Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1241/11.0TTVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP201707121241/11.0TTVNG.P2
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTO Nº 260, FLS 133-144)
Área Temática: .
Sumário: I - Decorre do art. 4º, nº 1, al. c), da Lei 7/2009, de 12/02, que o direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho previsto na Lei 98/2009 tem como destinatário não apenas o trabalhador vinculado por contrato de trabalho, mas um leque mais abrangente, que inclui igualmente o trabalhador independente, isto é, sem subordinação jurídica, mas que desenvolva a sua atividade na dependência económica do beneficiário da atividade, dependência essa que, nos termos do art. 3º, nº 2, da LAT, se presume.
II - Ttendo o sinistrado provado o facto base que constitui pressuposto da aplicação da referida presunção da dependência económica (ou seja, que prestava a sua atividade de vendedor, pela qual era remunerado, por conta da beneficiaria dessa atividade), competia à Seguradora, com quem a beneficiária da atividade havia celebrado contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho abrangendo o Autor, o ónus de ónus de ilidir tal presunção, provando o contrário.
III. Não tendo tal presunção sido ilidida, é a Seguradora responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que o A. foi vítima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1241/11.0TTVNG.P2
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1001)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória da presente ação declarativa de condenação, com processo especial de acidente de trabalho, B..., com mandatário judicial constituído, apresentou petição inicial demandando C... – Companhia de Seguros, SPA, na qual pede que seja esta condenada a pagar-lhe: a pensão anual e vitalícia de € 6.587,41; a quantia de € 16.593,39 relativa a indemnização por incapacidades temporárias; a quantia de € 15,00 despendida em deslocações ao Tribunal; a quantia de € 1.176,60 despendida em transportes para se deslocar a tratamentos; a quantia de € 159,87 referente a medicamentos, consultas médicas e taxas moderadoras.
Invocou, para tanto e em síntese, que: no dia 20/03/2011, conduzia o veículo de matrícula ..-BG-.., no desempenho das suas funções de vendedor na D..., S.A., auferindo a retribuição anual de €1.794,00 x 14 meses, tendo sido vítima do acidente que descreve, do qual resultaram lesões determinantes de IPP de 37,4685%, desde a data da alta definitiva, esta ocorrida aos 01/03/2012, bem como das incapacidades temporárias que refere; a D..., SA havia transferido a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho de que fosse vítima o A. para a Ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice .............., na modalidade de folha de férias.

A Ré contestou alegando, em síntese:
- Sob a epígrafeI. Da não cobertura do sinistro invocado” (arts. 1º a 33ºi), que: entre a contestante e D..., SA, na qualidade de segurada, foi celebrado um contrato de seguro obrigatório do «ramo acidentes de trabalho», titulado pela apólice uniforme nº .........., pelo qual esta última transferiu para aqueloutra a respetiva responsabilidade infortunística para com os trabalhadores por conta dela, constando o A. das folhas de férias enviadas pela dita segurada à Ré, o que a levou a pensar que aquele era, de facto, um trabalhador por conta daquela segurada, razão pela qual inicialmente o tratou como se assim fosse. Não obstante, posteriormente veio a saber que o A. não era trabalhador por conta da dita segurada da Ré, pois que com esta não havia celebrado qualquer contrato de trabalho, mas antes, e pelas razões de facto que invoca, um contrato de prestação de serviços e sendo, como tal, um trabalhador independente, o que foi comunicado à ora contestante pela sua segurada por correio eletrónico datado de 09.06.2011, com o seguinte conteúdo: “Informo que Sr. B... tem com a D... um Contrato de prestação de Serviços onde não é feita nenhuma referência ao horário de trabalho, até porque é um Trabalhador Independente. Nesta conformidade, pode trabalhar Sábados, Domingos e Feriados a qualquer hora.”. Assim, o mencionado contrato de seguro não cobre qualquer responsabilidade infortunística por acidentes ocorridos com o autor, que nele não é pessoa segura, sendo que existem apólices de seguro uniformes que cobrem os acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes, a qual não era a apólice de seguro celebrada com a ré.
- Subsidiariamente, sob a epígrafe “II. Da anulabilidade do seguro” (arts. 35º a 43º), que: a mera inclusão do autor nas folhas de férias não significa, só por si, que o autor estivesse coberto por aquele contrato de seguro, uma vez que, face ao acima explanado, tal representou uma declaração inexata e dolosa da segurada da ré (cf. ac. do STJ de 15.05.2012 in www.dgsi.pt), já que era do seu prévio conhecimento que o autor não era seu trabalhador e, e ainda assim, incluiu o seu nome naquelas folhas, declaração essa geradora da anulabilidade do seguro em causa ao menos em relação ao autor (cf. artº 25º/3 do RJCS) e que invoca.
- Subsidiariamente, invoca a descaracterização do acidente em causa com fundamento em negligência grosseira e exclusiva do A. Mais impugna alguns dos factos alegados pelo A.
Termina concluindo no sentido de que a presente ação deverá ser julgada não provada e improcedente, por se considerar o sinistro invocado não coberto pelo seguro celebrado com a ré, por se considerar este anulável, ao menos em relação ao autor, como se requer seja declarado, ou, finalmente, por se considerar o sinistro descaracterizado, absolvendo-se sempre a ré dos pedidos, com as demais consequências legais.

O A. respondeu no sentido, em síntese, da inadmissibilidade de invocação da alegada invalidade ou ineficácia do contrato de seguro, mais referindo que: tal como o A., cerca de 30 colaboradores que celebraram contratos de agência, estavam incluídos, desde 01.07.2008, nas folhas de férias remetidas à Ré no âmbito do mencionado contrato de seguro, a qual separava e separa os trabalhadores dependentes dos independentes; tudo sempre foi do conhecimento da Ré, que sempre aceitou a cobertura dos acidentes que vitimassem, para além de outros trabalhadores, os seus agentes comissionistas no desempenho das suas funções, tal como ocorreu com o A. no âmbito de um outro acidente de trabalho, e tendo a Ré feito uma consciente avaliação do risco e fixado o prémio em função do mesmo; a apólice em causa continua em vigor, não tendo a Ré posto termo ao contrato de seguro depois de 09.06.2011, data em que diz ter sabido das funções desempenhadas pelo A., tendo este, e todos os demais comissionistas, nelas continuado incluído, consubstanciando o comportamento da Ré um verdadeiro abuso de direito (art. 334º do C).
Estava o A. obrigado a prestar serviços apenas a “D...”, sendo falso o que, em contrário, é alegado pela Ré.
Sem prescindir, alega que a Ré, em 20.06.2011, remeteu à “D...” uma carta a declinar a sua responsabilidade, porém apenas com base num alegado comportamento temerário, inútil e indesculpável do A., não fundamentando a sua recusa nos factos atinentes à relação entre o A. e a “D...”; tendo a Ré tido conhecimento dos factos que agora invoca em 09.06.2011, como alega a mesma, entre esta data e a data em que invocou a anulabilidade do contrato de seguro (27.03.2013), decorreu mais de um ano, pelo que caducou o direto a tal arguição. E, mesmo que assim senão entendesse, a anulabilidade é sanável mediante confirmação (art. 288º, nº 1, do CC); tendo a Ré tido conhecimento dos alegados factos em 09.06.2011, não os invocou nem na carta de 20.06.2011, nem na fase conciliatória do processo, pelo que renunciou tacitamente à invocação da anulabilidade, o que consubstancia confirmação tácita da eventual anulabilidade que, a porventura existir, se deve ter por sanada, o que também decorre do facto de ter mantido em vigor o contrato de seguro e continuando a cobrar o respetivo prémio.
Sem prescindir, se a “D...” tivesse proposto à Ré a celebração de contrato de seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes, esta tê-lo-ia aceite, pelo que o contrato se poderá converter em tal modalidade, o que requer seja declarado (art. 293º CC).
Termina concluindo como na p.i. ou, caso se entenda que o contrato de seguro celebrado entre a “D...” e a Ré se encontra ferido de vício que determine a sua anulabilidade, deve o mesmo ser convertido em contrato de seguro de acidentes de trabalho de trabalhador independente, e a ré condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor do A.

Por despacho de 14.05.2013, foi determinada a notificação da Ré para, para além do mais que dele consta “(…) explicar porque, tendo tido conhecimento de que o A. não era afinal trabalhador dependente pelo mail de 9/06/2011 que refere no art. 29º da contestação, assumiu a responsabilidade pelo vencimento de 1794 euros x 14 meses no auto de tentativa de conciliação de 10/07/2012, constante de fls. 44.
Na ausência de uma justificação juridicamente atendível e face ao disposto no art. 131º, nº 1, al. c), do C.P.T., não serão quesitados os factos ora alegados nos arts. 6º a 43º da defesa/contestação ora apresentada.”,

Na sequência do que veio a Ré responder, informando “que a aceitação, por ocasião da tentativa de conciliação, da remuneração indicada pela Entidade Patronal na Participação de Sinistro, decorre, única e exclusivamente, do facto de a ré não ter, na altura, analisado com o devido rigor, a questão do vínculo (ou, neste caso, da sua ausência) entre sinistrado e segurada, apesar da informação sobre isso prestada pelo mail de 09.06.2011, fruto da impreparação jurídica de alguns dos seus funcionários”.

Aos 17.06.2013, foi proferido despacho saneador, com seleção da matéria de facto, consignando-se a assente e elaborando-se base instrutória (BI), da qual a Ré reclamou, reclamação que foi indeferida pela 1ª instância.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, foi proferida sentença, com inclusão da decisão da matéria de facto, que decidiu condenar a Ré a pagar ao A.:
“a) uma pensão anual e vitalícia de € 6.587,41, devida desde 02/03/2012, actualizável e pagável adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de junho e novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respetivamente, subsídio de férias e de Natal;
b) a quantia de € 16.592,26, a título de indemnizações por incapacidades temporárias;
c) a quantia de € 1.159,87 a título de despesas de deslocação e assistência médica, medicamentosa e farmacêutica.
*
As prestações já vencidas serão pagas de uma só vez, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% (art.º 135º do CPT).”.
Mais se fixou à ação o valor de €123.249,50.

Inconformada, a Ré veio recorrer (recurso esse, conforme nele referido, tendo “por objecto a decisão de indeferimento da reclamação do despacho saneador e selecção da matéria de facto apresentada pela ora apelante, bem como a sentença proferida pelo mesmo tribunal recorrido”), o A. contra-alegou e, aos 23.02.2015, foi por esta Relação proferido o acórdão de fls. 282 e segs que, atentos os fundamentos deles constantes (designadamente, no sentido da possibilidade de a Ré, em sede de contestação, poder alegar matéria de defesa não invocada na tentativa de conciliação), decidiu nos seguintes termos:
“Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se decide deferir parcialmente a reclamação apresentada pela Ré à seleção da matéria efetuada aquando do despacho saneador e, em consequência:
- Alterar a redação da al. B) dos factos assentes, nos termos acima referidos;
- Eliminar a al. J) dos factos assentes;
- Determinar à 1ª instância a ampliação da base instrutória por forma a contemplar quer a matéria constantes das als. D) e I) dos factos assentes aquando dessa seleção, quer a matéria de facto alegada pela Ré nos arts. 8º e seguintes da contestação nos termos acima apontados, equacionando ainda o referido no ponto III.3.1. do presente acórdão, com a consequente ampliação, se necessário, da seleção da matéria de facto;
- Determinar á 1ª instância, ao abrigo do disposto no art. 27º, al. b), do CPT, que formule convite à Ré em conformidade com o referido no ponto III. 3.2. do presente acórdão, sem prejuízo do mais que, porventura, possa ter por conveniente, com a consequente ampliação da seleção da matéria de facto.
- Em consequência, determinar a repetição do julgamento, na parte objeto de ampliação da base instrutória, e a anulação da sentença.
Custas pela parte vencida a final.”

Do referido acórdão foi interposto recurso de revista, porém não admitido pelo STJ.

Baixados os autos à 1ª instância, foi proferido despacho formulando convite à Ré para apresentar articulado complementar em conformidade com o ponto III 3.2. do mencionado acórdão, bem como, detetando lapso de escrita do mencionado acórdão, no sentido de as partes se pronunciarem quanto à possibilidade de tal lapso ser corrigido pela 1ª instância.
A Ré apresentou articulado complementar e. o A. respondeu.

Não tendo nenhuma das partes deduzido oposição à referida retificação do acórdão, foi o mesmo retificado por despacho de fls. 444 (e, diga-se, que bem), no sentido de, de onde se lê, a fls. 296 e 297, “alínea B) dos Factos Assentes”, deverá passar a ler-se “alínea E) dos Factos Assentes”.
Foi também, na seleção da matéria de facto, dado cumprimento ao determinado no mencionado acórdão, bem como aditada matéria à base instrutória.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, nos termos constantes das atas de fls. 690 a 694, 731/732, 737/738 e 766, havendo sido, conforme ata de fls. 690/691, aditados dois quesitos à base instrutória.

Foi, aos 02.03.2017, proferida sentença, com resposta aos quesitos, e que decidiu nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor:
a) uma pensão anual e vitalícia de € 6.587,41, devida desde 02/03/2012, actualizável e pagável adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de junho e novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respetivamente, subsídio de férias e de Natal;
b) a quantia de € 16.592,26, a título de indemnizações por incapacidades temporárias;
c) a quantia de € 1.159,87 a título de despesas de deslocação e assistência médica, medicamentosa e farmacêutica.
*
As prestações já vencidas serão pagas de uma só vez, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% (art.º 135º do CPT).
*
Custas por autor e ré, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527º do CPC).
*
Valor da acção: € 123.249,50 (artigo 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro).”

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. A relação jurídica do autor com a segurada da apelante, D..., SA, não era de trabalho, mas, como, e bem, o considerou o tribunal recorrido, de prestação de serviços.
II. Nesse caso, para que o sinistro em apreço nos autos fosse abrangido pelo regime dos acidentes de trabalho incumbia ao autor alegar e provar (i) aquela dita relação de prestação de serviços e (ii) que nela aquele estava na dependência económica daquela referida segurada, alegando e demonstrando os factos necessários a revelar essa dependência económica, o que tudo o autor não fez.
III. Sem essa alegação e sem esses factos não podia o tribunal recorrido presumir aquela dependência económica.
IV. Ao fazê-lo aquele tribunal fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no artº 4º/1, al. c) da Lei nº 7/2009, de 12.02., no artº 3º/2 da LAT e no artº 342º do CC.
V. Por não configurar um acidente de trabalho deverá considerar-se que o sinistro invocado nos autos não se mostra abrangido pelo regime dos acidentes de trabalho previsto naqueles dispositivos legais e que, como tal, o autor não tem direito à reparação nele prevista e que, por tal motivo, o contrato de seguro celebrado com a apelante não cobre aquele acidente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a apelante do pedido.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a apelante do pedido, (…)”.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida [1].

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da confirmação da sentença, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
***
II. Matéria de facto provada

A. Na 1ª instância foi dada como assente a seguinte factualidade:

“1. no dia 20/03/2011, pelas 14,08h, o autor conduzia o motociclo marca Suzuki de que é dono, com a matrícula ..-BG-.., pela Rua ... – Vila Nova de Gaia (A) dos factos assentes);
2. a determinada altura, um pouco antes do prédio com o nº. ...., o autor desequilibrou-se (B) dos factos assentes);
3. e foi embater no veículo de matrícula ..-..-OE, que se encontrava estacionado do lado direito da faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha (C) dos factos assentes e quesito 10º);
4. deixando um rasto de pneu no pavimento de 9,5 metros, que começava na hemifaixa esquerda e terminava na direita (quesito 9º);
5. o autor sofreu politraumatismos, nomeadamente contusões pulmonares, protusão discal posterior, paramediana esquerda, entre C6 e C7, fractura da apófise transversa de D, do terço médio da clavícula direita e omoplata homolateral, do tipo cominutivo com cavalgamento dos topos da fractura, traumatismo abdominal (laceração hepática), fractura do prato tibial externo e pilão tibial (F) dos factos assentes);
6. lesões a que corresponde o coeficiente de incapacidade permanente parcial de 37,4685% (G) dos factos assentes);
7. a data da consolidação médico legal das lesões foi fixada, no referido exame, em 01/03/2012, a incapacidade temporária absoluta foi fixada em 318 dias (de 21/03/2011 a 1/02/2012) e a incapacidade temporária parcial foi fixada em 75% durante 29 dias (de 2/02/2012 a 1/03/2012) (H) dos factos assentes);
8. o autor deslocou-se por um número de vezes não concretamente apurado ao Centro Hospitalar ..., E.P.E. para consultas e exames, tendo percorrido em cada deslocação casa/hospital e regresso 30km, utilizando viatura própria (quesito 1º);
9. despendeu ainda a quantia de 159,87€ em farmácias, consultas médicas e taxas moderadoras ( quesito 2º);
10. o autor nasceu em 28/08/1975 (N) dos factos assentes);
11. a ré e a “D..., S.A.” celebraram um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável (vulgo “folhas de férias”), titulado pela apólice nº .........., que consta do documento que constitui fls 30 dos autos, constando o autor das folhas de férias enviadas pela dita empresa à ré, com a retribuição declarada de € 1.794,00 (E) dos factos assentes);
12. O autor e a empresa “D..., S.A.” subscreveram um documento que denominaram de contrato de agência (quesito 13º);
13. aquando do mencionado em 1., o autor encontrava-se no desempenho das suas funções de vendedor da D...l, S.A., com sede na Rua ..., Lote .. A/B, ... – ....-... ... (quesito 11º);
14. Por força do mencionado em 12., o autor comprometeu-se a vender produtos da referida sociedade, contra o pagamento de uma comissão (quesito 14º);
15. O autor cobrava àquela sociedade um preço pelos seus serviços, acrescido do competente IVA e sujeito à retenção de IRS (quesito 15º);
16. Em consequência, o autor recebia da referida sociedade uma prestação pecuniária variável, no seu valor e na sua periodicidade (quesito 16º);
17. O autor emitia em nome da mencionada sociedade um recibo fiscal de trabalhador independente, que lhe entregava aquando dos pagamentos referidos em 16º (quesito 17º);
18. O autor encontrava-se inscrito nas Finanças como trabalhador independente, e era colectado nessa qualidade (quesito 18º);
19. O autor descontava por ele próprio para a Segurança Social (quesito 19º);
20. O autor não recebia qualquer quantia a título de subsídio de férias nem de subsídio de natal (quesito 20º);
21. O autor não estava obrigado a prestar serviços apenas à sociedade mencionada em 12. (quesito 21º);
22. O autor não estava vinculado a qualquer horário de trabalho, diário ou semanal (quesito 22º);
23. O autor não tinha tempo de descanso pré-definido (quesito 23º);
24. O autor não tinha local de trabalho estabelecido nas instalações da empresa mencionada em 12.º (quesito 24º);
25. No exercício das funções para que foi contratado pela sociedade mencionada em 12., o autor utilizava instrumentos e equipamentos próprios e a ele pertencentes, designadamente os veículos de circulação terrestre (quesito25º);
26. O autor escolhia os clientes a quem vendia os bens da “D..., S.A.” (quesito 36º);
27. A “D..., S.A.” sempre teve conhecimento do mencionado nos quesitos 13º a 25º (quesito 28º);
28. a Ré começou por reconhecer o acidente como sendo de trabalho, tendo o autor sido tratado nos seus serviços clínicos a partir de 27/05/2011 (K) dos factos assentes);
29. tendo inclusive a Ré avocado para os seus serviços clínicos a realização de uma intervenção cirúrgica a que o A. deveria ter sido submetido no Centro Hospitalar ..., EPE, no dia 30/05/2011 (L) dos factos assentes);
30. acabando a Ré por proibir os seus serviços clínicos de efectuarem a cirurgia por, entretanto, ter decidido declinar a responsabilidade pelo acidente (M) dos factos assentes);
31. Em 09/06/2011 a “D..., S.A.” remeteu um e-mail à ré, através do qual lhe comunicou que “Informo que o Sr B... tem com a D... um contrato de prestação de serviços onde não é feita nenhuma referência ao horário de trabalho, até porque é um trabalhador independente. Nesta conformidade, pode trabalhar sábados, domingos e feriados a qualquer hora” (quesito 27º);
32. Parte dos trabalhadores incluídos nas folhas de férias periodicamente remetidas pela “D..., S.A.” à ré encontravam-se em situação em tudo idêntica à do autor, isto é, celebraram com a ré um contrato de agência e encontram-se incluídos no contrato de seguro de acidentes de trabalho desde 01/07/2008 (quesito 29º);
33. Nas folhas de férias que periodicamente remetia à ré, a “D..., S.A.” separava os trabalhadores dependentes dos independentes (quesito 30º);
34. O mencionado em 33. sempre foi do perfeito conhecimento da ré, a qual aceitou o contrato de acidentes de trabalho que lhe foi proposto pela “D...” com vista à cobertura dos acidentes que vitimassem, além de outros trabalhadores, os seus agentes comissionistas no desempenho das suas funções (quesito 31º);
35. A ré conhecia perfeitamente a relação do autor com a “D...”, tendo feito uma consciente avaliação do risco e fixado o prémio em função desse risco (quesito 32º);
36. O autor havia anteriormente sido vítima de um outro acidente de trabalho, cuja responsabilidade a ré assumiu (quesito 33º);”
*
B. O A., com o articulado de resposta “complementar”, juntou o “Contrato de Agência” que consta do documento que constitui fls. 432 a 440 celebrado entre ele e a D..., SA a que se reporta o nº 12 dos factos provados, documento esse que não foi impugnado pela Ré e no qual aliás a 1ªinstância fundamentou esse ponto da decisão da matéria de facto [diz-se na fundamentação da decisão da matéria de facto o seguinte: “A prova do facto referido em 13º baseou-se no documento de fls 432 e ss.”].
Encontra-se pois assente que o documento a que se reporta o nº 12 dos factos provados na sentença recorrida (que corresponde à resposta dada ao quesito 13º) se reporta ao que se acha junto a fls. 432 a 440, facto que assim se encontra documentalmente provado, assim como provado se encontra o que as partes declararam no referido contrato.
Deste modo, altera-se o nº 12 factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
12. O autor e a empresa “D..., S.A.” subscreveram um documento que denominaram de contrato de agência, o qual consta do documento que constitui fls. 432 a 440, e de cuja cláusula 31ª consta que “O presente contrato ´celebrado por tempo indeterminado, com início no dia 15 de 03 de 2004. (…).”.
*
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da citada Lei e art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a única questão em apreço consiste em saber se o acidente em apreço nos autos não se encontra abrangido pelo contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho celebrado entre a Ré e a D..., S.A.

1.1. Importa referir que, na sentença recorrida: i) se considerou que o acidente de que o A. foi vítima consubstancia um acidente de trabalho; ii), que o mesmo não se encontra descaracterizado por negligência grosseira e exclusiva do A. (art. 14º, nº 1, al. b), da Lei 98/2009); iii) se considerou improcedente a invocada anulabilidade do mencionado contrato de seguro.
A Recorrente não pôs em causa em causa no recurso os segmentos referidos em ii) e iii) que, assim, transitaram em julgado.
Quanto ao referido em i), a Recorrente, pese embora refira que o acidente não é de trabalho, não pôs em causa que o mesmo tenha ocorrido nas circunstâncias de tempo e lugar, ao serviço da D..., SA, sendo que o que coloca em causa é que o contrato de seguro celebrado entre si e a referida empresa seja suscetível de abranger o acidente em causa por o A. não ser trabalhador dependente da mesma e não ter feito prova de se encontrar na sua dependência económica, sendo que tal prova lhe competiria. Ou seja, serve isto para dizer que a Recorrente não põe, afinal, em causa que o acidente deva ser caracterizado como de trabalho, o que questiona é que o mesmo seja abrangido pelo contrato de seguro.

2. Relativamente à questão objeto do recurso, referiu-se na sentença recorrida o seguinte:
“Fazendo uma primeira aproximação ao caso concreto, provou-se unicamente que no momento do acidente, o autor se encontrava no desempenho das suas funções de vendedor da D..., S.A..
Ora, tal facto é manifestamente insuficiente para, face ao que se expôs supra, concluir pela existência de um contrato de trabalho, sendo certo que o autor também não logrou provar qualquer facto que permita fazer funcionar a referida presunção; pelo contrário, apurou-se que o autor recebia da “D...” uma prestação pecuniária variável, no seu valor e na sua periodicidade; emitia em nome da mencionada sociedade um recibo fiscal de trabalhador independente, que lhe entregava aquando dos pagamentos; encontrava-se inscrito nas Finanças como trabalhador independente, e era colectado nessa qualidade; descontava por ele próprio para a Segurança Social; não recebia qualquer quantia a título de subsídio de férias nem de subsídio de natal; não estava obrigado a prestar serviços apenas à sociedade mencionada em 12.; não estava vinculado a qualquer horário de trabalho, diário ou semanal; não tinha tempo de descanso pré-definido; não tinha local de trabalho estabelecido nas instalações da empresa mencionada em 12.º; no exercício das funções para que foi contratado, utilizava instrumentos e equipamentos próprios e a ele pertencentes, designadamente os veículos de circulação terrestre; escolhia os clientes a quem vendia os bens da “D..., S.A.”
Dos factos supra referidos deve concluir-se que não foi demonstrada a existência de qualquer contrato de trabalho entre o autor e a “D...”, devendo tal relação qualificar-se antes como uma prestação de serviços.
Porém, tal facto, por si só, não afasta o direito do autor à reparação.
Na verdade, dispõe o artigo 4º/1/c) da Lei 7/2009, de 12/02, que O regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283º e 284º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolva a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10º do Código do Trabalho.
E nos termos do artigo 3º/2 da LAT, Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.
Vale isto por dizer que situações existem em que o direito à reparação de um acidente não depende necessariamente da existência de um contrato de trabalho entre o sinistrado e a pessoa para quem presta serviços, já que, para a lei, é suficiente a dependência económica do acidentado relativamente a essa pessoa, sobre esta impendendo o ónus de alegação e prova dos factos susceptíveis de ilidir a referida presunção.
A lei não fornece o conceito de dependência económica, tratando-se de questão debatida na doutrina e jurisprudência. Assim, para Pedro Romano Martinez (in “Acidentes de Trabalho, p. 48), a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade numa estrutura empresarial e o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Mas, para este autor, não se enquadra na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família. Cruz de Carvalho (in “Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais, p. 11), por sua vez, sustenta que a dependência económica existe quando o trabalhador vive da remuneração do seu trabalho, quando deste deriva o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, sendo a respectiva actividade utilizada integral e regularmente por quem a remunera. O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 25/01/1995 (in CJSTJ, Tomo I, p. 252 e ss), entendeu dever falar-se de dependência económica quando a remuneração do trabalho representa para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, entendimento que mereceu acolhimento na jurisprudência subsequente (cfr, a título exemplificativo, os AcSTJ de 07/06/2000 e 04/04/2001 e da Rel. De Lisboa de 20/03/2002, todos in www.dgsi.pt).
Considerando a especificidade da noção de trabalhador por conta de outrem contida na LAT, a definição de dependência económica deverá ser encontrada com recurso à ratio deste diploma. Assim, uma vez que é a própria LAT quem afasta a necessidade de o trabalhador ser subordinado para que lhe seja conferido o direito à reparação, cremos não ser de defender a posição professada por Romano Martinez, privilegiando, antes, aquela que se centra na remuneração, como exclusivo ou principal meio de subsistência do sinistrado. Acolhe-se, deste modo, o conceito de dependência económica perfilhado no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, voltando ao caso concreto, e conforme resulta da resposta negativa ao quesito 37º, verificamos que a ré não logrou provar que a remuneração do autor pelos serviços prestados à “D...” não representasse para este o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, isto é, não logrou ilidir a presunção de que o autor se encontrava na dependência económica da “D...”, sendo-lhe, assim, aplicável o regime dos acidentes de trabalho.
(…)”
E, ainda que a propósito da questão da então alegada anulabilidade do contrato de seguro que, como referido, foi julgada improcedente, segmento esse que não foi impugnado e que, assim, transitou em julgado, referiu-se na sentença recorrida o que a seguir se transcreve:
“Invocou ainda a ré a anulabilidade do contrato de seguro, por a sua segurada ter prestado uma declaração inexacta ao incluir o autor nas folhas de férias, quando este não era seu trabalhador, situação que era do seu conhecimento.
Alegou ainda ter tomado conhecimento de tais factos após o sinistro.
Resulta do disposto no artigo 25º/1 do DL 72/2008, de 16/04, que em caso de incumprimento doloso do dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco, o contrato de seguro é anulável, não estando a seguradora obrigada a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do referido incumprimento (cfr nº 3 da citada norma).
No caso concreto, provou-se que a ré e a “D..., S.A.” celebraram um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável (vulgo “folhas de férias”), titulado pela apólice nº .........., que consta do documento que constitui fls 30 dos autos, constando o autor das folhas de férias enviadas pela dita empresa à ré, com a retribuição declarada de € 1.794,00 (cfr alínea E) dos factos assentes).
Mais se provou que nas folhas de férias que periodicamente remetia à ré, a “D..., S.A.” separava os trabalhadores dependentes dos independentes, o que era do conhecimento da ré, a qual aceitou o contrato de acidentes de trabalho que lhe foi proposto pela “D...” com vista à cobertura dos acidentes que vitimassem, além de outros trabalhadores, os seus agentes comissionistas no desempenho das suas funções (cfr respostas aos quesitos 30º e 31º).
Provou-se ainda que a ré conhecia perfeitamente a relação do autor com a “D...”, tendo feito uma consciente avaliação do risco e fixado o prémio em função desse risco (cfr resposta ao quesito quesito 32º), tendo, aliás, assumido a responsabilidade decorrente de um outro acidente de que o autor foi vítima (cfr resposta ao quesito 33º).
Já a ré não logrou provar que apenas teve conhecimento da natureza do vínculo que unia o autor à “D...” após a ocorrência do sinistro, conforme resulta da resposta negativa ao artigo 26º da base instrutória.
Concluímos assim que não se provou qualquer facto que integre os fundamentos de anulabilidade do contrato de seguro, sendo certo que o ónus da prova dos mesmos incidia sobre a ré, enquanto factos impeditivos do direito do autor (cfr artigo 342º/2 do Código Civil).”.

A Recorrida discorda da sentença recorrida alegando que: a relação jurídica do autor com a segurada da apelante, D..., SA, não era de trabalho, mas de prestação de serviços; nesse caso, para que o sinistro em apreço nos autos fosse abrangido pelo regime dos acidentes de trabalho incumbia ao autor alegar e provar (i) aquela dita relação de prestação de serviços e (ii) que nela aquele estava na dependência económica daquela referida segurada, alegando e demonstrando os factos necessários a revelar essa dependência económica, o que tudo o autor não fez; sem essa alegação e sem esses factos não podia o tribunal recorrido presumir aquela dependência económica; ao fazê-lo aquele tribunal fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no artº 4º/1, al. c) da Lei nº 7/2009, de 12.02., no artº 3º/2 da LAT e no artº 342º do CC.

3. Desde já se dirá que se concorda com a solução pugnada na sentença recorrida e, no essencial, com a sua fundamentação.
Com efeito:
Dispõe o artigo 4º, nº 1, al. c), da Lei 7/2009, de 12/02, que O regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283º e 284º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolva a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10º do Código do Trabalho.”, preceito este de harmonia com o qual “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade.”
E, por sua vez, nos termos do artigo 3º/2 da LAT, “Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.”.
O direito à reparação, nos termos da Lei 98/2009, tem pois como destinatário não apenas o trabalhador vinculado por contrato de trabalho, mas um leque mais abrangente, que inclui igualmente o trabalhador independente, isto é, sem subordinação jurídica, mas que desenvolva a sua atividade na dependência económica do beneficiário da atividade, dependência essa que, nos termos do art. 3º, nº 2, da LAT, se presume.
Ora, quem tem a seu favor presunção legal, tendo embora de provar o facto base pressuposto da atuação da presunção, escusa de provar o facto que a ela conduz, cabendo à parte contrária ilidir tal presunção, provando o facto contrário (arts. 344º, nº 1, e 350º do Cód. Civil).
No caso, o A. provou o facto base pressuposto da presunção da dependência económica, qual seja o de que prestava, por via do contrato referido em 12) dos factos provados, a sua atividade de vendedor para a D..., SA, aliás pela qual era remunerado, tudo conforme referido em tal ponto, bem como nos nºs 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, assim se presumindo, por consequência, a dependência económica em relação à referida sociedade.
Era, pois, à Recorrente que competia o ónus de ilidir tal presunção, provando o contrário, e não ao Recorrido que competia o ónus de provar tal dependência económica. E a Recorrente não fez tal prova, salientando-se que foi dado como não provado que o A., para além daquela atividade, prestasse serviços a outra entidade contra remuneração.
O acidente em apreço nos autos está pois abrangido pelo contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de retribuição variável, celebrado entre a beneficiária da atividade do A. e a Ré, sendo esta, assim, responsável pela sua reparação.
Neste mesmo sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 15.12.2016, Proc. 72/12.5TTBRR-4, citado pela Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta no seu douto parecer[2], in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte: “1-A aplicação do regime legal de reparação de acidentes de trabalho consignado nos Artº 283º do CT e na Lei 98/2009 de 4/09, não pressupõe a prévia existência de um contrato de trabalho. 2-O regime é também aplicável, entre outras, a prestações de serviço desenvolvidas na dependência económica do beneficiário da prestação, nas quais não está presente a subordinação jurídica. 3-Nestas situações, o prestador beneficia de uma presunção que onera o beneficiário da prestação com a alegação e prova da autonomia económica daquele.”.

Por fim, não se poderá ainda deixar de dizer que entendimento contrário, no caso em apreço, representaria até um verdadeiro abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil), mormente na modalidade de venire contra factum proprium, por exceder manifesta e clamorosamente os limites impostos pela boa-fé. Com efeito, e como decorre do disposto nos nºs 32, 33, 34 e 35 dos factos provados, parte dos trabalhadores incluídos nas folhas de férias periodicamente remetidas pela “D..., S.A.” à Ré encontravam-se em situação em tudo idêntica à do A., isto é, celebraram com a Ré um contrato de agência e encontram-se incluídos no contrato de seguro de acidentes de trabalho desde 01/07/2008; nas folhas de férias que periodicamente remetia à Ré, a “D..., S.A.” separava os trabalhadores dependentes dos independentes, o que sempre foi do perfeito conhecimento da Ré, a qual aceitou o contrato de acidentes de trabalho que lhe foi proposto pela “D...” com vista à cobertura dos acidentes que vitimassem, além de outros trabalhadores, os seus agentes comissionistas no desempenho das suas funções; a Ré conhecia perfeitamente a relação do autor com a “D...”, tendo feito uma consciente avaliação do risco e fixado o prémio em função desse risco.
Não pode, pois, a Ré, que de tudo tinha perfeito conhecimento e o aceitou, calculando o risco respetivo e recebendo os prémios de seguro, vir agora, contra esse seu comportamento, e quando o A. foi vítima do acidente de trabalho, cujo risco havia aceite, vir pretender eximir-se à responsabilidade consequente. Aliás, diga-se que, com essa sua aceitação, a Recorrente não apenas recebeu os prémios do seguro, como fez com que não fosse, ou que não tivesse que ter sido, equacionado e ponderado pelo A. e pela D..., a possibilidade e/ou necessidade de se assegurarem, por outra forma, de que a responsabilidade pelo risco emergente de acidente de trabalho se encontraria transferida para entidade seguradora. Pretender a Recorrente beneficiar, e ter beneficiado do contrato de seguro quando era conhecedora da situação, apenas enquanto não se verifica o acidente de trabalho, mas não assumir, ou pretender não assumir, a responsabilidade quando o risco que foi acautelado se verifica, é que não é, de todo aceitável, contrariando clamorosamente o principio geral da boa-fé e da confiança gerada pela comportamento da Recorrente em que o risco se encontraria coberto.

Deste modo, e sem necessidade de considerações adicionais, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 12.07.2017
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
___________
[1] Não formulou conclusões.
[2] Por lapso manifesto do parecer é referida a data de 10.09.2014.