Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4255/17.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA ILEGAL
ARMA BRANCA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP201909114255/17.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º808, FLS.308-329)
Área Temática: .
Sumário: I - O objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-perfurante, de comprimento igual ou superior a 10 cm pode ser classificado como arma branca porque, pelas suas características, apresenta capacidade para a sua utilização como arma de agressão.
II - Mas para que assim seja classificado, terá ainda que se demonstrar a ausência da sua afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou a insuscetibilidade de apresentar valor histórico ou artístico como objeto de colecção.
III - De acordo com a conformação jurídico-cosntitucional do processo penal e da sua estrutura acusatória, a integral definição legal do conceito de arma branca terá de resultar da sua composição factual expressa na acusação pública; a integralidade de tal conceito exige a descrição morfológica do objeto e a sua afectação pelo possuidor, detentor ou utilizador, ainda que a mesma represente um facto negativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº4255/17.3JAPRT.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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I. B… e C… vieram interpor recurso do acórdão proferido no processo comum colectivo nº4255/17.3JAPRT do Juízo Central Criminal de … – Juiz 5, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, que:
1.º - Condenou o arguido B…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, agravado pelo art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e absolvendo-o das qualificativas previstas no art.º 132.º, n.º 1 e 2, als. e), h) e i), do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido D…, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
2.º - Condenou o arguido B…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, agravado pelo art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, absolvendo-o das qualificativas previstas no art.º 132.º, n.º 1 e 2, als. e), h) e i), do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido E…, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
3.º - Condenou o arguido B…, como autor material e em concurso real, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
4.º - Condenou o arguido B…, na pena única de 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
5.º - Condenou o arguido C…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, agravado pelo art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e absolvendo-o das qualificativas previstas no art.º 132.º, n.º 1 e 2, als. e), h) e i), do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido D…, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
6.º - Condenou o arguido C…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, agravado pelo art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e absolvendo-o das qualificativas previstas no art.º 132.º, n.º 1 e 2, als. e), h) e i), do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido E…, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
7.º - Condenou o arguido C…, na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
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I.1. Acórdão recorrido (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS
Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1.º No dia 30.12.2017, pelas 23h25, o arguido C… foi juntamente com a sua companheira ao café F…, sito na Rua …, …, em Lousada.
2.º Quando o arguido C… e a sua companheira estavam no café, chegaram as vítimas D… e o seu filho E…, juntamente com outros familiares, conhecidos por G…, G1… e G2….
3.º Na sequência de uma troca de palavras de ocasião, o arguido e as vítimas começaram a trocar insultos entre si.
4.º O arguido C… ligou então ao seu pai, B…, para que este fosse ter consigo ao café.
5.º B… deslocou-se da sua casa sita na Rua …, n.º …, …, Lousada, para o café no veículo de marca Ford …, cor …, propriedade da filha, tendo chegado ao café alguns minutos após o filho lhe ter ligado, pelas 23h45m.
6.º O arguido B… levava no interior do carro uma catana sem marca referenciada, com uma lâmina fixa do tipo corto-contundente, de um só gume, com 41centímetros de comprimento por 7 cm de largura (parte mais larga) por 2 mm de espessura com um cabo em madeira, envolto em fita adesiva de cor prateada e … com 14 centímetros.
7.º Assim que o arguido B… chegou junto da entrada do café F…, os arguidos, as vítimas D…, E… e os seus familiares envolveram-se em agressões mútuas.
8.º Durante a contenda, o arguido dirigiu-se ao carro e do seu interior retirou a referida catana, enquanto o arguido C… continuou envolvido nas agressões.
9.º Acto contínuo, o arguido B… abeirou-se das vítimas, segurando a catana nas mãos e com os braços erguidos ao alto desferiu vários golpes na vítima D…, atingindo-o no corpo, nomeadamente na cabeça.
10.º De imediato, B…, irmão da vítima D…, agarrou o arguido B… segurando-o.
11.º Neste momento, de imediato, o arguido C… pegou na catana que o pai tinha nas mãos e munido da mesma desferiu também vários golpes na vítima E…, acertando-lhe na zona da cabeça, face e pescoço, do tórax, do antebraço e até que esta caiu ao chão.
12.º Após, o arguido C…, brandindo a catana no ar numa das mãos, com a mão contrária desferiu vários socos e pelo menos um pontapé na vítima D…, que ainda se levantou, vindo a cair inanimado uns metros mais à frente, no passeio.
13.º Só após as vítimas caírem inanimadas no chão e estando D… inanimado é que C… não mais prosseguiu os seus intentos, abandonando o local juntamente com o seu pai, levando a catana.
14.º As vítimas foram assistidas no local por uma equipa de emergência médica, que lhes prestou socorro e os transportou depois para o Hospital H… onde receberam tratamento médico.
15.º Em consequência directa e necessária das condutas dos arguidos, a vítima D… sofreu lesões profundas no crânio, na região frontal, com exposição de massa encefálica, com fractura da região orbital esquerda e seio nasal frontal esquerdo, lesão na região parietoccipital com fractura do crânio, com hematoma peridural, hemorragia subacnóida, com focos de contusão cerebral.
16.º A vítima D… foi transferida do Hospital H… para o Hospital I…, para neurocirurgia, encontrando-se ainda em perigo para a vida.
17.º Em consequência directa e necessária das condutas dos arguidos, a vítima E… sofreu lesões de 3 cm no couro cabeludo na região parietoccipital esquerda, lesão de 5 cm no antebraço esquerdo com fractura do rádio, lesão de 7 cm na fossa ilíaca direita superficial, lesão de 15 cm profunda na face e pescoço do lado esquerdo com fractura da mandíbula, tendo sido sujeito a cirurgia para reconstrução da ferida na face/pescoço, tendo tido alta médica no dia 03.01.2018.
18.º Os arguidos puseram-se em fuga e estiveram em parte incerta até dia 04.01.2018.
19.º No dia 04.01.2018, foram apreendidos ao arguido B… os seguintes objectos: uma catana com lâmina de cerca de 40 cm, umas calças e uma t-shirt com padrões camuflado, nos quais foram encontrados vestígios hemáticos das vítimas.
20.º Os arguidos agiram em comunhão de esforços, de forma livre, concertada, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas, com o propósito, não concretizado por razões alheias à sua vontade, de tirar a vida a D… e E….
21.º Os arguidos sabiam que a catana, enquanto meio usado na agressão, era perigosa e idónea a produzir as lesões descritas, e que as vítimas não tinham como se defender perante uma catana, bem sabendo por isso que agredindo as vítimas, nos termos em que o fizeram usando a catana e atingindo as zonas da cabeça e tórax onde se alojam órgãos vitais, que poderiam causar-lhe lesões susceptíveis de lhes provocar a morte, aceitando que tal resultado se produzisse.
22.º O arguido B… sabia ainda que não podia deter e usar a catana nos termos em que o fez, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
23.º Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que sua conduta é proibida e punida por lei.
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D) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL (…)
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Do crime de detenção de arma proibida.
Cumpre fazer o enquadramento jurídico dos factos, uma vez que o arguido B… encontra-se, ainda, incurso, pela prática de um crime detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02.
As armas e as munições são classificadas de acordo com o grau de perigosidade, com o fim a que se destinam e com a sua utilização (art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23/02).
De acordo com o art.º 2.º, n.º 1, al. l) daquela lei, é arma branca todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões.
De acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização, as armas encontram-se legalmente categorizadas em classes, pertencendo à classe A as armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção, conforme preceitua o artigo 3º, nº 2, alínea f) do citado diploma legal.
No caso em apreço, não ficou demonstrada a afectação da catana a qualquer actividade exclusiva ou ao exercício de qualquer actividade lícita, das acima elencadas ou outra, e que pela sua dimensão e características é uma arma branca, pertencente à classe A.
Nesta matéria, elucida a exposição de motivos, da Proposta de Lei 28/X, D.A.R., II série A, nº 34, suplemento de 20/07/2005, que se “Definem[-se] como armas e outros acessórios da classe A, um elenco de armas, acessórios e munições cuja proibição se mostra generalizada nos países do espaço europeu, aí se integrando ainda armas cuja detenção, face à sua proliferação no tecido social e à frequência da sua utilização ilícita e criminosa, deve ser desmotivada.”
Em consequência, prevê o artigo 4º, nº 1, que é proibida a detenção, o uso e o porte de armas da classe A.
Interpretando tais conceitos, ainda à luz do artigo 275º do Código Penal na redacção dada pelo DL 98/2001, de 25/08, distinguia o Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pp. 896 e 897, a detenção como a simples disponibilidade da arma, o uso como a utilização da arma pelo seu titular, e o porte como a disponibilidade consciente e voluntária de uma arma, com a possibilidade da sua utilização imediata.
Relativamente à responsabilidade criminal, esclarece a supra citada exposição de motivos, “Mantém-se a classificação dos ilícitos criminais tipificados como crimes de perigo comum, e punem-se todas as actividades relativas à importação, transferência, fabrico, guarda, compra, venda, cedência, ou aquisição a qualquer título, distribuição, detenção, transporte e uso e porte de armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, substâncias ou munições aí referidos, sendo as penas abstractas cominadas diferenciadas em função da perigosidade do tipo de arma ou outro instrumento, mecanismo ou substância que o agente possua.
Nesta sequência, dispõe o art.º 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, o seguinte:
“1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) (…), outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usadas como arma de agressão e o seu portador não justificar a sua posse, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.”
A detenção de arma proibida é um crime de perigo abstracto, sendo irrelevante que ela tenha, ou não, sido utilizada. Trata-se, portanto, de um crime de perigo, comum, pois a conduta descrita é passível de criar perigo para um número indeterminado de pessoas, e abstracto, não sendo o perigo, neste tipo legal de crime um elemento do tipo, constituindo, antes, a motivação do legislador que, por razões empíricas, classifica a conduta, in se ipsa, como perigosa. Por outras palavras, os crimes de perigo abstracto antecipam a protecção do bem jurídico ao momento prévio à efectiva colocação em perigo. Neste concernente, deve salientar-se a posição de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 868: “Só por uma questão de mais fácil e apreensível compreensão se fala, aqui, em antecipação da tutela, porquanto, … essa ante - câmara de protecção é parte integrante do próprio bem jurídico. Vale por afirmar: o bem jurídico é uma unidade de sentido que comporta, não só … o núcleo da sua intrínseca natureza, mas é de igual jeito, um halo envolvente de defesa que se assume … socialmente, como cuidado de mim e cuidado dos outros relativamente à parte nuclear.”.
Por outro lado, na punição da detenção de arma proibida teve-se em mente a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas.
O crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma. Dos factos expostos, conclui-se que estão preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de que o arguido vem acusado, porquanto o mesmo, não se encontrando para tal autorizado e contrariando a proibição legal, detinha uma catana com lâmina de cerca de 40 cm de lâmina, sem aplicação definida, susceptível de ser usada como arma de agressão, não justificando aquele a sua posse.
Quanto ao elemento subjectivo mostra-se o dolo preenchido, que no caso se consubstancia no arguido ter consciência e vontade de trazer consigo uma catana dotada de lâmina de 41 cm, não afectada ao exercício qualquer actividade, e passível de ser usada como arma de agressão. Não existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do arguido B…, pelo que cometeu, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), com referência aos artigos 2º, nº1, alínea l), 3º, nº 2, alínea f), e 4º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02.
Não existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do arguido B…, pelo que cometeu, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), com referência aos artigos 2º, nº1, alínea l), 3º, nº 2, alínea f), e 4º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02.
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Escolha e determinação da medida da pena:
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oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente. (…)
Nesta conformidade, por efeito da aplicação da agravação de um terço nos limites mínimo e máximo, previsto no art.º 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, o crime de homicídio simples terá como limite mínimo 10 anos e 8 meses de prisão e como limite máximo 21 anos e 4 meses de prisão.
Em seguida, por força da condenação pelo crime na sua forma tentada, a moldura penal do apontado tipo de crime (homicídio simples, agravado pelo uso da arma), beneficia da atenuação especial prevista no art.º 73.º, n.º 1, do Código Penal, de acordo com o qual a moldura penal é reduzida no seu limite mínimo a um quinto e no seu limite máximo é reduzida de um terço.
A moldura final dos crimes pelos quais os arguidos vão condenados terá como limite mínimo a pena de 2 anos, 1 mês e 8 dias e como limite máximo a pena de 14 anos, 2 meses e 20 dias.
Por seu turno, o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d).º, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, é cominado com pena de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias.(…)
Optamos, assim, pela aplicação de uma pena de prisão relativamente ao crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido B… vai condenado.
Importa agora quantificar as penas à luz dos critérios legais.
No caso em concreto, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, atenta a violência e a natureza dos actos praticados e a expectativa e confiança da comunidade na punição de actos violentos como os que foram cometidos pelos arguidos.
Por outo lado, as necessidades de prevenção especial são enormes, com especial ênfase relativamente ao arguido C…, pelas razões que abaixo referiremos.
Partindo destes limites - a determinação da medida concreta da pena em função da medida da culpa do agente e das exigências de prevenção -, busca-se a concreta medida que permita a reintegração social do agente, tendo em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a seu favor ou contra si, apreciadas no seu conjunto (art.º 71.º do Código Penal).
No caso em apreciação, o tribunal atendeu às seguintes circunstâncias concretas:
A elevada gravidade das consequências dos factos, que determinaram para o ofendido D… 18 dias de internamento nos cuidados intensivos e intermédios do Hospital I…, no Porto, bem como uma incapacidade ainda não determinada mas que implicou falta ao trabalho de cerca de 4 meses;
Relativamente ao ofendido E… implicou 8 dias de internamento no Hospital I…, no Porto, com a realização de cirurgias maxilo - faciais que implicaram dores de tal modo intensas que o ofendido teve que ser colocado em coma induzido, continuando a ser acompanhado em consultas de cirurgia plástica. Acentua-se no caso do ofendido E… o facto de a cicatriz facial ter tido um forte impacto na sua imagem, considerando a circunstância de se tratar de um jovem de apenas 21 anos de idade.
Note-se apenas que, atento o local do corpo onde as vítimas foram atingidas, as consequências dos factos cometidos pelos arguidos poderiam ter sido ainda maiores.
O modo de execução do facto, que revela por parte dos arguidos a falta da mais basilar empatia pelo ser humano e pelo sofrimento sentido por outrem; designadamente, pela violência usada pelo arguido C… que manipulou a catana de uma forma que num animal seria por demais chocante.
No caso do arguido C… há a salientar em seu desfavor os antecedentes criminais. O arguido entre os 26 e os 30 anos de idade, cometeu 18 crimes, sendo 7 de condução sem habilitação legal, 1 de condução em estado de embriaguez, 1 de desobediência, 2 de falsidade de testemunho, 3 de arma proibida, 1 de dano, 1 de coacção na forma tentada, 1 de ofensa à integridade física simples e 1 de homicídio simples, na forma tentada. Por outro lado, apurou-se que o arguido é conhecido no meio onde vive por ter uma personalidade e de um comportamento agressivos. O arguido C… não assumiu os factos nem mostrou qualquer arrependimento. O arguido C…, à data da prática dos factos, já tinha cumprido pena de prisão efectiva.
No caso do arguido B…, o tribunal atende ao facto de o arguido ter mais de 60 anos, apenas tem averbado no seu registo criminal a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, sendo, por isso, e revelando uma personalidade um pouco mais normativa que o seu filho C…, terá um reflexo menos intenso na pena a aplicar.
Igualmente os desfavorece a circunstância de não terem admitido os factos.
As penas a aplicar aos dois arguidos terão, assim, o respectivo distanciamento.
A intensidade do dolo com que actuaram e que revestiu a sua modalidade mais intensa – dolo directo.
A favor dos arguidos temos a considerar:
A integração familiar e profissional que os arguidos contavam à data dos factos.
O comportamento do arguido C… no E.P., que vem cumprindo as normas que regem aquela instituição e está profissionalmente integrado na instituição.
Conjugando todas estas circunstâncias, devidamente ponderadas no seu conjunto, entendemos que as penas a aplicar ao arguido B… não deverão ultrapassar o terço da moldura aplicável e as penas a aplicar ao arguido C… não deverão ultrapassar o seu patamar médio.
Nesta conformidade, tem-se por adequada, proporcional e suficiente a incutir-lhe a necessidade de respeitar os bens jurídicos envolvidos e afigurando-se consentânea com a medida das suas culpas, aplicar aos arguidos, as seguintes penas:
Ao arguido B…:
- pelo crime de homicídio simples, na forma tentada e agravado nos termos da Lei das Armas, cometido na pessoa do ofendido D…, a pena de 6 anos de prisão;
- pelo crime de homicídio simples, na forma tentada e agravado nos termos da Lei das Armas, cometido na pessoa do ofendido E…, a pena de 6 anos de prisão;
- pelo crime de detenção de arma proibida, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
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II.3. Da impugnação da deliberação proferida sobre matéria de direito.
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corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm (artigo 2º, nº1, alínea m), do referido diploma).
As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização. São armas da classe A as armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção (artigo 3º, nºs 1 e 2, alínea f), da referida lei).
Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, usar ou trouxer consigo outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias (artigo 86º, nº1, alínea d), da referida lei).
