Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
122/15.3GFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO
DESCONTO
PENA DE MULTA
Nº do Documento: RP20170927122/15.3GFPRT.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º49/2017, FLS.63-66)
Área Temática: .
Sumário: I - A solução do AFJ 4/2017 - que decidiu não ser de descontar no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, o período de tempo relativo à injunção de proibição de conduzir, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, entretanto revogada - é aplicável, mutatis mutandis a qualquer injunção de entre as elencadas no n.º 2 do artigo 281.º C P Penal.
II - Assim não é de descontar na pena de multa o período de tempo referente à prestação de trabalho efectuado a título de injunção para a suspensão provisória do processo, entretanto revogada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 122/15.3GFPRT.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto
IRelatório
No âmbito do processo especial abreviado que, sob o n.º 122/15.3 GFPRT, corre termos pela Secção Criminal (J3) da Instância Local de Matosinhos, Comarca do Porto, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença datada de 04.11.2016 (fls. 79 e segs.), com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, julga-se:
- Provada e procedente a acusação deduzida contra o arguido B… pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3 n.º 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, condenando-se o mesmo, em consequência, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5€, num total de 720€ (setecentos e vinte euros).
Procede-se à imputação da injunção referente à prestação de 11h30m de trabalho socialmente útil, já efectuada nestes autos pelo arguido, na pena de multa supra descrita, do que resulta que o remanescente da multa se fixa em 108 dias e meio, á taxa diária de 5€, o que perfaz a quantia de 542,50€.
Desconta-se ainda 1 dia, porque correspondente ao tempo de detenção do arguido nestes autos, restando assim a multa de 537,50€ (107 dias e meio a 5€ cada dia)”
Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso da sentença para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
1. “Nos presentes autos, por sentença datada de 04-11-2016 procedeu-se, ao desconto de 11 horas e 30 minutos de trabalho socialmente útil, cumpridas em sede de suspensão provisória do processo, na pena de multa em que o arguido B… foi condenado.

2. No entanto, não há base legal para que se proceda ao desconto dos períodos de cumprimento das injunções aplicadas no âmbito da suspensão provisória do processo, nem qualquer lacuna legislativa que tenha de ser preenchida com recurso à analogia.

3. A injunção fixada, aquando da suspensão provisória do processo, tem uma natureza completamente diferente da pena de multa em que o arguido foi condenado, não assumindo o carácter de pena.

4. O legislador prevê expressamente que nas duas situações previstas no artigo 282.°, n.º 4, do Código de Processo Penal, o processo prossegue os seus trâmites habituais e tudo quanto o arguido haja feito/prestado até aquele momento não lhe pode ser devolvido.

5. O Tribunal a quo ao ter decidido proceder ao desconto da injunção de prestação das 11 horas e 30 minutos de trabalho socialmente útil na pena de multa em que o arguido foi condenado, violou o disposto nos artigos 80.° a 82.° do Código Penal e no artigo 282.°, n.º 4, do Código de Processo Penal, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que procede ao desconto das 11 horas e 30 minutos de trabalho socialmente útil cumpridas em sede de suspensão provisória do processo.

6. Dos artigos 80.° a 82.° do Código Penal e 284.°, n.º 4, do Código de Processo Penal, deve retirar-se que não se pode proceder, em sede de liquidação de pena, ao desconto das injunções prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 103) e notificado o arguido, este não apresentou qualquer resposta.
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Subiram os autos ao tribunal de recurso e, já nesta instância, na vista a que alude o artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, depois de identificar a questão a decidir neste recurso (deve ser descontada na pena de multa aplicada ao arguido a prestação de trabalho socialmente útil que, como injunção, cumprir no âmbito da suspensão provisória do processo?) lembra que a jurisprudência não tem tido uma resposta uniforme a essa questão e manifesta a sua adesão à posição defendida na declaração de voto de vencido do Ex.mo Desembargador José Carreto aposta no acórdão desta Relação de 25.01.2017, proferido no processo n.º 341/12.4 PFPRT.P1, pelo que conclui que o recurso merece provimento.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
IIFundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.
A questão aqui colocada à apreciação e decisão do tribunal de recurso está, claramente, identificada na motivação do recurso e no parecer do Ex.mo PGA.
O inconformismo do Ministério Público em relação à sentença condenatória aqui proferida limita-se a um ponto: se o instituto do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, também, se aplica no cumprimento da pena (de multa) cominada ao arguido no âmbito de um processo em que foi decretada a suspensão provisória do processo e cumprida, parcialmente, a injunção (prestação de 80 horas de trabalho socialmente útil), processo que, no entanto, veio a prosseguir com a revogação daquela suspensão porque o arguido não cumpriu aquela injunção (precisamente porque se limitou a cumprir 11h30m).
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Enunciada a quaestio decidendi, importa ter em consideração as seguintes ocorrências processuais:
1. Tendo concluído que estava suficientemente indiciada a prática de um crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (condução de veículo automóvel sem habilitação legal) e verificados os demais pressupostos, obtida a concordância do arguido (fls. 20) e do Sr. Juiz de instrução (fls. 24), o Ministério Público determinou (despachos de fls. 21/22 e 28, datados de 10.08.2015 e de 15.09.2015) a suspensão provisório do processo pelo período de 3 meses, mediante a imposição ao arguido das seguintes injunções:

- não vir no período de suspensão, a ser detido, denunciado, acusado ou condenado pela prática de crimes dolosos desta ou de outra natureza, praticados durante o período de suspensão;

- apresentar comprovativo de inscrição na escola de condução;

- não reincidir em comportamentos da mesma natureza;

- prestar 80 horas de trabalho a favor da comunidade a determinar pela DRGSP.

2. Notificado o arguido da suspensão provisória do processo e das obrigações que a condicionavam (fls. 29 a 31), este iniciou, em 28.11.2015, a prestação do trabalho no Centro Hípico C…, mas aí compareceu, apenas, dois dias, executando um total de 11h30m, ali não voltando a comparecer, e, apesar de notificado para vir aos autos informar das razões do não cumprimento da injunção, ignorou a interpelação.

3. Em face disso, por despacho de 24.05.2016, o Ministério Público, revogou a suspensão, determinando o prosseguimento do processo, e contra o arguido deduziu acusação para julgamento em processo abreviado (fls. 43/45).

4. Realizada a audiência de julgamento, foi o arguido condenado nos termos já supra referidos.
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A controvérsia sobre se deve, ou não, aplicar-se o instituto do desconto no cumprimento das penas aplicadas em processos em que foi, inicialmente, decretada a suspensão provisória do processo, mas que veio a prosseguir com a revogação da suspensão, surgiu com o desconto do período de inibição de condução cumprido como injunção no quantum da pena acessória de proibição de conduzir aplicada no mesmo processo (que prosseguiu na sequência da revogação daquela suspensão provisória).
Sobretudo a partir da alteração ao artigo 281.º do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que introduziu o actual n.º 3 (“Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”), firmou-se jurisprudência no sentido de que o período de inibição de condução cumprido como injunção deve ser descontado no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir em caso de prosseguimento do processo e de condenação do arguido.
Como se observou nos acórdãos da Relação de Lisboa de 18.10.2016 (Des. Jorge Gonçalves) e da Relação de Coimbra de 26.10.2016 (Des. Orlando Gonçalves), essa era a orientação uniforme (o que não quer dizer unânime) da jurisprudência das Relações.
Foi essa, também, a posição que o aqui relator adoptou nos acórdãos desta Relação de 19.11.2014 e de 08.02.2017, proc. n.º 599/14.4 PFPRT-A.P1 (o primeiro, como adjunto e o segundo como relator).
Porém, não sem surpresa, sobre essa questão, o STJ veio a fixar a seguinte jurisprudência:
«Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do CPP, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar» (acórdão de 27.04.2017, DR, I, 115, de 16.06.2017)[2].
No caso que agora nos ocupa não é em relação à injunção de proibição de conduzir veículo automóvel, mas antes à injunção de prestação de trabalho comunitário, que se coloca a questão do desconto na pena (de multa) cominada em sentença condenatória, por ter sido revogada a suspensão provisória do processo.
Sendo a situação diversa, não é directamente aplicável a solução do acórdão uniformizador.
Resta saber se os fundamentos dessa solução são transponíveis para este caso.
No citado acórdão de 08.02.2017 (proc. n.º 599/14.4 PFPRT-A.P1) discorreu-se assim:
“É inegável que não existe norma legal que, expressamente, preveja o desconto. O regime jurídico deste instituto (como já se aludiu, contido nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal) não contempla, de forma expressa, a injunção de proibição de conduzir veículos com motor prevista na lei processual penal como “medida obrigatoriamente oponível ao arguido” quando se trate de crimes para os quais esteja legalmente prevista a pena acessória de proibição de conduzir (art. 281.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).
No entanto, concordamos com o entendimento expresso no já citado acórdão da Relação de Évora de 06.12.2016 segundo o qual “o elemento literal de interpretação não é aqui decisivo” e que “da omissão assinalada não resulta que a intenção do legislador tenha sido a de excluir da norma e retirar do princípio geral que consagra (o princípio do desconto) a injunção em causa”, pois que perante norma excepcional, que consagre solução de excepção, não estamos.
Temos bem presente que, frequentemente, se confunde a existência de lacuna com regulamentação diversa ou irrazoabilidade da solução legal, mas nada permite afirmar que a ausência, no referido normativo legal, da referência à injunção de proibição de conduzir veículos motorizados corresponda a uma opção do legislador, que este tenha pretendido excluir o desconto da injunção em causa na correspondente pena acessória.
Defrontamo-nos, isso sim, com a falta de solução legal para um espaço da realidade e da vida carecido de regulação e solução jurídica e não se antolha qualquer obstáculo a que se integre uma tal lacuna por aplicação analógica das citadas normas do Código Penal”.
No acórdão uniformizador, afasta-se a existência de qualquer lacuna, mesmo que só “teleológica ou imprópria”, e discreteia-se assim:
“b) Sabe-se que a reforma do nosso processo penal introduzida com o Código de 1987, inovou, entre outros aspetos, inscrevendo “todo o universo processual num sistema de coordenadas definido por um eixo horizontal e outro vertical”. E, quanto ao primeiro, deu-se especial relevância à distinção entre criminalidade grave e pequena criminalidade, reservando para esta reações que se valem da “oportunidade, diversão, informalidade, consenso, celeridade”. O legislador fez questão de dizer que, em termos de política criminal, se identifica como resposta relevante, a este desiderato, para além do processo sumaríssimo, a possibilidade de suspensão provisóriado processo com injunções e regras de conduta.
Quanto ao segundo eixo, estabeleceu-se uma fronteira entre o que o Preâmbulo do Código chama “espaços de consenso” e “espaços de conflito”, no processo penal. Quanto àqueles, passaram a poder ver-se, no processo, “situações em que a busca de consenso, da pacificação e da reafirmação estabilizadora da norma assente na reconciliação, vale como um imperativo ético-jurídico”. Ora, a seguir, exemplifica-se com “o acordo de vários sujeitos processuais como pressuposto de institutos como o da suspensão provisória do processo”, enquanto concretização daquele espaço de consenso.
A imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta, surge pois como manifestação de anuência, sendo indiferente, na perspetiva do arguido, que a fonte da injunção seja uma escolha do MP ou a lei. Em qualquer dos casos estamos perante condições "sine qua non" da suspensão, que podem ou não ser aceites pelo arguido e, naquele caso, se lhe impõem.
Diferentemente se passam as coisas com a condenação surgida na sequência de um julgamento, porque ser algo a que o arguido não pode fugir. Tal como, já não tinha dependido de si, a detenção ou a escolha da medida de coação privativa de liberdade antes aplicada
Quanto à confluência do acordo do juiz de instrução, para ser possível a suspensão, por certo que não é tal confluência que faz da suspensão um ato de julgamento, quer em sentido material quer formal. Surge, simplesmente, pelo facto de as injunções e regras de conduta poderem contender com os direitos fundamentais do arguido, e por, na perspetiva do Tribunal Constitucional (TC), dever o juiz fiscalizar a legalidade da opção do MP encerrar o inquérito por essa via.
Serve para dizer que o curso do processo antes considerado padrão (instrução, acusação, julgamento), pode ser alterado, evitando-se a fase de julgamento, típica dos espaços de conflito. Exatamente nos casos em que, pese embora estarem reunidas provas da responsabilidade do arguido as finalidades que a justiça penal se propõe alcançar não se mostrem prejudicadas pela falta da condenação. Tudo com as vantagens de se subtrair o arguido ao estigma do julgamento, de se obter maior celeridade na solução do caso e se lograr uma pacificação social, fruto do acordo, não só do arguido e do juiz de instrução, como também do assistente.
c) A suspensão do processo resulta de critérios que são de "legalidade aberta" ou de "oportunidade regrada", a que o MP lança mão, sendo ele, e não o juiz, que decide da sua utilização. Ora, o facto de a opção pela suspensão do processo ser do MP e a escolha das injunções e regras de conduta serem do mesmo MP, só por si, impede que se esteja qui a falar de sanções penais, designadamente depenas. Não fora assim, cair-se-ia em grosseira inconstitucionalidade, tendo em conta o que dispõe o art. 202º, nº 1 da CR”.
Em suma, não ter a injunção (qualquer que ela seja) a natureza de sanção penal, antes se tratar de «medidas processuais que impõem atos ou condutas, ativos ou passivos e não de penas (nem sequer "encapotadas")», levaria à inevitável conclusão de inexistência da “indispensável similitude de situações” e arredaria qualquer hipótese de aplicação analógica do artigo 80.º do Código Penal.
Quando ao argumento que, em abono da tese afirmativa (do desconto), se retira do disposto no artigo 282.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal (o de que a injunção de proibição de conduzir veículos com motor, pela sua natureza, não é uma prestação que possa ser repetida, diferentemente do que acontece com prestações com carácter fundamentalmente patrimonial), o acórdão uniformizador rejeita-o e afirma que a norma “aponta claramente para a tese negativa” pelas seguintes razões:
“A opção pela suspensão do processo e sua aceitação é uma aposta no consenso entre os sujeitos do processo, uma pacificação entre arguido e assistente, que tem o sentido da reconciliação do agente do crime com a ordem jurídico-penal. Ora, o não cumprimento das injunções ou regras de conduta que o arguido aceitou, ou o cometimento de crime da mesma natureza no período da suspensão, pelo qual venha a ser condenado, são a revelação de que a aludida aposta falhou. Afinal, o arguido revela-se ainda, indireta ou diretamente, desrespeitador dos bens jurídico-penais e, nessa medida, um cidadão que continua a incidir negativamente na ordem social.
Ora, porque o falhanço referido se deve só ao arguido, entendeu a lei que “as prestações feitas não podem ser repetidas”.
É evidente que as prestações em causa dirão respeito, antes do mais, às injunções das als. a) e c), do nº 2, do art. 281º, do CPP, e não à do nº 3 do preceito, relativa à proibição de conduzir veículos com motor. Só que, a razão de ser da impossibilidade, de repetição das prestações feitas, tem que ter consequências equivalentes, no tocante ao tempo de proibição de conduzir cumprido.
Foi dada uma oportunidade ao arguido de se subtrair a um julgamento e a uma pena criminal, com a suspensão. Houve um acordo que o arguido violou, e assim sendo, o legislador não quis que as consequências de uma oportunidade perdida, só da responsabilidade do arguido, se reduzissem à prossecução do processo com uma acusação e um julgamento. Pretendeu também que o que tenha havido de cumprimento do acordo, que levou à suspensão, não redundasse em benefício do arguido, como se não tivesse havido nenhuma suspensão e o seu falhanço.
Dir-se-ia então que, a recorrer-se no caso a qualquer analogia, ela levaria a um raciocínio por paridade de razão do seguinte teor: pela mesma razão porque as prestações feitas não podem ser repetidas, também o tempo de proibição de conduzir não poderá ser tido em conta”.
Fácil é de ver que esta argumentação do acórdão uniformizador ajusta-se, perfeitamente, quer a injunção seja o cumprimento de inibição de condução de veículo automóvel, a prestação de trabalho a favor da comunidade ou qualquer outra das elencadas no n.º 2 do artigo 281.º do Cód. Proc. Penal.
Por conseguinte, pode dizer-se que a solução do AUJ é aplicável, mutatis mutandis, a qualquer injunção.
No acórdão de 08.02.2017 (proc. n.º 78/15.2 PTPRT-A.P1), a que faz alusão o Ex.mo PGA no seu parecer, já o aqui relator havia manifestado o entendimento de que a solução do desconto na pena acessória de proibição de conduzir do período de inibição de condução cumprido enquanto injunção (que, não é demais recordar, é legalmente obrigatória como condição da suspensão provisória do processo, quando o crime indiciariamente cometido estatuir aquela pena) não se ajustava às demais injunções, designadamente as de carácter, fundamentalmente, patrimonial, pois a não repetição das prestações, referida na parte final do n.º 4 do proémio do art.282.º do Cód. Proc. Penal, tem um alcance paralelo ao da parte final do n.º 2 do art.º 56.º do Código Penal[3], pelo que era merecedora de censura a sentença recorrida por ter mandado descontar na pena de multa a quantia (€350,00) que o arguido entregara a uma IPSS.
A mesma conclusão (de exclusão do desconto na pena de multa) vale para a injunção que aqui está em causa: a prestação de trabalho a favor da comunidade.
É, pois, à posição adoptada no acórdão desta Relação de 15.12.2016 (Des. Airisa Caldinho) e na declaração de vencido aposta pelo Ex.mo Desembargador José Carreto no acórdão, também desta Relação, de 25.01.2017, que aderimos.
Por isso não pode manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.
III Dispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que ordena o desconto, na pena de multa aplicada, das horas de trabalho prestado a favor da comunidade pelo arguido (imputação da injunção referente à prestação de 11h30m de trabalho”).
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 27/09/2017
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
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[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Curiosa e significativamente, o Ministério Público no STJ propôs que se fixasse jurisprudência em sentido oposto: “Em caso de revogação da SPP por falta de cumprimento integral das injunções impostas e da sequente prossecução para julgamento, vindo o arguido a ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (artigo 69.º do CódigoPenal) deverá ser descontado, nesta pena, o período de tempo de proibição de conduzir por si já cumprido, por injunção, durante o período que durou a suspensão (nº 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal)."
[3] Assim, também, o acórdão da Relação de Évora de 11.07.2013 (proferido no âmbito do processo n.º 108/11.7PTSTB.E1).