Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17314/18.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: FALSIDADE
LETRA E ASSINATURA
LIVRANÇA
RECONHECIMENTO PRESENCIAL DAS ASSINATURAS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2020070217214/18.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 07/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Impugnada ou suscitada a falsidade da letra ou/e assinatura numa livrança, a parte que apresenta tal título de crédito tem o ónus de provar a sua veracidade, mas se se tratar de livrança cuja assinatura esteja presencialmente reconhecida, esta goza de presunção de autenticidade.
II - Daí que, invocando-se a falsidade da assinatura reconhecida presencialmente, o que passa a estar em causa é a falsidade dessa acto notarial de reconhecimento, pelo que o ónus de prova dessa inveracidade fica a cargo de quem a suscita.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 17314/18.6T8PRT-A.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes: Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço

I. RELATÓRIO
1.1. Neste processo n.º 17314/18.6T8PRT-A do Juízo de Execução do Porto, J2, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Embargada: B…, SA

Recorrida/Embargantes: C…; D…

por sentença proferida em 21/out./2019 foram julgados procedentes os embargos, e, em consequência, foi declara extinta a execução, com o consequente levantamento das penhoras dos bens dos embargantes.
1.2. Os embargantes em 23/nov./2018 deduziram oposição à execução sustentando não se recordarem de terem assinado qualquer contrato correspondentes àquelas livranças, devendo, por isso, os mesmos ser juntos aos autos. Mais impugnaram a assinatura que está no verso de tais livranças, bem como as expressões “Dou o meu aval ao subscritor”, pois não se recordam de ter escrito tais expressões e muito menos de terem avalizado as referidas livranças, nunca tendo aposto a sua assinatura nas mesmas, tratando-se de uma grosseira falsificação.
1.3. A embargada respondeu em 25/fev./2019, começando por afirmar que no exercício da sua atividade de realização de operações financeiras, celebrou com a sociedade E…, dois contratos para garantia à primeira solicitação de dois mútuos bancários celebrados por essa sociedade, destinado a cobrir 50% do capital mutuado, tendo sido solicitado paras assegurar esse pagamento uma livrança em branco avalizada pelos embargantes. Na sequência dessa garantia a embargada pagou aos bancos mutuantes as quantias que vieram a ser inscritas nas livranças, sustentando ainda que as assinaturas em causas foram reconhecidas notarialmente.
1.4. A embargante em 26/fev./2019 juntou 11 documentos, entre os quais os contratos de garantia anteriormente referidos, assinados pelos embargantes, estando a assinatura daqueles reconhecida na presença de advogado.
1.5. Os embargantes em 27/fev./2019 impugnaram o teor de tais documentos, assim como as assinaturas aí apostas.
2. A sociedade embargada veio 27/nov./2019 interpor recurso dessa sentença, pugnando pela sua revogação, de modo que a instância executiva prossiga os ulteriores termos, apresentando as seguintes conclusões:
1. As livranças dos autos são títulos executivos.
2. Os Contratos dos autos referem expressamente as livranças, bem como os avalistas e os Recorridos constam e assinam como tal,
3. Estão assinados pelos Recorridos e tais assinaturas foram reconhecidas presencialmente por advogado através de termo de reconhecimento.
4. Os termos de reconhecimento abrangem todas as assinaturas feitas perante si em simultâneo na mesma data incluindo todos os anexos e, portanto, também as apostas nas livranças assinadas no mesmo momento para garantia das obrigações assumidas nesses Contratos.
5. Ao decidir diferentemente, o Tribunal Recorrido formulou uma presunção ilegítima e violou o disposto no artigo 351º do CC.
6. Sendo inequívoco que os termos de reconhecimento abrangem as assinaturas constantes das livranças, o ónus da prova cabe à parte que impugna a sua veracidade.
7. Ao decidir diferentemente, o Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 375º, n.º 2 do CC.
8. Em todo o caso, sendo outro o entendimento do Tribunal, pode e deve admitir-se a produção de prova sobre tal questão.
9. Ao decidir diferentemente, o Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 20º da Constituição e nos artigos 7º, 411º, 413º e 415º do CPC.
10. O Tribunal Recorrido violou também o disposto no artigo 376º, n.º 1 e 2 do CC ao não considerar como provados os factos referidos nos pontos 2.2.1 a 2.2.8 da sentença recorrida, os quais devem ser dados como provados, com todas as consequências legais.
11. Por outro lado, mesmo que se considere que as livranças dos autos não foram alvo de reconhecimento presencial feito por advogado, e não tendo sido feito prova de que as mesmas foram apostas pelo punho dos Recorridos, sempre se diria que os contratos juntos por requerimento de 26 de Fevereiro de 2019 foram assinados por aqueles e alvo de reconhecimento presencial feito por advogado, pelo que são título executivo válido.
12. A exequibilidade dos Contratos em causa deve ser apreciada à luz das normas processuais em vigor em 2010 e 2012, quando os mesmos foram outorgados e, nessa altura, o artigo 46º, n.º 1, al. c) do CPC previa a exequibilidade de documentos particulares dos quais resultasse a constituição ou reconhecimento de obrigações.
13. Ao decidir diferentemente, o Tribunal Recorrido violou o referido artigo 46º, n.º 1, al. c) do CPC.
14. Por todo o exposto não podia e não devia ter sido determinada a extinção da presente execução.
3. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 11/mai./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.
5. O objeto deste recurso incide sobre o reexame da matéria de facto (a) e a relevância das livranças apresentadas como título executivo (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1.1. Os factos indicados no requerimento de execução
“A Exequente é legítima portadora de livranças no valor de € 3.156,40 (três mil, cento e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) e de € 8.034,95 (oito mil, trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), vencidas e não pagas cfr. Doc. 1 e Doc. A tal valor acrescem juros vencidos e vincendos, e respectivo imposto do selo, até efectivo e integral pagamento, assim como despesas e honorários do Agente de Execução.”
1.2. A sentença recorrida: factos e motivação
“2.1. Provados
Com relevância para a decisão da causa resultam provados os seguintes factos:
2.1.1. O embargado deu à execução uma livrança subscrita no montante de € 3.156,40 com vencimento em 31-03-2017…
2.1.2. e uma livrança subscrita no montante de € 8.034,95, com vencimento em 31-03-2017….
2.1.3. No verso das quais consta “Dou o meu aval ao subscritor”, após o que foi manuscrito o nome dos embargantes.
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2.2. Não provados
Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:[1]
2.2.1 No dia 5 de Agosto de 2010, no exercício da sua actividade, a Exequente celebrou com a empresa E…, Lda. (doravante apenas “Empresa”) um contrato mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ………. a favor do F… (“F…”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no âmbito de um contrato de Empréstimo – Linha de Crédito PME Investe VI celebrado na referida data
2.2.2. No dia 23 de Março de 2012, a B… celebrou novamente com a referida Empresa um contrato, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ………. a favor do G…, S.A. (“G…, S.A.”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta mil euros), no âmbito de um contrato de mútuo celebrado entre aquela sociedade e a referida entidade bancária.
2.2.3. Nesse contrato consta que para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 1”), a Empresa entregou à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respetivo pacto de preenchimento.
2.2.4. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referida (doravante simplesmente “Contrato n.º 2”), a Empresa entregou à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respectivo pacto de preenchimento.
2.2.5. No dia 5 de Agosto de 2010, no exercício da sua actividade, a Exequente celebrou com a empresa E…, Lda. (doravante apenas “Empresa”) um contrato mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ………. a favor do F… (“F…”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no âmbito de um contrato de Empréstimo – Linha de Crédito PME Investe VI celebrado na referida data
2.2.6. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 1”), a Empresa entregou à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respetivo pacto de preenchimento.
2.2.7. No dia 23 de Março de 2012, a B… celebrou novamente com a referida Empresa um contrato, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º 2012.00458 a favor do G…, S.A. (“G…, S.A.”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta mil euros), no âmbito de um contrato de mútuo celebrado entre aquela sociedade e a referida entidade bancária.
2.2.8. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 2”), a Empresa entregou à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respectivo pacto de preenchimento.
2.2.9. No âmbito da garantia n.º ………., o F… interpelou a B… para proceder ao pagamento do valor total de € 3.125,00 (três mil, cento e vinte e cinco euros), correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida.
2.2.10. A Exequente em cumprimento da garantia acima identificada pagou efetivamente ao F… a importância solicitada.
2.2.11. Por força de tal pagamento ficou a Exequente com um direito de crédito sobre a Empresa e respetivos avalistas no montante de € 3.125,00 (três mil, cento e vinte e cinco mil euros), facto de que deu conhecimento à Empresa por carta datada de 4 de Agosto de 2014.
2.2.12. O não pagamento à B… desse montante por parte da Empresa e respectivos avalistas obrigou a Exequente a interpelar, por cartas datadas de 21 de Março de 2017, quer a sociedade E…, Lda., quer os avalistas, a Sra. C… e o Sr. D…, para procederem ao pagamento da quantia de € 3.156,40 (três mil, cento e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos), quantia essa que já incluía os respectivos juros de mora até essa data e imposto do selo – com a advertência de que o não pagamento implicaria avançar com a competente acção judicial.
2.2.13. O mesmo veio a suceder no âmbito da garantia n.º ……….: o G…, S.A. interpelou a B… para proceder ao pagamento do valor total de € 7.031,25 (sete mil, trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) correspondendo à garantia do valor de capital em dívida pela Empresa.
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3. Motivação
O tribunal alicerçou a convicção sobre os factos provados nos documentos anexos ao requerimento executivo.
No mais, não foi produzida qualquer prova.
Com efeito, os embargantes impugnaram autoria da assinatura aposta nas livranças que constituem os títulos executivos. Impendia sobre o embargado a prova da autoria- artº 342º, nº1, do C.C., prova em que faleceu. Pese embora o alegado reconhecimento das assinaturas apostas nas livranças, delas não consta o termo de autenticação. Dos termos juntos a fls. 60, 61 resulta o reconhecimento de assinatura feita na presença de exmº Srª Advogada, dele constando que as assinaturas foram apostas em documento anexo, sem especificar qual o documento, sendo que a autenticação apenas se mostra aposta em documento intitulado de candidatura (fls. 57) o mesmo sucedendo com os reconhecimentos de fls. 54, 55, 56, 62, 63. Em nenhum dos reconhecimentos se certifica que a assinatura aposta no verso das livranças foi aposta na presença da autora do reconhecimento. A embargada não produziu em audiência qualquer prova que permitisse afirmar que aqueles reconhecimentos se reportavam, concretamente, às assinaturas apostas naquelas. Assim, impossível se torna dar como provada a autoria da assinatura.
Quanto aos contratos e missivas endereçadas à empresa e aos embargantes, não foi produzida prova concreta da entrega da correspondência ou dos contratos celebrados, fundamentos da celebração, etc.
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2. Fundamentos do recurso
a) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC), estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
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A recorrente impugna os factos não provados, sustentando que os mesmos devem se considerar provados, tanto mais que a assinatura aposta nos documentos foram presencialmente reconhecidas. No caso em apreço tem plena relevância as regras substantivas dos documentos, mormente aquelas que regulam os documentos particulares, pois são estes que estão aqui em causa.
O Código Civil estipula no seu artigo 374.º, n.º 1 que “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”, aditando-se no n.º 2 que “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.”
Por sua vez, consigna-se no artigo 375.º, n.º 1 do Código Civil, que “Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.”. Por sua vez, no subsequente artigo 376.º, preceitua-se no seu n.º 1 que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”, acrescentando-se no n.º 2 que “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
E, de acordo com o artigo 377.º Código Civil, “Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituam quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto”. Quando tal sucede, tais documentos particulares passam a gozar de uma presunção de autenticidade, a qual é conferida pelo artigo 370.º, n.º 1 Código Civil, nada impedindo que essa presunção de autenticidade possa ser ilidida mediante prova em contrário, como resulta do n.º 2 deste mesmo artigo 371.º.
Assim, impugnada ou suscitada a falsidade da letra ou/e assinatura numa livrança, a parte que apresenta tal título de crédito tem o ónus de provar a sua veracidade, mas se se tratar de livrança cuja assinatura esteja presencialmente reconhecida, esta goza de presunção de autenticidade. Daí que, invocando-se a falsidade da assinatura reconhecida presencialmente, o que passa a estar em causa é a falsidade dessa acto notarial de reconhecimento, pelo que o ónus de prova dessa inveracidade fica a cargo de quem a suscita.
Assim e no que concerne a esses contratos de garantia, esta Relação não tem quaisquer dúvidas que ocorreu o reconhecimento presencial das assinaturas aí apostas quer por parte da sociedade outorgante, quer por parte dos embargados enquanto avalistas, como decorre do que foi aí inscrito, de que é exemplo o seguinte:
OBSERVAÇÕES
Reconheço a assinatura aposta no documento anexo - Candidatura n.º …….- como pertencente a D…, cuja identidade verifiquei por exibição do respectivo BI n.º 6953191 emitido em 10/09/2001 pelo AI do Porto.

OBSERVAÇÕES
Reconheço a assinatura aposta no documento anexo - Canditatura n.º ……. - como pertencente a C…, cuja identidade verifiquei por exibição do respectivo BI n.º 6674595 emitido em 17/07/2001 pelo AI de Lisboa

E também será de considerar que a correspondência enviada pela embargada para os embargantes, em virtude de ter sido dirigida para a residência destes, foi recebida pelos mesmos, em virtude dessa correspondência constar de correio registado.
Mas se nesta parte divergimos da sentença recorrida, já não podemos divergir no que concerne ao reconhecimento presencial da assinatura dos embargantes, aposta nas livranças como avalistas, porquanto não resulta desses mesmos títulos nem de qualquer anexo que faça expressa referência a tais livranças, que tenha havido esse reconhecimento presencial.
Nesta conformidade, passará a estar provado o seguinte:
2.2.14. No dia 5 de Agosto de 2010, no exercício da sua actividade, a Exequente celebrou com a empresa E…, Lda. (doravante apenas “Empresa”) um contrato mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º …….. a favor do F… (“F…”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no âmbito de um contrato de Empréstimo – Linha de Crédito PME Investe VI celebrado na referida data
2.2.15. No dia 23 de Março de 2012, a B… celebrou novamente com a referida Empresa um contrato, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ……… a favor do G…, S.A. (“G…, S.A.”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta mil euros), no âmbito de um contrato de mútuo celebrado entre aquela sociedade e a referida entidade bancária.
2.2.16. Nesse contrato consta que para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 1”), a Empresa entregará à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respetivo pacto de preenchimento.
2.2.17. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referida (doravante simplesmente “Contrato n.º 2”), a Empresa entregará à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respectivo pacto de preenchimento.
2.2.18. No dia 5 de Agosto de 2010, no exercício da sua actividade, a Exequente celebrou com a empresa E…, Lda. (doravante apenas “Empresa”) um contrato mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ………. a favor do F… (“F…”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no âmbito de um contrato de Empréstimo – Linha de Crédito PME Investe VI celebrado na referida data
2.2.19. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 1”), a Empresa entregará à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respetivo pacto de preenchimento.
2.2.18. No dia 23 de Março de 2012, a B… celebrou novamente com a referida Empresa um contrato, mediante o qual a Exequente prestou uma garantia à primeira solicitação com o n.º ………. a favor do G…, S.A. (“G…, S.A.”), destinada a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 75% do capital mutuado, no valor máximo de € 18.750,00 (dezoito mil, setecentos e cinquenta mil euros), no âmbito de um contrato de mútuo celebrado entre aquela sociedade e a referida entidade bancária.
2.2.20. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do contrato de emissão da garantia autónoma à primeira solicitação acima referido (doravante simplesmente “Contrato n.º 2”), a Empresa entregará à Exequente, ora Embargada, uma livrança em branco subscrita pela Empresa e avalizada pelos executados, Sra. C… e Sr. D…, constando do dito contrato o respectivo pacto de preenchimento.
2.2.21. No âmbito da garantia n.º ………., o F… interpelou a B… para proceder ao pagamento do valor total de € 3.125,00 (três mil, cento e vinte e cinco euros), correspondendo à percentagem garantida do valor de capital em dívida.
2.2.22. A Exequente em cumprimento da garantia acima identificada pagou efetivamente ao F… a importância solicitada.
2.2.23. Por força de tal pagamento ficou a Exequente com um direito de crédito sobre a Empresa e respetivos avalistas no montante de € 3.125,00 (três mil, cento e vinte e cinco mil euros), facto de que deu conhecimento à Empresa por carta datada de 4 de Agosto de 2014.
2.2.24. O não pagamento à B… desse montante por parte da Empresa e respectivos avalistas obrigou a Exequente a interpelar, por cartas datadas de 21 de Março de 2017, quer a sociedade F…, Lda., quer os avalistas, a Sra. C… e o Sr. B…, para procederem ao pagamento da quantia de € 3.156,40 (três mil, cento e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos), quantia essa que já incluía os respectivos juros de mora até essa data e imposto do selo – com a advertência de que o não pagamento implicaria avançar com a competente acção judicial.
2.2.25. O mesmo veio a suceder no âmbito da garantia n.º ……….: o G…, S.A. interpelou a B… para proceder ao pagamento do valor total de € 7.031,25 (sete mil, trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) correspondendo à garantia do valor de capital em dívida pela Empresa.
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b) A relevância das livranças apresentadas como título executivo
O Novo Código de Processo Civil (Lei 41/2012, de 26/jun., DR I, n.º 121) enuncia no seu artigo 731.º quais sãos os fundamentos de oposição à execução que não corresponda a sentença (729.º NCPC) ou decisão arbitral (730.º NCPC), mencionando que “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”. Neste artigo 729.º enuncia-se como possíveis fundamentos de oposição a “Inexistência ou inexequibilidade do título” (alínea a)) e a existência de “Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”.
Por sua vez, na enunciação do que considera ser título executivo o artigo 703.º, n.º 1 menciona o seguinte: alínea a) as sentenças condenatórias; alínea b) “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”; os títulos de crédito (alínea c)); “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” (alínea d)).
No presente caso os títulos dados à execução correspondem às referidas livranças e não aos contratos de garantia a primeira solicitação, pelo que a relevância destes embargos passa essencialmente pela assinatura aposta naquelas livranças por quem deu o seu aval e não tanto por esses contratos, como de resto resulta do requerimento de execução formulado pela embargada.
Por sua vez, a jurisprudência tem vindo a sustentar, como sucedeu com o Ac. STJ de 16/jun./2005 (Cons. Lucas Coelho acessível em www.dgsi.pt assim como os demais), que “Embargada pelo executado a execução de livrança, com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (...)” – anteriormente veja-se o Ac. STJ de 02/out./1997, (Cons. Martins da Costa).
Como resulta das considerações anteriormente expostas sobre o regime substantivo da prova documental, a que acresce o ónus de prova decorrente do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, e estando em causa duas livranças cuja assinatura imputada aos avalistas não foi reconhecida presencialmente e impugnando os mesmos que essa assinatura é sua, cabia à exequente/embargada demonstrar a veracidade dessas assinaturas. Não tendo esta última feito essa prova, o resultado seria a procedência dos embargos, pelo que nesta parte nada temos a censurar à sentença recorrida.
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As custas deste recurso e na sua improcedência, fica a cargo da recorrente – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se negar provimento ao recurso interposto por B…, SA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

Porto, 02 de julho de 2020
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço
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[1] Corrigiu-se a numeração, face ao lapso ostensivo na repetição de 2.2.4