Entende o recorrente que, para que esteja verificado o tipo objectivo do crime em questão, mostra-se necessário que o seu portador não justifique a sua posse, ou seja, que não apresente uma justificação válida para a mesma e que para que a detenção ou porte das armas a que alude a al. d), do n.°1, do art.°86.° constitua crime terão que se verificar cumulativamente três requisitos:
1) ausência de aplicação definida;
2) capacidade para o uso como arma de agressão;
3) falta de justificação para a posse.
O objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm é classificado como arma branca exactamente porque, pelas suas características, apresenta capacidade para a sua utilização como arma de agressão. Tal aptidão está incorporada na sua definição morfológica.
Mas para o ser (arma branca) terá de se demonstrar a ausência da sua afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou insusceptibilidade de apresentar valor histórico ou artístico como objecto de colecção.
Quer o exposto significar que permitida a qualificação do objecto como arma branca se concluiu pela verificação da ausência de aplicação lícita permitida e, por outro lado, se dispensa (porque rebarbativo) a alegação e demonstração autónoma da falta de justificação para a posse. Estamos convencidos, apesar da escassa jurisprudência e doutrina sobre o assunto, que os três elementos objectivos referidos encontram o seu campo de aplicação nos engenhos ou instrumentos insusceptíveis de ser qualificados como armas brancas.
Entendeu o tribunal colectivo que não ficou demonstrada a afectação da catana a qualquer actividade exclusiva ou ao exercício de qualquer actividade lícita supra referidas. Tal questão não foi objecto de alegação e demonstração pela acusação mas, tão só, objecto de ausência de alegação e demonstração pela defesa. Constitui, naturalmente, um facto de natureza negativa e terá de ser compreendido na lógica das finalidades e princípios do direito processual penal.
Duas perspectivas poderão ser equacionadas. O referido facto constitui elemento objectivo do tipo legal de crime, caso em que compete ao acusador proceder à sua alegação e demonstração ou constitui causa, também objectiva, de exclusão da ilicitude, caso em que a acusação estará dispensada de a alegar e demonstrar por se entender que compreende o campo próprio de alegação e demonstração pela defesa (e que, neste caso, não contraria qualquer garantia de defesa do arguido e obtenção de um processo justo).
Na jurisprudência superior (cfr. Acórdão do STJ de 23.02.2012, consultável em www.dgsi.pt) foi entendido que por o arguido ter alegado e provado que um determinado objecto cortante (que pelas suas características físicas se poderia qualificar como arma branca) estava afecto ao trabalho agrícola o mesmo constituiria uma arma de aplicação definida. Sendo certo que não é abordada a questão ora suscitada, temos como mais adequada, de acordo com a conformação jurídico-constitucional do processo penal e da sua estrutura acusatória (ainda que integrada pelo principio da investigação) que a integral definição legal do conceito de arma branca terá de resultar da sua composição factual expressa na acusação pública. A integralidade de tal conceito exige a descrição morfológica do objecto e a sua afectação pelo possuidor, detentor ou utilizador, ainda que a mesma represente um facto negativo.
O tribunal colectivo, na corrente redutora da estrutura acusatória, transmuta um pressuposto típico negativo em elemento típico positivo, criando um autêntico ónus da prova, legal e constitucionalmente insustentável.
Reconhecemos razão, nesta parte, ao recurso de B…, motivo pelo qual será revogada a condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida.
Deste entendimento resulta uma natural alteração relativamente à aplicação da agravação prevista no artigo 86º, nº3, da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro quanto aos crimes de homicídio simples, na forma tentada, por si e pelo outro recorrente praticados, obrigação que emana da regra estabelecida no artigo 403º, nº3, do Código de Processo Penal.
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III. Pelo exposto, concede-se provimento parcial aos recursos dos arguidos e, em consequência, revogando parcialmente o acórdão proferido:
1. condena-se o arguido B…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 26º e 131º do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido D…, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. condena-se o arguido B…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23º, 26º e 131º do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido E…, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3. condena-se o arguido B… na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
4. condena-se o arguido C…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido D…, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
5.condena-se o arguido C…, como co-autor material, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 26.º e 131.º do Código Penal, cometido na pessoa do ofendido E…, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
6. condena-se o arguido C… na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
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Custas a cargo de cada um dos assistentes, fixando a taxa de justiça no mínimo (artigo 515º, nº1, alínea b), do C.P.P).
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Porto, 11 de Setembro de 2019
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro