Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1229/20.0T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
CÔNJUGES
CONSENTIMENTO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
IDENTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP202206081229/20.0T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa ação para a qual é exigida a propositura por ambos os cônjuges, ou de um só com o consentimento do outro (artigo 34º do CPC e 1682ºA do CC) e tendo o cônjuge não proponente – mesmo que chamado a intervir – expresso a não concessão de tal consentimento, verifica-se a ilegitimidade ativa do proponente, com a consequente absolvição da instância dos demandados, por força do previsto no artigo 29º nº 2 do CPC.
II - A decidida absolvição da instância fundada na não verificação do pressuposto processual da legitimidade não viola o princípio do direito e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos do autor.
III - Impondo-se que o autor recorra ao processo especial de obtenção de suprimento do consentimento do cônjuge (vide 34º nº 2 e 1000º do CPC e 1684º nº 3 do CC), para posterior instauração da ação, se e uma vez obtido o mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1229/20.0T8PVZ-A.P1
3ª Secção Cível
Apelação em separado
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca Do Porto – Jz. Central Cível da Póvoa de Varzim
Apelante/AA
Apelado/BB e outra

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
A) AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB.
Requerendo ainda a intervenção provocada de CC como sua associada, nos termos do artigo 316º do CPC e para assegurar o litisconsórcio necessário, peticionando pela procedência da ação a condenação do R. a:
“1. A reconhecer que assiste ao casal de seus pais, os aqui Autor e Chamada, o direito de uso e habitação do imóvel sito à Rua ..., freguesia ..., concelho da Trofa, até à morte de cada um deles;
2. A reconhecer que assiste ao casal de seus pais, respetivamente, os aqui Autor e Chamada, na proporção de metade para cada um, o direito aos rendimentos decorrentes da cedência do gozo a terceiros dos anexos que existem construídos no logradouro do referido imóvel;
3. A reconhecer que está obrigado a providenciar a Autor e chamada toda a alimentação e todos os cuidados médicos e medicamentosos que eles necessitassem, assim como pagamento da eletricidade, água e demais despesas de casa, até à data da morte do último.
4. A pagar ao Autor a quantia de € 5.850,00, correspondente a metade do valor dos rendimentos gerados por tais anexos, desde agosto de 2018, inclusive, até janeiro de 2020, e ainda a pagar ao Autor a quantia de € 225,00, desde fevereiro de 2020 até ao termo do recebimento de tais rendimentos;
5. A pagar ao Autor a metade do valor dos rendimentos gerados por tais anexos, quando a cedência do gozo dos mesmos venha a ser realizada por valor diferente do atual, ou seja, por valor diferente de € 450,00.
6. A reconhecer que é devedor ao extinto casal de Autor e Chamada da quantia de € 85.000,00, que se obrigou a pagar aos Autor e Chamada, na proporção de metade para cada um, e cujo vencimento se venceu em 24 de fevereiro de 2020, destinando-se tal quantia a ser doada por Autor e chamada à filha de ambos, chamada.
7. A reconhecer que a propriedade do terreno sito na Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... pertence ao Autor, como bem próprio seu, por virtude do acordo celebrado entre todos, e condenado a transmitir ao Autor a propriedade de tal terreno.
8. Condenado a pagar a cada um de Autor e Chamada a quantia de € 13.500,00, correspondente a metade da quantia de € 27.000,00 que o Réu recebeu da Repartição de Finanças, a título de reembolso de quantias que tinham sido entregues pelo extinto casal de Autor e Chamada, e que fez suas.
9. Mais deve o Réu ser condenado a reconhecer que assiste ao Autor o direito a usar e fruir plenamente a oficina construída no logradouro do imóvel e ainda a cultivar e criar animais no seu logradouro, podendo passear-se livremente no interior e exterior do imóvel.
10. E ainda condenado o Réu a reconhecer que pertence ao extinto casal de Autor e Chamada, na proporção de metade para cada um, os seguintes bens móveis:
• 1 Reboque de 10 toneladas
• 1 Charrua grande
• 1 Máquina de furar de coluna
• 1 Serra de cortar ferro de disco
• 1 Máquina de projetar reboco completa
• 1 Compressor trifásico, com respetivas mangueiras
• 1 Compressor monofásico 200 lt
• 1 Máquina de apertar e desapertar parafusos
• 4 Máquinas de rebarbar pequenas
• 5 Máquinas de rebarbar grandes
• 1 Máquina de furar de martelo
• 2 Máquinas de abrir furos em betão com brocas especiais e coluna-Marca “BOXE”
• 1 Arca frigorifica grande (3 portas)
• 1 Aparelho de soldar semiautomático
• 1 Aparelho de soldar a eléctrodos e TIG
• 1 Gerador de corrente 12K
• 1 Máquina de cortar relva a gasolina
• 1 Máquina de rachar lenha grande
• 1 Charrua do trator pequeno e reboque
• 1 Atrelado de engatar aos carros com travão
• 1 Mesa de bilhar grande e tacos
• 1 Mala com taco bom
• 1 Fogão a lenha (semi-novo)
• 1 Mesa em castanho (3 mt) e 3 bancos compridos
- Todos os demais equipamentos e recheio da casa de habitação, oficina e anexos do imóvel sito à Rua ..., freguesia ..., concelho da Trofa.
11. E que pertence exclusivamente ao Autor, por serem bens próprios deles, os seguintes bens:
• 1 Trator marca “Deutz” 70 cv – Matricula ..-..-OD
• 1 Barco com 2 motores (1 Yamaha 30 cv; 1 Suzuki 7 cv)
• 1 Charrete (cavalos) de 4 rodas
• 2 Máquinas de cortar erva (1 nova marca “Kubota”)
12. A pagar juros ao Autor, sobre cada uma das importâncias acima referidas, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
13. Mais deve o Réu ser condenado a permitir ao Autor o livre acesso e posse de tais bens, que lhe pertencem, e o gozo da casa, e ainda condenado a pagar ao Autor uma sanção pecuniária compulsória, de € 500,00 diários, por cada dia em que privar o Autor da posse da plenitude do imóvel, incluindo eletricidade, água e gás, e bens e rendimentos que o mesmo gere, e que o integram, ou a providenciar pela sua alimentação e cuidados médicos e medicamentosos.
14. Deve ainda admitir-se o incidente de intervenção provocada de CC, divorciada, residente na rua ... ..., ....-... TROFA, para intervir na causa como associada do Autor, e para assegurar o litisconsórcio necessário, nos termos do disposto no artigo 316.º e seguintes do C.P.C.,”

Para tanto e em suma alegou o A.:
- o 1º R. é filho do A. e da chamada CC com quem o A. foi casado no regime de comunhão de adquiridos, estando atualmente divorciados;
- No âmbito do processo n.º 5645/09.0TBSTS, que correu termos pela 2.ª Secção Cível da Instância Central deste Tribunal Judicial da Povoa de Varzim, o casal de Autor e chamada, ali Autores, aceitou e acordou manter em vigor o contrato promessa de compra e venda do imóvel que sempre havia sido a sua casa de habitação, pelo preço de € 185.000,00;
- Tal imóvel estava na titularidade dos promitentes vendedores ao abrigo de um negócio fiduciário para garantia do reembolso de um empréstimo que eles haviam feito ao extinto casal de Autor e chamada.
Sempre tendo o Autor e a chamada, desde que construíram tal imóvel, sobre um terreno que havia sido adquirido como bem próprio pelo Autor, da herança de seus pais, nele habitado e feito as suas refeições, dormido e mantido os seus pertences.
Sempre se considerando como donos do referido prédio.
- O valor comercial do referido imóvel era, à data da transação, de aproximadamente € 350.000,00.
- O R. BB aceitou contrair e suportar exclusivamente um empréstimo para pagamento dos valores ainda em dívida aos promitentes vendedores – na impossibilidade de o A. e chamada dispor de tal quantia - ficando o imóvel na sua titularidade, como contrapartida ficando o A. e chamada a residir no imóvel até ao óbito do último progenitor, “como se de um usufruto de tratasse”, com a obrigação de cuidar dos seus pais prestando-lhes serviços domésticos e medicamentosos, até ao óbito do último.
- O R. contraiu um empréstimo no valor de € 105.000,00 para o efeito, tendo o A. e chamada liquidado a restante parte do preço correspondente ao montante de € 85.000,00 a fim de a prestação do R. não ser tão elevada.
Valor de € 85.000,00 que o R. assumiu ter de devolver a seus pais no prazo de 3 anos.
- No passado correu termos processo de execução fiscal com o n.º ..., contra a empresa “A..., Lda.”, de que eram gerentes o Autor, o Réu, e a filha e irmã de ambos, respetivamente, DD.
Tendo em sede de reversão fiscal sido penhorado um terreno, bem próprio do A., acordou o A. com o R. que este exerceria a remição da venda, o que este veio a fazer pelo valor de € 12.600,00.
Valor que o A. entregou ao R. para o efeito.
Tendo o R. se comprometido a retransmitir o terreno para o A., o que ora se recusa a fazer.
- O A. entregou ainda ao R. a quantia de € 25.000,00 que este destinou ao pagamento da dívida fiscal no âmbito do mencionado processo.
- O A. obteve, entretanto, ganho na pretensão que havia deduzido no âmbito da mencionada execução, em consequência do que as quantias entregues para garantia/pagamento de tal dívida indevida, que foi reclamada no processo executivo tributário, foram reembolsadas, ao Autor e ao Réu.
- Recebeu o R. nomeadamente a quantia de aproximadamente € 27.000,00, correspondente ao capital de € 25.000,00 (que o seu pai lhe havia entregue para tal efeito) acrescida de juros no montante aproximado de € 2.000,00.
Quantia que deverá se entregue ao A., quer por assim ter sido acordado, quer por de outro modo constituir a não entrega de tal quantia um enriquecimento ilegítimo e sem causa para o R..
- Por outro lado e na sequência do divórcio entre A. e chamada, o R. aliando-se à chamada, impede o A. de gozar de todos os cómodos da habitação, bem como da sua oficina que se situa no imóvel e logradouro.
Imóvel onde se situam ainda uns anexos que são arrendados e dos quais o A. tem direito a receber metade do valor das rendas que o mesmo recebe, pelo menos desde julho de 2018 – rendas no valor total mensal de € 450,00.
- O R. cortou acesso ao A. a água e luz para os cómodos que ocupa e não cuida nem alimenta o A., ao contrário do que havia sido estipulado.
Arroga-se ainda o R. dono de todo o recheio da habitação, bem como de outros bens pelo A. descriminados e que invoca pertenceram ao casal formado pelo A. e chamada (vide artigos 65º e 66º da p.i.), com exceção dos bens indicados em 67º que alegou apenas a si pertencerem.
- Os direitos que o A. pretende exercer foram definidos e estabelecidos ainda no estado de casado com a chamada. Sendo esta titular de metade de tais direitos, com exceção dos bens que em exclusivo pertencem ao A..
Motivo por que o A. requer o chamamento de sua ex-mulher.
A final tendo concluído e peticionado a condenação do R. nos termos acima reproduzidos.
B) Devidamente citado o R. contestou, concluindo pela total improcedência da ação e pela condenação do R. como litigante de má-fé.
C) Citada a chamada, declarou aderir ao articulado do R., pugnando pela absolvição do mesmo de todos os pedidos formulados pelo A..
D) Em 09/07/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Através da presente ação, o A. reivindica bens, designadamente quantias monetárias, bens móveis e outros direitos, que fazem parte do património comum constituído por si e pela sua ex-mulher, CC, cuja intervenção foi admitida para assegurar o litisconsórcio necessário ativo.
Admitida a intervenção, a identificada CC, aderindo ao articulado do R., revelou não dar o seu consentimento para a presente ação.
Assim sendo, ao abrigo do art. 3.º do CPC e atento o disposto nos arts. 34.º, n.ºs 1 e 2 e 1000.º e ss. do mesmo diploma legal, notifique as partes para se pronunciarem sobre a questão colocada nos termos sobreditos e sobre os seus efeitos na presente ação.”
E) Notificados do despacho mencionado, vieram:
- o R. declarar e requerer “na sequência da intervenção de CC, que aderindo ao articulado do R. revelou não dar o seu consentimento para a presente ação, vem requerer a absolvição da instância e consequente extinção da mesma por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais para o seu prosseguimento.”
- o A. declarou e requereu
“Face à factualidade alegada na ação o Autor isoladamente, e desacompanhado do seu cônjuge, tem legitimidade e interesse processual para a ação por si intentada.
8. A não ser assim (…) o A. veria negado o acesso à justiça, mediante o recurso desadequado do artigo 1682ºº A do CC e artigos 33.º e 34º do CPC.
9. O artigo 1682º A do CC enuncia que “1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens:
(…)”
10. A rácio legis do preceito é a de proteger um dos cônjuges contra a ação do outro.
11. Não o contrário.
12. Ora, no caso dos autos, a Chamada participou ativamente e deu o seu consentimento na composição material dos factos alegados pelo A. nos termos e para os efeitos do artigo 1682º A do CC.
13. Não se trata da falta de consentimento para o ato material, que foi praticado, mas de um ponto de vista processual em que, presentemente, o A. divorciado da Chamada requer a sua intervenção para fazer valer direitos.
14. Uma interpretação distinta não proporciona o equilíbrio dos interesses em jogo.
(…)
16. Ora, admitir-se que o Autor não pudesse exercer os seus direitos, porque na dependência do consentimento da chamada, que retira proveito e benefício de tal posição, consubstanciaria uma clara situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334º do CC.
17. Já que a chamada participou ativamente nos factos alegados pelo A.
18. E posteriormente, divorciada e desavinda não consente que o A. reclame os seus direitos, negando o acesso à composição de uma lide justa para o A.
19. E uma interpretação de tais normas, no sentido de tolher o Autor dos seus direitos, sempre configuraria, no vertente caso, a violação de um direito constitucional a uma tutela efetiva dos direitos, consagrado ao artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.”
Termos em que concluiu requerendo o “prosseguimento da ação apenas na pessoa do Autor por o mesmo deter plena legitimidade ativa para a ação, considerando que a falta de consentimento da chamada para a presente lide, consumaria a violação do artigo 260.º do CPC e estabilidade da lide, assim como representaria a negação do acesso à justiça, mediante a interpretação e aplicação desadequada dos artigo 1682ºº A do CC e artigos 33.º e 34º do CPC, para além de configurar Abuso de Direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334º do Código Civil, que acarretaria ainda a violação do direito à tutela efetiva dos seus direitos, por banda do Autor, infringindo claramente o preceito 20.º da Constituição da República Portuguesa.”
F) Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi apreciado e decidido o seguinte:
“(…)
Nos presentes autos o A. AA pede a condenação do R. BB, seu filho, a reconhecer-lhe nuns casos a si e noutros a si e à sua ex-mulher, de quem está divorciado, e com quem foi casado no regime de comunhão de adquiridos, entretanto chamada à presente ação por iniciativa do próprio A., determinados direitos e a pagar-lhe determinadas quantias nos seguintes termos:
1. a reconhecer que assiste a si e à ex-mulher o direito de uso e habitação do imóvel que identifica como comum do ex-casal (Ponto 1) do Pedido);
2. a reconhecer ao A. o direito de usar e fruir do interior do imóvel supra referido em 1), do seu logradouro e oficina (Ponto 9) do Pedido);
3. a reconhecer que assiste a si e à ex-mulher, na proporção de metade a cada um, o direito aos rendimentos decorrentes da cedência do gozo a terceiros dos anexos que existem naquele imóvel (Ponto 2 do Pedido);
4. a pagar ao A. metade do valor dos rendimentos gerados por tais anexos (Pontos 4 e 5 do Pedido).
5. a reconhecer que é devedor a si e à ex-mulher da quantia de 85.000,00 € pertencente ao ex-casal, na proporção de metade para cada um (Ponto 6 do Pedido).
6. a pagar na proporção de metade ao A. e à ex-mulher determinada quantia que os mesmos enquanto casal lhe haviam entregue (Ponto 8 do Pedido);
7. a reconhecer que pertence ao A. e à ex-mulher, na proporção de metade, determinados bens móveis que identifica como comuns no ponto 10 do Pedido;
8. a reconhecer a propriedade do A. sobre um determinado terreno que identifica como bem próprio (Ponto 7) do Pedido).
9. a reconhecer que pertence ao A. como bens próprios os móveis que identifica em 11) do Pedido;
10. a reconhecer que está obrigado a suportar a alimentação e outras despesas pessoais do A. e da ex-mulher (Ponto 3 do Pedido).
Do que vem de se dizer, resulta que o que está em causa nos itens 1 a 7 supra elencados são bens comuns do ex-casal e no item 8 um imóvel próprio do A., aqui reclamados unicamente pelo A. marido.
Quando assim é, por envolver o risco de perda dum bem que, por força dos arts. 1682.º, n.º 1 e 1682.º-A, n.º 1, al. a), do CC, só por ambos pode ser alienado, a presente ação, nos termos do art. 34.º, n.º 3, in fine e n.º 1 do CPC, tem de ser proposta por ambos os cônjuges ou por um deles com o consentimento do outro.
(…)
Como explica Miguel Teixeira de Sousa, “Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário quando o objeto do processo é um facto praticado por ambos os cônjuges, uma dívida comunicável, um direito que apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado (art. 19.º) – in “As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa”, Lex, Lisboa, 1995, pág. 67.
Note-se que, como salienta o mesmo autor que vimos de citar ainda a propósito do art. 19.º do CPC na versão anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que precedeu o atual, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/06: “O litisconsórcio necessário definido pelo art. 19.º também pode operar depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento. Para tanto basta que o ato tenha sido praticado pelos ex-cônjuges ou que, apesar da cessação do casamento, ainda não se tenha realizado a partilha de bens entre eles” (in loc. cit. pág. 68).
A este respeito, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 5/01/2010, relatado pelo Exmo. Desembargador Rodrigues Pires, ainda no tempo do anterior Código de Processo Civil esclarece que “… neste caso, ter-se-á que atentar no nº 2 do dito art. 28-A, onde se estatui o seguinte: «Na falta de acordo o tribunal decidirá sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 25.»
Este nº 2 corresponde ao nº 2 do art. 18 do Cód. do Proc. Civil, na anterior redação, prevendo o suprimento judicial do desacordo dos cônjuges quanto à propositura da ação. A parte final do preceito remete para o estatuído no art. 25 acerca da falta de autorização para a parte estar em juízo como autor, o que constitui desvio ou especialidade relativamente à pura aplicação das regras atinentes à legitimidade.
Deste modo, apesar do novo enquadramento sistemático da matéria, que foi deslocada da secção que trata da capacidade judiciária para a que respeita à legitimidade das partes [3], continua a vigorar regime estritamente idêntico ao que decorria do antigo nº 3 do art. 25 do Cód. do Proc. Civil, equiparando-se de modo expresso a falta de consentimento conjugal à necessidade de autorização para o representante da parte estar em juízo como autor. [4]
Como tal, atendendo a que a mulher do autor não prestou o seu consentimento, nem antes da propositura da ação, nem depois quando foi chamada a intervir, haveria que ter dado cumprimento ao que conjugadamente dispõem os arts. 28-A, nº 2 e 25 do Cód. do Proc. Civil.
Ou seja, deveria obter-se o suprimento judicial do consentimento e apenas, uma vez este concedido, no interesse da família, é que o cônjuge autor passaria a ter legitimidade para, só por si, conduzir a ação (cfr. também arts. 1425 do Cód. do Proc. Civil e 1684, nº 3 do Cód. Civil).
Verificando-se que nada disto sucedeu, deverão os réus, conforme por eles explanado nas suas alegações, ser absolvidos da instância, assim se julgando procedente o recurso interposto (cfr. art. 25, nº 2 do Cód. do Proc. Civil)”.
Retomando o caso dos autos, verifica-se que a ex-mulher do A. não só não interveio na ação na qualidade de A. como não prestou consentimento antes da propositura da ação, e, não obstante ter sido chamada à ação como associada do A., a verdade é que a mesma se manifestou favorável à posição do R. e contra a presente ação, em clara e concludente falta de consentimento à presente ação que, assim, terá de ser suprida por decisão judicial nos termos do art. 34.º, n.º 2 do CPC.
De onde, é forçoso concluir pela ilegitimidade do A. relativamente ao objeto da ação a que se reportam os pedidos 1, 2 e 4 a 10, que sendo insanável, nos termos sobreditos, conduz naquela parte à absolvição do R. da instância de acordo com o art. 278.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Outrossim, sendo os demais pedidos (Pedidos 3 e 11) relativos a bens e direitos exclusivos do A., verifica-se que a chamada CC é parte ilegítima para os termos da ação.
Pelo exposto, e ao abrigo do art. 595.º, n.º 1, al. a) do CPC, julgo o A. parte ilegítima e, em consequência, absolvo o R. da instância relativamente aos pedidos 1, 2 e 4 a 10, assim como julgo a chamada CC parte ilegítima para os ulteriores termos da ação.”
***
Inconformado com o assim decidido, apelou o A. tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes
CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Foram dispensados os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar se a decidida absolvição da instância merece censura, o que este fundou nos seguintes argumentos:
- o pedido formulado sob o ponto 7 da p.i. refere-se a bem próprio do autor pelo que não carece do considerado consentimento da chamada para reconhecer legitimidade ativa ao autor (conclusão 1);
- o tribunal a quo deveria ter ordenado a suspensão da instância nos termos dos artigos 34º e 29º do CPC que assim foram violados (conclusão 2);
- A recusa de consentimento da chamada para a ação constitui nítido abuso de direito e fraude à lei pois que veda ao autor o reconhecimento de direitos que obteve na constância do matrimónio, configurando uma tal interpretação dos artigos 33º e 34º do CPC e 1682ºA do CC a violação do direito constitucional a uma tutela efetiva dos direitos do A. consagrado no artigo 20º da CRP (vide conclusões 3 a 6).
***
III- Fundamentação
As vicissitudes processuais relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são as acima já elencadas.
*
Analisemos então as questões submetidas à nossa apreciação.
Tal como o evidencia o relatório acima formulado, o aqui autor (no que ora releva) alegando ter celebrado com o aqui R., na pendência do seu casamento com a chamada, ora sua ex-cônjuge e com quem foi casado no regime de comunhão de adquiridos, vários acordos tendo por objeto bens que fizeram parte do património comum constituído pelo ex-casal e ainda não partilhado, com exceção do imóvel referido no ponto 7 da p.i. que alegou ser bem próprio, formulou vários pedidos – os acima assinalados e que o A. agrupou em 13 pontos (para além do pedido de intervenção da chamada).
O tribunal a quo, aquando da prolação da decisão recorrida, reagrupou estes pedidos do autor em 10 pontos, tendo o pedido elencado em 7 da p.i. passado a ser identificado na decisão recorrida sobre o ponto 8.
Este pedido, de acordo com o alegado pelo autor, respeita a um imóvel descrito na CRP sob o nº ... e que o A. alegou ter sido um bem próprio herdado de seus pais que foi alvo de penhora e venda no âmbito de uma execução fiscal. Bem sobre o qual o R. exerceu o direito de remição na venda pelo montante de € 12.600,00. Tendo este montante sido para o efeito entregue pelo autor ao R., o qual se comprometeu a retransmitir tal terreno ao autor sem cobrar qualquer quantia, logo que fosse conveniente e adequado.
O que nos termos constantes deste pedido 7 peticionou o A. fosse o R. condenado a cumprir.
Alega o A. que este bem é/era nos termos que deixou enunciados na p.i. um bem próprio e nessa medida não faz parte do património comum do extinto casal, pelo que se não encontra abrangido pela limitação constante do artigo 34º nº 1 do CPC.
E tem razão o autor quanto a estar em causa um bem próprio que como tal não faz parte do património comum – de acordo com o pelo mesmo alegado.
Dispõe o artigo 1722º nº 1 als. a) e b) do CC que ao casamento em que o regime de bens adotado pelo esposados, ou aplicado supletivamente, for o da comunhão de adquiridos (vide artigo 1721º do CC) são considerados bens próprios dos cônjuges os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento e os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.
Tendo o A. alegado que o bem que identifica no pedido 7 da p.i. lhe adveio por sucessão e igualmente alegado que foi casado sob o regime de comunhão de adquiridos estando já divorciado, estará tal bem excluído do património considerado comum do casal.
Desta exclusão do património comum não resulta, contudo, a imediata conclusão de não estar o mesmo abrangido pela limitação do artigo 34º do CPC.
Dispõe este artigo que devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto direta ou indiretamente a casa de morada de família.
Decorre dos artigos 1688º e 1689º do CC que cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges pela dissolução (como é o caso do divórcio – vide artigo 1788º do CC), estes (ou os seus herdeiros – situação que para o caso não releva) recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
E havendo passivo a liquidar, são pagas em 1º lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum e só depois as restantes.
Ainda, os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas não existindo bens comuns ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor (vide artigo 1689º do CC).
A operação de partilha é complexa, pois no apuramento do património comum líquido há que previamente identificar o ativo e passivo; identificar os bens comuns de acordo com o regime de bens do casamento e determinar o património que responderá pelas dívidas comuns – primeiro o património comum e depois o próprio de cada um dos cônjuges (vide artigos 1689º e 1695º nº1 do CC); bem como pelas dívidas próprias – primeiro o património próprio e subsidiariamente a meação nos bens comuns se houver remanescente após pagamento de eventuais dívidas comuns (vide artigo 1696º). Só após estas operações sendo possível determinar o património comum a partilhar(1).
Por outro lado, e no que à alienação ou oneração de bens próprios respeita, dispõe o artigo 1682ºA, nº 1 al. a) do CC que carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.
Esta norma encontra no regime processual proteção através do previsto precisamente no artigo 34º do CPC, exigindo a intervenção ou consentimento de ambos os cônjuges em ações que respeitem a bens indicados no artigo 1682ºA.
O imóvel identificado no ponto 7 do pedido do autor apesar de bem próprio não poderia ser alienado ou onerado sem o consentimento do cônjuge do autor, nos termos das disposições acima assinaladas.
E como tal está sujeito às regras do artigo 34º do CPC.
O facto de o autor ter, entretanto obtido o divórcio não afasta a aplicação das regras citadas porquanto e não obstante os efeitos do divórcio retroagirem à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges (vide artigo 1789º nº 1 do CC), facto é que até à concretização da partilha que está sujeita às diversas etapas acima já mencionadas o património comum cuja liquidez está ainda por apurar, se mantém.
Resultando as limitações impostas à alienação ou oneração do património próprio acima elencadas numa proteção à observância das regras e operações de liquidação na partilha do património comum.
Termos em que pelo acima exposto, se conclui não merecer censura o decidido pelo tribunal a quo neste ponto relativo ao imóvel que é bem próprio do autor.

Em segundo lugar alega o A. que o tribunal a quo deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 29º do CPC, suspendendo a instância e não absolvendo o R. da instância, com vista a obter o consentimento do cônjuge/chamada.
Tão pouco aqui procedem os argumentos do recorrente.
Note-se que da remissão do artigo 34º nº 2 do CPC para o artigo 29º, resulta que nas causas em que seja necessária a intervenção obrigatória de ambos os cônjuges ou a intervenção de um com o consentimento do outro, caso apenas um dos cônjuges seja parte ativa sem que tenha obtido o acordo do outro para a sua demanda, deve ser concedido um prazo para o autor regularizar essa falta de consentimento – o artigo 29º refere-se à concessão de prazo para a obtenção de autorização/deliberação e não para o suprimento desta.
E não sendo esta sanada no prazo concedido é o R. absolvido da instância (vide 29º nº 2 do CPC).
Mais prevê o artigo 34º nº 2 – consentâneo com o previsto no artigo 1684º do CC - que no caso de falta de acordo, o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento tendo em consideração o interesse da família, remetendo para o previsto no artigo 29º do CPC.
Nos termos do nº 1 do artigo 29º, se for necessária e faltar alguma autorização, o tribunal concede um prazo para a parte obter a autorização/consentimento em falta. Suspendendo no entretanto os termos da causa.
No entanto e se a falta não for sanada, o R. é absolvido da instância (nº 2 do artigo 29º do CPC).
Na falta de acordo disciplina então o artigo 34º nº 2 – 1ª parte – o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento.
O meio processual próprio para tal é o do processo especial de suprimento de consentimento – vide artigos 1000º e segs, do CPC.
Ou seja, o nº 2 do artigo 34º do CPC quando conjugado com o artigo 29º do CPC para o qual o primeiro remete, inclui duas situações:
- a primeira para os casos em que um dos cônjuges interveio ativamente numa ação, demandando terceiros sem previamente ter cuidado de obter o consentimento do outro cônjuge que não intervém na demanda. Consentimento que, todavia, se equaciona ainda possível de obter. Caso em que então e por via da remissão para o previsto no artigo 29º, se suspende nos termos do nº 1 deste artigo os termos da causa para que seja obtida a necessária autorização/consentimento.
- a segunda para os casos em que não há acordo dos cônjuges e por tal é necessário obter o suprimento do consentimento, caso em que há que absolver o réu da instância (vide 29º nº 2 do CPC) e recorrer ao processo especial de suprimento de consentimento acima aludido (atento o previsto no 34º nº 2 - 1ª parte).
Assim e nas situações em que esteja já nos autos demonstrada a impossibilidade de obter o mencionado consentimento, nada mais resta que proceder à absolvição do réu da instância por força do preceituado no artigo 29º nº 2 do CPC. Devendo o autor para que validamente possa posteriormente exercer e defender os seus direitos, obter o suprimento do consentimento nos termos do já referido processo especial.
A leitura que assim é feita dos invocados artigos para a situação em que vigora ainda a sociedade conjugal, aplica-se de igual forma aos casos em que ocorreu já a extinção do vínculo conjugal, sem que tenha sido feita a partilha.
Até que esta seja concretizada, o património comum mantém-se e as razões de proteção ao mesmo que subjazem às limitações impostas na vigência do casamento igualmente se mantêm.
Note-se que o direito à meação fruto da comunhão conjugal não significa que o cônjuge meeiro se encontre em concreto numa situação de compropriedade sobre os bens comuns, dos mesmos detendo ½ da propriedade de cada um dos mesmos individualmente.
Ao invés o cônjuge meeiro tem apenas direito a ½ do ativo que será preenchido ao mesmo tempo e como consequência da partilha da património comum aquando da respetiva composição da sua meação(2).
Só a partilha fará cessar a situação de indivisão do património.
Tal como afirmado no Ac. do STJ de 30/01/2013(3), nº de processo 1100/11.7TBABT.E1.S1 in www.dgsi.pt “até à partilha os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas.”
E conforme já acima também mencionado, o património comum a partilhar é encontrado após a identificação do ativo e passivo, só sendo partilhado o património comum líquido encontrado após as operações de liquidação do passivo.
Assim e até à execução da partilha, mantêm-se aplicáveis as mesmas regras que se aplicavam à sociedade conjugal entretanto extinta por divórcio.
Neste assente pressuposto e perante o acima já mencionado, conclui-se pela improcedência da pretendida suspensão da instância, uma vez que a chamada através da oposição deduzida expressou o seu não consentimento à pretensão do recorrente.
Ao mesmo restando assim e previamente recorrer ao processo especial de suprimento de consentimento, tal como o tribunal a quo decidiu(4).

Em terceiro lugar alegou o recorrente que a posição assumida pela chamada consubstancia um abuso de direito, pois resulta de se ter aliado a seu filho contra os interesses do A., a quem assim veda o reconhecimento desses mesmos direitos.
Para além de, a seguir-se uma interpretação dos artigos 1682ºA do CC e 33º e 34º do CPC que confirme a preterição do litisconsórcio necessário atenta a posição da chamada, configurar esta uma violação do seu direito constitucional a uma tutela efetiva dos direitos consagrado no artigo 20º da CRP.
Analisemos estes argumentos.
Entende-se que atua em abuso de direito aquele que exercita um direito de que é titular de forma manifestamente excessiva para lá dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Atentando-se, para determinar os limites impostos pela boa-fé ou bons costumes, de modo especial as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.
E para consideração do fim social ou económico do direito, convocando-se de preferência juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Sem excluir os fatores subjetivos ou intenção na atuação do titular, na medida em que estes relevarão para apreciação quer da boa-fé bons costumes quer ao próprio fim do direito(5).
Ora, conforme já referido no início, a chamada declarou aderir ao articulado do R., corroborando o mesmo por “corresponder à mais pura verdade”.
A posição assumida pela chamada encontra-se justificada nos termos constantes do seu articulado.
Se esta corresponde efetivamente ao que oportunamente se virá a apurar em demanda judicial que prossiga para apreciação do mérito da causa, é algo que só posteriormente poderá ser aferido.
Mas na posse dos elementos que para já resultam dos autos, nada evidencia fundar-se a mesma numa qualquer vertente da figura dum abusivo exercício de direito, tanto mais quando a exigência de litisconsórcio necessário em situações como a dos autos tem subjacente a realização de interesses públicos(6).
Tão pouco se infere da interpretação seguida dos normativos convocados pelo recorrente uma qualquer violação do direito constitucional a uma tutela efetiva dos direitos do A..
Com efeito a decidida absolvição da instância decorre da não observância por parte do recorrente do ritual processual estabelecido pelo legislador, nos termos apreciados.
E tal como o tribunal constitucional tem vindo a decidir a propósito do direito de ação e a um processo equitativo:
O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legí­timos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).
Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
(…)
Por outro lado, importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no referido artigo 20.º, n.º 4, da Constituição não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.”(7)
Estando em causa ação para a qual é exigida a propositura por ambos os cônjuges, ou de um só com o consentimento do outro (artigo 34º do CPC e 1682ºA do CC) e tendo o cônjuge não proponente – mesmo que chamado a intervir – expresso a não concessão de tal consentimento, verifica-se a ilegitimidade ativa do proponente, com a consequente absolvição da instância dos demandados, por força do previsto no artigo 29º nº 2 do CPC.
A decidida absolvição da instância fundada na não verificação do pressuposto processual da legitimidade não viola o princípio do direito e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos do autor.
Impondo-se que o autor recorra ao processo especial de obtenção de suprimento do consentimento do cônjuge (vide 34º nº 2 e 1000º do CPC e 1684º nº 3 do CC), para posterior instauração da ação, se e uma vez obtido o mesmo.

Termos em que se conclui não merecer censura o decidido.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 2022-06-08
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
____________
(1) Vide CC Anotado de Ana Prata (Coord.), 2ª ed. – anotação ao artigo 1689º de Rute Pedro; Ac. TRC de 08/11/2001, nº de processo 4931/10.1TBLRA.C1 in www.dgsi.pt sobre a liquidação do património comum;
(2) Cfr. neste sentido Ac. STJ de 15/12/98, nº de processo 98A1085; Ac. STJ de 29/01/2019, nº de processo 3884/16.7T8VIS.C1.S1; Ac. TRP de 07/07-2005, nº de processo 0553551; Ac. TRP de 10/12/2019, nº de processo 1745/08.2TBFLG.P1 todos in www.dgsi.pt
(3) Em causa uma situação de herança, mas com igual aplicação ao caso da dissolução da sociedade conjugal.
(4) Neste sentido cfr. o decidido no Ac. TRP de 05/01/2010, nº de processo 581/08.0TBVNG.P1, in www.dgsi.pt convocado pelo tribunal a quo.
(5) Assim Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, ed. 6ª p. 515/516.
(6) Assim foi já afirmado nomeadamente no Ac. TRG de 30/11/2016, nº de processo 170/12.5TBALJ.G1 in www.dgsi.pt .
(7) Cfr. Ac. T. Constitucional nº 245/2016, nº de processo 767/2015 in www.tribunalconstitucional.pt