciado com o referido requerimento não tem a mesma natureza dos recursos ordinários previstos na lei processual civil. Enquanto aquele se destina a uma apreciação global da questão da indemnização devida ao expropriado, seguindo-se-lhe uma ampla fase instrutória e de discussão, os recursos ordinários são simples recursos de revisão, nos quais só excepcionalmente é admissível a apreciação de questões novas e a produção de prova está limitada a certos documentos.
O citado artigo 56.º do Código das Expropriações (artigo 58.º na redacção actual) não exige que o recorrente indique no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral o montante da indemnização a que se considera com direito, exigindo apenas que exponha as razões da discordância da decisão arbitral.
O mesmo não sucedia no Código das Expropriações de 1976 que, no seu artigo 83.º, n.º 2, exigia que o recorrente indicasse logo o valor da indemnização.
A eliminação dessa exigência no Código de 1991 e no actual (cfr. art. 58.º) tem sido vista como uma clara vontade de o legislador não querer impor ao recorrente, no momento da interposição do recurso da decisão arbitral, a indicação do valor da indemnização, deferindo essa possibilidade para depois da obrigatória avaliação prevista no artigo 59.º.
Tratando-se de processo especial, regulado pelo Código das Expropriações, rege-se pelas disposições que lhe são próprias, pelas disposições gerais e comuns e em tudo quanto não se houver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário – artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Assim, não prevendo o Código de Expropriações a disciplina da alteração do pedido, é aplicável quanto a essa matéria, o Código de Processo Civil, que permite a sua ampliação até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Não havendo lugar a audiência de julgamento, no processo de expropriação por utilidade pública o momento que equivale ao encerramento da discussão no processo declarativo comum é a apresentação das alegações a que se refere o artigo 63.º do Código das Expropriações. Com efeito, a discussão na fase de recurso perante o juiz da 1.ª instância só se encerra com a apresentação daquelas alegações».
Daí que, como também afirmam, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Abril de 2003 (processo 0330740, disponível na base de dados do IGFEJ, antes referida) e do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1999 (disponível na mesma base de dados, processo 99A801) e de 26 de Junho de 2001 (publicado na “Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, tomo 2/2001, página 137), no processo de expropriação é admissível a ampliação do pedido até ou nas alegações que antecedem a sentença da 1.ª instância.
No caso dos autos, a ampliação foi suscitada pelos expropriados, ao formularem as alegações a que se reporta o artigo 64.º, n.º 1, do Código das Expropriações, pelo que não há objecção a fazer em termos de oportunidade, importando então determinar se a ampliação pretendida pelos recorrentes se traduz no desenvolvimento ou é consequência do pedido primitivo, face às exigências do n.º 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil (artigo 265.º, n.º 2, na redacção actual, resultante da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
A ampliação do pedido pressupõe neste caso que, dentro da mesma causa de pedir, o pedido primitivo se modifique para mais, garantindo ao autor o direito de deduzir um pedido quantitativamente superior perante modificação no decurso da acção.
No confronto dos fundamentos que são enunciados no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral (fls. 172 e seguintes) com os que constam nas alegações que foram posteriormente apresentadas nos termos do artigo 64.º do Código das Expropriações (fls. 337 e seguintes), regista-se que a alteração pretendida assenta na consideração de diferentes valores, no que concerne à “área bruta de construção” (alterada de 17.500 m2 para 17.600 m2) e ao “preço/m2 de área bruta” (ampliado de 550,00 €/m2 para 601,64 €/m2), sendo estas ampliações sustentadas no confronto dos diferentes laudos.
Em ambos os casos, os recorrentes consideram – ainda que em termos parciais, na medida em que determina aumento do montante indemnizatório – a correcção de valores que consta do laudo de peritagem em confronto com os restantes, quanto à área da parcela para determinação da área bruta de construção para efeitos de aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e quanto à fixação do valor do custo da construção, traduzindo-se as alterações em causa no desenvolvimento da pretensão inicialmente formulada.
Conclui-se por isso no sentido da admissibilidade da ampliação do pedido, sem que tal se traduza na sua procedência.
3. Os recorrentes pretendem que a sentença recorrida padece de outras nulidades, a cuja apreciação se procederá, considerando-se para o efeito o quadro legal que antes se mencionou quanto às causas de nulidade, taxativamente enunciadas no artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
3.1 Com referência às alíneas a) e d) do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil, começam por afirmar que, ao não declarar quais os factos que julgou não provados, a sentença recorrida violou o n.º 2 do artigo 653.º do mesmo diploma, pelo que é nula: não foram especificados os fundamentos de facto que levariam à sua desconsideração e não existe pronúncia sobre questões que deveriam ter-se apreciado, como, por exemplo, o atinente às infra-estruturas rede de saneamento, estação depuradora em ligação com essa rede, rede de gás e rede telefónica.
Os recorrentes não têm razão ao invocar a alínea a) do n.º 1 do artigo 668.º (nulidade da sentença decorrente do facto de não conter a assinatura do juiz); a sentença contém a assinatura electrónica do juiz que a redigiu e que, nos termos da certificação aposta na primeira página da aludida peça processual, substitui a assinatura por autografia.
No âmbito da acção ordinária, do processo declarativo comum, o artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção que aqui releva, anterior à publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, estabelece que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
É pacífico que a expropriação consubstancia um processo especial, como decorre do respectivo código, resultando nomeadamente dos seus artigos 64.º e 65.º que não há lugar a audiência preliminar e à prolação de despacho saneador, nem a audiência de julgamento com o formalismo regulado nos artigos 646.º a 657.º do Código de Processo Civil, não ocorrendo a prolação do despacho que é enunciado no n.º 2 do artigo 653.º do Código de Processo Civil, pelo que não pode afirmar-se a nulidade decorrente da sua ausência.
É na própria sentença que se decide em relação à matéria de facto provada, pelo que se impõe ao juiz que explicite os fundamentos, devendo para o efeito discriminar os factos que considera provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final – artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – sem que daí resulte que tenha necessariamente que consignar factos não provados.
A omissão, na sentença proferida em processo especial de expropriação, dos factos que o tribunal julgou provados e que interessam à decisão de direito, consubstancia violação daquela norma e determina a nulidade da sentença, prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, sendo esta uma nulidade suprível pelo tribunal de recurso, nos termos dos artigos 668.º, n.º 3, e 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, desde que o processo contenha todos os elementos de prova em que se baseou a decisão.
No caso dos autos, regista-se que o tribunal recorrido consignou os factos provados, nos termos que antes se deixaram registados. Verifica-se que também se explicitam na sentença recorrida os fundamentos de convicção do tribunal – a análise detalhada dos documentos que integram o processo, do teor do auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, que constitui o documento de fls. 73 a 77, do laudo pericial subscrito unanimemente pelos peritos, de fls. 202 a 209, ponderando-se ainda as respostas dadas pelos peritos aos quesitos apresentados e os esclarecimentos prestados, nos termos de fls. 261 a 274, bem como aos esclarecimentos por eles prestados presencialmente, consignando-se que, no essencial, confirmaram o vertido no respectivo relatório pericial e nos esclarecimentos prestados por escrito.
Perante os elementos que se deixam enunciados, não pode afirmar-se a pretendida nulidade, por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia, não se alterando esta conclusão mesmo que se considere que ocorre alguma escassez de fundamentação.
Conclui-se por isso que improcede nesta parte a arguição de nulidade.
3.2 Os recorrentes pretendem ainda que há insuficiência da matéria de facto tida por provada para a prolação da sentença, pelo que esta é nula, em vista do disposto “nas alíneas a) e d) do n.º 1, do art. 668.º CPCivil”.
Reitera-se o que antes se deixou enunciado quanto às alegadas nulidades, na certeza de que não operam.
Não determina a nulidade o facto da sentença aderir, de modo explícito, aos valores considerados no relatório de avaliação da parcela, nem a manifesta discordância dos recorrentes em relação às razões enunciadas na sentença recorrida.
Por outro lado, os referidos valores não consubstanciam matéria de facto a provar, sendo antes qualificações a efectuar no cálculo da indemnização, em função dos factos provados e dos pressupostos legalmente enunciados.
Na sentença recorrida considerou-se essencialmente o que resulta da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, enunciado no respectivo relatório. Esta vistoria, tendo a relevância de prova pericial, tem como objectivo registar os elementos relevantes para a avaliação do bem vistoriado e objecto de expropriação, ultrapassando desta forma as restrições que resultariam do desaparecimento ou da alteração de tais elementos.
“Por isso, só com especial segurança, fundada em inequívocos elementos de prova, se deve alterar a matéria factual proveniente da vistoria ad perpetuam rei memoriam” – acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Outubro de 2012, proferido no processo 594/09.5TBMTS.P1, disponível na base de dados do IGFEJ, antes referenciada.
Assim, também aqui não se vê que ocorra nulidade da sentença.
3.3 Os recorrentes pretendem ainda que opera a nulidade da sentença, como preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º Código de Processo Civil e por violação do artigo 684.º, n.º 4, do mesmo diploma, face à não pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada.
Alegam para o efeito que, perante a proibição da reformatio in pejus e não podendo ser prejudicados os efeitos do julgado em sede de decisão arbitral, na parte não recorrida, deveria ter-se por definitivamente fixado: que o solo da parcela é apto para construção, regendo o artigo 21.º do Regulamento do PDM de Vila Real, à data em vigor; o coeficiente de 10% para transformação da área útil em área bruta; e o factor de correcção de 5% em face da previsão do n.º 10 do artigo 26.º Código das Expropriações. Igualmente, que a percentagem a considerar para efeitos do n.º 6 do mesmo artigo nunca poderia ser inferior a 11,5% (se bem que pudesse atingir 13%, como propugnado).
O artigo 684.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “delimitação subjectiva e efeitos do recurso”, estabelece que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Acolhe-se a este propósito o entendimento expendido pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido em 23 de Outubro de 2012, no âmbito do processo 594/09.5TBMTS.P1, disponível na base de dados do IGFEJ, antes citado:
“Ao acórdão arbitral são aplicáveis, em matéria de recursos, as mesmas disposições que se contêm no Código de Processo Civil, sendo o seu objecto demarcado pelas alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral, o qual transita em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros. Porém, essa força de caso julgado não implica que as premissas da decisão adquiram idêntico valor, quando, mesmo que não expressamente impugnadas, se impugne a decisão que nelas se baseia e na medida em que a decisão as refira de modo expresso ou constituam seu antecedente lógico, necessário e imprescindível. Pelo contrário, a força de caso julgado impedirá a reapreciação de questões que tenham tido autónoma discussão e decisão, quando constituírem um dos elementos da decisão final – e não apenas uma das suas premissas – e esse elemento não tenha sido alvo de impugnação”.
Assim, o que está em causa é a concreta questão impugnada em sede de recurso e não os diferentes pressupostos em que assenta.
Pretendem os recorrentes que, neste caso, cabia ao Tribunal proceder à análise crítica das provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, porquanto “a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”, assim violando o disposto no n.º 2 do artigo 653.º e o artigo 591.º, ambos do Código de Processo Civil, sendo nula, face à não pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada.
Na sentença recorrida afirma-se com relevância nesta questão:
«Isto posto, e começando pelo coeficiente a atribuir nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26.º n.º 6 do Código das Expropriações, face à localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona, estabeleceu o colégio de peritos, em termos unânimes, que a percentagem se cifra em 11%.
Ora, atenta aquela unanimidade, como se referiu, e porque os Senhores Peritos, melhor que o julgador, tendo em conta o juízo eminentemente técnico, impõe-se atender à percentagem atribuída.
Mais atribuíram unanimemente os Senhores Peritos, nos termos do artigo 26.º n.º 7 do Código das Expropriações, as percentagens de: 1,5% para efeitos da alínea a) face à existência de acesso rodoviário; de 1% para efeitos da alínea c) do mesmo preceito, face à existência de rede de abastecimento de água; e de 1% para efeitos da alínea e), face à existência de rede de distribuição de energia elétrica com baixa tensão, percentagens estas que se mostram corretas face à factualidade provada nos autos. Sendo certo que a expressão legal – junto da parcela, é coisa diversa da existência destas infraestruturas em edifícios situados na envolvente da parcela e sempre, de resto, se impõe considerar a data da declaração de utilidade pública.
Já no que concerne à área bruta de construção e aos custos de construção relativos à área bruta de construção à data da declaração de utilidade pública, porque não existe divergência entre os Senhores Peritos, atender-se-á ao estabelecido pelo laudo unânime dos Senhores Peritos.
Um outro aspeto importa considerar para que, delimitados os critérios, se proceda à computação da indemnização. Tal prende-se com o disposto no n.º 10 do artigo 26º do Código das Expropriações. Dispõe este número que “o valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objeto de aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva no montante máximo de 15% do valor da avaliação.”
Ora, também neste aspeto se impõe atender ao relatório unânime.
Efetivamente, a avaliação da parcela a expropriar é acima de tudo uma atividade eminentemente técnica, encarando o Tribunal, portanto, a prova produzida, seja o relatório pericial, com inteira conservação da livre apreciação que lhe incumbe, mas sem esquecer a especial natureza dessa prova, a que se recorre precisamente porquanto a perceção de determinados factos sobre os quais o Tribunal há-de proferir decisão escapa ao comum dos cidadãos, pressupondo conhecimentos técnico-científicos específicos.
Assim, no que tange ao relatório dos peritos, temos para nós que a sindicância do Tribunal prende-se acima de tudo com a questão de apurar se há eventual omissão de consideração de factos e se foram observados os critérios legais na determinação da indemnização.»
Daqui decorre que o tribunal considerou, como elemento determinante, a unanimidade dos peritos subscritores do laudo de fls. 202 e seguintes, tendo subjacente a inexistência de elementos que ponham em causa a sua credibilidade.
Podem discutir-se as razões mencionadas pelo tribunal recorrido; não pode no entanto afirmar-se a existência de omissão de pronúncia, pelo que também aqui improcede a pretendida nulidade da sentença.
3.4 Os recorrentes, ainda no âmbito da invocação de nulidades da sentença, pretendem finalmente que também opera nulidade por alegada violação do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Este artigo, no âmbito das regras sobre as relações jurídicas, exercício e tutela dos direitos, especificamente no capítulo das provas e sob a epígrafe “ónus da prova”, começando por estabelecer que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), determina que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2), na certeza de que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (n.º 3).
Os recorrentes, reportando-se ao acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no processo 594/09.5TBMTS.P1 e antes citado e à aludida norma, expressam o entendimento de que, provada a existência de benfeitorias, por ser facto impeditivo do direito à sua indemnização, é à expropriante que cabe demonstrar que o aproveitamento construtivo invocado para a parcela acarretaria a inutilização dessas benfeitorias.
Na sentença recorrida, expressando-se o entendimento de que as benfeitorias colidiam com o aproveitamento construtivo do terreno, conclui-se que não são indemnizáveis.
Este entendimento merece a discordância dos recorrentes; não determina, no entanto, a nulidade da sentença.
Assim, também aqui improcede a arguição de nulidade, sem prejuízo da apreciação da pretendida valoração das benfeitorias, a efectuar em momento ulterior.
4. O adequado valor da indemnização.
Os recorrentes, sem questionar a qualificação da parcela expropriada como consubstanciando “solo apto para construção”, discutem a correcção do valor da indemnização atribuída na sentença que é objecto do recurso, suscitando essencialmente as seguintes questões, cuja decisão alegadamente em contrário dizem configurar violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da justa e adequada indemnização, com referência aos artigos 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 23.º e seguintes do Código das Expropriações e 1310.º do Código Civil:
- As benfeitorias existentes nos prédios expropriados são passíveis de indemnização; mesmo numa perspectiva reducionista, sempre havia que liquidar aos expropriados a correspondente indemnização, ainda que restringida ao valor do tanque, das múltiplas árvores e do barracão térreo que continuam implantados na parcela expropriada. Provada a existência de benfeitorias, por ser facto impeditivo do direito à sua indemnização, era à expropriante que cabia demonstrar que o aproveitamento construtivo invocado para a parcela acarretaria a inutilização dessas benfeitorias; não tendo produzido tal prova, a decisão recorrida viola o plasmado no n.º 2 do artigo 342.º Código Civil.
- A área bruta de construção para efeitos de cálculo da indemnização a considerar deve ser de 17.600 m2, permitida pelo artigo 21.º do Regulamento do PDM de Vila Real, à data em vigor, sob pena de violação dos princípios da igualdade, na sua vertente positiva, e do Estado de Direito Democrático.
- Foi desconsiderada a existência de infra-estruturas relevantes para a determinação da indemnização, face ao disposto no artigo 26.º, n.º 6 e n.º 7, alíneas d), g), h) e i) do Código das Expropriações.
- Em vista do disposto no artigo 26.º, n.º 5, deste diploma, deve ser tomado como valor do custo de construção 601,64 €/m2, tendo presente os preços da habitação por metro quadrado de área útil, para vigorar em 2005, para o concelho de Vila Real; deve considerar-se o índice fundiário de 22%; deve retomar-se, como factor correctivo, 5%.
Na defesa do direito de propriedade, o artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição (n.º 1), só podendo ser efectuadas a requisição e a expropriação por utilidade pública com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (n.º 2).
O direito à indemnização é reiterado no artigo 1310.º do Código Civil, no capítulo referente à propriedade em geral, bem como no artigo 1.º do Código das Expropriações, onde se estabelece que os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do referido Código.
A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data – artigo 23.º do Código das Expropriações.
Ainda nos termos desta norma, na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar, nomeadamente, da própria declaração de utilidade pública da expropriação, na certeza de que o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
4.1 A consideração das benfeitorias existentes.
A avaliação de um terreno para expropriação não exclui necessariamente o ressarcimento das benfeitorias, como tal se considerando, no artigo 216.º do Código Civil, todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa e nelas se incluindo o resultado de tais despesas.
Assim, as benfeitorias são indemnizáveis desde que se verifiquem as circunstâncias que o justificam, na certeza de que, face ao disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, a justa indemnização deve ter em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública, nas quais se podem incluir as benfeitorias.
Mas a sua valoração é discutível quando se pressupõe a respectiva destruição de modo a possibilitar uma nova construção, não podendo a indemnização a atribuir ultrapassar o valor que um comprador prudente pagaria, em condições normais.
E também não há lugar à indemnização autónoma das benfeitorias quando o critério de fixação da indemnização já ponderou a sua existência.
No caso dos autos e conforme resulta do relatório de peritagem, considerou-se que, “uma vez que o valor da indemnização por expropriação da parcela em apreço será determinada por similitude a terreno apto para construção, não há lugar à valorização das benfeitorias aí existentes, por estas constituírem um encargo ou despesa, pois para se construir no terreno, este tem de estar limpo e em condições de implantação da obra”.
Em ulterior relatório, em que procederam à avaliação das benfeitorias, tendo presente a descrição feita a esse propósito no relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam e esclarecendo questões suscitadas pelos expropriados/recorrentes, os peritos acrescentam que, “considerando-se o solo da parcela como apto para construção, é obvio que a execução desta e das correspondentes infra-estruturas implica necessariamente a demolição e a destruição do barracão térreo, do tanque, das videiras e das árvores existentes na Parcela, à data da DUP.
Os Peritos consideram, assim, que as árvores e demais benfeitorias constituem obstáculos à concretização do aproveitamento urbanístico considerado. Logo, não podem estes elementos serem valorizados como melhoramentos em relação à construção a realizar”.
Na sentença recorrida e a este propósito, considerou-se:
«Importa determinar se as benfeitorias são ou não indemnizáveis, atento o facto da parcela expropriada ter sido classificada como solo apto para construção.
Sobre a presente questão não há, desde logo, uniformidade na jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Decidiram, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27/06/2000, processo n.º 0020705, de 08/02/2000 processo n.º 9921453, de 27/01/2003 processo n.º 0252680, todos em www.dgsi.pt, que em processo de expropriações por utilidade pública, sendo a parcela expropriada classificada como solo apto para construção, não é de atribuir qualquer indemnização por benfeitorias aí existentes. Diferentemente entenderam os Acórdãos do mesmo Tribunal de 16/02/2006 processo n.º 0536917, de 15/05/97 processo n.º 9650909, de 22/01/96 processo n.º 9550214, todos em www.dgsi.pt. Por fim, refira-se que segundo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/12/2000 processo n.º 0051287 in www.dgsi.pt, “é admissível adicionar o valor das benfeitorias ao resultante da potencialidade construtiva do terreno se aquelas puderem ser aproveitadas no âmbito da construção a realizar”, pelo que necessariamente não colidindo com o aproveitamento construtivo da parcela expropriada.
Ora, nos autos mesmo olhando à última das indicadas posições, impõe-se concluir que as mesmas colidiam com o aproveitamento construtivo do terreno, pelo que não são indemnizáveis.»
Acompanhando-se o entendimento de que é admissível adicionar o valor das benfeitorias ao resultante da potencialidade construtiva do terreno se aquelas puderem ser aproveitadas no âmbito da construção a realizar e por isso não colidirem com o aproveitamento construtivo da parcela expropriada, não se acolhe a conclusão retirada pelo tribunal recorrido, no confronto com os factos provados e tendo presente que, demonstrada a existência de benfeitorias, é ao expropriante que cabe demonstrar que o aproveitamento construtivo invocado para a parcela acarreta necessariamente a sua inutilização, enquanto facto impeditivo do direito à respectiva indemnização.
Na verdade, conforme se salienta no relatório pericial, tendo em conta o enquadramento no Plano de Pormenor do J…, em vigor à data da D.U.P., e o seu enquadramento naquele Instrumento de Gestão Territorial, a Parcela expropriada destina-se a “Zona Verde e à construção do Centro de Ciência Viva”.
Perante os elementos em referência, não é evidente a necessária inutilização dos bens qualificados como benfeitorias, a inevitabilidade da sua inutilização/destruição, o que reverte contra a expropriante, sobre quem recai o ónus da prova.
Julga-se por isso que assiste razão aos recorrentes ao pretenderem a inclusão, na indemnização devida, do valor das benfeitorias.
Quanto a este, acolhe-se o valor estabelecido de forma unânime pelos peritos, no relatório complementar de fls. 261 e seguintes – € 38.480,40.
Pondera-se a este propósito que as conclusões unânimes apresentadas pelos peritos só devem ser rejeitadas perante a constatação de que foram adoptados critérios legalmente inadmissíveis ou que ocorrem erros evidentes – o que, no caso, não se verifica.
4.2 A área bruta de construção a considerar.
A este propósito, os recorrentes pretendem que a área bruta de construção para efeitos de cálculo da indemnização a considerar deve ser de 17.600 m2, que dizem permitida pelo artigo 21.º do Regulamento do PDM de Vila Real, à data em vigor, sob pena de violação dos princípios da igualdade, na sua vertente positiva, e do Estado de Direito Democrático.
É certo que o Regulamento do Plano Director Municipal de Vila Real, publicado no DR, I série-B, de 8 de Novembro de 1993, reportando-se às áreas de equipamento estruturante existente, estabelece no seu artigo 21.º que nestas áreas só se admitem instalações e edifícios de equipamento de interesse colectivo, permitindo-se a beneficiação e ampliação dos edifícios existentes, a sua substituição por outros ou novas construções, desde que o índice de utilização não ultrapasse o valor de 1,0.
A norma em referência não determina necessariamente a imposição deste índice e não afasta outros elementos a considerar.
Releva aqui o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, nos termos do qual, sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada.
A este propósito, os peritos fundamentam o valor obtido nos seguintes termos:
«A área envolvente à parcela, definida pela distância de 300m a contar do seu limite, é de 514.543 m2;
A área bruta de construção existente, ou possível edificar na envolvente à parcela teve em conta os elementos fornecidos pela Câmara Municipal …, através da Carta Justificativa (que consta dos autos) referenciada pelo ofício n.º …. de 22 de Junho de 2009, é de 173.401 m2;
O Índice de Utilização (área bruta de construção/área do terreno) a considerar para efeitos da valorização da parcela é de:
173.401 m2 / 514.543 m2 = 0,337 m2/m2;
Assim, a área de construção para efeitos de cálculo da indemnização é de:
17.600 m2 × 0,337 m2/m2 = 5.931 m2».
Em ulterior esclarecimento, os peritos afirmam que o «documento emitido pela Divisão de Cadastro e Informação Geográfica da Câmara Municipal …, (…) referenciado pelo ofício n.º ….. (…), que define que o valor de 173.401 m2, enquanto área bruta de construção existente ou cuja edificação é possível na área contida num polígono dos 300 metros a contar dos limites da Parcela, constitui um documento válido, passado pelos serviços com a competência adequada para o efeito, e que, após interpretação do mesmo, os peritos consideraram como um valor correcto.
(…) Tendo em conta o enquadramento no Plano de Pormenor do J…, em vigor à data da D.U.P., e o seu enquadramento naquele Instrumento de Gestão Territorial, a Parcela expropriada destina-se a “Zona Verde e à construção do Centro de Ciência Viva”».
Ponderadas as razões enunciadas pelos peritos, não se vê que haja fundamento para censura.
O facto de estarmos perante parcela localizada em área qualificada pelo PDM do concelho de Vila Real como área de equipamento estruturante existente e previstas relativas ao ensino e cultura (cf. ponto 1.4 do relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam), não determina a imposição do índice 1, pretendida pelos recorrentes, tal como não impõe a apreciação do concreto projecto para a edificação a implantar, afastando a regra do n.º 12 do artigo 26.º, na certeza de que, a seguir-se esse procedimento e perante o facto da parcela expropriada se destinar a zona verde e à construção do Centro de Ciência Viva, sempre estaria afastada a aplicação do índice 1, pela existência de uma área significativa de inexistência de construção, porquanto afecta a zona verde.
Obviamente que não releva o concreto fim da expropriação; o que não se evidencia é que, relativamente aos expropriados/recorrentes, haja elementos que permitam afirmar a edificação de equipamentos estruturantes que justifiquem a aplicação do índice 1,0.
Conclui-se por isso que não existe fundamento para a consideração da área bruta de construção de 17.600 m2, correspondente à área total da parcela, para efeitos de cálculo da indemnização, improcedendo o recurso nesta parte.
4.3 A desconsideração de infra-estruturas relevantes.
Os recorrentes alegam que foi desconsiderada pelos peritos, com inelutável repercussão na decisão recorrida, a existência de infra-estruturas relevantes para a determinação da indemnização, face ao disposto no artigo 26.º, n.º 6 e n.º 7, alíneas d), g), h) e i) do Código das Expropriações, reportando-se através destas normas a rede de saneamento, estação depuradora em ligação com a rede de saneamento, rede de gás e rede telefónica.
Estabelecem estas normas que, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo de tal percentagem poder ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens aí previstas, e com a variação que se mostrar justificada, sendo até 1,5% em relação a rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela, até 2% em relação a estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela, até 1% quanto a rede distribuidora de gás junto da parcela e também até 1% em relação a rede telefónica junto da parcela.
No relatório pericial, reportando-se ao relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, foi considerado que na estrema norte da parcela, lado nascente do pomar, estava construído um barraco térreo, muito modesto, ocupando 160 m2 de área, com algumas das paredes exteriores em alvenaria seca de pedra miúda; a construção possuía rede de distribuição de energia eléctrica, sendo a parcela ainda servida de rede de abastecimento de água.
Em princípio, no que concerne aos elementos em referência, releva o que se consigna no relatório de vistoria antes mencionado, onde se regista não haver qualquer referência às infra-estruturas agora mencionadas pelos recorrentes.
O referido relatório de vistoria não mereceu qualquer reclamação, nomeadamente, por parte dos expropriados/recorrentes, como lhes era facultado pelo artigo 21.º, n.º 7, do Código das Expropriações. Em face disso e como antes se mencionou, é o seu conteúdo que releva, em princípio.
No caso dos autos, além dos elementos antes enunciados, nada mais é mencionado de forma relevante e consistente, nomeadamente aqueles que os recorrentes agora mencionam.
Acresce que, como salientam os peritos em resposta a questão suscitada pelos expropriados, a ponderação das infra-estruturas deve ser feita com referência aos seus efeitos na qualidade de vida, na medida em que podem existir e não proporcionarem o fim e o uso para que foram constituídas.
Assim, perante os elementos que aqui comprovadamente relevam, não há da parte dos peritos qualquer omissão ou desconsideração de infra-estruturas relevantes, pelo que o recurso também improcede nesta parte.
4.4 O valor do custo de construção.
Os recorrentes alegam a este propósito que, em vista do disposto no artigo 26.º, n.º 5, Código das Expropriações, deve ser tomado como valor do custo de construção 601,64 €/m2, tendo presente os preços da habitação por metro quadrado de área útil, para vigorar em 2005, para o concelho de Vila Real; deve considerar-se o índice fundiário de 22%; deve retomar-se, como factor correctivo, 5%.
Os senhores peritos, de forma unânime, consideraram que, não sendo possível obter os elementos das Finanças a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º do Código das Expropriações, «o valor do terreno será determinado com recurso ao custo da construção fixado administrativamente nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, tomando como referencial os valores da Portaria n.º 1379-A/2004 de 30 de Outubro (…), que fixa os valores dos preços da habitação para efeitos de cálculo da renda condicionada para o ano de 2005. De acordo com a publicação atrás referida, os preços da habitação por metro quadrado de área útil, para vigorar em 2005, para o concelho de Vila Real é de 668,49 € / m2 de área útil».
A consideração deste valor não merece o desacordo dos recorrentes, reportando-se a sua divergência ao coeficiente de correcção de 0,85, considerado pelos peritos, pretendendo os recorrentes que se considere 0,90.
Os peritos justificam o valor considerado nos seguintes termos:
«Área bruta de construção de um fogo define-se como a área total do fogo, medida pelo perímetro exterior das paredes, incluindo balanços, varandas, etc.;
Área útil de um fogo define-se como a soma das áreas de todos os compartimentos da habitação, incluindo vestíbulos, circulações interiores, instalações sanitárias, arrumos e arrumos das paredes. Mede-se pelo intradorso das paredes que limitam o fogo, descontando as paredes interiores, divisórias e condutas;
Considerando o tipo de construção existente nos edifícios destinados a habitação existentes na zona da parcela em análise, os peritos entendem que a transformação de área útil em área bruta pode ser feita à custa de um coeficiente que corresponde a cerca de 0,85».
Não se vê razão válida para desconsiderar o entendimento unânime dos peritos, não sendo determinante o facto de, no laudo inicial, que determinou o recurso para o tribunal, se considerar o coeficiente agora pretendido pelos recorrentes (0,90), importando salientar que mesmo aí, como resulta da simples análise do relatório, a fls. 132 e seguintes, os senhores peritos não se restringem a esse coeficiente, ponderando também o valor médio entre área útil de construção e área útil de renda, de onde resulta um valor final de € 535,41 € / m2 que, apesar de arredondado para 550,00 € / m2, se mantém inferior ao que é considerado pelo relatório pericial de fls. 202 e seguintes (568,22 € / m2).
Esta leitura é extensível aos restantes valores enunciados no relatório pericial, quanto ao índice fundiário de 14,5% e ao factor de correcção de 10%, exprimindo o entendimento unânime dos peritos.
Não é despiciendo, a este propósito e quanto ao índice fundiário, a consideração pelos recorrentes de itens que, pelas razões anteriormente mencionadas (em 4.3), não relevam na determinação do valor da indemnização.
Assim, também aqui não há razão para contrariar a decisão proferida na sentença recorrida.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência:
a) Altera-se a sentença recorrida, revogando-se a mesma na parte em que indeferiu a requerida ampliação do pedido, admitindo-se a mesma.
b) Altera-se ainda a sentença recorrida, revogando-se a decisão proferida na parte em que fixa o valor da parcela objecto de expropriação.
c) Em sua substituição, decide-se fixar o valor da parcela a que se reportam os autos na quantia global de € 476.280,11 (quatrocentos e setenta e seis mil, duzentos e oitenta euros e onze cêntimos), mantendo-se no remanescente a decisão proferida.
Custas a cargo dos recorrentes/expropriados, na proporção do decaimento.
*
Porto, 30 de Junho de 2014.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira