Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
24427/19.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PRESTAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO
ASCENDENTES
DIREITO À PROVA
DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATROMINIAIS
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP2022112824427/19.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O reconhecimento da titularidade do direito a pensão, conferido aos ascendentes, pelo art. 57º, nº 1, al. d), depende da prova em juízo, de que se encontram nas condições previstas no art. 49º, nº 1, al. d) ambos da LAT e que essas condições ocorriam à data da morte do sinistrado, sendo, também, por aplicação deste art. 49º que será determinada a sua qualidade (ou não) de beneficiários do sinistrado.
II - Não sendo a Autora, mãe do trabalhador/falecido, considerada beneficiária deste, nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, a competência para julgar a acção em que a mesma peticiona o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado e por ela, com fundamento na inobservância das regras sobre saúde e segurança no trabalho, pertence ao Tribunal comum.
III – O erro de julgamento não constitui vício causador de nulidade da decisão, nos termos enunciados no art. 615º, do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 24427/19.5T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3
Recorrente: AA
Recorridas: A..., Lda., Companhia de Seguros X..., S.A., C..., S.A. e J..., LDA.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, viúva, portadora do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 30/12/2029, titular do NIF ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., mãe do Sinistrado/ Falecido, BB, instaurou os presentes autos de acção especial de acidente de trabalho contra 1.ª) A..., Lda., titular do NIF/NIPC ..., com sede na Rua ..., ... ...;
2.ª) X... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., titular do NIF/NIPC ..., com sede no Largo ..., ... Lisboa;
3.ª) C..., UNIPESSOAL LDA., titular do NIF ..., com sede da Rua ... ...;
4.ª) J..., LDA., titular do NIF ..., com sede na Avenida ..., Edifício ..., ..., ... Amarante, nos termos que constam da petição inicial junta em 23.11.2020, corrigida nos termos do requerimento junto em 05.01.2022, (após convite que lhe foi dirigido ao seu aperfeiçoamento, o que satisfez), terminando com o pedido de que, “Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
1. Quanto às prestações por acidente de trabalho:
a) Devem as Rés ser condenadas a pagar à Autora a pensão anual e vitalícia por morte do Sinistrado, no valor total de 10.938,12 € (dez mil novecentos e trinta e oito euros e doze cêntimos), devida desde 24/11/2019, acrescida dos juros de mora legalmente devidos, vencidos e vincendos, sendo:
i. da responsabilidade da 2.ª Ré, sem prejuízo de direito de regresso contra as restantes Rés, a quantia de 2.856,17 € (e juros respectivos) até à idade da reforma por velhice e a quantia de 3.808,22 € a partir desta idade ou no caso de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, quantias correspondentes à prestação normal devida a ascendente por acidente de trabalho mortal nos termos do artigo 61.º da LAT, na medida da proporção da retribuição transferida por contrato de seguro;
ii. da responsabilidade solidária das 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés a quantia de 8.081,95 € (e juros respectivos) até à idade da reforma por velhice e a quantia de 7.129,90 € a partir desta idade ou no caso de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, quantias correspondentes à diferença entre a prestação agravada devida a ascendente por acidente de trabalho mortal decorrente de actuação culposa, nos termos do artigo 18.º, nºs 1, 4 e 5 da LAT, e a pensão a cargo da 2.ª Ré sem prejuízo de direito de regresso;
b) Devem as 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés ser solidariamente condenadas a pagar à Autora a indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrido pelo Sinistrado, correspondente à proporção do salário não transferido para a 2.ª Ré, no valor total de 252,83 € (duzentos e cinquenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), acrescido dos juros de mora legalmente devidos, vencidos e vincendos, até integral pagamento;
c) Deve a 2.ª Ré ser condenada a pagar à Autora as despesas de deslocação a Tribunal, sendo a quantia de 30,00 € pelas duas deslocações às tentativas de conciliação realizadas na fase conciliatória e a quantia de 15,00 € por cada uma das deslocações que vier a realizar na fase contenciosa, quantias acrescidas dos juros de mora legalmente devidos, vencidos e vincendos, até integral pagamento, sem prejuízo de direito de regresso contra as demais Rés;
2. Quanto à indemnização pela totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo Sinistrado e pela Autora, nos termos gerais, devem as 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés ser solidariamente condenadas a pagar à Autora:
a) a quantia de 100.000,00 € a título de compensação pela perda do direito à vida do Sinistrado, acrescida de juros de mora legalmente devidos desde a data da sentença e até integral pagamento;
b) a quantia de 50.000,00 € a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Sinistrado entre o momento do acidente e o da morte, acrescida de juros de mora legalmente devidos desde a data da sentença e até integral pagamento;
c) a quantia de 40.000,00 € a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora em consequência do falecimento do Sinistrado, acrescida de juros de mora legalmente devidos desde a data da sentença e até integral pagamento.”.
Fundamentou o seu pedido, alegando, em síntese, que o seu filho, BB, sofreu um acidente de trabalho quando exercia, por conta da 1ª ré, as funções de espalhador de betuminosos, acidente do qual resultaram lesões que lhe provocaram a morte.
Alega a violação de regras de segurança por banda das 1ª, 3º e 4ª rés, peticionando que a indemnização seja fixada ao abrigo do disposto no artigo 18º da Lei 98/2009, de 4/09 (LAT).
Invoca a celebração de um contrato de seguro entre a 1ª e a 2ª ré, nos termos do qual a primeira transferiu a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho para a 2ª ré, reportada a parte da retribuição anual líquida auferida pelo sinistrado.
Mais, demanda a 3ª ré na qualidade de dono da obra onde aconteceu o acidente e a 4ª ré na qualidade de empreiteiro geral responsável pela construção do edifício, que subcontratou determinados trabalhos à 1ª ré, nomeadamente os levados a cabo pelo sinistrado.
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Citadas as Rés deduziram contestação, respectivamente:
-A Ré, “C..., UNIPESSOAL LDA.”, por excepção, invoca a sua ilegitimidade, alegando, em síntese, que à data do acidente, já não figurava como proprietária do terreno, já que havia vendido o mesmo no dia 20/03/2019 a Y... Lda.
Subsidiariamente, entende não ter qualquer responsabilidade.
Conclui que “a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada deverá ser declarada procedente, por provada e, em consequência, ser a R. absolvida da instância.
Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se concebe por mero dever de patrocínio, deve a presente ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.”.
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- A 2ª Ré, aceitando a celebração do contrato de seguro invocado pela autora questiona a qualidade de beneficiária desta, por desconhecer qual o rendimento que aufere e, quanto ao acidente, entende que o mesmo se deveu à violação de regras de segurança por parte da ré entidade patronal.
Conclui que “deve a presente acção ser julgada de acordo com a prova que se vier a produzir, com todas as consequências legais.”.
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- A 1ª Ré, A..., Lda. aceitando a existência dos contratos de trabalho e de seguro, nega qualquer violação das regras de segurança a que estava adstrita, imputando a responsabilidade do acidente à conduta temerária e negligente do sinistrado. Nega a qualidade de beneficiária à autora.
Conclui que “deve julgar-se a acção totalmente improcedente, por infundada e/ou não provada, com a consequente absolvição da ora contestante dos pedidos formulados.”.
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Nos termos que constam da resposta junta em 08.02.2021, a A. pronunciou-se quanto às Contestações apresentadas pelas 1.ª a 3.ª Rés, quanto à determinação do responsável pelo acidente e requereu a intervenção da sociedade Y...,
Terminando que, “a) A Autora conclui como na Petição Inicial;
b) Requer a V. Exa. se digne, nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 1 do CPT, mandar intervir na acção a sociedade C..., S.A., titular no NIF/NIPC ..., com sede na Rua ..., Casa ..., ... ..., Caminha, por ser eventual entidade responsável;
c) Requer a V. Exa. se digne ordenar a repetição da citação da 4.ª Ré, na seguinte morada: Rua ..., ... ..., Amarante.”.
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Na mesma data de 08.02.2021, a Ré/seguradora respondeu às contestações já apresentadas, dando por reproduzida a contestação por si já apresentada à PI e impugnando tudo o que foi alegado em contradição com a sua posição.
Conclui como na contestação apresentada à PI da A.
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Nos termos que constam do despacho de 24.03.2021, determinou-se a intervenção na acção da sociedade “Y..., Lda” e ordenou-se a sua citação.
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Aquela chamada apresentou contestação, em 28.04.2021, por excepção e impugnação. Invoca a falta de legitimidade da autora para a presente demanda. Aceita ter adquirido o terreno em questão à 3ª ré e nega qualquer responsabilidade por não ser entidade patronal do sinistrado nem ter retirado as protecções em causa.
Termina que “deverá ser julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada e, consequentemente, ser a Interveniente absolvida da instância
Sem prescindir, deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser a Interveniente absolvida do pedido.”.
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A Ré/seguradora notificada desta, em 07.05.2021, veio responder dando por integralmente reproduzida a contestação por si já apresentada nos autos e impugnando tudo o que foi alegado em contradição com a sua posição.
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A 4ª Ré, J..., LDA., contestou excepcionando a incompetência material deste tribunal, por entender que a autora não pode ser reconhecida como beneficiária do sinistrado, pelo que deveria ter intentado a acção nos tribunais comuns. Quanto ao mais, nega a violação das regras de segurança a que estava adstrita, imputando a responsabilidade do acidente à violação das regras de segurança por parte do sinistrado e, caso assim não se entenda, à sua conduta temerária e negligente.
Conclui que, “deve:
a) Ser julgada procedente a exceção da incompetência material e, em consequência, ser a 4ª Ré absolvida da instância;
Caso assim não se entenda,
b) Ser julgada verificada a descaracterização do acidente nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) Na hipótese de assim não se julgar, deve a Co-Ré X... - Companhia de Seguros, SA., ser condenada a liquidar os valores peticionados pela Autora, e, em consequência, a 4ª Ré absolvida dos pedidos contra si formulados.
d) Caso assim não se entenda, ser o respetivo montante do pedido de danos não patrimoniais reduzido, por manifestamente exagerado e desproporcional.”.
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A Autora, notificada desta Contestação apresentada pela 4.ª Ré J..., LDA., veio responder, nos termos que constam do articulado junto em 15.11.2021, no que toca à determinação da entidade responsável, refutando a existência da alegação de qualquer facto que permita concluir pela descaraterização do acidente.
Concluindo como na Petição Inicial.
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Á contestação da R., J..., LDA., respondeu também a R./seguradora, em 16.11.2021, reiterando todos os factos alegados na sua contestação e, consequentemente, impugnando tudo o que em sentido divergente alega esta Ré.
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Após, aquele convite dirigido ao aperfeiçoamento pela Autora, para informar qual o valor que auferia à data da morte do sinistrado, ao que ela respondeu, conforme já supra referido em 05.01.2022, vieram todas as Rés pronunciar-se.
- Em 07.01.2022 a 1ª Ré, A..., Lda., reitera que, esclarecendo a A. que aufere mensalmente a quantia de 713,83€, é manifesto que a mesma não detém a qualidade de beneficiária do Sinistrado.
Assim, termina que “deve concluir-se que a Autora não detém a qualidade de beneficiária, com as legais consequências.”.
- A Ré, J..., LDA., em 18.01.2022, invocando além da falta da qualidade de beneficiária da autora, também, invocando a incompetência material deste tribunal.
Alega que, uma vez que a Autora não detém o estatuto de “beneficiária, facto é que a mesma, pretendendo ser ressarcida pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude da morte do seu filho, deveria ter intentando a presente ação nos tribunais comuns e não neste Douto Tribunal.
Alega que, dado a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, o que implica, nesta fase, a absolvição da Ré da instância, o que, desde já, se requer.
- Na mesma data de 18.01.2022, a interveniente, Y... Lda., pronunciou-se, desde logo, dando por reproduzido o teor da sua contestação e invocando, também, a incompetência material do presente tribunal, alegadamente por a aqui Autora não apresentar o estatuto de beneficiária e uma vez que também pretende ser ressarcida pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude da morte do seu filho, alega que a presente acção deveria ter sido intentada nos tribunais comuns e não na jurisdição laboral.
Concluindo que, “a aqui Autora, AA, não detém a qualidade de beneficiária que se arroga nos presentes autos, o que desde já se alega com as devidas e legais consequências. Nomeadamente, a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, a qual implica a absolvição da instância da Interveniente.
- A Ré, C..., UNIPESSOAL LDA., alega que, “é inequívoco que a A. não é titular do direito à pensão por morte do Sinistrado, isto é, não poderá ser considerada como Beneficiária do Sinistrado” e “Nessa medida, por se verificar a incompetência absoluta do Tribunal para apreciação do pedido, deverá a R. ser absolvida da instância”.
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Notificada destes, vem a A., em 20.01.2020, dizer que, “dúvidas não restam que o Juízo do Trabalho é competente para dirimir o litígio suscitado nos presentes autos,
Independentemente de a Autora ter ou não direito à prestação por morte prevista no artigo 61.º da “nova” LAT.”.
Requer, assim, o prosseguimento dos autos.
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Notificada deste requerimento apresentado pela A., a Ré/seguradora, em 04.02.2022, veio invocar a falta da qualidade da A. de beneficiária do sinistrado e, ainda porque, alega, “jamais poderia a R. Seguradora ser responsabilizada por qualquer de tais prestações – cfr Art. 79º nº 3”, requer a sua absolvição do pedido.
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Designada e realizada, nos termos documentados na acta de 09.06.2022, audiência prévia, onde as partes afirmaram manterem as posições já assumidas nos respectivos articulados, foram os autos conclusos e, entendendo o tribunal “a quo” estar apto a decidir das excepções invocadas e do mérito da causa, a Mª Juíza “a quo” proferiu despacho saneador sentença, onde fixou em 339.063,14€ o valor da acção, indeferiu as arguidas, excepção da incompetência material e a excepção da ilegitimidade activa e da 3ª ré e considerando inexistirem nulidades, outras excepções ou questões prévias de que cumprisse conhecer e obstassem ao conhecimento do mérito dos autos, conheceu do mesmo e terminou do seguinte modo:
Nestes termos e, pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente e absolvo as rés dos pedidos contra si formulados.
Custas pela autora.
Notifique.”.
*
Inconformada com esta decisão a Autora interpôs recurso que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
1.
Nos presentes autos, a Recorrente peticionou: a) Pensão anual e vitalícia por morte do Sinistrado; b) Indemnização pelos períodos de incapacidade do Sinistrado não pagos pela 1.º Recorrida (Entidade Empregadora) atenta a parte do salário não transferido; c) Reembolso de despesas de deslocação por conta do acidente sub judice; d) Danos patrimoniais e não patrimoniais da Recorrente e do infeliz Sinistrado decorrentes do sinistro dos autos por força da violação das regras de segurança das 1.º, 3.º, 4.º e 5.º Recorridas.
2.
Sucede que, o Tribunal considerou que “mesmo que o acidente tenha acontecido, como alegado pela autora, por causa da violação das regras de segurança, seja por parte da entidade empregadora seja por outra das rés a quem tal é imputado, a qualidade de beneficiária da ascendente do sinistro é determinada da mesma forma, ou seja por reporte ao artigo 49.º da LAT. É que o artigo 18.º da LAT alarga o âmbito dos danos a ressarcir nos casos de atuação culposa da empregadora, mas aplica-se também apenas a familiares elencados no artigo 57.º”.
3.
A verdade é que, atento o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da LOSJ, no artigo 2.º e n.º 1 do artigo 18.º da “nova” LAT, o Juízo do Trabalho é o tribunal competente para julgar, isolada ou conjuntamente, todos os pedidos formulados nos presentes autos pela Recorrente, não restando dúvidas relativamente à competência material do Juízo do Trabalho no que se refere à matéria aqui em crise.
4.
Por outro lado, dúvidas não poderão substituir relativamente ao facto de a Recorrente, na qualidade de Mãe do Sinistrado, ter direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais (derivados de fenómeno sucessório do seu filho/Sinistrado) e na qualidade de titular dos direitos atribuídos pelo n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, por remissão do n.º 1 do artigo 18.º da LAT.
5.
A questão aqui em crise é apenas uma: a legitimidade enquanto beneficiária para efeitos do artigo 18.º da LAT será aferida à luz do artigo 2.º daquele diploma ou à luz do regime instituído para a pensão por morte vertido nos artigos 49.º e 57.º da LAT?
6.
Cremos não haver dúvida de que a legitimidade para peticionar as prestações decorrentes do artigo 18.º da LAT nada têm que ver com o regime instituído pelos artigos 49.º e 57.º, mas tão só e apenas pela regra geral da legitimidade prevista no artigo 2.º.
7.
Para melhor compreensão do problema, julgamos necessário fazer uma análise da anterior e da atual Lei de Acidentes de Trabalho e procurar fazer uma interpretação histórica das normas instituídas.
8.
Vejamos: há uma clara diferença entre aquilo que estabelecia a Lei 100/97, de 13 de setembro (“antiga” LAT) e a “nova” LAT relativamente a beneficiários para efeitos da Lei de Acidentes de Trabalho. A nova LAT, de forma inovadora, veio definir expressamente o conceito de “beneficiários” como sendo o “trabalhador e os seus familiares”.
9.
A “nova LAT” deixa ainda claro que, nos termos da lei que regula a reparação de acidentes de trabalho, a condição de beneficiário não se circunscreve ao cumprimento dos requisitos para atribuição de uma pensão por morte nos termos do artigo 49.º e 57.º da “nova LAT” – que tem um regime próprio para efeitos de legitimidade - abrangendo também a reparação de todos os danos decorrentes de acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos da LAT.
10.
Aliás, seguindo a interpretação contrária à acaba de referir como parece ter feito o Tribunal a quo, a aqui Recorrente não teria direito a qualquer indemnização por incapacidade temporária a que o sinistrado e seu filho teria direito, na medida em que se trataria de uma indemnização por dano patrimonial do Sinistrado o que, naturalmente, violaria disposições imperativas que instituem direitos indisponíveis como o artigo 47.º da LAT.
11.
Para o efeito, comparem-se os artigos 18.º, n.º 1 e 2 e o artigo 20.º da versão antiga da LAT com o regime que está agora em vigor e que se aplica ao caso concreto
12.
Não obstante a Lei de Organização do Sistema Judiciário estabelecer, desde sempre, que os Juízos de Trabalho são competentes para dirimir todas as questões emergentes de acidentes de trabalho, a verdade é que a técnica legislativa utilizada no n.º 2 do artigo 18.º da “antiga LAT” não foi feliz quando parece atribuir competência aos tribunais cíveis para dirimir questões relativas aos danos morais decorrentes de acidentes de trabalhos ocorridos por violação das regras de segurança, reforçando, ao mesmo tempo e no mesmo n.º 2, a competência atribuída pela LOSJ aos Juízos Criminais para julgar a responsabilidade criminal daí decorrente.
13.
Por sua vez, nos termos do artigo 20.º da “antiga” LAT, o legislador circunscreve efetivamente a categoria de beneficiários aos titulares da prestação por morte, não utilizando a designação “beneficiários” senão neste contexto.
14.
Aliás, nos termos da “antiga” LAT, a jurisprudência reconhecia aos Juízos do Trabalho a competência para julgar danos morais do próprio Sinistrado no mesmo processo em que dirimia o direito às demais prestações previstas nesse diploma legal, justificando tratar-se de uma competência por conexão.
15.
Porém, quando do acidente de trabalho resultava a morte do Sinistrado, não tinha sido peticionada ou não era devida a prestação por morte prevista no artigo 20.º daquele diploma legal, e, por isso, quando se discutia apenas os danos morais dos lesados (familiares), a jurisprudência era quase unânime no sentido de remeter os processos para os tribunais comuns por não haver o referido elemento de conexão.
16.
Com a entrada em vigor da Lei 98/2009, de 04 de setembro, o legislador veio definir quem são os beneficiários e conferiu-lhes um leque mais vasto de direitos diretamente decorrentes da lei que regula a reparação de acidentes de trabalho (nova LAT), nos termos do artigo 2.º.
17.
Assim, para além das prestações por morte, os familiares do Sinistrado falecido têm, desde a entrada em vigor da nova LAT, o direito a ser ressarcidos por todos os danos conferidos pela LAT no seio da ação emergente de acidente de trabalho e, no que importa para os presentes autos, “a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” decorrentes da morte do trabalhador Sinistrado, por força da aplicação da regras da legitimidade vertida no artigo 2.º ao artigo 18.º da LAT.
18.
Ora, atento o regime agora em vigor, os familiares do Sinistrado são agora beneficiários independentemente de preencherem ou não os requisitos para atribuição da pensão por morte agora prevista nos artigos 49.º e 57.º da “nova” LAT, que nada tem que ver com as prestações previstas no artigo 18.º da LAT.
19.
Para além disso, o direito a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais dos familiares do sinistrado faz agora parte do núcleo de questões alocadas à competência do Juízo de Trabalho, sem que seja necessária a atribuição de uma qualquer competência por conexão, embora, nos presentes, até pudéssemos considerar que estamos numa dessas situações atendendo a que existem prestações única exclusivamente decorrentes da LAT que foram peticionadas pela Recorrente na PI.
20.
Nos presentes autos, para além dos danos patrimoniais e não patrimoniais da Recorrente e do Sinistrado, peticionam-se indemnizações cuja inclusão no núcleo de prestações decorrentes da LAT (“antiga” ou “nova”) e na competência dos Juízos do Trabalho nunca se discutiu, pelo que dúvidas não podem restar que o Juízo do Trabalho é competente para dirimir o litígio suscitado nos presentes autos e que à Recorrente deverá ser atribuída legitimidade para litigar como beneficiária nos termos dos artigos 2.º e 18.º da LAT, sendo-lhe conferida a legitimidade de peticionar todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, próprios e/ou do Sinistrado, no seio do acidente de trabalho.
21.
Em face do exposto, atendendo a que o Saneador-Sentença de que se recorre violou o disposto nos artigos 2.º e 18.º da LAT e a alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da LOSJ, deverá considerar-se legitimidade à Recorrente para peticionar todos os danos patrimoniais e não patrimoniais com base no disposto nos artigos 18.º da LAT e 496.º, n.º 2 do CC, na qualidade de beneficiária, Mãe e herdeira do infeliz sinistrado, bem como deverá julgar-se competente o Juízo do Trabalho do Porto para dirimir o litígio decorrente da violação das regras de segurança pela Recorridas e que motivou a morte do infeliz Sinistrado, devendo o processo baixar à 1.ª Instância para prosseguir os seus termos para audiência de julgamento.
22.
Sem prescindir, mas apenas no caso de assim não se entender, a forma como o Tribunal a quo interpreta as normas vertidas nos artigos 2.º, 18.º, 43.º, 47.º, n.º 1, a), 48.º, n.º 1, 3, e 4, 49.º e 57.º da LAT viola frontalmente o princípio do acesso ao tribunal e da tutela jurisdicional efetiva vertido no artigo 20.º da CRP, na medida em que veta a possibilidade de a Recorrente peticionar prestações atribuídas única e exclusivamente no âmbito da LAT e que apenas podem ser fixadas no âmbito de uma ação emergente de acidente de trabalho como sejam as indemnizações por incapacidades temporárias do Sinistrado devidas entre a data do acidente e a data da morte e as despesas de transporte da Recorrente decorrentes da reparação do sinistro, impossibilitando ainda o exercício do direito a receber indemnizações agravadas por violação das regras de segurança nos termos do artigo 18.º da LAT.
23.
Sob pena de a decisão de que se recorre ser declarada inconstitucional pela interpretação que faz dos artigos 2.º, 18.º, 43.º, 47.º, n.º 1, a), 48.º, n.º 1, 3, e 4, 49.º e 57.º da LAT – que viola frontalmente o disposto no artigo 20.º da CRP - deverá o Saneador Sentença ser alterado por outro que considere admissível que os familiares de um Sinistrado falecido em consequência de um acidente de trabalho possam peticionar no âmbito de processo emergente de acidente de trabalho todas as prestações vertidas no artigo 47.º e 18.º da LAT, independentemente de serem considerados beneficiários nos termos e para os efeitos dos artigos 49.º e 57.º da LAT, devendo, para isso, ser aferida a sua legitimidade nos termos e para os efeitos do artigo 2.º e 18.º da LAT.
24.
Nesta medida, sob pena de interpretar as referidas normas em violação do artigo 20.º da CRP, deverá ser ordenada a baixa do processo e o prosseguimento dos autos para que seja realizada audiência de julgamento.
25.
Ainda sem prescindir, mas apenas no caso de assim não se entender, o Saneador-Sentença proferido pelo Juízo do Trabalho do Porto violou ainda os números 3, 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, na medida em que não sustenta de facto e de direito a decisão tomada de vários prismas o que, relativamente a algumas questões, configura uma contradição entre o fundamento e a decisão e alguma obscuridade e indefinição da forma como decidiu, estatuindo a lei que tal decisão deverá ser declarado nula, nos termos e para os efeitos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
26.
Na parte final da Sentença o Tribunal a quo concluiu que não estavam verificadas todas as condições para que a Recorrente se pudesse considerar beneficiária do seu filho falecido, pelo que não lhe assistiria direito a receber, nesta sede, os valores fixados na LAT.
27.
Contudo, no dispositivo da mesma Sentença o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e absolve as Rés dos pedidos contra si formulados.
28.
Assim, apesar da fundamentação, o Tribunal concluiu que a Recorrente não reúne as condições para peticionar junto do Juízo do Trabalho os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte do seu filho/Sinistrado, por não a considerar “beneficiária” nos termos e para os efeitos dos artigos 49.º e 57.º da LAT.
29.
A verdade é que absolve as Recorridas de todos os pedidos contra si formulados e veta a possibilidade de a Recorrente recorrer aos meios comuns para fazer valer os seus direitos, em vez de julgar procedentes as exceções de ilegitimidade ativa da Recorrente e/ou a exceção de incompetência material do Tribunal do Trabalho, e, dessa forma, absolver as Rés apenas da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 576.º, n.º 2 do CPC, permitindo-lhe assim o recurso aos meios comuns.
30.
Assim, dúvidas não restam que existe uma contradição clara entre os fundamentos vertidos na Sentença para concluir que “não estão verificadas todas as condições para que a Autora se possa considerar beneficiária do seu falecido filho, pelo que não lhe assiste direito a receber, nesta sede, os valores fixados na LAT” e o dispositivo da Sentença que absolve as rés dos pedidos contra si formulados, em clara violação do disposto no n.º 3 do artigo 607.º e no artigo 576.º, números 2 e 3 do CPC, na medida em que a fundamentação é completamente contraditória com a decisão, sendo nula a Sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
31.
Assim, deverá a Sentença ser alterada por outra que absolva as Rés da instância quanto a todos as indemnizações peticionadas, à exceção das que decorrem tão só a apenas da LAT, na medida em que, quanto a estas e independentemente de a decisão violar normas imperativas cuja alteração já se sindicou no presente recurso, sempre teria de ser o Tribunal de Trabalho a decidir sobre o mérito.
32.
O Tribunal a quo decidiu de mérito sem especificar quais os fundamentos de facto que levaram a tal decisão, na medida em que não se pronuncia sobre se estão provados ou não provados os factos articulados na Petição Inicial e quais os factos que deverão permitir concluir pela absolvição das Rés do pedido.
33.
Se relativamente à pensão por morte o Tribunal do Trabalho estava em condições de decidir de mérito, tendo inclusive dado como provado que a Recorrente auferia pensão de reforma superior à pensão social no valor de € 273,39 - o que, ope legis, veta a possibilidade de lhe atribuir a pensão por morte regulada no artigo 57.º da LAT - no que se refere aos pedidos nos termos do artigo 18.º da LAT, a decisão deveria ter sido outra, mais concretamente fazer prosseguir os autos atenta a ausência de quaisquer nulidades ou exceções que impedissem a discussão do mérito da causa, que é a única decisão consentânea com o cumprimento das normas que regulam legitimidade dos beneficiários e competência do Tribunal de Trabalho.
34.
A decisão aqui em crise não especifica os motivos de direito que levaram o Tribunal a quo a considerar que a Recorrente não é beneficiária nos termos do artigo 2.º da LAT, decidindo a legitimidade substantiva da mesma com base nas normas que regulam a atribuição da prestação por morte (artigos 49.º e 57.º da LAT), decidindo de mérito e não fundamentando, de direito, o motivo pelo qual a Autora tem legitimidade ativa para peticionar pensão por morte, mas não “reúne as condições” para peticionar as demais indemnizações decorrentes do facto de o acidente sub judice ter ocorrido por violação das regras de segurança, nos termos dos artigos 2.º e 18.º da LAT, tais como a indemnização por danos não patrimoniais que, “nos termos gerais”, é regulada pelo disposto n.º 2 do artigo 596.º do CC.
35.
Não tendo chegado à fase de julgamento o Tribunal a quo não tinha elementos para decidir do mérito da ação, não tendo fundamentado convenientemente de facto a decisão proferida.
36.
A fundamentação de direito não permitiu deslindar a mais importante das questões: por que motivo a Recorrente tem legitimidade ativa para peticionar pensão por morte e não “reúne as condições” para peticionar as demais indemnizações decorrentes do facto de o acidente ter ocorrido por violação das regras de segurança (2.º e 18.º a LAT)?
37.
A decisão violou o disposto nos números 3 e 4 do artigo 607.º do CPC e é nula nos termos da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que inclua a matéria de facto e de direito que sustente a decisão de mérito tomada pelo Tribunal a quo, que configurou a absolvição da instância de todas as Recorridas.
38.
Novamente sem prescindir, mas apenas no caso de assim não se entender, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 131.º e 135.º do CPT e o número 4 do artigo 607.º do CPC, na medida em que não homologou o acordo da Recorrente com a 1.ª Recorrida (Entidade Empregadora) relativamente à indemnização pelas IT´s correspondentes à parte do salário não transferido.
39.
O Saneador-Sentença de que se recorre não apresenta qualquer fundamento de facto e de direito para não decidir sobre indemnizações pelas IT´s que foram peticionadas pela Recorrente, estão especificamente previstas na LAT, constituem direitos indisponíveis e obtiveram o acordo da 1.ª Recorrida em sede de tentativa de conciliação, o que constitui uma violação clara do disposto no artigo 607.º, números 3 e 4 do CPC, que determina a nulidade da Sentença nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
40.
O facto de o Tribunal não ter decidido sobre a atribuição de indemnização por incapacidades temporárias constitui um non liquet que violou o disposto no artigo 8.º do Código Civil e no artigo 20.º da CRP, na medida em que impossibilita a Recorrente de ser indemnizada por danos emergentes de direitos indisponíveis.
41.
O Juízo do Trabalho do Porto não especifica os fundamentos de facto e de direito para não atribuir a indemnização por incapacidades temporárias do Sinistrado desde o momento em que ocorreu o acidente e o seu infeliz falecimento.
42.
Tal direito às indemnizações já estava admitido por acordo na tentativa de conciliação, bastando ao Tribunal do Trabalho homologar as prestações relativamente às quais as partes se conciliaram efetivamente.
43.
Note-se que, a este propósito, ou Tribunal não deu como provado um único facto que impedisse ou mesmo circunscreve-se o direito da Autora, limitando-se a decidir de direito sem dar uma como assentes quaisquer factos que pudessem sustentar o direito, em que clara violação do disposto no número 4 do artigo 607.º do CPC, o que constitui nulidade da Sentença nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que aqui expressamente se invoca.
44.
O Tribunal do Trabalho não se pronunciou quanto aos direitos que ao próprio Sinistrado são conferidos pela LAT.
45.
A Recorrente assume, por um lado, a qualidade de beneficiária no que se refere à prestação por morte, mas, por outro lado, a qualidade de herdeira do Sinistrado no que se refere aos demais direitos conferidos ao seu filho/Sinistrado nos termos da LAT.
46.
Entre o dia em que ocorreu o sinistro (20/08/2019) e o momento em que o Sinistrado infelizmente veio a falecer (23.11.2019) surgiu na sua esfera jurídica um conjunto de direitos previstos especificamente na LAT, que, posteriormente, se transmitiram para a esfera jurídica da Recorrente, enquanto herdeira do Sinistrado, tais como indemnizações por incapacidades temporárias que, conforme consta do auto de tentativa de conciliação, não foram totalmente ressarcidas pelo facto de a Entidade Empregadora (1ª Recorrida), na medida em que não havia transferido a totalidade da retribuição do Sinistrado no contrato de seguro celebrado com a 2ª Recorrida Seguradora, facto esse, aliás, admitido pela 1.ª Recorrida Empregadora naquela sede, conforme resulta expresso do auto de Tentativa de Conciliação.
47.
Nenhuma das referidas reparações contende com as pensões previstas nos artigos 49.º e 57.º da LAT, as únicas sobre as quais parece ter versado a Sentença recorrida.
48.
A Recorrente até compreende que o Tribunal tenha decidido que a mesma não tem direito à referida pensão por morte, na medida em que, objetivamente, não estavam cumpridos os pressupostos para a sua atribuição.
49.
Todavia, a Recorrente também é herdeira, e por isso faltou ao Tribunal pronunciar-se relativamente aos direitos indisponíveis que o Sinistrado/Falecido adquiriu entre o momento do acidente e o da sua morte, na medida em que a legitimidade para peticionar tais indemnizações nada tem que ver com a sua qualidade de benificiária (independentemente do entendimento contra legem do Tribunal a quo).
50.
A morte do Sinistrado em consequência do acidente de trabalho, contrariamente ao que parece ter considerado o Tribunal – sem que para isso tenha fundamentado de facto e de direito de forma conveniente - além de fazer nascer direitos na esfera jurídica de terceiros (beneficiários nos termos dos artigos 2.º e 18.º da LAT e 496.º, n.º 2 do CC), dá origem a um fenómeno sucessório, devendo o Tribunal pronunciar-se relativamente aos direitos que o Sinistrado adquiriu entre o momento do acidente e o da sua morte – nomeadamente indemnizações por incapacidades temporárias que, conforme resulta do auto de tentativa de conciliação, não foram totalmente ressarcidas por a Entidade Empregadora (aqui 1.ª Recorrida) a qual assumiu não ter transferido a totalidade do salário.
51.
Decorre expressamente da tentativa de conciliação o acordo das partes relativamente ao salário anual transferido e não transferido, sendo que a Seguradora (aqui 2.ª Recorrida) pagou as indemnizações das IT´s relativamente ao salário não transferido, mas a 1.ª Recorrida (Entidade Empregadora) não pagou as indemnizações das IT´s relativamente ao salário não transferido (respeitante ao subsídio de alimentação, razão pela qual o Senhor Procurador fez constar do auto a necessidade de pagamento da quantia de € 258,40, a título de ITA, valor também pedido na Petição Inicial, no artigo 167º, pela Recorrente, na sua qualidade de herdeira.
52.
O Tribunal deveria ter-se pronunciado acerca dos direitos que cabem à Recorrente por via de um fenómeno sucessório, sob pena de clara violação de direitos indisponíveis previstos na LAT, nomeadamente no que respeita à indemnização por incapacidades temporárias (auto de não conciliação e artigo 170º e seguintes da PI).
53.
Ao não o fazer, violou o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 131.º e 135.º do CPT, bem como o disposto nos números 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, pelo que, deverá a Sentença ser declarada nula nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que conheça do pedido de atribuição de indemnização por incapacidades temporárias que cabe ao Sinistrado, representado nos autos pela sua Mãe (aqui Recorrente).
54.
A verdade é que, tratando-se de direitos indisponíveis, o Juízo do Trabalho teria obrigatoriamente de se pronunciar sobre a procedência ou improcedência dos mesmos, obrigação que omitiu, em violação do disposto nos artigos 8.º do CC e 20.º da CRP, na medida em que tal omissão constitui um non liquet que viola o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
55.
A partir do momento em que o Tribunal a quo se considera competente para julgar os pedidos efetuados pela Recorrente, independentemente dos direitos que esta teria ou não como beneficiária, tinha de se pronunciar relativamente aos direitos do sinistrado desde o acidente até à sua morte, desde logo apurar o montante a fixar pelas indemnizações por incapacidades temporárias que não estavam pagas ainda na totalidade,
56.
E para apurar o montante dos danos patrimoniais a fixar, o Tribunal tinha de prosseguir para julgamento, a fim de verificar se o acidente se deu ou não por violação das regras de segurança, nos termos do artigo 18º da LAT, situação em que haveria ainda de fixar os danos morais decorrentes dessa norma.
Nestes termos, julgando procedente o presente recurso, revogando a Sentença em conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, V. Exas. Farão verdadeira e sã JUSTIÇA!”.
*
A Ré, C..., UNIPESSOAL LDA., respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, em 22.07.2022, as quais sem formular conclusões termina dizendo que, “deverá ser negado provimento ao Recurso interposto e confirmada a douta Decisão proferida, pelo menos quanto à aqui Apelante, assim se fazendo Justiça.”.
*
A Y... Lda. respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, em 05.08.2022, as quais sem formular conclusões, termina dizendo, “não merece censura a decisão do tribunal a quo que absolveu a Recorrida do pedido deduzido contra esta, improcedendo assim as conclusões da Apelante e consequentemente, improcedendo o recurso interposto por esta com todas as legais consequências, mantendo-se assim a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos seus exactos termos.”
Nestes termos e nos melhores de direito supridos, deve o presente recurso improceder com todas as legais consequências, confirmando-se a sentença proferida, nomeadamente no que tange à absolvição da Apelada, assim se fazendo inteira e sã Justiça!”.
*
A R./ J..., LDA., respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, em 08.08.2022, as quais sem formular conclusões termina dizendo que “Deve ser negado provimento ao presente recurso, Confirmando-se a douta sentença recorrida. Como se requer e é de INTEIRA JUSTIÇA!”.
*
Nos termos que constam do despacho de 01.09.2022, a Mª Juíza “a quo”, proferiu o seguinte:
Da correcção da sentença por omissão e da nulidade da sentença: não se afigura assistir razão à autora.
De facto, o tribunal ao entender que a autora não reúne as condições para ser considerada beneficiária do sinistrado, aprecia todos os direitos por si reclamados no âmbito do ressarcimento previsto na Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo a decisão de absolvição das rés do pedido consequência do entendimento vertido na decisão.
Por outro lado, mostram-se plasmados na decisão os fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão final.
Assim, nada tem o tribunal a rectificar ou acrescentar à decisão proferida que mantém nos seus precisos termos.
*
Da renúncia ao recurso: salvo o devido respeito por opinião contrária, não se me afigura estar perante tal situação.
Como decorre do disposto no artigo 632º do C. Processo Civil, a renúncia ao recurso pode ser antecipada - se exercida antes da decisão respectiva - ou posterior – se declarada após a decisão.
A aceitação pode ser expressa, se a parte, explicitamente, declara não querer impugnar a decisão ou tácita, se a parte pratica qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer – cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed, pág. 117/118
A autora no requerimento de 14/07, no qual requer a correcção da sentença, refere “não ter meios para pagar mais custas com este processo … razão pela qual não recorre da sentença proferida”.
Ora, tal não configura, claramente, uma aceitação expressa da decisão, nem sequer tácita, pois que tal actuação da autora não configura uma declaração inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer da decisão, mas tão só a menção à impossibilidade de, naquele momento, em face da sua situação económica, interpor o competente recurso.”, de seguida admitiu a apelação e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
*
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº 3, do CPT e emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, no essencial, por considerar que, “neste caso, embora o sinistrado haja falecido por causa do acidente de trabalho sofrido, não faleceu na data do acidente, 20.08.2019, mas sim mais tarde, a 23.11.2019.
Significa que o sinistrado tinha direito a receber a indemnização por incapacidade temporária absoluta – ITA – desde o dia seguinte ao acidente, inclusive até à data da morte.
Tendo falecido, podem habilitar-se os herdeiros do sinistrado, e receber as prestações ou indemnizações a que o sinistrado tinha direito (art.º 141º do CPT).
Neste particular cremos, assim, que assiste razão à Autora, devendo o processo seguir os seus trâmites com este objectivo, verificação da existência de um acidente de trabalho, verificação da violação (ou não) das regras de segurança, verificação da Autora como herdeira do sinistrado, o direito deste à indemnização por ITA referente àquele período, cálculo deste valor e pagamento por parte da entidade responsável desta quantia à Autora, para além de outras quantias, como transportes, estada, etc.
4. Quanto às demais quantias pedidas, entendemos que, salvo melhor opinião, poderá a Autora ter direito a elas, mas o Juízo do Trabalho não é o Juízo competente para conhecer deles.
Poderá a autora ter direito porque invocando a violação de regras de segurança e culpa da entidade empregadora ou outra na ocorrência do acidente, a entidade responsável pode ser condenada nos termos gerais, quer no foro civil quer criminal.
Mas para conhecer destes pedidos serão competentes os Juízos civil e criminal e não o do Trabalho.
Assim, salvo sempre melhor opinião, quanto a eles verifica-se a excepção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, o que deveria ser declarado e não a absolvição do pedido.
5. Levantam as RR a questão da renúncia ao recurso.
Ressalvando sempre diferente e melhor opinião, mesmo que tal se verificasse (o que se duvida, pois aparentemente estaria dependente da concessão de apoio judiciário e era isso que queria dizer), não poderia ser válida e relevante atenta a natureza indisponível dos créditos do sinistrado emergentes de acidente de trabalho.
Por isso, esta é, também, matéria de conhecimento oficioso, pelo que deverá o tribunal, alterando a douta sentença em recurso, ordenar o prosseguimento do processo com aqueles objectivos e determinar-se que quanto ao mais se declare procedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria.”.
Notificadas deste, veio a A. responder, referindo concordar com a parte do parecer, quanto à exclusiva competência do Juízo do Trabalho do Porto para a determinação da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta desde o acidente até ao falecimento do Sinistrado.
Mais dizendo, “De todo o modo,
Não se compreende como é o Ministério Público entende que o processo deverá seguir os seus trâmites no Juízo do Trabalho do Porto para discutir as circunstâncias em que ocorreu o acidente,
E afasta a competência do mesmo tribunal para aferir os danos não patrimoniais daí decorrentes,…”
As demais partes nada disseram.
*
Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
*
Previamente, diga-se, quanto à questão “da Renúncia ao Recurso” que se mostra de todo prejudicada a sua apreciação, tendo a mesma deixado de ser questão, não só pelo invocado pela Mª Juíza “a quo”, no momento em que admitiu o recurso, que decidiu no sentido de a não considerar verificada e nenhuma das partes reagiu, pela via do recurso, a essa decisão, como pela prática da Autora ao interpor o mesmo.
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber se:
1 - a Autora tem legitimidade enquanto beneficiária para efeitos do art. 18º, por ser aplicável ao caso o disposto no art. 2º e não o que consta dos art.s 49º e 57º, todos da LAT;
2 - o Tribunal “a quo” é o competente em razão da matéria para dirimir o litígio decorrente da violação das regras de segurança pelas Rés com base no disposto naquele art. 18º da LAT e art. 496º, nº2 do CC;
3 - o despacho recorrido deveria ter absolvido as Rés e a interveniente da instância e não do pedido;
4 - o despacho recorrido é nulo nos termos do art. 615º, nº1, al.s b),c), d) do CPC.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, considerou “como provados os seguintes factos:
A) No dia 20/08/2019, BB, encontrava-se a desempenhar funções inerentes à sua categoria de espalhador de betuminosos por conta da 1ª ré, tendo caído na caixa do elevador, queda da qual resultaram lesões que lhe determinaram a morte no dia 23/11/2019.
B) A autora era mãe de BB e auferia, em Novembro de 2019, uma pensão e sobrevivência do falecido marido, no valor de 713,83€.”.
*
B) O Direito
Comecemos por transcrever a decisão recorrida:
« (…)
Da incompetência material deste Tribunal: a competência judiciária em razão da matéria é de natureza e ordem pública e apenas decorre da lei, sendo que a sua fixação apreciar-se-á em função da natureza da matéria a decidir.
Porém a competência material do tribunal é determinada e aferida pelos termos em que a acção é apresentada pelo autor, devendo atentar-se nos termos em que foi proposta a acção quer quanto aos seus elementos objectivos quer quanto aos seus elementos subjectivos, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas feitas pelo autor ou mesmo o juízo de prognose que se possa fazer quanto à viabilidade da pretensão.
Ora, independentemente da questão de saber se a autora pode ou não ser considerada beneficiária do sinistrado nos termos e para os efeitos da LAT, a verdade é que a autora intenta a presente acção naquela qualidade e não na qualidade de herdeira do filho, assentando a sua pretensão claramente nos direitos que lhe advém daquele diploma, requerendo lhe seja fixada a pensão por morte e a indemnização de todos os danos sofridos por entender que o acidente se deveu à violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora.
Ou seja, tal como a autora configura a relação material controvertida, não restam dúvidas de que este é o Tribunal materialmente competente para apreciar o seu pedido tal como o mesmo é alicerçado.
Vai assim indeferida a excepção da incompetência material arguida.
*
Da ilegitimidade activa invocada pela chamada e da ilegitimidade passiva da 3ª ré: estas questões de ilegitimidade não configuram, em abstracto, a falta de legitimidade processual, mas antes uma questão substantiva que será resolvida a final.
De facto, no que se refere à autora, em abstracto é inquestionável a sua legitimidade, já que faz parte do elenco dos beneficiários previstos na LAT, sendo que a questão de saber se em concreto tem direito aos valores que reclama prende-se com o mérito da acção e não com a sua legitimidade.
O mesmo se diga quanto à 3ª ré que, pese embora, à data dos factos, não ser proprietária do terreno onde ocorreu o acidente, a verdade é que foi quem celebrou o contrato de empreitada com a 4ª ré, podendo equacionar-se caber-lhe a si a obrigação de implementar as regras de segurança exigíveis no caso concreto.
Assim, indefiro a excepção da ilegitimidade activa e da 3ª ré.
(…)
Estabelece o artigo 2º da LAT que os trabalhadores e os familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos na presente lei.
De acordo com o disposto no artigo 57.º, n.º 1 da LAT, em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares do sinistrado:
a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;
b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;
c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º;
d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º;
e) Outros parentes sucessíveis que, à data da morte do sinistrado, com ele vivam em comunhão de mesa e habitação e se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º.
No caso, a ora autora é ascendente do sinistrado BB que faleceu na sequência de um acidente, enquanto exercia as suas funções por conta da 1ª ré sua empregadora, enquadrando-se, assim, na al. d) do referido artigo.
Ora, como ali se refere, os ascendentes têm direito à reparação dos danos no caso de morte do sinistrado, caso se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º, ou seja, quando auferirem rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor.
Quer isto dizer que, ao contrário dos familiares elencados nos artigos a), b) e c), cuja qualidade de beneficiários resulta apenas dessa relação familiar com o sinistrado, no caso dos ascendentes exige-se também que aufiram rendimentos até um determinado valor.
Como é sabido estas prestações indemnizatórias para reparação de acidentes de trabalho estão ligadas à dependência económica dos familiares dos sinistrados, sendo esse o seu fundamento, o que se mostra evidente no facto de os filhos dos sinistrados falecidos perderem o seu direito à pensão quando a partir de certa idade deixam de estudar, excepção feita a serem portadores de deficiência ou doença crónica, ou na situação de o cônjuge do sinistrado casar novamente ou passar a viver em união de facto, caso em que receberá o triplo do valor da pensão anual de uma só vez.
Essa dependência económica traduz-se, no caso da qualificação dos ascendentes como beneficiários do sinistrado, no valor diminuto que os mesmos recebem – inferior ao valor da pensão social -, pressuposto que se exigia também na anterior LAT – Lei 100/97, de 13/9 – quando se atribuía a qualidade de beneficiário ao ascendente desde que o sinistrado contribuísse regularmente para o seu sustento.
Como se lê no Acórdão da Relação do Porto de 12/01/2016 (disponível em www.dgsi.pt) “… não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que o requerente seja um dos beneficiários previstos no art. 20º da LAT (caso contrário, pura e simplesmente, a situação encontrar-se-á fora da “reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho) e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda da capacidade de ganho da vítima, sob a forma de pensão anual”.
Mesmo que o acidente tenha acontecido, como alegado pela autora, por causa da violação de regras da segurança, seja por parte da entidade empregadora seja por outra das rés a quem tal é imputado, a qualidade de beneficiária da ascendente do sinistrado é determinada da mesma forma, ou seja por reporte ao artigo 49º da LAT.
É que o artigo 18º da LAT alarga o âmbito dos danos a ressarcir nos casos de actuação culposa da empregadora, mas aplica-se também apenas familiares elencados no artigo 57º.
Isto posto, à data do falecimento do sinistrado, a aqui autora auferia uma pensão cujo valor é claramente superior ao do valor da pensão social - 273,39€ (cfr. Portaria n.º 25/2019, de 17/01).
Nesta conformidade, não estão verificadas todas as condições para que a autora se possa considerar beneficiária do seu falecido filho, pelo que não lhe assiste direito a receber, nesta sede, os valores fixados na LAT.».
Apreciemos, então.
E, por uma questão de simplificação iremos tratar daquelas três questões referidas em primeiro, em simultâneo, sem atender à ordem pela qual foram colocadas no recurso, ou seja, saber, se a Autora tem legitimidade enquanto beneficiária para efeitos do art. 18º, por ser aplicável ao caso o disposto no art. 2º e não o que consta dos art.s 49º e 57º, todos da LAT; se o Tribunal “a quo” é o competente em razão da matéria para dirimir o litígio decorrente da violação das regras de segurança pelas Rés com base no disposto naquele art. 18º da LAT e art. 496º, nº2 do CC; se o despacho recorrido deveria ter absolvido as Rés e a interveniente da instância e não do pedido.
Como se verifica da decisão supra transcrita, o Tribunal “a quo” concluiu pela competência material do Tribunal do Trabalho tendo em conta os pedidos formulados pela Autora e a causa de pedir, argumentando que “tal como a autora configura a relação material controvertida, não restam dúvidas de que este é o Tribunal materialmente competente para apreciar o seu pedido tal como o mesmo é alicerçado”.
Por outras palavras: tendo a Autora fundamentado os seus pedidos (direito a pensão anual e vitalícia por morte do sinistrado, seu filho; indemnização pelo período de ITA sofrido pelo sinistrado; despesas de deslocação a Tribunal; indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado e pela Autora) ao abrigo do disposto no artigo 18º da LAT (responsabilidade subjetiva da empregadora), não existem dúvidas ao afirmar-se que o Tribunal do Trabalho é o competente em razão da matéria para conhecer desses pedidos.
Contudo, e como defendido pelo Tribunal “a quo”, que aqui acompanhamos, a qualidade de beneficiária – art. 57º, nº1, al. d), com referência ao disposto no art. 49º, nº1, al. d), ambos da LAT – não se verifica no caso.
E, não preenchendo a Autora esse requisito, não tem ela direito a receber as prestações que reclama no âmbito da LAT, a saber, a pensão anual.
Por isso, ao contrário do que a recorrente considera, deveria o Tribunal “a quo” ter absolvido as Rés do pedido referente à requerida pensão, o que aconteceu. E, igualmente, teria de absolver as Rés do pedido de pagamento de despesas de deslocação a Tribunal atento o disposto no art. 39º, nº2, última parte da LAT.
Mas, se quanto a estes pedidos é deste modo, uma pergunta se coloca.
E quanto aos restantes pedidos (indemnização pelo período de ITA e danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado e pela Autora) é, ou não, o Tribunal do Trabalho competente, em razão da matéria, para os apreciar?
Tendo em conta o disposto no art. 2024º do CC a indemnização pelo período de ITA e os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado (que antecederam a morte do sinistrado (já que decorreu algum tempo entre o evento e a morte) constituem direitos da herança daquele, ou seja, aquela indemnização e aqueles danos fazem parte do património do de cujus, pelo que deverão ser chamados todos os seus herdeiros como seus sucessores na herança de que é titular (cfr. art.s 2030º e 2032º do CC).
Por isso, herdeiros e beneficiários não são conceitos coincidentes, sendo aquele conceito mais amplo e este mais restrito (os beneficiários, no que ao caso respeita, são tão só aqueles que a LAT enuncia no art. 57º).
Mas, retomemos, então, aquela questão que deixámos atrás em aberto (quanto aos restantes pedidos (indemnização pelo período de ITA e danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado e pela Autora) é, ou não, o Tribunal do Trabalho competente, em razão da matéria, para os apreciar?
E, a resposta só pode ser no sentido de que o Tribunal do Trabalho carece de competência para os apreciar.
Neste sentido e, em situação similar à vertente, já esta Relação se pronunciou, em concreto, em douto (Acórdão de 21.10.2020, Proc. nº 2394/15.4T8PNF.P1, relatado pela 1ª Adjunta e subscrito pelo 2º Adjunto, in www.dgsi.pt).
Assim, porque concordamos inteiramente com o mesmo e o entendimento que nele se seguiu se ajustar rigorosamente ao caso, seguiremos a posição ali defendida, cujos fundamentos e razões, aqui reproduzimos, transcrevendo o seguinte:
[… refere-se que esta Relação se pronunciou sobre a questão em apreço, numa situação em que também estava em causa um acidente de trabalho causado por culpa da entidade empregadora, ainda no Acórdão de 12.01.2016 (Relator Desembargador Rodrigues Pires, in www.dgsi.pt, citado no parecer do Exmº Procurador-Adjunto), que acompanhamos de perto, aí se lendo ,“(…) tudo se passa no âmbito de uma ação em que é pedido o ressarcimento de danos não patrimoniais que decorrem da verificação de um acidente de trabalho, causado por culpa da entidade empregadora, também tudo se poderia passar no âmbito de um qualquer outro evento que tivesse, na sua causa, uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos.[4]
É assim de excluir a competência do tribunal de trabalho para o conhecimento da presente ação, sendo, porém, de realçar, em sintonia com o Acórdão da Relação do Porto de 9.10.2012 (proc. nº 2796/10.2 TBPRD.P1, disponível in www.dgsi.pt) que esta competência não é afastada pela circunstância de o pedido assentar na responsabilidade subjectiva, nem sequer pelo facto de se encontrarem em causa, unicamente, danos não patrimoniais, uma vez que tais circunstâncias se acham abrangidas pelo alargamento da responsabilidade consagrado no art. 18º da atual Lei dos Acidentes de Trabalho.
O que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares têm direito nos termos da LAT e da legislação complementar”.
(…)”
Ora, para tal não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que os autores sejam reconhecidos como beneficiários do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão anual.
E impondo-se a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a típica reparação por acidente de trabalho, será este igualmente competente para conhecer de eventual indemnização por danos não patrimoniais peticionada pelos beneficiários do sinistrado.
(…)
[4] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 26.2.2008, proc. 546/2008-7, disponível in www.gsi.pt..” (sublinhado e realce nossos).
Refere Carlos Alegre que (menção incluída na nota 15 do acórdão desta Relação de 09.10.2012, Relatora Desembargadora Maria João Areias, in www.dgsi.pt,citado naquele acórdão desta Relação e na decisão recorrida), encontra-se em causa, não tanto a perda do direito à vida ou a brusca extinção de laços familiares ou afetivos, mas o desaparecimento de uma entidade produtiva: “não é, portanto, a perda do direito à vida que a legislação infortunística pretende salvaguardar, mas uma determinada expectativa de rendimento que a prestação do trabalho e a sua contrapartida remuneratória cria no agregado familiar próximo do sinistrado” – “Acidentes de Trabalho”, anotação ao artigo 20º da Lei 100/97, pág. 110.
No caso em apreço, é “(…) indiscutível que estamos perante questões que radicam na ocorrência de um acidente de trabalho”, como referido na sentença recorrida, sendo que atenta a data em que ocorreu o acidente – 24.08.2015 - é aplicável a Lei nº 98/2009 de 04.09.
A causa de pedir da pretensão formulada é, pois, um acidente de trabalho, correspondendo os pedidos à reparação de danos sofridos pelo Autor na qualidade de Pai e único herdeiro do seu falecido filho.
Sob a epígrafe “Atuação culposa do trabalhador”, estipula o artigo 18º da mesma Lei:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.», (sublinhado e realce nossos).
O artigo 18º da anterior Lei que contemplava o Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, preceito revogado Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, sob a epígrafe “Casos especiais de reparação”, previa que:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá direito de regresso contra ele.», (sublinhado e realce nossos).
Em ambos os diplomas a fixação de uma prestação/pensão destinada a reparar a morte, “igual à retribuição” é a “típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão anual”, como se lê no referido Acórdão desta Relação de 12.01.2016 e continuando a acompanhar a fundamentação do mesmo “(…) o art. 18º da atual Lei dos Acidentes de Trabalho (…) (Lei nº 98/2009, de 4.9), aplicável ao caso dos autos, permite que no processo resultante do acidente de trabalho, para além da atribuição de uma pensão anual, seja também considerada a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos, se o acidente tiver sido provocado pela entidade patronal ou resultar da falta de observância de regras sobre a segurança e saúde no trabalho.
Trata-se aqui de um caso de competência por conexão e não de competência própria e direta em função da matéria da causa e que só funcionará quando a pretensão principal que foi formulada tem em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
Com efeito, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários pretendem ainda obter uma indemnização por danos não patrimoniais, sendo o tribunal de trabalho o competente em razão da matéria para conhecer do pedido principal, não se vislumbra razão válida, até por motivos de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum a fim de ver ressarcidos tais danos não patrimoniais, o que explica a extensão, nestas situações, da competência do tribunal de trabalho.[2] [3]
De qualquer modo, tal extensão de competência pressupõe sempre o reconhecimento da qualidade de beneficiário do sinistrado (…)
(…)
[2] A extensão da competência material dos tribunais de trabalho também já se encontrava prevista no âmbito da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 110/97, de 13.9 – art. 18º).
[3] Cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013, proc. 2796/10.2TBPRD.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.”.
Ora também no caso, em apreço, não está em causa a atribuição de uma pensão anual, não tendo o Autor invocado, sequer, a qualidade de beneficiário por preenchimento dos requisitos, antes tendo formulado tão só pedidos indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais e, no que aos danos patrimoniais diz respeito, uma indemnização pelo dano patrimonial futuro.
Uma vez mais servindo-nos da fundamentação do acórdão de 12.01.2016, “Significa isto que a presente ação não busca o seu enquadramento jurídico na legislação especial concernente aos acidentes de trabalho. Surge, outrossim, como uma ação de responsabilidade civil em que, embora radicando na ocorrência de um acidente configurado como sendo de trabalho, os autores não reúnem nem a qualidade de sinistrados nem foram reconhecidos como sendo beneficiários do sinistrado em termos da legislação laboral”.
Concluímos assim que o tribunal do trabalho não é materialmente competente para o conhecimento da presente ação, cujos pedidos – ainda que relativamente à 2ª Ré, tendo implícito o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a 1ª Ré - se situam fora do âmbito laboral, tratando-se de uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja apreciação e julgamento compete aos tribunais comuns.
Consigna-se que o Acórdão do STJ de 30.04.2019, in www.dgsi.pt, citado pela Apelante, tem subjacente questão distinta, uma vez que se tratou ali de considerar que o Tribunal, considerado já competente para aferir da responsabilidade da entidade seguradora, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, o seria também para aferir se houve uma efetiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, atento o princípio da absorção de competências.
Improcede como tal a Apelação.] (Fim de citação).
Ora, transpondo o que se deixa exposto para o caso, sem necessidade de mais considerações, por outras palavras que mais não seriam que uma repetição daquele entendimento, podemos afirmar que o Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de indemnização por ITA e danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo sinistrado (pedidos que integram a herança do de cujus, como já salientado, e pelas mesmas razões é incompetente para conhecer do pedido de danos não patrimoniais sofridos pela Autora (na qualidade de herdeira do de cujus) o que se declara, sendo competente o Tribunal comum.
E, consequentemente, o acabado de referir determina que as Rés e a interveniente sejam absolvidas da instância relativamente a tais pedidos. Além de determinar que, a decisão recorrida, neste aspecto, não pode manter-se, na medida em que absolveu aquelas dos referidos pedidos.
Mais se diga que, o entendimento que aqui sufragamos não é violador do disposto no art. 20º da CRP (princípio de acesso ao tribunal e da tutela jurisdicional) posto que a Autora pode instaurar nos Tribunais comuns acção onde peticione tais pedidos com fundamento na violação do disposto no art. 18º da LAT (culpa subjetiva da empregadora).
Acresce dizer, ainda, que o art. 2º da LAT, sob a epígrafe “Beneficiários” (aí se estabelece que «o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei») limita-se a enunciar, de forma genérica, quem tem direito à reparação, sendo que a parte final do artigo logo indicia a remessa para os demais artigos da LAT, os quais determinam quem são os beneficiários para efeitos da mesma Lei.
Ou seja, e ao contrário do defendido pela apelante, há sempre que considerar os vários requisitos para considerar alguém “beneficiário” para efeitos da LAT.
Procede, assim, parcialmente, apenas, no que se enunciou naquele ponto 3 das questões que se vieram a apreciar, a apelação.
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Por último, vejamos se o despacho recorrido é nulo nos termos do art. 615º, nº1, alíneas b), c), d) do CPC, como considera e invoca a recorrente.
Adiantando, desde logo, que a mesma não tem razão.
O que alega, constituirá, eventualmente, erro de julgamento da decisão e não nulidade da mesma.
Senão, vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º (Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, diploma a que pertencem os demais artigos a seguir referidos sem outra menção de origem).
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como concluem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 686) entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”
Ora, sendo deste modo como já dissemos, face à argumentação da recorrente e tendo em atenção o teor da decisão recorrida, é nosso entendimento, que o alegado por ela, a verificar-se, não constituirá jamais nulidade do acórdão recorrido, nos termos ali referidos. Eventualmente, configurará erro de julgamento.
Vejamos, então.
Refere a apelante, o seguinte: “Ainda sem prescindir, mas apenas no caso de assim não se entender, o Saneador-Sentença proferido pelo Juízo do Trabalho do Porto violou ainda os números 3, 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, na medida em que não sustenta de facto e de direito a decisão tomada de vários prismas o que, relativamente a algumas questões, configura uma contradição entre o fundamento e a decisão e alguma obscuridade e indefinição da forma como decidiu, estatuindo a lei que tal decisão deverá ser declarado nula, nos termos e para os efeitos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Na parte final da Sentença o Tribunal a quo concluiu que não estavam verificadas todas as condições para que a Recorrente se pudesse considerar beneficiária do seu filho falecido, pelo que não lhe assistiria direito a receber, nesta sede, os valores fixados na LAT. Contudo, no dispositivo da mesma Sentença o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e absolve as Rés dos pedidos contra si formulados. Assim, apesar da fundamentação, o Tribunal concluiu que a Recorrente não reúne as condições para peticionar junto do Juízo do Trabalho os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte do seu filho/Sinistrado, por não a considerar “beneficiária” nos termos e para os efeitos dos artigos 49.º e 57.º da LAT. A verdade é que absolve as Recorridas de todos os pedidos contra si formulados e veta a possibilidade de a Recorrente recorrer aos meios comuns para fazer valer os seus direitos, em vez de julgar procedentes as exceções de ilegitimidade ativa da Recorrente e/ou a exceção de incompetência material do Tribunal do Trabalho, e, dessa forma, absolver as Rés apenas da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 576.º, n.º 2 do CPC, permitindo-lhe assim o recurso aos meios comuns. Assim, dúvidas não restam que existe uma contradição clara entre os fundamentos vertidos na Sentença para concluir que “não estão verificadas todas as condições para que a Autora se possa considerar beneficiária do seu falecido filho, pelo que não lhe assiste direito a receber, nesta sede, os valores fixados na LAT” e o dispositivo da Sentença que absolve as rés dos pedidos contra si formulados, em clara violação do disposto no n.º 3 do artigo 607.º e no artigo 576.º, números 2 e 3 do CPC, na medida em que a fundamentação é completamente contraditória com a decisão, sendo nula a Sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.”.
Analisando.
E transposto o supra exposto para o caso, sempre com o devido respeito, como já dissemos, entendemos que inexistem as arguidas nulidades.
Desde logo, não ocorre a alegada contradição entre o fundamento e a decisão susceptível de gerar a nulidade a que alude a referida al. c) do nº 1, do art. 615º.
O que ocorreu foi erro de julgamento quando o Tribunal “a quo” absolveu as Rés e a interveniente de todos os pedidos.
E, esta questão, já foi por nós tratada atrás quando defendemos que as demandadas deveriam ser absolvidas do pedido relativo à pensão anual peticionada pela Autora e despesas de deslocação mas, relativamente aos demais pedidos, deveriam as Rés e a interveniente serem absolvidas da instância.
Igualmente, há que dizer que, o saneador/sentença está fundamentado sendo certo que, como é sabido, só a total falta de fundamentação conduziria à nulidade nos termos da invocada al. b), do nº1, daquele artigo, o que não é o caso.
E, igualmente, como não ocorrem os vícios a que aludem as al.s b) e c), não ocorre qualquer outro vício, gerador de nulidade da decisão recorrida, nomeadamente, o consignado na, também, invocada al. d) do nº1 daquele mesmo artigo, no que concerne ao facto de o Tribunal “a quo”, “não ter homologado o acordo da recorrente com a 1ª recorrida relativamente à indemnização pelas ITS correspondentes à parte do salário não transferido” e “não ter decidido sobre a atribuição de indemnização por incapacidades temporárias” na medida em que tendo sido decidido, no despacho saneador, a não verificação da qualidade de beneficiária da Autora conclui-se que ela não tinha direito às prestações decorrentes da LAT, e por isso, não tinha o Tribunal “a quo” que conhecer da atribuição da indemnização por incapacidades temporárias.
Improcede, assim, esta questão da apelação.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação parcialmente procedente, e consequentemente:
I – Confirma-se a decisão recorrida, no segmento, que absolveu as Rés e a interveniente dos pedidos relativos ao direito a pensão e despesas de transporte
II – Revoga-se a decisão recorrida, no segmento, que absolveu as Rés e a interveniente dos demais pedidos formulados pela Autora e, quanto a estes, substitui-se pelo presente acórdão, nos seguintes termos:
- Declara-se o Tribunal do Trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados na petição sob os pontos 1.b) e 2. e absolve-se as Rés e a interveniente da instância.
Custas da acção e da apelação a cargo da Autora e das Rés e interveniente na proporção de metade para a primeira e metade para as restantes.
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Porto, 28 de Novembro de 2022
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão