Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
557/13.6TBLSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
NOTIFICAÇÃO
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
Nº do Documento: RP20151028557/13.6TBLSD.P1
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A comprovação após o julgamento e a sentença de que o arguido não foi notificado para os fins do artº 105º4 al. b) RGIT determina a absolvição do arguido, por não estar preenchida a condição objectiva de punibilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 557/13.6TBLSD do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lousada

Relator – Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento veio o arguido B… a ser condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e ainda com sujeição, durante nesse período, a regime de prova.

I. 2. Inconformado, recorreu o arguido – pugnando pela revogação da sentença e a sua substituição por uma outra que decrete a sua absolvição ou, então, subsidiariamente, pela redução da pena - apresentando as conclusões que se passam a transcrever:

1. o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º/1, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeitando-se, nesse período, a regime de prova;
2. contudo, esta condenação, de forma alguma se justifica, não só por não se verificar uma nova condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.º/4 alínea b) do RGIT, como também, por a sentença possuir um vício que lhe retira fundamento, o vício do erro notório na apreciação da prova, artigo 410.º/2 alínea c) C P Penal;
3. na sequência do que já constava da acusação pública, o tribunal a quo deu como provado o facto descrito no ponto 8. da matéria de facto provada, facto que, como resulta da prova documental vertida nos autos, não pode ser dado como provado;
4. efectivamente, o arguido nunca foi notificado para os termos e efeitos do artigo 105.º/4 alínea b) do RGIT, nunca em relação a ele foi cumprida esta condição objectiva de punibilidade, sendo uma efectiva condição de punibilidade, tendo em vista o AFJ 6/2008;
5. por inverificada esta condição, não pode ser dado como provado aquele ponto da matéria de facto, que deverá, então, ser modificada, por se verificar o citado vício processual, porquanto resultante do texto da decisão recorrida, por esta apelar a uma prova documental para tal da cobertura, quando a mesma, gritantemente, assevera o contrário – o arguido não foi notificado;
6. mostram-se violados, por isso, todos os normativos citados, devendo o arguido ser absolvido, sem haver lugar a reenvio;
7. no caso de esta visão das coisas não mostrar acolhimento, o que em verdade não vemos como, a pena aplicada deverá ser reduzida, porquanto se deu como provado que o arguido liquidou, recebeu e não devolveu ao Estado “rendimentos prediais” no ano de 2006, num total de € 750,00, tributos que efectivamente, não cabem na hipótese do artigo 105.º/1 do RGIT, pois que a quantia em causa não é quantia “deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar”.

I. 3. Respondeu a Digna Magistrada do MP, na 1ª instância, pugnando pela anulação do julgamento e pelo reenvio do processo para cumprimento da notificação, em falta, a que alude o artigo 105.º/4 alínea b) do RGIT e, bem assim, para eventual novo julgamento.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, atenta a nulidade da falta de notificação a que alude o artigo 105.º4 alínea b) do RGIT, devendo por isso ser ordenada abaixa do processo para a sua sanação antes de ser proferida nova sentença.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então a questão suscitada no presente prende-se com a questão de saber se,

se verifica, ou não, a nova condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.º/4 alínea b) do RGIT – o que pressupõe, desde logo, a questão de saber se o arguido foi ou não notificado nos termos e para os efeitos de tal norma e, em caso negativo se tal acarreta o vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º/2 alínea c) C P Penal;
a sua consequência em caso afirmativo e,
subsidiariamente, se será caso de redução da pena aplicada, porquanto se deu como provado que o arguido liquidou, recebeu e não devolveu ao Estado “rendimentos prediais” no ano de 2006, num total de € 750,00, tributos que efectivamente, não cabem na hipótese do artigo 105.º/1 do RGIT, pois que a quantia em causa não é quantia “deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar”.

III. 2. Atentemos na questão da notificação a que alude a alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT.

Todos estão de acordo que o arguido não foi notificado nos termos e para os efeitos de tal norma.
Tal notificação foi omitida de todo, o que encontrará explicação, no imediato, no facto de que quando, na fase de inquérito, foi a notificação ordenada e efectuada em relação aos outros arguidos, não se sabia do seu paradeiro, vindo, posteriormente - depois de proferida acusação e remetido o processo para julgamento - a ser, mesmo, declarado contumaz, sem que tal notificação haja sido ordenada, mesmo depois de cessada a contumácia.
Isto apesar de na acusação se alegar que a mesma se tinha já por efectuada.

Independentemente do facto de a contumácia não poder ser decretada na fase de inquérito, o certo é que a notificação em causa a traduzir a alegação na acusação do que consta do ponto 8. do elenco dos factos julgados como provados na decisão recorrida “os arguidos foram notificados, nos termos da alínea b) do n-º 4 do artigo 105.º do RGIT, de que poderiam proceder no prazo de 30 dias, após notificação, ao pagamento das quantias em dívida, acrescidas dos juros respectivos e que dessa forma se extinguiria o procedimento criminal” não tendo ocorrido até àquele momento – até porque se desconhecia o paradeiro do arguido, não poderia ter conduzido a tal alegação, pelo menos em relação ao arguido, já que os restantes arguidos tinham sido efectivamente notificados.
E a ser, como foi com a consequente remessa dos autos para julgamento a consequência a retirar seria a rejeição da acusação, nessa parte, por manifestamente infundada, por os factos não constituírem crime, na noção contida no artigo 1.º alínea a), cfr. artigo 311.º/2 alínea a) e 3 alínea d) C P Penal.
Não o foi, contudo e eis-nos chegados a este momento – final - da tramitação do processo

Seja como for e, é o que agora releva.
O crime de abuso de confiança fiscal tem como pressuposto a existência de uma prestação tributária deduzida e que o agente está legalmente obrigado a entregar ou que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a entregar.
Trata-se de um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, que se consuma no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária, por força do n.º 2 do artigo 5.º do RGIT.
Como será por todos consabido, foi dada uma nova redacção ao artigo 105º/4 do RGIT, através do artigo 95º da Lei 53-A/2006, Lei do Orçamento, passando assim a dispor que “os factos só são puníveis se:
a) tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo legal do prazo de entrega da prestação e,
b) a prestação comunicada à administração tributária, através da correspondente declaração, não for paga acrescida de juros respectivos e do valor da coima aplicável no prazo de 30 dias após a notificação feita para o efeito” - que constitui a parte da norma com a nova redacção.
A propósito da polémica que surgiu em torno da caracterização desta alteração, com a introdução da apontada alínea b), na sua repercussão nos processos pendentes - se por um lado, importava uma descriminalização das condutas praticadas anteriormente, sem mais ou, se traduzia antes, no acrescentar de uma nova condição objectiva de punibilidade, veio o STJ a fixar jurisprudência através do AFJ 6/2008 no sentido de que, “a exigência prevista na alínea b) do nº4 do artigo 105 do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2 nº4 do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do nº4 do artigo 105 do RGIT)”.
E, deste aresto, com a devida vénia retiramos os seguintes ensinamentos justificativos de tal entendimento:
“perante esta alteração legal, nos encontramos perante uma condição objectiva de punibilidade na medida em que se alude a uma circunstância em relação directa com o facto ilícito, mas que não pertence nem ao tipo de ilícito nem à culpa. Constitui um pressuposto material da punibilidade.
Face ao exposto entende-se que a alteração produzida pelo art. 95 da Lei n.º 53-A/2006 não implicou qualquer alteração nos elementos constitutivos do crime previsto no artigo 105.º do RGIT (a não entrega da prestação tributário retida no prazo legalmente fixado) que permaneceu imodificado na sua tipicidade.
A alteração legal produzida revela-se tão-somente como a previsão de uma outra condição de punibilidade que deve ser equacionada na medida em que configure um regime concretamente mais favorável para o agente.
(…)
A consagração “ex novo” da existência de uma condição de punibilidade permite concluir no sentido de a fazer aparecer como mais favorável em confronto com aquela disposição de lei penal em que a punição do mesmo facto emergia incondicionadamente.
Pode-se objectar que, na sua essência, a subordinação da punição de um facto à presença de uma condição de punibilidade não tem por finalidade, em princípio, o favorecimento do réu. Todavia, não se pode ignorar que, embora a condição não seja emitida com o propósito de favorecer aquele, o certo é que a situação que objectivamente se configura é uma situação mais favorável para o eventual transgressor da norma penal. Por outro lado (…) se a lei posterior inova no confronto com a lei anterior no sentido de que considera dever punir sob condição um facto que a lei revogada reprimia incondicionalmente, é evidente que falta um interesse em punir quando não esteja verificada a condição.
Na verdade, e no que concerne à situação sob análise, foi intenção publicitada do legislador, expressa de forma inequívoca na letra da lei, o objectivo de conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva. A nova lei é mais favorável para o agente pois que lhe proporciona a possibilidade de, por acto dependente exclusivamente da sua vontade, preencher uma condição que provoca o afastamento da punição por desnecessidade de aplicação de uma pena”.

Donde, há que sufragar o entendimento de que a nova redacção do artigo 105.º/4 alínea b) do RGIT, estabelece um pressuposto adicional de punibilidade, segundo o qual, a não punição resultará de uma atitude positiva do agente – pagar a dívida.
Aquela condição objetiva de punibilidade ter-se-á, então, como verificada logo que após o decurso do prazo de trinta dias, o arguido haja pago a dívida.
Donde, a condenação só poderá vir a ocorrer, caso a notificação a que alude a al. b) nº 4 do artigo 105.º do RGIT, tenha sido efectuada - o que não foi o caso.
Falta por isso, desde logo, o pressuposto em que assenta a apontada condição objectiva de punibilidade - no sentido de que os factos não serão puníveis criminalmente se o agente regularizar a dívida, no prazo de 30 dias depois de notificado para o efeito.
Sem a notificação – imposta recorde-se a favor do arguido - não se pode ter, sequer, como verificada tal condição, desde logo, por razões não imputáveis ao arguido. Fica, a sua verificação, desde logo, prejudicada e inviabilizada, à partida.
Com efeito se ao arguido não lhe foi dada a possibilidade de através de uma obrigação de facere, excluir a punibilidade dos factos, pagando a dívida, não se pode ter como verificada a exigida, nova, condição de punibilidade.
Se até este ponto estamos todos de acordo, a divergência surge agora no tratamento a dar a tal omissão.
Sobre qual a consequência a extrair de tal omissão.

Será que a falta da apontada notificação acarreta o vício do erro notório na apreciação da prova, a impor a sua absolvição, como defende o arguido ou, perante o mesmo vício, o reenvio do processo, como defende o MP na 1.ª instância ou, ainda, a verificação de uma nulidade por absoluta falta de fundamentação referente a tal ponto da matéria de facto, exigida pelo n.º 2 do artigo 374.º C P Penal, a impor a remessa dos autos à 1.ª instância para a ser sanada, como defende o Sr. PGA neste Tribunal?
Ou já agora como se defende no Ac. deste Tribunal de 13.5.2015, in site da dgsi, a verificação de uma mera irregularidade, do conhecimento oficioso, todavia.
Ou já agora, o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão?
Cremos, contudo que, nenhuma destas situações seja a ajustada e adequada às particularidades e especificidades do caso.
Com efeito, desde logo, atento o princípio da vinculação temática, a traduzir a ideia de que é a acusação que delimita o âmbito do conhecimento do processo, através da descrição dos factos de que o arguido se tem que defender e, apesar de da acusação constar que o arguido foi notificado – quando manifesta e incontestavelmente, o não foi.
Obviamente que se não pode agora efectuar a notificação por forma a que fique, assim, conformada “a posteriori” a tese descrita na acusação – que como vimos já, se tratava de um nado-morto, sem qualquer hipótese de salvação, de ser ressuscitada.
Daí, que s enão possa entender estarmos perante a causa de nulidade apontada pelo Sr. PGA, tão pouco de mera irregularidade de conhecimento oficioso - que na prática se reconduziria a situação similar ou com igual tratamento, com se defendeu no Ac. deste tribunal de 13.5.2015, in site da dgsi.
Com efeito, a norma invocada pelo Sr. PGA, o artigo 374º/2 C P Penal, assinala como requisito da sentença, entre outros, “a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Deve-se entender que o requisito contido no artigo 374º/2 C P Penal, “se traduz na indicação dos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência e exige não só a indicação das provas ou meio de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados - thema decidendum - nem os meios de prova - thema probandum - mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o artigo 410º/2 C P Penal e extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”, cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.
A motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do tribunal, relativamente aos factos julgados, como provados ou como não provados.
A razão de ser de tal vício prende-se, como parece, da mesma forma patente, com o facto de a falta de análise crítica da prova impedir que o recorrente tenha a possibilidade de em concreto, directa, fundada e eficazmente, demonstrar as razões da sua discordância – a não ser com generalidades – sobre o julgamento da matéria de facto, que não esteja alicerçado, de todo - sequer, com frases feitas ou fórmulas abstractas - sem que se surpreenda, de resto, qualquer preocupação de convencimento dos destinatários.
Ora o que no caso acontece nada tem a ver com esta questão.
Todos os destinatários da decisão recorrida sabem que os factos julgados como provados atinentes com a apontada condição de punibilidade foram-no com base na prova documental.
Assim, vinha na acusação e assim foi traduzido na sentença.
Nenhuma dúvida sobre isso existe.
Tivesse o MP, primeiro e o tribunal depois, feito primeiro, a especificação concreta do documento, do seu teor e a leitura guiada da prova arrolada, ali e, especificada aqui, e tinha, necessariamente, sem grande esforço de rigor e de atenção, chegado à conclusão que a final não existe documento algum a demonstrar que o arguido haja sido notificado.
O que se nos depara, é inequivocamente um ostensivo erro de julgamento, originado numa não menos evidente e flagrante omissão do inquérito, que se traduz em se ter como verificada a nova condição de punibilidade, quando o arguido nem sequer fora notificado nos termos e para os efeitos que a mesma pressupõe.

Da mesma forma, não se trata de nenhum erro notório na apreciação da prova - que só pode ser resultante, como se sabe, da mera leitura da decisão recorrida ainda que com o recurso às regras da experiência – pois que, da mera leitura não ressalta a falta de notificação, pois que no segmento da fundamentação e da análise crítica da prova se refere que “o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente dos documentos juntos aos autos”.
Ora da mera leitura deste segmento, não se evidencia, sequer, que a notificação não haja sido efectuada. Para se constatar a apontada falta de notificação seria necessário que o tribunal se tivesse socorrido da específica e concreta prova produzida e, então, seguramente, teria que notar que de nenhum dos documentos constava a notificação do arguido. O que não foi feito.
Igualmente, em relação ao vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito.
Podemos assim, assentar em que da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie, qualquer dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, que se traduzem, sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna:
nem o da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;
nem o da contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição,
tão pouco, o alegado, erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum.

Donde, cremos que em casos como o dos autos, em que o arguido não foi sequer notificado, nos termos e para os efeitos da apontada alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, não lhe tendo, desta forma, sido concedida, sequer a possibilidade de poder vir a optar pelo pagamento e assim se eximir à responsabilidade criminal, se terá que concluir pelo não preenchimento da apontada condição de punibilidade – alegada, ainda assim, na acusação - por razões que lhe não são, de todos imputáveis.
E a consequência a extrair não pode deixar de ser, inelutavelmente, a sua absolvição, pela não verificação de tal condição de punibilidade – como decidiu este Tribunal no Ac. de 1.6.2011, proferido no processo 1534/08.4TDPRT.P1, citado naquele de 13.5.2015.

Donde o recurso do arguido está votado ao sucesso, desde logo, quanto ao seu primeiro fundamento, ficando, por isso prejudicado o conhecimento dos restantes.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este tribunal em conceder provimento ao recurso apresentado pelo arguido B… e, em consequência revogar a decisão recorrida e decretar a sua absolvição.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.

Porto, 2015-outubro-28
Ernesto Nascimento
Artur Oliveira