Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
900/05.1TBESP-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
DESPACHO LIMINAR
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20190411900/05.1TBESP-C.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EMBARGOS DE TERCEIRO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º170, FLS.241-248)
Área Temática: .
Sumário: O despacho liminar de admissão ou rejeição dos embargos de terceiro não constitui caso julgado sobre os pressupostos da respectiva admissibilidade se estes não forem expressamente conhecidos, máxime o da sua tempestividade, podendo o juiz proferir decisão posterior que conheça sobre a verificação desses pressupostos, designadamente à luz do contraditório que entretanto tiver lugar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 900/05.1TBESP-C.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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Sumário:
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I - RELATÓRIO
Em cumprimento do acórdão desta Relação do Porto, proferido a 29.04.2014 no processo de execução de que estes autos constituem apenso, foram os requerimentos apresentados por B…, SA, aproveitados e convolados para embargos de terceiro deduzidos contra o reclamante C…, SA e executados D…, E…, F… e G…, Lda, esta entretanto declarada insolvente.
Tais requerimentos eram o de 15.07.2011, em que B…, SA, alega, em suma, que foi notificada, pelo senhor agente de execução, para entregar as chaves do imóvel onde se encontra a laborar. Contudo, a embargante ocupa o prédio a título de arrendatária (por contrato de trespasse) sobre o imóvel desde 02.04.1998, sempre pagando a renda à senhoria e, posteriormente, ao H…, SA, após aquisição em praça do imóvel. Acresce que no âmbito de outro processo judicial, em que era exequente o H…, SA, as rendas deste imóvel foram penhoradas e entregues pela embargante ao senhor agente de execução. Concluiu que está a ocupar o imóvel de uma forma legítima através de contrato de arrendamento que possui em sua posse desde 1998, comunicando que não entrega as chaves.
E o de 12.09.2012 (junto a fls. 19 e ss destes autos), onde veio a embargante reiterar a sua posição, mais alegando que nunca foi notificada pelo tribunal ou pela reclamante H… quanto aos requerimentos que apresentou. Invoca, ainda, ser uma firma em plena laboração com cerca de 25 trabalhadores, sendo certo que a entrega imediata do imóvel provocará a paralisação total da laboração da exponente, a impossibilidade de entrega de encomendas e um colapso total da própria empresa, com o consequente encerramento da mesma e perca de postos de trabalho, pois que 90 % da sua produção se destina a exportação. Termina requerendo a manutenção do ónus que incide sobre o prédio em causa, mesmo após a venda, dado que a sua existência era do conhecimento do adquirente ou, caso assim não se entenda, ser dada sem efeito a diligência marcada de entrega do imóvel para o dia de amanhã, sendo dado um prazo razoável à requerente, nunca inferior a 120 dias para entrega do imóvel à reclamante, pois tal entrega implica o encontrar de outras instalações para laborar e o desmantelamento de toda uma unidade produtiva e sua instalação noutro local.
Por requerimento de 11.10.2012 dirigido aos autos principais (cfr. histórico do citius), veio o exequente H… defender que aquele requerimento apresentado pela sociedade B…, Lda. carece de total fundamento, pois a sociedade foi arrendatária do sobredito imóvel desde 2 de Abril de 1998, data em que celebrou o contrato de trespasse, e o Banco H…, S.A., Credor Reclamante nos presentes autos, viu constituída a seu favor hipoteca sobre o mencionado prédio, em momento muito anterior à data do referido trespasse – 23 de Julho de 1996. Assim, por força do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil, o invocado contrato de arrendamento caduca com a venda, em execução, do imóvel. Ainda que se entenda que o mencionado contrato de arrendamento permaneceu em vigor após a adjudicação do imóvel ao Credor hipotecário, o que não se concede, sempre se dirá que o mencionado contrato foi denunciado e que, portanto, não tem qualquer efeito. Como refere a sociedade B…, S.A. no seu requerimento, a mesma teve conhecimento do requerimento apresentado e da vontade manifestada pelo banco Adjudicatário em tomar posse do imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo menos, em 11 de Julho de 2011, tendo-se oposto à referida diligência. Mais de um ano volvido desde o referido episódio, é indubitável que a conduta, processual e extra - processual, do Banco Adjudicatário, consubstanciou a denúncia do mencionado contrato de arrendamento, no estrito cumprimento da antecedência mínima imposta por lei (cfr. artigo 1110.º, n.º 2, do Código Civil). Ainda que se considere que o aludido contrato de arrendamento subsiste após a venda em execução, o que, mais uma vez, não se concede, sempre se dirá que a referida venda deverá ser declarada inválida, já que foram preteridas formalidades essenciais na publicitação da venda executiva. Com efeito, o edital e anúncio de venda do referido imóvel não contemplava o referido ónus, como, aliás, deveria. Assim, nos termos do disposto no artigo 908.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a considerar-se a subsistência do contrato de arrendamento, uma vez que não existe conformidade entre o bem que foi adquirido e o que foi anunciado, a mencionada venda deverá ser anulada o que, e a título subsidiário, requer.
Concluiu pugnando pela improcedência do requerimento apresentado pela Sociedade B…, S.A., e em consequência, ordenar a efetiva tomada de posse do imóvel adjudicado ao Banco Reclamante, se necessário, com recurso às forças policiais, arrombamento e mudança de fechadura.
Caso assim não se entenda, requerer que seja considerado o contrato de arrendamento invocado pela Sociedade B…, S.A. devidamente denunciado, com respeito pelo prazo de antecedência mínima imposto por lei e, em consequência, ordenar a efetiva entrega do arrendado ao Banco Reclamante, ora proprietário. No caso de assim não se entender, e a título subsidiário, requerer que seja declarada anulada a venda executiva do sobredito imóvel, por terem sido preteridas formalidades essenciais na publicitação da mesma, atento o disposto no artigo 908.º, n.º1, do Código de Processo Civil.
Por requerimento de 30.10.2012 (fls. 47 e ss), veio novamente a embargante renovar os seus argumentos, mais acrescentando que o contrato inicial de arrendamento foi outorgado em 30 de maio de 1996, que posteriormente foi objeto de trespasse, e, nessa data, não incidia quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente a hipoteca a favor do exequente. Alega também que, por requerimento datado de 06.01.2010, os executados E… e D… vieram informar, nos autos principais, que o prédio em questão se encontrava arrendado à sociedade B…, SA e cuja renda se encontrava penhorada à ordem do H…, SA, noutro processo judicial, sabendo, pois, o exequente da existência do contrato de arrendamento e posterior trespasse, nunca o tendo colocado em crise. Em 11.07.2011, a exponente foi confrontada com a entrega do imóvel, que se opôs pelos motivos já expostos e pelos quais apresentou o requerimento em 15.07.2011 e respetivos documentos. Mais reitera que nunca foi notificada de qualquer tomada de posição por parte quer do tribunal, quer da exequente. No caso da credora reclamante não ter tido conhecimento que o prédio objeto de venda não estava arrendado não foi culpa sua, não podendo a requerente ser penalizada por circunstâncias externas a si próprias, uma vez que desconhecia que o prédio ia ser objeto de venda, o que também a penaliza, uma vez que poderia ter exercido o direito de preferência, tendo havido preterição de formalidades essenciais aquando da publicitação da venda. Requer a manutenção do contrato de arrendamento/trespasse, uma vez que em tempo algum a exponente foi notificada da denúncia ou outra forma de cessação do contrato de arrendamento/trespasse passando a ser o exequente o senhorio da B…, SA; caso assim não se entenda, ser a venda anulada, por falta de preterição de formalidades essenciais.
Veio responder o embargado H…, SA, através de requerimento remetido aos autos a 16.12.2012, reiterado o anterior requerimento de 11 de Outubro de 2012, salientando que o ónus constituído sobre o imóvel após a constituição da referida hipoteca não é oponível ao Banco. Acrescenta que a partir da data em que o bem foi adjudicado, o Banco, na qualidade de proprietário do bem, não afectou mais nenhuma quantia referente às aludidas rendas (a sociedade, por mote próprio, decidiu passar a depositar as rendas na I…). Por outro lado, desde essa data que o Banco – na qualidade de adquirente do prédio - tem vindo a diligenciar pela entrega do imóvel livre de quaisquer ónus e encargos.
Nessa sequência, foi proferido despacho a admitir liminarmente os presentes embargos de terceiro, em 05.06.2014.
O embargado H…, SA, contestou, arguindo a nulidade do despacho de admissão liminar porquanto, e por entender, em suma, que não foi dado cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto, pois os requerimentos a convolar para o meio processualmente adequado – embargos de terceiro – são os aludidos requerimentos da embargante de 15.07.2011 e 12.09.2012. Invocou, ainda, a excepção de caducidade do direito à acção, pois o requerimento apresentado pela embargante e convolado pelo Tribunal em petição de embargos de terceiro data de 21.10.2010 e o imóvel em causa foi adjudicado ao embargado a 01.02.2010, tendo sido o respectivo título de transmissão emitido a favor do banco embargado em 23.03.2010. Impugnou ainda os factos alegados na petição e o sentido e alcance probatório dos documentos juntos a fls. 5 a 18 da petição. Mais argumentou que, na data em que foi celebrado o contrato de trespasse com a sociedade embargante, já o imóvel se encontrava onerado com a hipoteca a favor do banco exequente. Acresce ainda que as partes acordaram, na aludida escritura de constituição de hipoteca, que qualquer ónus que recaísse sobre o imóvel daria ao banco o direito de considerar vencidas as responsabilidade e obrigações assumidas e de executar, imediatamente, a garantia hipotecária registada sobre o prédio, actuando a embargante com abuso de direito ao pretender que o Banco fique impedido de exigir a imediata exequibilidade da escritura de hipoteca atendendo a que na data em que adquiriu o trespasse a hipoteca já se encontrava validamente constituída. Por fim, alega que as rendas pagas pela sociedade B… foram, até à venda do prédio, validamente penhoradas no processo 5350/07.2TBVFR e a partir da data em que o bem foi adjudicado ao Banco, este, na qualidade de proprietário do bem, não afectou mais nenhuma quantia referente às aludidas rendas (a sociedade Embargante, por mote próprio, decidiu passar a depositar as rendas na I…).
Termina peticionando o seguinte:
“I) Julgar procedente a invocada nulidade da decisão de convolação em petição de embargos de terceiro do requerimento da Embargante de fls.3 a 18, anulando-se todos os actos que dela dependam absolutamente;
Caso assim não se entenda,
II) Julgar procedente a nulidade da notificação do Banco Embargado efectuada nos termos e para os efeitos do artigo 357.º do CPC, atendendo a que houve erro no cumprimento da decisão do Tribunal da Relação do Porto, tudo por aplicação analógica do artigo 198.º do CPC.
Caso assim não se entenda,
III) Julgar provada e procedente a invocada excepção peremptória de caducidade do direito de acção da Embargante, com a consequente absolvição do Banco H…, S.A do pedido formulado nos autos;
IV) E sempre, julgar a acção totalmente improcedente, por falta de fundamento fáctico e legal, absolvendo o Banco H…, S.A do pedido formulado pela Embargante.”
Vieram os executados E… e D… apresentar contestação, alegando, em síntese, que deram de arrendamento, em 30.05.1996, através de escritura pública, a J…, o prédio em questão e no dia 02.04.1998, esta J… outorgou escritura pública de trespasse a favor da embargante B…, SA, o qual incluiu o direito ao arrendamento do indicado prédio. A partir daquela data - de 02.04.1998 – quem é a inquilina daquele prédio é a embargante, que exerce a sua actividade no prédio da propriedade do banco embargado. Invoca também que o referido prédio foi objecto de uma penhora por parte do H…, noutro processo judicial, tendo a embargante iniciado, em 07.04.2009, os pagamentos das rendas ao senhor agente de execução nomeado naqueles autos, não desconhecendo, pois, o H… o aludido arrendamento. Concluíram que a aquisição do prédio pelo H…, SA não prejudica a validade e eficácia do arrendamento (anterior à hipoteca) e todos os direitos da inquilina.
Terminam pedindo que seja reconhecida:
“A) A validade do contrato de arrendamento e contrato de trespasse a que se alude neste articulado;
B) Reconhecer que o contrato de arrendamento incluído no citado trespasse, sendo anterior à hipoteca de que a embargada H…. era titular, não é prejudicado pela venda judicial efectuada nos autos do proc. 900/05.1TBES, 1º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho.
C) Ser a embargada H… condenada em custas e demais encargos do processo.”
Por despacho de 16.05.2016, foi indeferida a nulidade invocada pelo banco embargado.
Notificado do requerimento da embargante de 15.07.2011, veio o banco embargado reiterar, por requerimento de 03.06.2016, os mesmos argumentos explanados na sua contestação, pugnando novamente pela procedência da invocada excepção de caducidade do direito da acção da embargante, consubstanciada quer no seu requerimento de 21.10.2011, quer no requerimento de 15.07.2011., e, sempre, julgando-se totalmente improcedente a pretensão da embargante.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, em 31.07.2018, que julgou procedente a arguida excepção peremptória de caducidade do direito de acção da embargante, nos termos do citado artigo 353º, 2 do CPC de 1961, correspondente ao actual artigo 344º do CPC;
- verificada a caducidade do contrato de trespasse celebrado pela embargante nos termos do n.º 2 do artigo 824º do Código Civil, aqui aplicável por analogia;
- totalmente improcedentes os pedidos formulados na contestação dos embargados/executados e totalmente improcedentes os presentes embargos de terceiro, por não provados, absolvendo-se o banco embargado C…, SA dos pedidos formulados.
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Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto provada com interesse para a decisão dos embargos de terceiro:
1. Por escritura pública denominada “arrendamento” de 30 de maio de 1996, E… e marido D… deram de arrendamento a J… o prédio urbano, destinado a unidade industrial, sito na freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 1588. – cfr. doc. de fls. 5 a 8 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Por escritura pública denominada “hipoteca” de 23 de Julho de 1996, E… e D… declararam “que em garantia do bom pagamento das responsabilidade assumidas ou a assumir pela Sociedade Comercial (…) G…” (…),” constituem a favor do “BANCO H1…, SA” hipoteca sobre o prédio urbano, destinado a unidade industrial, sito na freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 1588. – cfr. doc. de fls. 88 e ss destes autos e certidão de fls. 28 e ss dos autos de reclamação de créditos sob apenso A, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A hipoteca encontra-se registada desde 23.01.1996.
4. Por escritura pública denominada de “trespasse” de 2 de Abril de 1998, J… declarou: “que é dona de um estabelecimento comercial de venda de produtos de cortiça e seus derivados a funcionar em seu nome, instalado no prédio urbano, (…) inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1588, e pela qual é paga a renda mensal de vinte mil escudos, sendo de um milhão e duzentos mil escudos, a renda de cinco anos”; “que, pela presente escritura, trespassa à sociedade representada de ambos (J… e F…) “B…” o referido estabelecimento comercial” e “que este trespasse é feito pelo preço de um milhão e duzentos mil escudos, que já recebeu e abrange todos os elementos que compõem o mencionado estabelecimento (…) incluindo o direito ao respectivo arrendamento”. – cfr. doc. de fls. 9 a 11 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Nos autos de execução à margem identificados, foi efectuada penhora, a 24.07.2007, do referido imóvel o prédio urbano, destinado a unidade industrial, sito na freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 1588 e descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 105.
6. A penhora foi registada a 24.07.2007.
7. No processo executivo n.º 5350/07.2TBVFR, que correu termos no antigo 1º juízo cível de Santa Maria da Feira, em que era exequente Banco H…, SA e executados F… e outros, foi penhorado o direito de crédito referente às aludidas rendas pagas pela B…, SA, notificando-a, em 02.04.2009, o senhor agente de execução nomeado nesses autos, para o efeito.
8. Por requerimento de 6 de Janeiro de 2010, dirigido aos autos principais, os aí executados E… e D… vieram “informar que o prédio em questão se encontra arrendado, e cuja renda se encontra penhorada ao Banco H…, ao abrigo de outro processo.”
9. Por diligência de abertura de propostas em carta fechada realizada a 1 de Fevereiro de 2010 nos autos principais n.º 900/05.1TBESP, a que estes embargos estão apensos, foi adjudicado o mencionado prédio urbano, destinado a unidade industrial, sito na freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 1588 e descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 105, ao credor reclamante Banco H…, SA.
10. A 23 de Março de 2010, foi emitido pelo senhor agente de execução, nos autos principais, o título de transmissão do mencionado imóvel a favor do credor Banco H…, SA.
11. Encontra-se registada, a 2010/03/30, a aquisição “por compra judicial” a favor do Banco H…, SA. do aludido prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 105.
12. Por “notificação para interrupção da transferência” de 29.09.2010, o senhor agente de execução, no mencionado processo n.º 5350/07.2TBVFR, informou a ora embargante que deveria suspender os pagamentos relativos às rendas do mencionado imóvel.
13. Por missiva registada de 04.03.2011 dirigida ao Banco H…, SA, comunicou a aqui embargante que “na sequência da aquisição do imóvel por vossa parte (…) temos enviado para V. Exªs. a renda do referido Prédio (…) Até à presente data, os referidos cheques não foram descontados. Atento tal facto, a arrendatária procedeu ao depósito da renda na I… (…)” – cfr. doc. de fls. 38 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Desta decisão foi interposto o presente recurso pela embargante que apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
1 - A embargante/recorrente ocupa o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº 105/221087 da freguesia de … desde 02/04/1998, através de contrato de Trespasse outorgado no cartório notarial de Ovar na qualidade de arrendatária.
2 - O contrato inicial de arrendamento foi outorgado em 30 de Maio de 1996, no cartório notarial de Ovar.
3 - Aquando da outorga do contrato de arrendamento que posteriormente foi objecto do contrato de trespasse, sobre o imóvel identificado no artigo 1 das conclusões sobre o arrendado não incidia quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente hipoteca a favor do ora Recorrido/Exequente.
4 - Por requerimento datado de 6 de Janeiro de 2010 junto aos autos, os Executados E… e D… (senhorios), informaram os autos que o prédio em questão se encontrava arrendado à sociedade “B…, SA” , cuja renda se encontrava penhorada à ordem do Banco H…, SA., no âmbito do processo Nº 5350/07.2 TBVFR 1º juízo Cível.
5 - O Recorrido/H…, não podia, nem pode alegar desconhecer que o prédio em causa nos autos estava arrendado, quer pelos documentos juntos aos autos quer pelo fato do mesmo recorrido, em outro processo judicial, ter também as rendas penhoradas a seu favor.
6 - O Recorrido, quer neste processo, quer no outro processo no qual o prédio estava penhorado bem como a sua renda (processo nº 5350/07.2 TBVFR 1º juízo Cível,) nunca colocou em crise o contrato de arrendamento e posterior trespasse.
7 - Pelo que o mesmo se encontra válido e em vigor, aplicando-se, também in casu, o artigo 824º, Nº2 do Código Civil.
8 - Em 11 de Julho de 2011, a recorrente foi confrontada com a entrega judicial do imóvel, ao que se opôs pelos motivos supra expostos, e pelo qual apresentou requerimento e respectivos documentos a comprovar a referida situação.
9 - Nunca a recorrente foi notificada de qualquer tomada de posição por parte, quer do Tribunal, quer do recorrido, face ao requerimento e documentos que apresentou.
10 - Nomeadamente quanto à alegada denúncia do contrato de arrendamento com os seus fundamentos e formalidades.
11 - Mesmo a dar-se o caso do recorrido não ter tido conhecimento de que o prédio objecto de venda nestes autos estava arrendado- o que não se concede - não foi, nem é culpa da recorrente, pois os proprietários o imóvel informaram o processo que o dito prédio objecto de venda tinha um ónus, encontrava-se arrendado.
12 - Sendo certo que a recorrente não pode em circunstância alguma ser penalizada por circunstâncias externas a si própria, uma vez que desconhecia que o prédio em causa ia ser objecto de venda.
13 - Pois também nunca foi notificada da venda.
14 - O que por esta via também a penaliza, uma vez que poderia ter exercido o direito de preferência.
15 - Como se constata, o contrato de arrendamento/trespasse encontra- se em vigor, sendo certo que a arrendatária é terceiro em relação a todo este processo, não podendo ser penalizada por fatos ou omissões das partes nos presentes autos e mesmo preterição de formalidades essenciais., que se constata terem existido aquando da publicitação da venda, conforme refere a exequente no seu artigo 11º do requerimento junto aos autos,
16- O tribunal “a quo”, no seu douto despacho, considerou que o meio de defesa da recorrente não foi o mais adequado, por erro na forma de processo.
17 - A recorrente apresentou no processo escritura pública do Contrato de Arrendamento e Contrato de Trespasse, que por serem documentos autênticos, fazem fé pública perante todas as instituições.
18 - Nos termos do art.º 371 do Código Civil:
“ Os documentos autênticos fazem prova plena dos fatos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos fatos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora;”
19 - O recorrido tendo tido conhecimento de tais fatos nunca em tempo algum colocou os ditos documentos em crise ou impugnou-os.
20 - Caso assim não se entenda – o que não se concede – o Princípio da Confiança é abalado juntamente com o princípio da boa-fé, sendo certo que tais princípios orientadores constituem um reduto seguro e acolhedor na sociedade onde estamos inseridos.
21 - No caso em concreto existem documentos autênticos ou autenticados e no caso da ordem jurídica caso não lhe atribuir essa eficácia e confiança, todo o sistema jurídico é colocado em causa.
22 - O meio adequado para reaver o prédio, por parte da recorrida, é intentar a correspondente acção de entrega do imóvel ou denúncia do contrato de arrendamento,
23 - O contrato de arrendamento mantém a sua individualidade jurídica, mesmo após ter sido objecto de trespasse.
24 - Nunca a Recorrente foi notificada de quais as formalidades preteridas e quais as cominações legais para a falta de observância das mesmas.
25 - Sendo certo que o douto tribunal a quo se deveria ter pronunciado sobre a não observação de formalidades legais na venda do imóvel em causa o que não fez,
26 - Existiu assim uma nulidade processual que desde já se invoca para todos os efeitos legais, o que é corroborado pelo próprio recorrido que, no seu requerimento datado de 11 de Outubro de 2012, o mesmo pede que se proceda da seguinte forma:
“ Declarar anulada a venda executiva do sobredito imóvel, por terem sido preteridas formalidades essenciais na publicitação da mesma, atento o disposto no artigo 908º, nº 1 do código processo civil”.
27 - Pelo que, também por este fato, não pode a recorrente ser penalizada pelo não cumprimento das formalidades que a lei exige, precisamente, também, para proteção de interesses legalmente protegidos de terceiros, como é a recorrente.
28 - A figura da analogia foi erroneamente aplicada, uma vez que estão em causa situações previstas na lei, devidamente individualizadas, não havendo qualquer lacuna a suprir,
29 - Pois esta apenas se deve aplicar a situações idênticas e não previstas na lei, o que não é o caso.
30 - Assim, a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo violou os princípios da confiança e boa-fé, os artigosº 371º, nº 1, 824º, nº 1 e Nº2, artigo 1112º, 819º a contrario, 1051º e 1057º, todos do Código Civil e artigo 819º e 908º, nº 1 do Código Processo Civil,
Nestes termos deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, substituindo-se por outra que considere a validade do contrato de trespasse e de arrendamento ou no caso de assim não se entender seja proferida decisão que decida que se verificou a preterição de formalidades essenciais, determinando a anulação da venda e a repetição de todos os actos processuais, assim se fazendo justiça.
Não foram apresentadas contra alegações.
Cumpre decidir, admitido que foi o recurso nesta instância e colhidos que foram os vistos dos senhores juízes desembargadores adjuntos.
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II - DO RECURSO:
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo face ao disposto no artº 8º desta Lei.
A recorrente não impugna a decisão da matéria de facto, nos termos do artº 640º, nº1, NCPC, nem há fundamento para que esta Relação a altere nos termos do artº 662º, nº1, nem use dos poderes previstos no nº2 do mesmo artigo do NCPC.
Assim, fixa esta Relação a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida, com interesse para a decisão dos embargos de terceiro e deste recurso.
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II.1 - Questão não objecto do recurso:
Os apelantes concluem que:
“25– Sendo certo que o douto tribunal a quo se deveria ter pronunciado sobre a não observação de formalidades legais na venda do imóvel em causa o que não fez,
26 - Existiu assim uma nulidade processual que desde já se invoca para todos os efeitos legais, o que é corroborado pelo próprio recorrido que, no seu requerimento datado de 11 de Outubro de 2012, o mesmo pede que se proceda da seguinte forma:
“ Declarar anulada a venda executiva do sobredito imóvel, por terem sido preteridas formalidades essenciais na publicitação da mesma, atento o disposto no artigo 908º, nº 1 do código processo civil”.
27 - Pelo que, também por este fato, não pode a recorrente ser penalizada pelo não cumprimento das formalidades que a lei exige, precisamente, também, para protecção de interesses legalmente protegidos de terceiros, como é a recorrente”.
Ora, por decisão de 04.04.2013, proferida na execução para pagamento de quantia certa que constitui o processo principal, foi declarada a nulidade de todos os actos processuais praticados pela B…, S.A., por ocorrência de erro na forma de processo, considerando-se que tais actos não podiam ser aproveitados (art.º 199.º e 202.º, ambos do C. P. Civil). Concluiu-se, em suma, que: “a B…, S.A., a título incidental e nos próprios autos de execução, veio, primacialmente, pugnar pela manutenção do referido contrato de arrendamento e da sua posição de arrendatária, independentemente de o prédio em apreço ter sido judicialmente adquirido pelo Banco H…, S.A. A nosso ver, a forma processual utilizada pela B…, S.A. para fazer valer aquela sua pretensão não é a adequada. Por ser terceira pessoa em comparação com as partes nesta acção executiva e considerando que a entrega efectiva do imóvel à adquirente, livre de pessoas e coisas, poderá afectar o seu alegado direito de arrendatária, competia-lhe fazer valer este, desde logo em função preventiva, por via da dedução de embargos de terceiro (cfr. art.º 1285.º, aplicável por força do disposto no art.º 1037.º n.º 2, ambos do C. Civil), que não, repete-se, a título incidental nos próprios autos executivos.”
Tal despacho foi objecto de recurso, tendo o acórdão desta Relação do Porto proferido a 29.04.2014, naquele processo de execução de que estes autos constituem apenso, revogado parcialmente o aludido despacho e determinado que seja “aproveitado e convolado o(s) requerimento(s) por ela apresentado(s) para o meio processualmente adequado (…)”.
Daí que foram os requerimentos da B…, Ldª, de 15.07.2011 e de 12.09.2012 convolados para embargos de terceiro deduzidos contra o reclamante C…, SA e executados D…, E…, F… e G…, Lda, esta entretanto declarada insolvente, autuados e processados por apenso, nos termos dos artº 353º, nº1, do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 180/96, de 25.09, correspondente ao actual artº 344º, nº1, NCPC.
As questões a decidir nos presentes embargos de terceiro são apenas a caducidade do direito da embargante, por força do disposto no artº 353º, nº2, do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 180/96, de 25.09, correspondente ao actual artº 344º, nº2, NCPC e a oponibilidade do contrato de arrendamento de 30.05.1996 e de trespasse de 02.94.1998, referenciados nos pontos 1 e 4 dos factos provados da sentença relativamente à penhora realizada no processo executivo (principal) do bem em causa, registada em 24.07.2007, nos termos do artº 351º, nº1, do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 38/2003, de 25.09, correspondente ao actual artº 342º, nº1, NCPC.
Daqui se vê que a matéria daquelas referidas conclusões de recurso, relativas a irregularidades/nulidades da venda judicial efectuada no processo principal não diz respeito ao thema decidendum neste incidente de embargos de terceiro, nem neste recurso, dado que não foi questão sobre a qual a sentença recorrida decidiu, nem tinha que decidir.
Daí que não se conhece dessa questão.
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II.3 - Caducidade/Intempestividade dos embargos de terceiro:
Na sentença recorrida considerou-se que:
“Regulava o artigo 351º do CPC de 1961 (aplicável à data em que os presentes embargos de terceiro foram convolados) e atual artigo 342º do CPC, que se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
Como tal, para que os embargos sejam viáveis a embargante terá que alegar e provar além da sua qualidade de terceiro, a ofensa da posse ou qualquer direito incompatível com a penhora efetuada no processo executivo.
No caso sub judice, atento o acervo fático demonstrado, podemos concluir – como, de resto, já foi observado pelo despacho objecto de recurso e pelo douto Acórdão da Relação do Porto proferido nos autos principais e apenso B - que a embargante é terceira, não tendo intervindo no processo de que emana a penhora, integrando-se plenamente no conceito de terceiro estabelecido no citado artigo.
Contudo, veio, primeiramente, o banco embargado (entretanto C…, SA – cfr. despacho de 20.04.2016 destes autos), invocar a excepção peremptória de caducidade do direito de acção da embargante, pois o requerimento apresentado pela embargante e convolado pelo Tribunal em petição de embargos de terceiro data de 21.10.2010 e o imóvel em causa foi adjudicado ao embargado a 01.02.2010, tendo sido o respectivo título de transmissão emitido a favor do banco embargado em 23.03.2010.
Estabelecia o n.º 2 do artigo 353º de CPC de 1961, correspondente ao actual artigo 344º do CPC, que “o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas” (sublinhado nosso).
Analisada devidamente a situação em apreço, constata-se que o requerimento de 21.10.2010 da sociedade embargante, convolado também para embargos de terceiro - sendo que os restantes requerimentos da embargante, mesmo considerando-se que foram igualmente convolados, são posteriores a este -, é apresentado após a venda do prédio em questão.
Com efeito, o prédio foi adjudicado ao embargado a 01.02.2010, tendo sido o respectivo título de transmissão emitido a favor do banco embargado em 23.03.2010. E está registada esta “aquisição por compra judicial” a favor do embargado a 30.03.2010.
A este propósito, apenas para realçar que entendemos que, quanto à data a considerar para transmissão do direito de propriedade é a de 01.02.2010, pois a venda em execução reveste a natureza de um negócio jurídico que se realiza com a aceitação de determinada proposta, ficando, contudo, o efeito translativo da propriedade da coisa ou da titularidade do direito sujeito à verificação da condição suspensiva da realização dos depósitos a que se refere o artº 887º nºs. 1 e 2 do anterior Código de Processo Civil (atual artº 815º), ou atestada a dispensa dos mesmos, comprovado cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais inerentes à transmissão, assim como garantido o pagamento das custas prováveis do processo. E, confirmada a condição – como sucedeu na situação em apreço -, transfere-se, “ipso jure” a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, retroagindo esse efeito à data da aceitação da proposta (cf. artº 276º do Código Civil), que se atestará pelo respetivo título de transmissão. (neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 28.04.20185, in www.dgsi.pt).
Isto significa que os presentes embargos de terceiro são extemporâneos, sendo procedente a arguida excepção peremptória de caducidade do direito de acção da embargante, nos termos do citado artigo 353º, 2 do CPC de 1961, correspondente ao actual artigo 344º do CPC”.
Concorda-se com o fundamento do assim decidido, com a rectificação de que os requerimentos que foram convolados em embargos de terceiro por força da decisão do acórdão desta Relação de 29.04.2014, foram os de 15.07.2011 (fls 1 e 2 destes autos) e de 12.09.2012 (junto a fls. 19 e ss destes autos), posteriores ainda ao referido na sentença recorrida, datado de 21.10.2010.
Face ao disposto no artº 6º, nº4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, a lei adjectiva aplicável ao incidente em causa antes da fase de recurso é o regime do Código de Processo Civil anterior ao aprovado pelo artº 1º desta Lei e que entrou em vigor em 01.09.2013 (artº 8º).
Como refere Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 1999, pág. 180, “a lei processual actual já não integra as acções possessórias no âmbito dos processos especiais, mas ampliou os fundamentos dos embargos de terceiro, que podem efectivar, para além da posse, qualquer direito que se revele incompatível com alguma diligência de cariz executivo judicialmente ordenada”.
E acentua que “a sua característica essencial consiste em a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante” – ibid. 180-181.
O embargante pode invocar qualquer direito que seja incompatível com o acto de penhora, arresto, arrolamento, apreensão ou entrega de coisa certa ao exequente, sem necessitar de recorrer à demorada acção de reivindicação e com a possibilidade de evitar, de modo directo, a venda dos bens que decorra directa ou indirectamente daqueles actos – ibid.
Deve entender-se incompatível com o acto judicial de tipo executivo, o direito de terceiro cuja natureza é impeditiva da realização da função daquele acto – penhora, arresto, arrolamento, entrega da coisa certa ao exequente ou entrega do prédio ao senhorio – ibid.
Por seu turno, Miguel Teixeira de Sousa, A Reforma da Acção Executiva, Lex, 2004, pág. 175, refere ser fundamento dos embargos de terceiro, na nova redacção do art. 351.º, introduzida pelo art. 1.º do DL 38/2003, de 8.3, ao lado do acto judicialmente ordenado de apreensão de bens, a penhora.
Como resulta do teor de tal norma (introduzida pela reforma do processo civil de 1995/96) e explicita Carlos Lopes do Rego [Comentários ao CPC, pág. 263], «…O problema da admissibilidade dos embargos de terceiro, aparece, deste modo, ligado, não apenas à qualificação do embargante como ‘possuidor’, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada. / Na base da admissibilidade do incidente passa, pois, a estar uma questão de hierarquia ou prevalência de direitos em colisão (o actuado através do processo em que se inserem os embargos e o oposto pelo embargante), a resolver naturalmente em função das normas jurídico-materiais aplicáveis. …».
No caso presente, para integrar situação justificativa da dedução dos presentes embargos, a embargante invocou o direito de arrendamento adquirido por trespasse da anterior arrendatária do imóvel penhorado em 24.07.2007, na execução para pagamento de quantia certa supra referenciada, sendo aquela penhora de livre conhecimento de terceiros dado que nessa data foi registada na respectiva Conservatória do Registo Predial da localização do imóvel.
Esta é a lei adjectiva aplicável ao presente incidente, interposto em 15.07.2011, por força da convolação ordenada pelo referido acórdão desta Relação. Trata-se de um incidente de intervenção de um terceiro, que passa a ter a figura de requerente, contra “as partes primitivas”, na expressão do artº 357º, nº 1 CPC, redacção do DL nº 180/96, de 25.09, sendo essas partes primitivas, obviamente, o exequente/autor/requerente e o executado/réu/requerido na execução da qual constituem apenso.
Nessa sequência, foi proferido despacho a admitir liminarmente o incidente, em 05.06.2014, (fls 76-A), nos termos do artº 354º do CPC de 1961.
É jurisprudência pacífica que este despacho liminar (de admissão ou rejeição) não constitui caso julgado sobre os pressupostos da respectiva admissibilidade, se não forem expressamente conhecidos, maxime o da sua tempestividade, antes se mantendo a possibilidade de decisão negativa sobre a verificação desses pressupostos, designadamente à luz do contraditório que entretanto tiver lugar[1].
A esse propósito, dispõe o artigo 672.º, nº1, do CPC de 1961, na redacção do DL nº 303/2007, de 24.08 que: "As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo."
Trata-se da consagração legal do caso julgado formal ou intraprocessual e que importa que uma decisão judicial transitada em julgado sobre a relação processual tem força obrigatória dentro do processo, não podendo ser modificada por outra posterior, traduzindo o esgotamento do poder jurisdicional do juiz e facultando a sua imediata execução (actio judicati)- (neste sentido, Ac. do STJ de 20-10-2010, proc. nº 3554/02.3TDLSB.S2, em dgsi.pt).
Ora, no aludido despacho liminar de 05.06.2014, o senhor juiz a quo não conheceu, em concreto, de qualquer questão referente à pertinência e admissibilidade do presente incidente, limitando-se a assegurar o prosseguimento dos embargos de terceiro deduzidos como foram convolados pelo dito acórdão desta Relação. Por isso, não se pode defender que esse despacho, não tendo conhecido da questão da tempestividade dos embargos de terceiro, a tenha decidido intra - processualmente. Pelo contrário, ao permitir a tramitação do processo para uma fase ulterior - a do contraditório à dedução de contestação- o juiz apenas diferiu, para momento ulterior e já à luz do contraditório que viesse a ser estabelecido, a apreciação de qualquer questão de que pudesse depender a admissibilidade, procedência ou improcedência do incidente.
Daí que podia o senhor juiz a quo decidir pela intempestividade dos presentes embargos de terceiro, conhecendo-a enquanto caducidade deste meio de defesa, como o fez na decisão recorrida e porque a questão foi levantada na contestação do embargado C…, SA.
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II.4 - Validade dos invocados contratos de trespasse e de arrendamento:
Apenas uma nota final no sentido que apenas a penhora poderia ser objecto destes embargos e não a venda judicial do imóvel realizada pelo senhor agente de execução no processo principal por propostas em carta fechada em 01.02.2010 - facto provado 9. Por esse modo legítimo de aquisição o Banco referido adquiriu o direito de propriedade do imóvel vendido em execução e a mesma está registada no registo predial, desde 30.03.2010- facto provado 11.
Não está provada na matéria de facto da sentença, nem nas peças processuais destes autos que o adquirente C…, SA, com base no título de transmissão do imóvel, tivesse requerido na execução contra B…, SA, enquanto detentora do mesmo, a sua entrega, que essa diligência tivesse sido judicialmente ordenada no processo principal e que tivesse sido contra a mesma que a embargante de terceiro reagiu por esta via processual. Não se trata assim de uma situação subsumível ao disposto no artº 351º, nº 1, CPC de 1961, na redacção do DL nº 38/2003, de 25.09, que tivesse fundado os presentes embargos de terceiro. Daí que prejudicado fica o conhecimento da alegação da embargante/recorrente à oposição do alegado arrendamento comercial e posterior trespasse do imóvel à entrega do mesmo, porquanto não pode ser objecto destes embargos de terceiro.
Aliás, a recorrente dá notícia nas alegações de recurso de que “intentou ação que corre termos sob o nº 2277/13.2TBVFR do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira peticionando que a Ré C…, SA. seja condenado a :
A)Reconhecer a validade do contrato de arrendamento e contrato de trespasse;
B)Reconhecer que o contrato de arrendamento incluído no citado contrato de trespasse, sendo anterior à hipoteca de que a Ré (recorrida) era titular, não é prejudicado pela venda judicial efectuada no processo nº 900/05.1TBESP.1º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho”. Será nessa acção que essa questão deve ser dirimida.
Improcedem, pois, neste recurso as demais conclusões recursivas referentes a essa matéria.
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III - DECISÃO:
Nestes termos, ACORDAM os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e em alterar a sentença recorrida julgando-se intempestiva a dedução dos presentes embargos de terceiro, por caducidade nos termos declarados na sentença e prejudicado o demais decidido.
Custas pela recorrente.
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Porto, 11.04.2019
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Pinto
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[1] Acórdão do TRL de 8.2.2018 e do TRE de 6.11.2008.