Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5807/13.6TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RECONVENÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
CONVITE DO RELATOR
Nº do Documento: RP201502265807/13.6TBMTS.P1
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se o réu, numa reconvenção, alega os factos necessários à identificação da causa de pedir, mas de forma insuficiente à procedência da pretensão, deve ser convidado a aperfeiçoar o seu articulado.
II - Se a conclusão da insuficiência só for tirada pelo tribunal da relação, que por isso revoga a condenação do autor, a relação deve, mesmo oficiosamente, fazer esse convite, em vez de absolver o autor do pedido, porque caso contrário ocorreria uma nulidade processual (ou, noutra perspectiva, o acórdão seria nulo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção comum 5807/13.6TBMTS do Juiz 1 da secção cível de Matosinhos

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

B… intentou, em 05/09/2013, a presente contra C…, pessoa colectiva nº. ………, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a 6000€, acrescido de juros vencidos e vincendos.
Alegou para o efeito, em síntese, que aquele era o valor que entregou à ré em cumprimento, pela sua parte, de um contrato que tinha celebrado com ela e que tinha a contrapartida, pela ré, da obrigação da elaboração de um dossier de candidatura aos fundos do quadro comunitário iii e iv; essa caução ficou de ser devolvida ao autor caso o projecto fosse indeferido pelos organismos oficiais; o projecto foi devolvido; o autor interpelou a ré para devolver a caução; a ré não o faz.
A ré contestou a acção e reconvencionou a condenação do autor a pagar-lhe quotas que diz estarem em dívida, no valor de 2350€, e as vincendas até pagamento, incluindo juros.
Para o efeito alegou que o autor é associado da ré, qualidade que teria necessariamente de ter já que a ré apenas presta serviços de apoio aos seus associados (como os que estão em causa no contrato invocado pelo autor), estando assim obrigado ao pagamento das respectivas quotas de associado, de 25€ mensais, o que não faz desde Junho de 2006.
O autor replicou, impugnando os factos que são causa de pedir da reconvenção, dizendo entre o mais que do contrato por ele invocado não resulta a obrigação do pagamento de quotas nem a sua qualidade de associado e que não tinha conhecimento dessa sua qualidade de associado da ré, nem de que lhe devia qualquer quota.
Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e procedente a reconvenção e, em consequência, condenando o autor a pagar à ré as quotas pedidas até Março de 2014, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, bem como as quotas que se venceram a partir Abril de 2014 e se vencerem até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão de 25€.
O autor interpôs recurso desta sentença, na parte que julgou procedente a renconvenção, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Entre autor e ré foi celebrado um contrato de prestação de serviços, não contemplando o mesmo que o autor era obrigado a tornar-se associado da ré;
2. Em momento algum juntou a ré qualquer documento que provasse que o autor aceitou ser associado e se obrigou ao pagamento de uma quota mensal;
3. A ré recebeu 6000€ a título de provisão aquando da celebração do contrato de prestação de serviços;
4. A ré apresentou uma nota de despesas e honorários ao autor no valor de 6950€, pelo que os seus serviços não dependiam do pagamento de qualquer quota mas sim, dos seus honorários e demais despesas que tivessem com o processo;
5. Apenas em 2009, ano em que se iniciou o litígio entre as partes é que a ré envia uma carta a cobrar o valor das supostas quotas em atraso;
6. Pelo exposto, a ré não teria direito a qualquer pagamento a título de quotas, no entanto e por mero dever de patrocínio, o contrato de prestação de serviços apenas perdurou até ao ano de 2013, pelo que, a ré nunca poderia ter requerido o pagamento de quotas até ao ano de 2014.
7. Ao contrato em apreço devem ser aplicadas tão-somente as regras do mandato.
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A ré não contra-alegou.
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Questão que importa decidir: se o autor não devia ter sido condenado a pagar à ré as quotas por ela pedidas em reconvenção.
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Foram dados como provados os seguintes factos com eventual interesse para esta única questão que importa agora decidir [transcrevem-se ainda os factos sob 1, 17 e 18, apenas para contextualizar o facto sob 19]:
1. Em 12/04/2006, autor e ré celebraram o acordo escrito que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços”, nos termos do qual a ré se obrigou a elaborar para o autor um dossier de candidatura aos fundos QC III e QC IV, pelo preço de 10%+IVA dos montantes dos incentivos de fundo perdido que o autor pudesse vir a receber, resultante da aprovação do projecto (conforme documento junto aos autos a fls. 11 a 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. O autor é associado da ré e nessa qualidade está obrigado ao pagamento da respectiva quota no valor de 25€ mensais [este ponto ter-se-á por não escrito, por força do que se diz mais à frente – parênteses introduzido por este acórdão].
8. O autor pagou as quotas correspondentes aos meses de Abril e Maio de 2006.
17. Em 12/11/2008, o autor remeteu à ré a carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 28 a 30 (e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), em que solicita informação sobre se existem novos Quadros Comunitários a cujos fundos se possa candidatar e respectivas condições e indica as áreas do seu interesse.
18. A ré respondeu através de carta datada de 24/11/2008 cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 93 (e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), na qual informa que existem vários pro-gramas de apoio ao investimento e que, “normalizando as quotas que tem em atraso, deve dirigir-se à técnica do [seu] projecto, a qual […] elaborará nova candidatura aos subsídios disponíveis, v.g. QREN.” [as aspas e o conteúdo entre parênteses rectos foram colocados por este acórdão, de acordo com a carta dada por integralmente reproduzida]
19. O autor respondeu à ré através de carta datada de 28/01/ /2009, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 96 (e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), na qual declara que tem estado a aprofundar as ideias e projectos que expôs na carta referida em 16 e [que] “[pese embora] não nega[r] que existem quotas em atraso[, este excerto {o posto entre aspas no ponto 18} suscitou-me algumas dúvidas, porquanto o contrato de prestação de serviços entre nós celebrado não refere sequer a condição de sócio dessa C…. Isto é, não faz depender a prestação de serviços dessa qualidade.]” e solicita que a ré o informe se a prestação dos serviços contratados está dependente do pagamento das quotas em atraso [as aspas e o conteúdo entre parênteses rectos foram colocados por este acórdão, de acordo com a carta dada por integralmente reproduzida]
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A fundamentação da decisão da matéria de facto foi, na parte que interessa [factos 7 e 8], a seguinte:
Pela testemunha D…, empregada da ré desde 1999, “foi afirmado que o autor se inscreveu como associa-do, já que a ré só presta serviços a associados, e passados dois meses deixou de pagar as quotas. Assim, pese embora a ficha de associado a que a testemunha aludiu não tenha sido junta aos autos, conjugando este depoimento com o teor da carta enviada pelo autor e referida em 19 da factualidade provada, levou o tribunal a concluir pela veracidade do relatado pela testemunha.”
A fundamentação de direito, da condenação, foi a seguinte, na parte que interessa:
“[…D]emonstrada que está a obrigação de o réu [quis-se escrever autor] proceder ao pagamento da quota mensal de 25€, obrigação emergente da sua qualidade de associado da ré, e não tendo este demonstrado (nem sequer alegado), como lhe competia por força do disposto no art. 342/2 do CC, ter procedido ao pagamento das quotas relativas aos meses de Junho de 2006 a Março de 2014, ambos inclusive, terá que pagar 2350€, conforme peticionado […]”
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Factos e conclusões
Como se vê, a fundamentação de direito da sentença é apenas a repetição, com outra forma, do que se tinha dado como provado sob 7.
Nos factos diz-se: o autor é associado da ré e nessa qualidade está obrigado ao pagamento da respectiva quota no valor de 25€ mensais; na sentença diz-se: demonstrada […] está a obrigação de o autor proceder ao pagamento da quota mensal de 25€, obrigação emergente da sua qualidade de associado da ré.
Esta repetição indicia que as afirmações dadas como provados em 7 nada mais são do que conclusões jurídicas.
E, realmente, lendo-se essas afirmações é isso que delas se tira.
Dizer-se que o autor é associado da ré é uma conclusão jurídica que teria de ser retirada de factos que não estão dados como provados conjugados com regras das quais decorresse que, perante esses factos, decorreria a aquisição, para o autor, da qualidade jurídica de associado da ré. Ou seja, não se sabe porque é que se diz que o autor é associado da ré. Dito de outro modo, falta a alegação da causa que daria origem à qualidade jurídica que se dá como provada e da qual decorreria, se decorresse, a obrigação de pagamento de quotas.
Tratando-se de conclusões de direito, não de factos, aquelas afirmações não deviam constar de uma enumeração de factos provados (art. 607/3 do CPC). Por isso, devem-se considerar como não escritas ou têm-se como não escritas nos dizeres do art. 646/4 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013.
Assim, embora com fundamentação não coincidente, é, no essencial, procedente a questão levantada pelas duas primeiras conclusões do recurso do autor.
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Falta de alegação de factos
Este estado de coisas é fruto do modo como a ré alegou os factos constitutivos do seu direito. A ré limitou-se a dizer que o autor era seu associado e que devia quotas. Não alegou os factos que concretizariam a aquisição dessa qualidade com as consequências pretendidas. Aliás, a forma como se limitou a alegar a qualidade de associado, com referência ao motivo pelo qual essa qualidade teria sido adquirida (“qualidade que teria necessariamente de ter já que a ré apenas presta serviços de apoio aos seus associados”) até indicia que de facto o autor não era associado, mas apenas que o devia ser. Seja como for, esta invocação do motivo, não é a invocação do facto concreto com o qual o autor teria adquirido essa qualidade.
No entanto, na fundamentação da decisão da matéria de facto sugere-se que na carta sintetizada no facto 19 o autor teria reconhecido implicitamente a sua qualidade de associado da ré com o dever de pagamento de quotas. Mas este reconhecimento extrajudicial de uma qualidade jurídica é irrelevante no âmbito de um processo em que se discute, precisamente, essa qualidade jurídica. O tribunal não pode colocar, no lugar da fundamentação de direito que lhe cumpre dar, o reconhecimento – que não se sabe se está correcto – que o autor faça daquela qualidade naquela carta É que mesmo que o autor reconheça, implicitamente, naquela carta, essa qualidade de associado, o tribunal, nesta reconvenção que tem por objecto essa qualidade, não ficaria dispensado de fazer a demonstração, com invocação das regras pertinentes, de que o autor era, realmente, associado da ré. E o facto sob 8 de nada adianta: provando-se embora que o autor pagou quotas, o que interessa é saber se realmente as tinha de pagar.
É certo que se tem admitido que as partes podem reconhecer deter-minadas situações ou qualidades jurídicas – assim, por exemplo, têm-se admitido que se dê como provado que A é casado com B, ou que A é proprietário de X. Mas isso apenas quando essas qualidades jurídicas não são precisamente o objecto do processo.
Como diz, por exemplo, Oliveira Ascensão, “se o litígio não recai sobre a propriedade e o réu não a contesta, nada mais será necessário. O autor actua como proprietário, ainda que implicitamente. Se o réu o aceita, há a admissão desse qualidade.” E depois de desenvolver estas afirmações, com apoio legal e doutrinal, Oliveira Ascensão conclui: “A admissão de um direito invocado como questão prévia é assim uma figura normal na ordem jurídica portuguesa” (Acção de reivindicação, págs. 34/36, em Estudos em memória de Castro Mendes, Lex, 1995). Com outro âmbito diz Lebre de Freitas: “é admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio (A acção declarativa, 3ª edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 195).
No caso, a expressão ‘associado da ré’ não pode ser considerada um simples conceito jurídico, nem uma simples questão prévia, pois que é a questão essencial da reconvenção. O autor não a podia admitir ou confessar. O que o autor poderia era confessar ou admitir os factos que estivessem na base de tal conclusão jurídica, factos que pura e simplesmente não foram alegados (nem constavam da carta da ré…), não sabendo o tribunal, por exemplo, se o autor é associado da ré por ter sido um dos seus membros fundadores, ou se entretanto a ela aderiu, ou se sucedeu na posição de algum associado.
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Factos principais (essenciais numa acepção ampla) e factos essenciais numa acepção estrita – falta de causa de pedir e causa de pedir insuficiente
Nos termos do art. 552/1d) do CPC, “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor […] expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir”, isto é, nos termos do art. 581/4 do CPC, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, ou de modo mais preciso, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer (os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido: arts. 552/1d, 5/1, 574/1 e 581/4, todos do CPC).
Todos estes factos são factos principais (os essenciais do art. 5/1 do CPC, entendidos numa acepção ampla) e todos eles integram a causa de pedir; todos eles servem uma função fundamentadora do pedido; a falta de alegação de qualquer deles dá lugar à absolvição do pedido da parte contrária, por insuficiência da fundamentação de facto do pedido, isto é, por insuficiência duma causa de pedir que se deixou incompleta.
Mas alguns destes factos principais são factos essenciais (agora numa acepção estrita), isto é, são factos que cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor (a causa de pedir é, enquanto cumpre a sua função individualizadora, o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido – Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 41; Introdução ao processo civil…, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, págs. 64/72). Se estes factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada e a petição não pode ser inepta por falta de causa de pedir, embora esta possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais.
Se faltarem factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial é inepta (art. 186/2a do CPC) e os réus devem ser absolvidos da instância [arts. 278/1b, 577/b) e 595/1a), todos do CPC]. Se faltarem outros factos principais, a petição inicial não é inepta, mas a causa de pedir é insuficiente ou está insuficientemente concretizada; neste caso ela pode e deve ser alvo de um despacho de aperfeiçoamento (art. 590, nºs. 2b e 4 do CPC) destinado a completar a causa de pedir, com a alegação de factos que vão complementar ou concretizar os factos alegados na causa de pedir, ou pode a parte salvar a petição, completando ou concretizando a causa de pedir, por exemplo, manifestando a vontade de se aproveitar do aparecimento, durante a instrução do processo, desses factos (art. 5/2b do CPC).
Assim, em suma, como diz Lebre de Freitas (Introdução, 2013, págs. 70/71), a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção (o autor desenvolve a questão ainda nas págs. 41/44, 47/48, 143/146, 157, 173, 183, 189 e 308/309 d’ Acção, e nas págs. 48/50, 56, 64/72, 165/169, l82/183 da Introdução; e, antes, também no artigo, mais antigo, Sobre o novo CPC (uma visão de fora), publicado na ROA, 2013/I, principalmente no ponto 5; no mesmo sentido, no essencial, vai a posição de Mariana França Gouveia, no artigo publicado sob o título O Principio do Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil, na ROA 2013/II/III, que continua a identificar os factos essenciais com os factos principais, reconduzindo a estes os factos complementares ou concretizadores – principalmente no ponto 5 e nos três primeiros parágrafos do ponto 6; a revista da OA é acessível no sítio da respectiva ordem).
Perspectiva diferente tem Miguel Teixeira de Sousa que defende que a causa de pedir se limita aos factos essenciais na acepção estrita, correspondente, segundo este professor, aos factos essenciais referidos no art. 5/1 do CPC, pelo que, por outro lado, para este professor não há causas de pedir insuficientes, mas sim articulados deficientes, que têm de ser completados ou concretizados; os factos complementares ou concretizadores posteriormente introduzidos não fazem parte da causa de pedir, pois que esta, para este autor, não é constituída por todos os factos de que pode depender a pro-cedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material que o autor quer defender em juízo (Ónus de alegação e de impugnação em processo civil, Scientia Ivridica, nº. 332, págs. 396/397, e também nas entradas no blogo do IPPC de 19/07/2014, sob Factos complementares e causa de pedir, de 21/07/2014, sob Factos complementares e função da causa de pedir, e de 14/08/2014, sob O regime da alegação dos factos complementares no nCPC.
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Aplicação ao caso dos autos
No caso dos autos, a causa de pedir das quotas em atraso e das vincendas, era a situação jurídica de associado da ré e também, necessariamente, os factos dos quais resultava essa qualidade jurídica.
Tendo a ré alegado, embora conclusivamente, a qualidade de sócio e que dessa qualidade decorria a obrigação de pagamento de quotas, a ré alegou o essencial para identificar a causa de pedir. Ou seja, a função individualizadora da causa de pedir foi cumprida, pelo que não se pode dizer que falte a causa de pedir. Mas a ré não alegou todos os factos referidos acima como constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, ou seja, deixou a causa de pedir incompleta (também se podia dizer que a deixou ainda pouco concretizada, visto que alegou conceitos jurídicos – associado - e não factos concretos, mas a alegação dos factos necessários à demonstração da aquisição da qualidade de associado será suficiente para tornar irrelevante o uso do conceito jurídico de associado).
Na posição que se segue, estava-se assim perante uma causa de pedir insuficiente, a demandar a solução referida acima (despacho de aperfeiçoamento); na posição de Miguel Teixeira de Sousa, estava-se perante um articulado (que, apesar de ter causa de pedir) era deficiente e a demandar também um despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Perante esta insuficiência de factos necessários à procedência da reconvenção, a sentença que lhe deu procedência tem de ser revogada (sendo assim procedente, embora com outra fundamentação, a primeira parte da conclusão 6).
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Consequências de uma causa de pedir insuficiente (ou de um articulado deficiente)
Naturalmente que a questão da insuficiência da causa de pedir (ou o articulado deficiente) não se colocou à sentença recorrida, por implicitamente ter entendido que a reconvenção não enfermava do vício de insuficiência de causa de pedir.
Mas, constatada agora essa insuficiência, o tribunal, mesmo sendo um tribunal de recurso, não pode proferir um acórdão de improcedência da reconvenção por falta de prova dos factos constitutivos do direito invocado pela ré (art. 342/1 do CC), sem antes convidar a ré a aperfeiçoar a reconvenção, completando a causa de pedir (situação a que, depois, naturalmente terá que ser dado seguimento pelo tribunal de primeira instância).
A situação é análoga à que é resolvida no art. 665/2 do CPC: depois de considerar não escritas as afirmações constantes do ponto 7 da decisão da matéria de facto, o tribunal constata, pela primeira vez, uma questão que o tribunal recorrido não se colocou porque entendeu que se podia bastar com aquelas afirmações de facto e que por isso não resolveu; não o tendo feito o tribunal recorrido, a questão tem agora de ser resolvida pelo tribunal de recurso, em substituição daquele (sem necessidade de cumprir o disposto no art. 665/3 do CPC, visto que ambas as partes já tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre as consequências decorrentes da procedência do recurso do autor e o que se está a decidir é precisamente sobre essas consequências – defendendo, com outra fundamentação e a outro propósito, que este tipo de decisão não será uma decisão surpresa, veja-se a posição de Miguel Teixeira de Sousa, na entrada de 11/06/2014, ponto 5, e Urbano Dias, na entrada de 16/06/2014, parte III, do blog referido abaixo).
Aliás, se este tribunal julgasse já a reconvenção improcedente, cometeria uma nulidade processual, consistente no facto de ter decidido de mérito uma causa antes de ter proferido um despacho que estava vinculado a proferir (arts. 195, 197, 199, 200/3 e 201, todos do CPC - é o que decorre da posição de Lebre de Freitas, expressa n’A acção declarativa, 3ª edição, págs. 156/157, nota 4A, e 164, nota 24. conjugado com o que diz no CPC anotado, 2º vol, Coimbra Editora, 2008, págs. 698/699, 1º§ da anotação 3 ao então art. 666 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013, mesmo que este autor não se pronuncie sobre esta precisa questão).
Já Miguel Teixeira de Sousa, pronunciando-se expressamente sobre esta questão, entende que neste caso (acórdão da relação que absolvesse do pedido com base em insuficiência da matéria de facto, sem que tivesse sido proferido despacho de aperfeiçoamento) haveria antes excesso de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão (arts. 615/1d do CPC - no blog do IPPC, nas entradas de 29/01/2014, sob A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência: um novo princípio processual?; de 09/04/2014, sob Poder discricionário e nulidade processual; de 11/06/2014, sob Controlo pela Relação da omissão do dever de cooperação da 1.ª instância; de 19/01/2015, sob A consequência da omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento; e de 23/01/2015, sob Omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento (2); no mesmo sentido, vai a entrada de Urbano Dias, no mesmo blog, com data de 16/06/2014, sob Breves nótulas sobre o controlo pela Relação da omissão do dever de cooperação da 1.ª instância.)
Esta solução tem o mesmo efeito prático da solução adoptada, qual seja, o do tribunal da relação não dever proferir um acórdão que saberia consubstanciar uma nulidade processual ou que seria nulo.
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Note-se que diferentemente do caso analisado por Miguel Teixeira de Sousa, no caso dos autos não há necessidade de anular a decisão da matéria de facto. É que, no caso dos autos, foi alterada a decisão da matéria de facto e, em consequência, será revogada a sentença na parte que decidiu a reconvenção, que deixa de ter suporte factual para se manter. Aquela decisão, não sofre, com isto qualquer prejuízo, tendo a situação o seu natural desenvolvimento com o seguinte: se a ré, aceitando o convite que lhe for feito, completar a sua reconvenção, o autor terá direito a replicar de novo; depois será produzida prova (a que for apresentada para o efeito nestes novos articulados) apenas sobre os factos que forem alegados sobre esta questão (englobados sob os temas: se o autor é associado da ré e se, sendo-o, estava obrigado a pagar quotas e de que valor) e seguir-se-á nova sentença que decidirá a reconvenção; se a ré não aceitar o convite, terá de ser proferida nova sentença que decida a reconvenção, agora apenas com os factos já provados, entre eles não se contando as afirmações que constavam do ponto 7 que neste acórdão se consideraram não escritas.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, considerando não escrito o ponto 7 da decisão da matéria de facto e revoga-se a sentença apenas na parte que julgou a reconvenção procedente, substituindo-a por esta decisão: convida-se a ré a, no prazo de 10 dias (depois do trânsito deste acórdão), aperfeiçoar o seu articulado de reconvenção, completando a causa de pedir, isto é, alegando os factos necessários para, se provados, se poder concluir que o autor é associado da ré e que, nessa qualidade, devia quotas de 25€ mensais.
Custas do recurso pela parte vencida a final (valor do recurso: 2550€)

Porto, 26/02/2015.
Pedro Martins
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida