Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1655/18.5T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA DO MENOR
RESIDÊNCIA ALTERNADA
CONFLITUALIDADE PARENTAL
Nº do Documento: RP201905071655/18.5T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 890, FLS 198-208)
Área Temática: .
Sumário: I - O atual quadro legal permite que a residência da criança possa ser, no caso de cessação da convivência em comum dos progenitores, fixada com um deles ou com ambos, de forma alternada, impondo-se, porém, que a solução adotada seja a que melhor satisfaça o interesse do menor.
II - Tratando-se de criança de tenra idade [no caso 3 anos de idade], e inexistindo acordo nesse sentido, a residência alternada com ambos os progenitores só deve ser determinada pelo tribunal se entre os progenitores existir capacidade de diálogo, entendimento e cooperação e se entre eles se verificar também a partilha, relativamente ao menor, de um projeto de vida e de educação comuns.
III - Assim, se entre os progenitores há um clima de elevada conflitualidade não se justifica o estabelecimento de um regime de residência alternada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1655/18.5 T8AVR-A.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 1
Apelação (em separado)
Recorrente: B…
Recorridos: Min. Público; C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B… veio, ao abrigo do disposto nos arts. 3º, al. c), 17º, nº 1, 43º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC] e 1906º do Cód. Civil, requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor D…, nascida a 22.2.2015.
Na conferência de pais efetuada em 23.5.2018 pela mandatária do pai foi dito que este pretende a residência alternada da menor, sugerindo que até Setembro haja um período de habituação.
Pela mandatária da mãe foi dito que esta não quer a residência alternada, aceitando os fins-de-semana alternados de sexta a segunda-feira e que o pai visite a criança durante a semana, por exemplo à quarta-feira.
Seguidamente, nos termos do art. 28º do RGPTC, foi fixado pela Mmª Juíza “a quo” o seguinte regime provisório:
“1) A menor ficará a residir com a mãe, competindo o exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância a ambos os progenitores, sendo que quanto aos atos da vida corrente tal exercício competirá ao progenitor que em cada momento tiver consigo a filha.
2) No presente mês de maio, mantém-se o regime que o pai e a mãe acordaram até agora quanto às visitas em que:
a) durante a semana: o pai vai buscar a menor às segundas e sextas-feiras ao infantário, depois das atividades e entrega-a às 21:00horas na casa da mãe e vai buscar a menor às quartas-feiras ao infantário depois das atividades e entrega-a às 18:30horas na casa da mãe.
b) durante o fim de semana: o pai passa, ora o sábado ora o domingo com a menor, indo buscar a menor a casa da mãe às 11:00horas e entrega-a no mesmo local às 21:00horas.
3) Durante o mês de junho:
a) O pai poderá ter a menor consigo em fins-de-semana alternados, de quinze em quinze dias, devendo para o efeito ir buscá-la ao sábado a casa da mãe, às 11:00 horas, e entrega-a no domingo, no mesmo local às 20:00horas, iniciando-se este regime no primeiro fim de semana de junho (2 de junho). Se a menor não se adaptar a dormir em casa do pai, o pai leva a menor a casa da mãe, no sábado às 21:30horas e vai no domingo buscar a menor a casa da mãe, às 11:00horas e entrega-a no mesmo local às 20:00horas.
b) Na terça-feira imediatamente seguinte no fim de semana em que a menor está com o pai, o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega na casa da mãe, às 20:00horas.
c) Na segunda feira imediatamente seguinte ao fim de semana em que a menor está com a mãe, o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega-a casa da mãe, às 20:00horas.
d) Todas as quartas-feiras, o pai está com a menor, devendo para o efeito ir buscá-la ao infantário/escola no final das atividades e entregá-la no mesmo local, no dia seguinte, a tempo das atividades, sendo que se a menor não se adaptar bem à pernoita, o pai entrega a menor na casa da mãe, às 20:00horas.
4) Durante o mês de julho:
a) Se a pernoita da menor na casa do pai correr bem, o pai poderá ter a menor consigo em fins-de-semana alternados, de quinze em quinze dias, devendo para o efeito ir buscá-la à sexta-feira à escola/infantário, depois das atividades letivas, e entrega-a no domingo, na casa da mãe, às 20:00horas.
b)Na terça-feira imediatamente seguinte ao fim de semana em que a menor está com o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega na casa da mãe, às 20:00horas.
c) Na segunda feira imediatamente seguinte ao fim de semana em que a menor está com a mãe, o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega-a na casa da mãe, às 20:00horas.
d) todas as quartas-feiras, o pai está com a menor, devendo para o efeito ir buscá-la ao infantário/escola no final das atividades e entrega-a no mesmo local, no dia seguinte, a tempo das atividades, sendo que se a menor não se adaptar bem à pernoita, o pai entrega a menor na casa da mãe, às 20:00horas.
5) No mês de Agosto, a menor passa o mês com os progenitores, em moldes e termos a combinar entre estes, da seguinte forma:
- dia 1 de agosto com a mãe;
- de 2 a 4 de agosto com o pai;
- de 5 a 7 de agosto com a mãe;
- de 8 a 10 de agosto passa com o pai;
- de 11 a 19 de agosto com a mãe;
- de 20 a 23 de agosto com o pai;
- de 24 a 26 de agosto com a mãe; e
- de 27 a 31 de agosto com o pai.
6) No mês de setembro:
a) o pai poderá ter a menor consigo em fins-de-semana alternados, de quinze em quinze dias, devendo para o efeito ir buscá-la à sexta-feira à escola/infantário, depois das atividades letivas, e entrega-a no domingo, na casa da mãe, às 20:00horas.
b) Na terça-feira imediatamente seguinte ao fim de semana em que a menor está com o pai, o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega na casa da mãe, às 20:00horas.
c) Na segunda feira imediatamente seguinte ao fim de semana em que a menor está com a mãe, o pai vai buscar a menor à escola/infantário depois das atividades e entrega-a na casa da mãe, às 20:00horas.
d) Todas as quartas-feiras, o pai está com a menor, devendo para o efeito ir buscá-la ao infantário/escola no final das atividades e entregá-la no mesmo local, no dia seguinte, a tempo das atividades.
7) A título de alimentos para a menor, o progenitor contribuirá com a quantia mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), a ser paga à progenitora até ao dia 8 de cada mês, com início no mês de junho, por transferência bancária para o IBAN que a mãe indicar ao pai.
8) O pai suporta na totalidade a despesa com o seguro de saúde da menor.”
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o requerente que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) O ora recorrente discorda do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que foi fixado na decisão recorrida, por o mesmo ter determinado a residência exclusiva da menor com a mãe em vez da residência alternada com ambos os progenitores por períodos idênticos e por o mesmo regular as visitas, pernoitas e férias da menor com o pai em termos que implicam um afastamento do pai relativamente à filha face à recente situação anterior à separação dos progenitores.
B) Considerando que o recorrente viveu com a menor durante toda a sua vida até à separação do casal (ocorrida cerca de 15 dias antes da conferência de pais) o regime fixado no que toca a tais pontos não corresponde ao que melhor satisfaz o interesse da menor na medida em que provoca uma ruptura brusca e repentina na convivência pai-filha considerando que a menor toda a sua vida residiu com o pai até 06.05.2018, propiciando instabilidade emocional na menor, bem como a criação na filha de um sentimento de abandono por parte do pai, que não corresponde à verdade na medida em que este só não está mais tempo com ela, porque tal se lhe mostra vedado com o regime fixado, sendo a sua vontade a de passar o máximo de tempo possível com a sua filha.
C) Atentas as circunstâncias referidas no ponto anterior, o regime que melhor satisfaz o interesse da menor é o da residência alternada com cada um dos progenitores por períodos idênticos.
D) No superior interesse da menor, salvaguarda a necessidade de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os pais decorre, em primeira linha, do artigo 9º, nº 3, da Convencão das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, estabelecendo o nº 1 deste artigo que “Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes“, norma esta que está em consonância com o disposto nos n.°s 3 e ss. do artigo 36.° da nossa Constituição: “(...)3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos. [...] e 5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos; 6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”
E) Importa ainda ter presente o teor da Resolução 2079 (2015) do Conselho da Europa sobre “Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos pais” adoptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a 2 de Outubro de 2015 (36ª reunião): “1. (…) No seio das famílias, a igualdade entre os progenitores tem que ser garantida e promovida a partir do momento em que existam crianças. O envolvimento dos dois na educação dos seus filhos é benéfico para o seu desenvolvimento. O papel dos pais no que diz respeito aos seus filhos/as, mesmo quando são muito novos, necessita de ser melhor reconhecido e devidamente valorizado”, acrescentando que os Estados devem “(...) 5.5. Introduzir na sua legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses; (...)”
F) Finalmente, nos termos do n° 7 do artigo 1906.°do Código Civil, “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
G) Desta norma retira-se a afirmação da igualdade entre ambos os progenitores e o reconhecimento da necessidade de intervenção de ambos em igual medida no exercício da parentalidade, como condição indispensável para o desenvolvimento saudável da criança, sendo um dos aspectos mais visíveis da reforma de 2008, assim o inculcando o artigo 82.°, n.° 1, do Código Civil ao prever que “a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles”.
H) Com vista à concretização do regime jurídico aplicável e das directrizes formuladas pelas mais altas instâncias a nível internacional, tanto a jurisprudência como a doutrina mais recentes vêm assumindo a residência alternada como o regime que melhor favorece o interesse do menor após a separação dos progenitores nas situações em que - como no caso em apreço - o menor sempre residiu com ambos os progenitores até àquela separação, opção essa que surge sustentada não só em estudos da especialidade mas também na prática judiciária, como se passa a evidenciar.
I) Tanto a doutrina como a jurisprudência vêm elencando as seguintes vantagens da residência alternada, pois a) preserva a relação da criança com ambos os pais, b) preserva a relação dos pais com a criança, c) diminui o conflito parental e previne a violência na família; e) respeita as preferências da criança e a opinião acerca das suas necessidades; f) respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança, g) minimiza os efeitos negativos da separação; e) impede o progenitor não residente de se acomodar e delegar no outro a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto.
J) Diminui o sentimento de perda na sequência da separação por permitir a proximidade dos filhos com os pais, proporciona à criança dois pais em vez de um só ou de um meio, contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais e satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36.°, n° 5 e 13.°, da Constituição e pelo artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança, sendo a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (artigo 36.°, n.° 6, da Constituição).
K) Nesta senda, os Tribunais têm defendido “que a mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje não só como uma das soluções a equacionar mas ainda que na tomada de decisão sobre a entrega da criança se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.”
L) Ilustrativo da implementação deste entendimento é o Acórdão da Relação de Lisboa de 24.01.2017, processo n.° 954-15.2T8AMD-A.L1-7, que, em sede de uma decisão provisória, determinou a guarda conjunta, mesmo do facto de a progenitora se opor à guarda/residência alternada não é, em si, motivo para, diversamente, se determinar que passe a residir em exclusivo com sua mãe.”
M) Não é obstáculo à residência alternada implicar que o menor resida em mais do que um espaço, é óbvio que entre residir no mesmo espaço com apenas um dos progenitores ou residir em dois espaços diferentes com os dois progenitores, claramente a residência alternada satisfaz melhor o interesse do menor, uma vez que será mais fácil para a criança (ainda mais na idade de 3 anos e atenta a facilidade de adaptação que caracteriza esta etapa da vida das crianças) adaptar-se a residir em dois espaços diferentes do que a residir sem um dos progenitores com quem viveu toda a vida, como se fundamenta no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.04.2017, processo n° 4147/16.3THPBL-A.C1.”
N) Em segundo lugar, a falta de acordo dos progenitores no sentido da residência alternada também não pode obstar à opção pela mesma pois que, para além de, assim, estar encontrado o caminho para um dos progenitores invocar o desacordo para afastar a criança do outro, se ambos estivessem de acordo não seria necessário recorrer à via judicial para regulação das responsabilidades parentais, tendo a mais recente jurisprudência assentado já que “não é necessário o acordo dos pais, para que o tribunal possa decidir a residência alternada”- cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 07.08.2017, processo n° 835/17.5T8SXL-A-2.
O) Em terceiro lugar, a tenra idade da criança não é apta a afastar a residência alternada, pelo contrário permitindo à criança – como se reconhece no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.01.2017, processo n° 954-15.2T8AMD-A.L1-7-, que “(...) uma melhor e mais rápida adaptação a forma de vida diferente daquela que os progenitores lhe proporcionaram enquanto durou a ligação afectiva que levou à sua concepção.”
P) Em quarto lugar, a alteração de rotinas face ao tempo em que a criança viva com os pais na mesma casa também não afasta a residência alternada pois, como acertadamente se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 07.08.2017, processo nº 835/17.5T8SXL-A-2, “(...) muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção da relação muito próxima com o pai, que a residência apenas com a mãe vai prejudicar irremediavelmente.“, até porque, como refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 24.01.2017, processo n.° 954-15.2T8AMD-A.L1-7,ao afirmar que “o modo de vida que, embora dissemelhante, mais se aproxima daquele em que nasceu e em que viveu durante os seus primeiros 14 meses de vida é aquele que lhe permita desfrutar em igual medida, embora separadamente, da presença, afecto, assistência, orientação e protecção de ambos os progenitores, um e outro igualmente seus pais, e a quem cabe, em comum, o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a sua vida”
Q) Assim, se ambos os progenitores se orientarem pelo interesse do filho, evitando a interferência dos conflitos pessoais que os opõem, a residência alternada mostra-se o regime que melhor evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de ruptura afectiva, na sequência da mudança na estrutura familiar provocada pela saída de um dos progenitores da anterior casa de morada da família.
R) Na verdade, só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais.
S) Deste modo, facilmente se conclui que só a residência alternada da menor com ambos os progenitores por períodos de tempo idênticos é a solução que melhor satisfaz o interesse da menor, devendo ser implementada o mais próximo possível da alteração provocada pela separação dos pais, ou seja, logo em sede de decisão provisória.
T) Um tal regime provisório de residência alternada poderia confirmar o êxito da manutenção de relações próximas com ambos os progenitores e teria a associação de todas as vantagens da residência alternada acima enunciadas, ao contrário de um regime provisório de residência exclusiva comum dos progenitores propicia a ocorrência de todas as desvantagens da residência exclusiva acima enunciadas além de que, no imediato, favorece a criação na criança de um sentimento de abandono por parte do outro progenitor com quem o menor não reside, o que afronta de forma potencialmente marcante o superior interesse da criança.
U) Seguindo expressamente a posição de Ana Teresa Leal ao defender que a residência alternada seja adoptada como regime provisório, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.04.2017, processo n.° 4147/16.3THPBL-A.Cl, escreve-se que “em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.”
V) Considerando que até 06.05.2018 (ou seja, cerca de 2 semanas antes da decisão recorrida), a menor - actualmente com 3 anos e 3 meses - sempre residiu com ambos os progenitores, a residência exclusiva com apenas um dos progenitores causará, natural e inevitavelmente, perturbação e instabilidade na vivência da menor na medida em que a priva do contacto frequente com o pai, a que estava habituada antes da separação dos pais.
X) No caso concreto – conforme se pode verificar da gravação da conferência de pais do passado dia 23-05-2018 – nem sequer foi posta em causa a capacidade de o pai poder cuidar da filha no que respeita a alimentação, vestuário, cuidados de higiene e de saúde (nos quais até tem a ajuda da avó materna que é médica reformada), segurança e nem se considerou a grande disponibilidade de tempo e atenção que o pai tem para com a filha, apenas se dando relevância ao facto de a menor ser muito pequenina (3 anos e 3 meses) e não ter ainda pernoitado só com o pai - apesar de este ter dito que a menor lá tem pedido para o fazer mas a mãe é que se tem oposto a tal, o que a mãe não contrariou, havendo assim acordo das partes sobre este facto.
Y) Atento o teor das citadas normas, facilmente se conclui que o regime da residência alternada se mostra o mais favorável ao interesse da menor dado que a mesma viveu durante toda a sua vida – mais de 3 anos – em contacto diário com ambos os progenitores, e a situação de facto criada durante o período da separação dos progenitores, que é aquela que a mãe quer que se mantenha, apenas permite o contacto esporádico da filha com o pai, ao passo que, com a residência alternada, a filha estaria tanto tempo com o pai como com a mãe, assim possibilitando a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores.
Z) Diferentemente, a solução proposta pela mãe – da residência exclusiva da menor com a mãe – prejudica a convivência da menor com o pai, a qual é essencial ao seu bem-estar.
AA) Além disso, quanto às visitas que o progenitor pode fazer à menor em Junho, Julho e Setembro, de acordo com o regime fixado pela decisão recorrida, as mesmas resumem-se a 1 dia por semana (2ª ou 3ª) entre o fim das actividades e as 20h, sendo muito pouco tempo quando comparado com a convivência diária que o progenitor sempre teve com a menor, situação susceptível de causar perturbação na estabilidade emocional da menor que, repentinamente, se vê privada do convívio diário com o pai, limitado a escassas horas.
BB) Quanto às pernoitas da menor com o progenitor em Junho, Julho e Setembro, as mesmas resumem-se a 1 noite por semana (4ª), em que o pai vai buscar a menor ao infantário na 4ª no fim das actividades e entrega-a no infantário no dia seguinte a tempo das actividades, no mês de Junho, 1 noite a cada quinze dias (sábado), em que o pai vai buscar a menor a casa da mãe no sábado às 11h e entrega-a em casa da mãe no dia seguinte às 20h e nos meses de Julho e Setembro, 2 noites a cada quinze dias (6ª e sábado), em que o pai vai buscar a menor ao infantário na 6ª no fim das actividades e entrega-a em casa da mãe no domingo às 20h.
CC) Ora, para quem viveu toda a vida com o pai, trata-se de uma mudança radical na vida da menor que antes dormia todos os dias com o pai e passa a dormir com ele uma vez por semana e mais 1 dia ou 2 a cada quinze dias, assim propiciando o sentimento de que o pai não está mais tempo com a menor porque saiu e não quer, sendo a realidade o oposto, ou seja, o pai não está mais tempo porque não pode.
DD) Assim, ao não permitir um contacto diário (ou quase diário) e atendendo a que durante toda a sua vida a menor viveu e conviveu diariamente com o seu pai, o regime fixado mostra-se demasiado restritivo e manifestamente desajustado à realidade desta criança que sempre viveu com o pai.
EE) Acresce que a referência na decisão à adaptação da criança a dormir em casa do pai coloca a tónica no espaço, em vez da companhia, pois, se a menor toda a vida residiu com o pai, é expectável que durma com o mesmo de forma normal e tranquila seja qual for o espaço porque se sente protegida com a figura que toda a vida a acompanhou diariamente e não se mostra razoável o regime de experimentação de pernoitas com quem sempre residiu com a menor e apenas deixou de pernoitar com a mesma cerca de 15 dias antes da decisão e apenas porque a mãe a tal obstou.
FF) Quanto às férias da menor com o progenitor em Agosto, as mesmas obedecem ao seguinte esquema de acordo com a decisão recorrida: 1 dia com a mãe, 3 dias com o pai, 3 dias com a mãe, 3 dias com o pai, 9 dias com a mãe, 4 dias com o pai, 3 dias com a mãe, 5 dias com o pai e 3 dias com a mãe, não havendo assim um regime igualitário de férias entre os progenitores, não permitindo à menor que passe uma semana seguida de férias com o pai, tal como acontece com a mãe, sem que nada o justifique e impossibilitando que a menor possa passar uma semana de férias no Algarve com o pai, como sempre aconteceu desde que nasceu.
GG) Tudo visto e ponderado, considerando que o recorrente viveu com a menor durante toda a sua vida até à separação do casal (ocorrida cerca de 15 dias antes da conferência de pais) o regime fixado na decisão recorrida não é o que melhor satisfaz o interesse da menor, razão pela qual requer a revogação do mesmo e a sua substituição por um regime de residência alternada entre ambos os progenitores com períodos de permanência idênticos, ainda que interpolados, num esquema de 3/2/2 ou outro que o Tribunal entenda mais adequado.
HH) Subsidiariamente, e para o caso de se entender ser de manter provisoriamente a residência exclusiva da menor com a mãe, requer-se a alteração do regime de visitas, pernoitas e férias no sentido de permitir que a menor tenha um convívio mais regular com o pai de modo a minimizar a separação.
II) Só assim se atenderá ao superior interesse da menor e se cumprirão os preceitos legais, nomeadamente os dos artigos 36°, n°s. 3 e segs. da Constituição da República e 1906° do Cod. Civil, em especial o seu n°.7, que se invocam como disposições legais violadas.
O Min. Público, em 13.2.2019, apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Entretanto, no dia 28.6.2018, fora proferido o seguinte despacho judicial que se passa a transcrever:
“(…) a única situação nova que foi trazida aos autos após a conferência em que foi fixado um regime provisório foi uma situação de conflito extremo nas entregas da menor por parte do pai a mãe em que existe uma queixa na GNR por parte da mãe contra o pai.
Assim, há que proteger imediatamente esta menor, de forma a que ela não assista a conflitos entre os progenitores.
Só nessa parte e concordando-se com o Ministério Público é que o Tribunal vai alterar o regime provisório, nos seguintes termos, ao abrigo do artigo 28º do RGPTC, para salvaguardar a menor e evitar que esta presencie discussões e agressões entre os progenitores:
- Os fins de semana que a menor passa com o pai, este vai buscar a menor sexta-feira ao Infantário ao final do dia e passa a entregar a menor na segunda-feira de manhã no Infantário, em vez de ser na casa da mãe.
- Na terça-feira e segunda-feira o pai deixa de levar a menor a casa da mãe e passa a entregar a filha à mãe, às 20.00 horas, no E…, em Aveiro, perto do parque infantil.
- Em relação às férias, todas as entregas da menor são feitas no centro comercial E…, em Aveiro, perto do parque infantil, pelas 11.00 horas, nos seguintes termos:
- a mãe entrega a menor no dia 2 de Agosto ao pai pelas 11.00 horas e este entrega a filha à mãe no dia 5 de Agosto pelas 11.00 horas, a mãe depois entrega a criança no dia 8 de Agosto pelas 11.00 horas ao pai e este entrega a filha à mãe no dia 11 de Agosto pelas 11.00 horas, sendo sempre este o regime até ao final de Agosto, nos termos já determinados.
Notifique.”
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a regulação provisória das responsabilidades parentais relativas à menor, fixada nos termos do art. 28º do RGPTC, deve ser alterada no sentido da residência exclusiva com a mãe ser substituída pela residência alternada entre ambos os progenitores.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
O requerente B…, no seu recurso, insurge-se contra o regime provisório de regulação de responsabilidades parentais respeitantes à sua filha menor D…, fixado, na conferência de pais realizada em 23.5.2018 ao abrigo do art. 28º do RGPTC, centrando a sua discordância na circunstância da sua filha ter ficado a residir com a mãe.
Em sua substituição pretende agora que seja fixado um regime de residência alternada entre os dois progenitores com períodos de permanência idênticos, ainda que interpolados.
Vejamos então.
O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é considerado de jurisdição voluntária, razão pela qual não está o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. arts. 12º do RGPTC e 987º do Cód. de Proc. Civil).
Sucede que, nesta matéria, o critério que deve servir de referência ao julgador é o do superior interesse do menor, sendo em função dele que se deve determinar a sua residência, o regime de visitas, o quantitativo dos alimentos que lhe são devidos, bem como a forma de os prestar.
Aliás, no art. 3º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança[1] estabelece-se que «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.» O superior interesse do menor surge assim como um conceito jurídico indeterminado que, apesar de “não ser definível, é dotado de uma especial expressividade”, é “uma «noção mágica», de força apelativa e tendência humanizante”; não sendo suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos.[2]
Este conceito está intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade, de um projeto educativo preciso. Trata-se de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar cultural e moral.
A sua eficácia específica permite tomar em conta cada caso particular. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar.[3]
No caso dos autos, sustenta o recorrente que o regime de residência alternada se mostra o mais favorável ao interesse da menor, uma vez que a mesma viveu durante toda a sua vida – mais de três anos – com ambos os progenitores, desenhando-se, pois, o regime fixado como demasiado restritivo e manifestamente desajustado à realidade desta criança.
O art. 1906º do Cód. Civil prescreve que nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade e anulação do casamento, a determinação da residência da criança e os direitos de visita devem ser decididos pelo Tribunal, de acordo com o interesse da criança, critério que o juiz deve concretizar, tendo em atenção “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (art. 1906º, nº 5), aí se incluindo também o interesse em “manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” (art. 1906º, nº 7).
Ora, na expressão “todas as circunstâncias relevantes”, o julgador deve atender aos tradicionais critérios da jurisprudência ligados à determinação de qual dos pais, na constância do casamento ou da vida em comum, desempenhou, em termos predominantes, as tarefas de cuidado primárias em relação à criança no dia-a-dia (a regra da pessoa de referência), em vez de atender a critérios de igualdade formal entre os pais ou a critérios psicológicos, insuscetíveis de medição objetiva, ou de se deixar envolver pelos conflitos parentais e por situações que são transitórias no momento do divórcio.[4]
Não oferece dúvidas que o atual quadro legal permite que a residência da criança possa ser, no caso de cessação – ou de inexistência – de convivência em comum dos progenitores, fixada com um deles ou com ambos ou, ainda, da forma que concretamente se revelar mais benéfica para a satisfação do seu interesse.[5]
Sucede que presentemente, na jurisprudência e na doutrina, se vem adotando cada vez mais o entendimento, em termos abstratos, de que a solução que melhor satisfaz o interesse da criança é o da partilha das responsabilidades parentais entre ambos os progenitores, incluindo a permanência, em termos tendencialmente paritários, da criança com cada um deles.
O principal ponto de discórdia prende-se, hoje, com a necessidade, ou não, para a fixação de um regime de residência alternada, do acordo dos progenitores, da inexistência de conflitualidade entre os mesmos e ainda da idade da criança.[6]
No Acórdão da Relação de Évora de 12.3.2018 (proc. 297/15.1 T8PTM-C.E1, relator Tomé Ramião) escreve-se que a opção pela residência alternada “só se justifica desde que haja acordo dos pais nesse sentido, o qual é imprescindível, e desde que essa solução defenda os superiores interesses da criança. Sem o acordo dos pais, parece estar vedado ao juiz fixar um regime de residência alternada.
Até porque uma solução desta natureza não pode prescindir da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projeto de vida e de educação comuns em relação ao filho (…)”.
Na mesma linha, escreve Maria Clara Sottomayor (in “Estudos e Monografias – Exercício do Poder Paternal”, Porto, Publicações Universidade Católica, 2003, 2ª ed., págs. 439 a 444): “a guarda alternada acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilidade que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos seus pais, causadas pela constante mudança de residência.”
Afirma ainda esta autora que “a guarda alternada compromete o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma”, não devendo ser decretada “em casos de conflito parental elevado ou quando um dos pais tem preocupações com a segurança dos filhos junto do outro”.[7]
Na jurisprudência entre os motivos que têm vindo a ser invocados para afastar a guarda alternada contam-se a existência de um clima de animosidade entre os pais[8], a presença de conflitualidade entre os progenitores que assumem modelos educativos não convergentes, mostrando-se incapazes de dialogar e assegurar a estabilidade emocional do menor[9], a existência de conflito pessoal entre os progenitores[10] e a inexistência de acordo nesse ponto entre os progenitores[11]. Também se entendeu que entre os 4 e os 10 anos de idade a residência alternada apenas deve ser adotada, nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor.[12]
Em sentido contrário, já se escreveu que a residência alternada deve ser sempre a primeira opção, sendo que o desacordo de um dos progenitores só será relevante para a inviabilizar, quando se fundamente na incapacidade do outro cônjuge, traduzida em factos, para cuidar da criança, na existência de uma elevadíssima conflitualidade entre os progenitores especialmente quando têm de se encontrar ou falar um com o outro e que não decorra apenas da disputa da residência da criança ou na existência de qualquer das situações previstas no artigo 1906º-A do Cód. Civil [aditado pelo artigo 2º da Lei nº 24/2017, de 24.5, em vigor a partir de 23.6.2017]: “ter sido decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou de estarem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus-tratos ou abuso sexual de crianças.”[13]
Por seu turno, no Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2017 (proc. 273/13.9 TBCTB-A.C1, relator Alberto Ruço, disponível in www.dgsi.pt) elencam-se diversos argumentos para que a residência alternada possa ser decretada pelo tribunal fora das hipóteses em que os pais estão de acordo: i) a abertura da lei quanto a tal ponto, “pois em lado algum proíbe que o tribunal possa estabelecer a residência alternada do menor na falta de acordo entre os progenitores”; ii) a circunstância de poder ser a solução que em alguns casos “serve melhor os interesses do menor, mormente quando é do desejo deste viver alternadamente com ambos os pais e esse desejo se funda em razões válidas ou, pelo menos, não existem razões que o contraindiquem”; iii) a constatação de que “o desacordo dos pais pode ter intensidade muito diversa e os fundamentos do desacordo podem ser os mais variados, sendo uns aceitáveis, válidos, e outros abusivos”; iv) a circunstância de ser esta a solução “que está mais próxima daquela que existia quando os pais viviam na mesma casa (…) o menor continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes e poderá continuar a estabelecer com os mesmos relações de maior intimidade, pois quanto mais elevada for a frequência dos contactos, melhor conhecimento recíproco existirá”; v) e, por fim, é esta a solução que melhor assegura o princípio da igualdade entre os progenitores (art. 36º, nº 5 da Constituição da República).[14]
Prosseguindo, refere-se que Helena Bolieiro (“Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A residência alternada: casa do pai – casa da mãe – E agora?” - comunicação apresentada na ação de formação “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais”, realizada pelo CEJ no dia 1.6.2012) in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ p. 24 disponível in http:// www.cej.mj.pt/ cej/ recursos/ ebooks/ familia/ Tutela _Civel _Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.”) aponta como critérios orientadores para a opção pela residência alternada:
- Interesse superior da criança;
- Capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores;
- Modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais (orientações educativas mais relevantes);
- Proximidade geográfica;
- Vivência de facto que precede a tomada de decisão (qualidade, consistência e duração);
- Opinião da criança;
- Idade da criança;
- Ligação afetiva com ambos os progenitores;
- Disponibilidade dos pais para manterem contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe;
- Condições económicas e habitacionais equivalentes.
Porém, mesmo que se admita que presentemente é possível a fixação da residência da criança de forma alternada, independentemente da existência de acordo entre os progenitores[15], é essencial para que se enverede por este caminho “a capacidade revelada pelos pais de pôr de parte os seus diferendos pessoais para atingir decisões em relação aos seus filhos e de reconhecer a importância da manutenção de uma relação próxima do filho com o outro progenitor para o bem-estar daquele. Têm, ainda, os pais que demonstrar, inequivocamente, terem um respeito e uma confiança recíprocos, bem como um nível razoável de comunicação e de vontade de cooperar.”[16]
Retornando ao caso dos autos, desde logo se realça a inexistência de acordo entre os progenitores no tocante à residência alternada da menor, pugnando o pai pela referida residência alternada e a mãe opondo-se à mesma.
Mas mais significativo do que este desacordo, há que ter em atenção a tenra idade da menor, nascida a 22.2.2015 – 3 anos aquando da decisão provisória e 4 anos atualmente – e o clima de conflitualidade existente entre os progenitores.
Com efeito, no despacho proferido em 28.6.2018, refere-se a ocorrência de uma situação de conflito extremo nas entregas da menor por parte do pai e em que existe uma queixa na GNR apresentada pela mãe contra o pai.
Constata-se pois que o grau de conflitualidade é elevado, sendo que a fixação de um regime de residência alternada, mesmo inexistindo acordo nesse sentido, não pode prescindir de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação entre os progenitores e em que se verifique a partilha, relativamente ao menor, de um projeto de vida e de educação comuns.[17]
Ora, se existe este clima de conflito e se estamos perante uma criança de tão tenra idade como o é a D…, entendemos que não se deverá enveredar por uma solução de residência alternada, que significará uma exposição muito acentuada desta aos conflitos entre os progenitores com todos os inconvenientes que daí poderão advir para a sua estabilidade e para a sua saúde física e psíquica.
Com efeito, afigura-se-nos razoável o entendimento em que se preconiza que entre os 4 e 10 anos de idade a residência alternada apenas deve ser adotada nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor.
Acima de tudo, o que se impõe é a preservação da criança dos focos de conflituosidade que possam existir entre os progenitores.
Deste modo, consideramos que a solução adotada pela 1ª instância, em termos de regime provisório[18], determinando que a menor fique a residir com a mãe e que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância sejam exercidas em comum por ambos os progenitores é a que melhor se adequa aos contornos do presente caso.
Deve, por isso, ser mantida, sendo que o regime de visitas, já temporalmente ultrapassado porque se reportava aos meses compreendidos entre Maio e Setembro de 2018, permitia um contacto frequente entre a menor e o seu pai, de forma a manter uma relação de proximidade entre ambos e assim salvaguardar os correspondentes laços afetivos.
Deste modo, improcedendo o recurso interposto, há que confirmar a decisão recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo requerente B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 7.5.2019
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 20.11.1989 e ratificada por Portugal em 21.9.1990.
[2] Cfr. Maria Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, 6.ª ed., pág. 42.
[3] Cfr. “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris, 2ª ed., págs. 64 e 65 [obra coletiva de Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade Oliveira].
[4] Cfr. Maria Clara Sottomayor, ob. cit., págs. 27/28.
[5] Na sequência da publicação da Lei n.º 51/2012, de 5.9 (diploma legal que aprovou o Estatuto do Aluno e Ética Escolar), reconhece-se, pela primeira vez, no seu art.º 43.º, nºs 5 e 6, a residência alternada, ao prever-se que o encarregado de educação será, em regra, o progenitor com quem a criança fique a residir. Mas no caso de residência alternada, será aquele que os progenitores indiquem, por acordo, e na ausência desse acordo, cabe ao tribunal decidir qual deles exerce as funções de encarregado de educação. – cfr. Tomé Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado” – 2ª ed., 2017, pág. 109.
[6] Cfr. Ricardo Jorge Bragança de Matos, “A “presunção jurídica de residência alternada” e a tutela do superior interesse da criança”, in Revista do Ministério Público nº 156, págs. 143/144.
[7] Cfr. também “Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, reimpressão, Almedina, 2016, pág. 180.
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 13.5.2014, proc. 5253/12.9 TBVFR-A.P1, do presente relator, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. Rel. Porto de 24.1.2018, proc. 67/13.1 TMPRT-E.P1, relatora Fátima Andrade, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Decisão Sumária da Rel. Coimbra de 4.4.2017, proc. 4661/16.0 T8VIS-E.C1, relator Carlos Moreira, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 12.1.2017, proc. 996/16.0 T8BCL-D.G1, relatora Eva Almeida, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. Rel. Porto de 28.6.2016, proc. 3850/11.9 TBSTS-A.P1, relator Luís Cravo, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 13.4.2018, proc. 670/16.6 AMD.L1, relatora Ondina Carmo Alves, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Onde se cita Jorge Duarte Pinheiro, “Direito de Família Contemporâneo”, 5.ª Edição. Almedina, 2016, pág. 249.
[15] Cfr. Ricardo Jorge Bragança de Matos, ob. cit., pág. 146.
[16] Cfr. “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris, 2ª ed., pág. 87.
[17] Anote-se que, a nosso ver, a rutura da vida em comum não conduz inevitavelmente a um clima de conflito entre os progenitores e a ausência da amizade, e até inimizade, não significa que entre eles não possa existir cooperação e entendimento no que toca à educação e vida dos filhos.
[18] Nada impede que a residência alternada entre os progenitores seja fixada em sede de regime provisório – cfr. Ac. Rel. Lisboa de 20.9.2018, proc. 835/17.5 T8SXL-2, relator Pedro Martins, disponível in www.dgsi.pt.