Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
493/13.6TVPRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
CONDENAÇÃO GENÉRICA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP20230417/493/13.6TVPRT-E.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Podendo o incidente de liquidação ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, em montante a liquidar ulteriormente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 358º, nº2 e 609º, nº2, do CPC, a pretensão de liquidação formulada só poderá ser viável se o pedido nele formulado for líquido, fundado na condenação genérica e o Autor alegar factualidade atinente ao apuramento do quantum devido.
II - Sendo formulado incidentalmente “Pedido” no sentido de sera Ré condenada na parte da sentença referente à obrigação de disponibilizar ao autor habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, sendo esta a residência do A. desde 27 de setembro de 2021”, tal pretensão nenhuma liquidação de condenação genérica traduz, não sendo um pedido líquido, nada o mesmo quantificando.
III – Sequer a condenação da Ré a “disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico” constitui uma condenação genérica, motivadora de pedido de liquidação a deduzir em incidente de liquidação pós sentença, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 358º, nº2 e 609º, nº2, do CPC.
IV – E estando o concreto pedido formulado no requerimento de liquidação (relativo a disponibilização pela Ré ao Autor de residência de que o Autor dispõe, já sua) em contradição com a causa de pedir invocada (densificada por factos relativos a obrigação de prestar da Ré), a gerar ineptidão de tal requerimento inicial e nulidade de todo o processo, exceção dilatória, de conhecimento oficioso a conduzir à absolvição do Réu da instância (al. b), do nº2, do art. 186º, al. b), do nº1, do art. 278º, nº2, do art. 576º e al. b), do art. 577º, todos do CPC). Tinha a Ré de ser absolvida da instância relativamente àquela pretensão.
V - Contudo, na ineptidão do requerimento inicial, ante a verificação de manifesta inviabilidade da pretensão formulada, visando aquela exceção dilatória tutelar interesses do sujeito passivo que beneficiado sai com uma decisão de absolvição do pedido (na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado), o desfecho da causa é de mérito, com a desejada e imposta, prevalência da substância sobre a forma, consagrada no nº3, do art. 278º, do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 493/13.6TVPRT-E.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: o Autor, AA
Recorrida: a Ré, A... – Companhia de Seguros, S.A

AA deduziu, por apenso à ação declarativa que propôs contra A... – Companhia de Seguros, S.A., incidente de liquidação da condenação constante do ponto V da sentença – “V) Mais se condena a Ré a disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação em execução de sentença” -, formulando o seguinte Pedido”: «seja a Ré condenada na parte da sentença referente à obrigação de disponibilizar ao autor habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, sendo esta a residência do A. desde 27 de setembro de 2021.».
Alega que, transitada a sentença, a ré não lhe disponibilizou qualquer habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, face ao que o autor, com os valores que recebeu da ré que tinham a ver com outras condenações no processo, adquiriu um terreno na mesma área da sua anterior residência e construiu nesse terreno uma habitação com áreas e equipamentos adaptados a paraplégicos, vendo-se forçado a cumprir a obrigação que caberia a ré, e suportando os custos inerentes à escritura, impostos e registo, conforme documentos juntos.
Juntou contrato de compra e venda com hipoteca por si celebrado em 27 de setembro de 2021, pelo qual, além do mais que do mesmo consta, a aí primeira outorgante declarou vender ao autor, aí segundo outorgante, que declarou aceitar, «(…) o prédio urbano correspondente a moradia unifamiliar de três pisos que, com logradouro, (…), com tudo o que a compõe, denominado lote ..., situado em Lugar ... ou ..., Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ..., (…) com a área total de 336,50 m2, a área coberta de 180,50 m2 e a área descoberta de 156 m2 (…)», pelo preço de € 575.000,00, montante que a parte vendedora declarou que já recebeu e de que dá quitação.
Proferido despacho com o seguinte teor:
“Atento o disposto nos arts. 358º e 609º, nº2 e arts. 292º a 295º, todos do CPC, notifique a requerida do incidente de liquidação deduzido pelo autor e para deduzir oposição no prazo de 10 dias, com as legais cominações da falta de contestação (art. 293º, do CPC).
Notifique.”.
e notificada a requerida, a mesma deduziu oposição ao incidente arguindo a exceção dilatória da nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento inicial, alegando, em síntese, que o incidente de liquidação tem por objeto a quantificação do dano, da perda ou custo que já se encontra demonstrado na ação declarativa, e não se destina a obter nova condenação, nada alegando o requerente sobre a forma como deve ser quantificada a obrigação ilíquida, não existindo pedido no incidente de liquidação, que não pode ser igual ou repetição da condenação genérica já proferida na ação.
Apresentou o Requerente resposta às exceções deduzidas e solicitou se ordenasse o prosseguimento do incidente de liquidação.
Após pronúncia da Requerida, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Não obstante não ser admissível a apresentação de resposta às exceções, admite-se o requerimento apresentado em 02-09-2022 (ref. 43153824) na medida em que se aproveita a já efetuado exercício do contraditório quanto às exceções invocadas pela requerida.
Notifique.
Ao abrigo do dever de gestão processual (art. 6.º do CPC), e uma vez que o tribunal tenciona conhecer imediatamente do mérito – inviabilidade – do pedido deduzido no incidente de liquidação, dado que se afigura que a condenação da ré (efetuada na sentença proferida) que o autor se propõe liquidar através do presente incidente se reporta a uma obrigação de prestação de facto, faculta-se às partes o exercício de contraditório, por escrito (assim se evitando a deslocação para a realização de audiência prévia mas assegurando-se o cumprimento do disposto no art. 591.º, n.º 1, al. b), do CPC), a exercer no prazo de 10 dias, quanto a tal matéria.
Notifique”.
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Após pronúncia das partes, foi proferida decisão com a seguinte
parte dispositiva:
Pelo exposto, nos termos dos arts. 358.º, 359.º, 360.º, n.º 3, 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. b), 578.º e 278.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, conhecendo da ineptidão do requerimento de liquidação, gerador da nulidade de todo o processado, absolvo a ré da instância do presente incidente de liquidação.
Custas pelo requerente”.
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Desta decisão apresentou o Autor recurso de apelação, pugnando por que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1º -Ao contrário do que vem proferido na douta sentença recorrida, a quantificação da obrigação ilíquida que resulta da decisão Judicial Condenatória proferida no Processo 493/13.6TVPRT, que correu termos pelo Juízo Central do Porto - Juiz 3, mais concretamente e como cristalinamente decorre do requerimento executivo/liquidação, é a condenação a que se refere o ponto V da mencionada decisão.
2º Desse ponto V da decisão dada à execução em liquidação consta: "Mais se condena a Ré a disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação e execução de sentença."
3º E da alínea c) dos considerandos constantes do acordo de liquidação antecipada outorgado entre Requerente e Requerida, consta: que os Outorgantes pretendem liquidar antecipada e integralmente o segmento III, parcialmente o segmento IV (apenas por referência à manutenção periódica do veículo já pago pela Segunda Outorgante ao Primeiro Outorgante da decisão) e parcialmente o segmento V (em face de não existir acordo definitivo dos outorgantes sobre este);
4º - Falta, pois, liquidar totalmente o ponto V da predita decisão condenatória dado que não houve acordo definitivo dos outorgantes!
5º - Por outro lado era do conhecimento da requerida que, o apartamento de que o Autor foi proprietário e localizado no 6.2 andar da Praceta ..., ... em Vila Nova de Gaia, não dispunha das mínimas condições nem de habitabilidade, nem sequer de adaptabilidade para a vida de um paraplégico. Isso mesmo ficou provado. E provado unanimemente em perícia colegial.
Sem prescindir,
6º- Sucede ainda que, durante os seus prolongados internamentos em diversos hospitais e centros de reabilitação, nomeadamente no Hospital ..., no Hospital 1..., no Centro de Medicina de Reabilitação ... e no Centro de Medicina de Reabilitação 1... (Centro de Reabilitação ...), o recorrente, deixou de pagar o valor correspondente ao condomínio desse mesmo apartamento, tendo sido alvo de uma execução - Proc. n.º 224/14.3YYPRT que correu os seus termos na 1.ª- Secção de Execução da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - (que apesar de nunca ter sido citado para a mesma), levou à venda do dito apartamento no processo executivo para maior desgraça do ora embargado, que se viu ainda obrigado a liquidar o que do crédito hipotecário referente ao predito imóvel restava.
7º- Ou seja, o recorrente além de ter ficado para toda a vida paraplégico, viu- se ainda subtraído da sua única habitação.
8º- Como se referiu, a Recorrida apenas aceitou pagar parte do valor liquidado, tendo ficado absolutamente claro que o Recorrente não aceitaria apenas esse valor e que reclamaria em sede própria (como reclamou) o valor a que no seu entendimento tem efectivamete direito, direito esse consubstanciado no ponto V da sentença que consta do pedido como sendo a residência do A. desde 27 de Setembro de 2021 e cuja escritura com a "cristalina" quantificação, está junta aos autos como documento n.º 1.
9º - É absolutamente extraordinário que se diga que não foi efetuada a quantificação, quando a mesma está documentada no requerimento inicial.
10º- É também, por demais evidente que, "Mais se condena a Ré a disponibilizar ao Autor habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico...." só tem um significado: A Ré entregar ao autor uma habitação com as mencionadas características, o que esta jamais fez, apesar de por diversas vezes ter (através da sua Muito Ilustre Mandatária) sido para o facto devidamente alertada.
12º- A sentença condenatória não condenou a Ré na adaptação da habitação! Condenou a Ré a disponibilizar ao Autor habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico...."
13º - O Recorrente, que vive hoje sozinho, já há muito tempo que tinha informado a Recorrida que iria dar início à construção da habitação adaptada, e fê-lo dado que como tinha perdido a sua única habitação (que também, como já supra se alegou, não lhe serviria por não ter condições de habitabilidade ou adaptabilidade capazes à sua desgraçada condição],
14º- Sempre foi transparente, honesto, tudo facultando à Recorrida no que à construção da habitação adaptada diz respeito. Franqueando as portas da obra, enviando plantas, etc.
15º - O Recorrente adquiriu a moradia que sinalizou (pelos motivos que se esclareceram no parêntesis supra) durante o decurso da acção declarativa, muito depois da prolação da sentença.
16º - A sentença foi proferida em 30-11-2018 e o contrato de compra e venda da mencionada moradia foi apenas outorgado em 27 de Setembro de 2021, ou seja, quase três anos depois!
17º - Durante estes três anos o Recorrente não cessou de "mendigar" da Requerida o pagamento que veio ele a suportar, sabendo muito bem esta última qual era o valor da moradia. 0 mesmo consta da escritura!
18º - Recusando-se a ir mais além do que ao pagamento que efetuou na liquidação parcial, por entender, na sua cabeça, que não devia disponibilizar ao Autor habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico e, como parece óbvio, assumir o custo da aquisição, tal como foi lapidarmente condenada na parte da sentença que se quer liquidar.
19º - Os pagamentos efetuados pela Recorrida e referentes ao reembolso das despesas com alojamento necessárias e solicitadas pelo Recorrente eram, naturalmente, uma obrigação daquela.
ISTO POSTO
20º - O comportamento da Recorrida quanto aos pagamentos devidos ao Recorrente está, cristalinamente, espelhado no processo cuja decisão condenatória agora parcialmente se pretende liquidar.
21º- Foi sempre, sempre, necessário arrancar a ferros (várias Providências Cautelares) quaisquer quantias, mesmo aquelas em que a Recorrida foi condenada.
22º - A obrigação da Recorrida em disponibilizar uma nova casa (com as características impostas pela decisão condenatória) para o Recorrente passou a ser evidente a partir:
i. Do resultado do relatório de peritagem colegial que consta dos autos e que é inequívoco quanto à impossibilidade do Recorrente continuar a viver na sua antiga casa;
ii. Do momento em que este ficou privado da propriedade que tinha anteriormente;
iii. E, finalmente da obrigação imposta pela condenação de a Recorrida disponibilizar ao Recorrente habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico!;
23º - Sendo, portanto, absolutamente falso que a Recorrida tenha custeado e pago ao Recorrente, em data anterior à interposição da presente liquidação, aquilo a que foi efectivamente condenada, a disponibilizar ao Recorrente: habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico.
24º - Não foi ao pagamento das adaptações que a Recorrida foi efetivamente condenada no ponto V da Decisão que se executa.
SEMPRE SEM PRESCINDIR,
25º - A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia, subordinação ou dependência entre elas, mas constitui um pressuposto processual, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa. Assim, quando se afere da competência concreta do tribunal pretende-se definir o poder de o tribunal julgar um círculo limitado de ações, e não todas as ações que os interessados desejem submeter à sua apreciação jurisdicional.
26º - A Lei da Organização do Sistema Judiciário criou as secções dos tribunais judiciais de 1ª instância com competência especializada para proporcionar melhores condições para a correta e célere apreciação das matérias em causa (artigo 81º). Nesse desiderato se enquadra a criação dos juízos de execução, aos quais compete exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil (artigo 129º/1).
Estão excluídos dessa competência os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível (artigo 129º/2). Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor (artigo 129º/3).
28º - Esta norma contém, pois, três domínios de aplicação: como norma de atribuição positiva de competência compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil; como norma de atribuição negativa de competência, exclui dessa competência os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, do trabalho, de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível; e ainda como norma de atribuição positiva de competência, preventiva de conflitos, define que a competência para a execução das decisões proferidas pelo juízo cível da instância central pertence ao juízo de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquele juízo da instância central em razão do valor.
29º - A ação executiva é aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (artigo 10º/4 do Código de Processo Civil, doravante denominado CPC). Logo, por contraposição às ações declarativas, que visam a declaração ou reconhecimento de determinado direito, as execuções têm de basear-se num título executivo (artigo 10º/3 e 5 do CPC). É assim que à execução podem servir de base os títulos executivos legalmente definidos, dentre os quais as sentenças condenatórias, como no caso (artigo 703/1 do CPC).
30º- Ora, é precisamente uma sentença condenatória que o Recorrente dá à execução e, como ela foi proferida pelo Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o exequente veio requerer a sua execução junto desse mesmo Juízo, decidindo a sentença recorrida que o recorrente deveria ter instaurado uma execução para prestação de facto, indicando desde logo, o prazo que entendia suficiente para o cumprimento pela Ré da referida obrigação de lhe disponibilizar a referida habitação.
31º - Todos os factos foram alegados no requerimento e execução para liquidação de sentença. E estão comprovados!
32º - No que tange à execução fundada em sentença, é competente o tribunal onde correu a ação declarativa respetiva, mas nos casos em que haja secção, agora juízo, especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença e do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham (artigo 85º/ 1 e 2 do CPC).
33º - Não questiona o recorrente que a liquidação em execução da sentença compete ao juízo de competência especializada para as execuções, mas entende que o requerimento para liquidação em execução de sentença não é instaurado diretamente nesse Juízo, senão no Juízo Central Cível do Porto, ou seja, no processo declarativo em que foi pronunciada a sentença a liquidar/executar. E, em função do previsto naquele preceito, é o Juízo Cível que ditou a sentença que remete para o Juízo de Execução competente o requerimento executivo, a sentença e os documentos necessários.
34º - Efetivamente, o atual regime processual civil enfatiza a ideia de que a decisão judicial condenatória corre nos próprios autos, iniciando-se mediante simples requerimento. Não é criado um novo processo, prosseguindo a execução a partir do processo pré-existente, o que é exigível com a configuração da plataforma informática que serve o sistema de justiça programa Citius que não recebe essa execução diretamente nos Juízo de Execução, mas no Juízo que proferiu a sentença. Compaginadamente, é o próprio programa que permite, automaticamente, acoplar a sentença e os documentos necessários ao requerimento executivo, assim prescindindo de cópias certificadas e manualmente extraídas.
35º - Essa é a solução que resulta do predito artigo 85º/2 do CPC, ao estatuir que deve ser remetido, com caráter de urgência, para a competente 'seção de execução' leia-se juízo de execução a cópia da sentença, do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham. Formalismo harmonizado com tal entendimento, pois, doutro modo, não se intui o alcance de o requerimento executivo ser "apresentado no processo em que aquela (a sentença) foi proferida", como dimana do expressamente previsto no n.º 1 daquele artigo 85º.
36º -Com efeito, a Portaria n- 282/2013, de 29 de agosto, que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis, estatui, no que ao caso importa, que o exequente deve proceder ao "preenchimento e submissão do formulário eletrônico de requerimento executivo constante do sítio eletrônico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, nos termos do artigo 132º do Código de Processo Civil e de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, ao qual se anexam os documentos que o devem acompanhar" (artigo 2º). E, regulando os "Termos de apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória", dispõe: "1 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrônica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes. 2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrônica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. 3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma. 4-0 exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma. 5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando-se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas. 6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução".
37º - Estes procedimentos confirmam a interpretação normativa a que aderimos e que determina que a execução de sentença tenha de ser instaurada no processo onde foi proferida a decisão judicial que se pretende executar e apenas em momento ulterior passará a ser tramitada pelo juízo com competência especializada de execução.
38º - O pedido feito não se reporta a uma obrigação de prestação de facto, considerando que a obrigação devida pela Recorrida, e a que a mesma foi condenada em sentença judicial, não foi, integralmente, cumprida e, após inúmeras tentativas por parte do recorrente para que tal acontecesse, o incumprimento manteve-se, tendo-se, por fim, e para que pudesse resgatar minimamente a sua qualidade e dignidade de vida, o requerente, visto obrigado a proceder à construção da sua própria casa (o mesmo tinha já sucedido com a disponibilização do automóvel adapatado....exactamente o mesmo. Mas neste caso a Seguradora/Recorrida, confrontada com a factura de compra do veículo novo e correspondentes adaptações, cujo pagamento foi efectuado diretamente pelo requerente, pagou, reembolsou-o!).
39º- Deste modo, salvo o devido respeito por opinião contrária, não estamos, in casu, sob obrigação de prestação de facto, dado que "a obrigação de prestação de facto positivo tem por objeto fazer ou praticar algum acto (facere). É o que sucede, por exemplo, com a obrigação de construir uma casa...", sendo agora a obrigação da Requerida, a de reembolsar o recorrente, que assumiu, involuntária e obrigatoriamente, essa incumbência, a que a Recorrida tinha sido condenada e que por sua única e inqualificável displicência jamais cumpriu, apesar de para o facto ter sido diversas vezes interpelada (sem necessidade, obviamente).
40º - Justamente ao abrigo do dever de gestão processual, e no sentido de "providenciar pelo célere andamento do processo e o normal prosseguimento da ação, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual", e na senda do que a Exma. Senhora Juiz a quo, que a nosso ver bem, aceitou por despacho datado de 21/06/2022 e com a referência 438005377, o presente incidente, deve esta questão ser dirimida em sede de liquidação em execução de sentença por apenso aos próprios autos, tal qual foi e está apresentada.
Assim, é nosso entendimento, salvo o devido respeito, que deverão Vossas Venerandas Excelências, ordenar o que estatuído vem no n.º 4 do artigo 360.º do Código de Processo Civil, a fim de se constatar o efetivo valor devido pela ré ao requerente, sempre levando em consideração o inominável incumprimento do que consta na sentença.
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Apresentou a Ré contra-alegações pugnando por que seja mantida a decisão recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. O Recorrente não recorreu da parte da sentença proferida no processo principal a que os presentes correm por apenso, nos termos da qual “Mais se condena a Ré a disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação em execução de sentença.”.
B. Em parte alguma da sentença proferida nos autos principais a aqui Recorrida foi condenada a pagar ao Autor uma habitação adaptada à sua condição de a paraplégico, sendo cristalina ao referir, expressamente, que “…Relativamente à habitação, embora o custo da mesma tenha sido relegado pelo Autor para execução de sentença, também se ressalva que a Ré não é obrigada a comprar ou custear uma nova casa para o Autor, pois que este não ficou privado da propriedade da que tinha anteriormente, apenas lhe é exigível que faculte ao Autor o uso e habitação de um imóvel (próprio ou arrendado) adaptada com os equipamentos necessários a ser habitada por um paraplégico.” (sublinhados e realce nossos).
C. A douta decisão recorrida, é excepcionalmente fundamentada e explica, com a clareza que se impõe, os erros perpetrados pelo Recorrente e os caminhos que este poderia ter escolhido e não escolheu, esperando a Recorrida que possam V. Exas. trazer – finalmente – luz ao espírito do Recorrente.
D. O primeiro equívoco do Recorrente foi intentar uma acção executiva para pagamento de quantia certa, titulada, não pela sentença proferida, mas sim pelo contrato de compra e venda da moradia que escolheu contruir e que decidiu adquirir muito antes da prolação da decisão dos autos principais.
E. A tal execução, que correu termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 1, deste Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o número de processo 562/22.1T8PRT, opôs-se a Recorrida mediante embargos, que constituíram o apenso A do referido processo, e que culminou com o saneador-sentença que julgou procedentes os embargos.
F. É na sequência de tal douto julgamento que o Recorrente veio, por via do incidente de liquidação que constitui o objecto dos presentes autos, tentar, mais uma vez, ver satisfeito o seu plano de enriquecimento ilegítimo a expensas da Recorrida, fazendo, uma vez mais, tábua rasa da decisão em causa.
G. Conforme doutamente explicado na douta sentença recorrida, o cumprimento por parte da aqui Recorrida da obrigação de disponibilização ao Recorrente de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do autor, constitui uma obrigação de prestação de facto e não de pagamento de quantia certa (ou incerta, é indiferente).
H. A douta sentença recorrida é contundente quando declara que “A ré não foi condenada a pagar ao autor os custos a suportar pelo mesmo com a aquisição de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, a liquidar. A ré foi condenada numa obrigação de na sentença (uma habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor)…”.
I. O incidente de liquidação de sentença tem por objecto a quantificação do dano, perda ou custo que já se encontre demonstrado na acção declarativa a que deva correr por apenso, não se destinando a obter nova condenação.
J. A liquidação destina-se, por isso, a uma mera quantificação, ou, na palavra do Tribunal a quo, “… atento o teor da condenação da ré no cumprimento da obrigação de prestação de facto, seja admissível que se lançasse mão do incidente de liquidação para determinação da concreta habitação a disponibilizar pela ré ao autor, nomeadamente, considerando o teor da condenação quanto ao tipo de habitação, caraterísticas desta, incluindo a sua localização, e forma de concretização da obrigação da ré de disponibilização dessa habitação.”.
K. A importância da liquidação releva, ainda, para efeitos de determinação da mora, designadamente, para efeito da mora que o Recorrente vem aparentemente – mas em manifesta má-fé – alegar.
L. Com efeito, como decorre do disposto no Artigo 805.º, n.º 3 do Código Civil “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor…” – o que não é o caso.
M. No Requerimento Inicial que deu origem ao presente apenso, verifica-se que nada alegou o Recorrente sobre a forma como deva ser quantificada a obrigação ilíquida que resulta da decisão proferida para a Recorrida.
N. O único exercício que faz – e que mantém com o presente recurso – é a obstinação de imputar à Recorrente o custo da escolha habitacional que fez, ao construir e adquirir a moradia de três pisos que identifica nos autos.
O. O requerimento inicial apresentado pelo Recorrente é o exemplo acabado, não só da contradição, mas também da completa falta de densificação ou concretização de factos essenciais em que se possa ancorar a pretensão deduzida, culminando, por decorrência lógica – na total ausência de pedido.
P. Como tal, bem andou o Tribunal a quo em julgar da ineptidão do requerimento de liquidação, geradora da nulidade de todo o processado, nos termos dos Artigos 358.º, 359.º, 360.º, n.º 3, 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. b), 578.º e278.º, n.º1, todos do Cód. Proc. Civil, e, em consequência, absolver a Recorrida da instância,
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, cumprindo decidir do erro de julgamento, são as seguintes as questões a decidir:
i) - Do meio processual empregue e da aptidão do requerimento inicial
ou se,
- ao invés, o requerimento de liquidação pós sentença padece de ineptidão, geradora de nulidade de todo o processo, exceção dilatória que conduz à absolvição da instância,
ii) - e da inviabilidade da pretensão formulada incidentalmente, a demandar, prevalente, decisão de mérito.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i)- Do meio processual empregue e da aptidão ou ineptidão do requerimento inicial
Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida nos autos, certo sendo que não estamos perante qualquer ação executiva, nada se estando a cobrar coercivamente, mas perante um incidente de liquidação pós sentença, como foi configurado, pelo ora apelante, no requerimento inicial com que foi introduzido em juízo e, bem assim, vindo a ser tramitado.
Contrariamente à posição assumida pelo apelante nas suas alegações, o meio de que o mesmo lançou mão não foi uma ação executiva mas, como evidente é, e o apelante não pode deixar de saber, o requerimento que apresentou é relativo a um incidente a ação declarativa (àquela que expressamente mencionou e explicitamente o configurou e subsumiu). Nenhum requerimento executivo foi apresentado, sequer taxa de justiça relativa a ação foi comprovada, sendo-o, sim, a do incidente deduzido.
E, na verdade, a ocorrer uma condenação genérica, nos termos do nº2, do art. 609º, do Código de Processo Civil, diploma a que se reportam todos os preceitos citados sem outra referência, conferida é ao Autor numa ação declarativa a faculdade de dedução do incidente de liquidação, nos termos do nº2, do art. 358º e segs, tendo a liquidação de ser, obrigatoriamente, requerida na ação declarativa, já extinta por sentença (art. 277, al. a)), que, uma vez admitido o incidente, se considera renovada, para o efeito da liquidação.
Daqueles preceitos lançou o Autor não, tendo sido ao abrigo deles que se apresentou em juízo e requerer.
O incidente de liquidação visa tornar líquida a condenação genérica, decretada por sentença condenatória transitada em julgado, por os factos apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses danos, surgindo o incidente como necessário a tal fim (tornar líquida a condenação genérica).
Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória transitada em julgado se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando, tão só, a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Requerente em consequência desse dano. Por tal razão, na liquidação não se volta a discutir se existe ou não a obrigação, assente que se encontra, já, definitivamente, a sua existência. Falta, pois, tão só, a determinação do quantum desses prejuízos – cfr nº1, do art. 359º, onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento no qual o autor (…) especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”.
Em tal incidente, não tem o requerente de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, nem os pressupostos da obrigação de indemnização, que têm de se encontrar já provados na sentença, transitada em julgado, proferida na ação declarativa, tendo, sim, de alegar e provar a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa[1].
Ocorrendo a condenação genérica, o incidente de liquidação terá lugar, apenas e somente, se na ação declarativa for decidido condenar a contraparte a pagar a quantia que se vier a apurar, tendo o referido incidente, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero ulterior trâmite de tal ação (cfr. nº2, do art. 358º).
E havendo na ação declarativa condenação genérica, em montante a liquidar ulteriormente à sentença, tem a factualidade necessária ao apuramento do quantum devido de ser objeto de alegação e de proposição de provas, no incidente de liquidação deduzido.
Ora, a “sentença proferida no incidente de liquidação pós sentença não pode alterar o que ficou decidido na sentença de condenação (STJ 30-9-10, 1554/04). Nesta medida, o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação (cf. STJ 4-7-19, 5071/12). Seria, de resto um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo”[2] (negrito nosso).
Decorre do estatuído no nº3, do art. 360º, que no incidente de liquidação deduzido na ação declarativa pós-sentença se seguem, após o decurso do prazo da contestação, “os termos subsequentes do processo comum declarativo” para liquidação do quantum da condenação proferida e não para obter, de novo, uma outra condenação.
No caso, constatando o Tribunal a quo nenhuma condenação genérica ter existido, a carecer de liquidação, considerou a nenhuma liquidação haver lugar na ação declarativa, ulteriormente à sentença, nos termos do nº2, do art. 358º, o que o apelante acaba por reconhecer nas suas alegações de recurso ao, em jeito de emendar o que havia requerido no requerimento inicial do incidente de liquidação, vir pretender que se considere que se apresentou a instaurar ação executiva, com prévia liquidação.
A condenação genérica está limitada aos casos previstos no art. 556º, e sendo o caso, é conferida ao autor a faculdade de deduzir o incidente de liquidação, nos termos dos preceitos convocados pelo Requerente/ora apelante - art. 358º e segs.
Constata-se, contudo, nenhuma condenação genérica vir alegada, nenhuma, sequer, tendo existido.
Com efeito, referindo o Tribunal a quo a possibilidade de dedução de incidente de liquidação depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609.º (ver n.º 2 do art. 358.º do Cód. Proc. Civil), que prevê que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida, bem reconhece que a condenação da Ré a "disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação em execução de sentença” não configura uma condenação genérica.
E analisando da admissibilidade do incidente de liquidação bem refere caber analisar “se o segmento da sentença que o autor pretende liquidar é passível de ser objeto de incidente de liquidação” e, quanto a tal, bem considerou não estarmos perante liquidação de pedido genérico, pois que o que se decretou foi uma “condenação numa obrigação de realização de um facto pela ré − obrigação de prestação de facto. O autor (credor) tem direito a exigir da ré (devedor) um comportamento – disponibilizar-lhe uma habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor −, recaindo sobre a ré o correlativo dever de prestação de tal disponibilização de habitação com essas caraterísticas.
A sentença condenatória, ao condenar a ré a “disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação em execução de sentença.”, ressalvou a eventual – não certa – necessidade de recurso a incidente de liquidação para determinar a concreta habitação a disponibilizar pela ré ao autor.
O que o autor faz através do presente incidente de liquidação é – se bem compreendemos o pedido – peticionar que o tribunal fixe/determine que a habitação que a ré está obrigada a disponibilizar ao Autor, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, é o imóvel que este já comprou através da escritura de compra e venda outorgada em 27 de setembro de 2021, pelo preço de € 575.000,00”.
E analisando da “Natureza da obrigação a liquidar” refere o Tribunal a quo: “Resulta da sentença proferida que o cumprimento por parte da ré dessa obrigação de disponibilização ao autor de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do autor – obrigação de prestação de facto −, pode ser efetuado de diferentes formas. Veja-se, nomeadamente, o seguinte trecho da fundamentação da sentença: "Relativamente à habitação, embora o custo da mesma tenha sido relegado pelo Autor para execução de sentença, também se ressalva que a Ré não é obrigada a comprar ou custear uma nova casa para o Autor, pois que este não ficou privado da propriedade da que tinha anteriormente, apenas lhe é exigível que faculte ao Autor o uso e habitação de um imóvel (próprio ou arrendado) adaptada com os equipamentos necessários a ser habitada por um paraplégico." (…).
Há uma diferença substancial entre o pedido que o autor deduziu na petição inicial – condenação da ré a pagar ao Autor uma habitação, com áreas e equipamentos adaptados a paraplégico, cujo valor e local se relega para liquidação em execução de sentença – e a condenação que foi proferida – condenação da Ré a disponibilizar ao Autor habitação, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, se necessário a determinar em liquidação em execução de sentença.
A ré não foi condenada a pagar ao autor os custos a suportar pelo mesmo com a aquisição de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, a liquidar. (negrito nosso).
A ré foi condenada numa obrigação de prestação de facto: facultar ao autor uma habitação com determinadas caraterísticas fixadas na sentença (uma habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor), podendo o cumprimento dessa obrigação por parte da ré ser efetuado de diferentes formas: por exemplo, mediante o arrendamento pela ré de uma casa com tais caraterísticas para ser habitada pelo autor (situação expressamente referida na fundamentação da sentença, como resulta do trecho da fundamentação supra transcrito); podia a ré adquirir uma habitação com essas caraterísticas para o autor aí viver, eventualmente constituindo usufruto vitalício a favor do autor; etc”.
Referindo o Tribunal a quo:
O pedido deduzido neste incidente é que o tribunal fixe/determine que a habitação que a ré está obrigada a disponibilizar ao Autor, com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, é o imóvel que este já comprou através da escritura de compra e venda outorgada em 27 de setembro de 2021, pelo preço de € 575.000,00.
A compra pelo autor de um terreno e a construção nele de uma habitação foi uma opção do autor, efetuada sem que tivesse sido determinado previamente (em incidente de liquidação) que a forma de cumprimento pela ré da obrigação em que foi condenada quanto à disponibilização de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, preferencialmente na área de residência anterior do Autor, seria a aquisição da habitação que o autor adquiriu.
(…) O que o autor pretende efetivamente é que, à margem dos necessários e competentes incidente prévio de liquidação da habitação concreta a disponibilizar pela ré, e eventual subsequente processo de execução, seja a ré que venha a suportar o custo da aquisição da casa que o autor, unilateralmente e sem qualquer prévia liquidação, escolheu.
Aliás, é o próprio autor que confessa no requerimento de liquidação que à margem do processo de execução em que tal poderia ser feito, ‘cumpriu ele a obrigação que caberia à ré’ – ver ponto 10. do requerimento de liquidação”,
concluindo o mesmo tribunal não ser possível/viável o cumprimento, pela Ré, de obrigação de disponibilizar ao autor o imóvel pelo mesmo já adquirido, havendo uma contradição entre a causa de pedir do incidente (relativa à determinação da forma de cumprimento pela ré da obrigação de disponibilizar ao autor habitação) e o pedido (a pretensão, a que a ré está obrigada, de disponibilizar, para o Autor habitar, um imóvel que o mesmo já adquiriu e do qual já dispõe, habitando-o), geradora da ineptidão do requerimento de liquidação.
Se é certo que a sentença condenatória não condenou a Ré na adaptação da habitação certo é, também, que não condenou a Ré a comprar um imóvel ou a custeá-lo para o autor, meramente resultando a obrigação de lhe “disponibilizar” um, de lhe facultar um para que o mesmo aí possa habitar durante a sua vida.
Não foi, efetivamente, a Ré, condenada a pagar ao autor a importância, os custos a suportar, pelo mesmo, com a aquisição, por ele, de habitação com áreas e equipamentos adaptada a paraplégico, a liquidar. À obrigação imposta no ponto V em causa - a de “disponibilizar…” - não pode ser conferido o sentido de sobre a Ré recair a obrigação de comprar para o Autor, a obrigação de custear a aquisição da propriedade de um imóvel para o Autor, seja de imóvel por este escolhido e adquirido, para, posteriormente, se apresentar a reclamar o preço pago à Ré, seja a de, em quaisquer outras circunstâncias, comprar ou suportar o custo da compra de qualquer outro imóvel para o Autor. Nenhum direito resulta da sentença para o Autor ao “valor da moradia”, à importância do “preço de mercado do imóvel ou ao preço declarado na escritura. E nenhuma liquidação de obrigação genérica vem no incidente, efetuada, bem resultando a ineptidão do requerimento de liquidação por nenhuma condenação genérica vir, sequer, alegada a poder fundamentar o incidente deduzido, estando o pedido em contradição com a pretensa causa de pedir.
Estando o pedido formulado no requerimento de liquidação (relativo à residência de que o Autor já dispõe, sua propriedade) em contradição com a causa de pedir invocada (densificada por factos relativos a obrigação de prestar da Ré), a gerar ineptidão de tal requerimento, tinha a Ré de ser absolvida da instância relativamente àquela pretensão.
Tendo o incidente de liquidação por objeto a quantificação do dano demonstrado na ação declarativa, não se destina o mesmo a obter nova condenação. E nada sendo alegado no incidente relativamente a quantificação de obrigação ilíquida, não existindo, até, em rigor, nele formulado pedido líquido, falta, desde logo, causa de pedir ao incidente que de modo coerente, lógico e viável possa fundamentar o pedido, o que torna o requerimento oferecido inepto, como considerou o Tribunal a quo, sendo, por isso, ao abrigo das supra citadas disposições legais, de absolver a Ré da pretensão formulada no incidente.
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Por último, cumpre referir que dúvidas não restam de que o Autor se apresentou junto ao Tribunal onde a ação declarativa correu termos – proc. 493/13.6TVPRT, v. fls 2 e segs – a deduzir o presente “incidente”, afirmando que “por apenso” e fazê-lo “nos termos e para os efeitos do estatuído nos artigos 609º 2 e 358º nº 2, do CPC, liquidação da condenação constante do ponto V”, sendo que, claramente, não estamos perante qualquer ação executiva, a exercer direito de cobrança coerciva de prestação.
Apresentou-se o apelante a suscitar no recurso questão, nova, a prender-se com a competência do Tribunal para execução da sentença, questão essa cujo conhecimento resulta, desde logo, prejudicado pela constatação de não estarmos perante ação executiva e, para além disso se tratar de questão não suscitada em primeira instância e não objeto de pronúncia pelo tribunal a quo na decisão posta em crise, e que, por isso, não pode ser objeto de recurso, certo sendo, como vimos, ter sido deduzido o incidente supra referido e não ação executiva, tendo, até, a taxa de justiça comprovada com o requerimento sido a do incidente deduzido.
Na verdade, é unânime o entendimento de que questões novas, não colocadas para apreciação, nem decididas, na primeira instância, não podem ser apreciadas pelo tribunal de recurso, pois que no nosso sistema de recursos vigora um modelo de revisão ou reponderação, por contraponto a um modelo de reexame. Neste sistema, ao tribunal superior é permitida a reapreciação ex novo da questão decidida pelo tribunal a quo, o mesmo não sucedendo naquele, vigente entre nós, em que o tribunal ad quem apenas exerce um controlo da sentença recorrida. Este tribunal realiza um novo julgamento sobre o decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas em 1ª instância, encontrando-se o mesmo, ao proferir a decisão, em idêntica situação à do juiz da 1ª instância, no momento em que proferiu a sua, ante, por isso, as mesmas preclusões, quer ao nível das questões de facto quer ao do direito, ocorridas na 1ª instância.
Neste entendimento, vem, quer a doutrina e a jurisprudência, a afirmar que o recurso é o meio para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação do tribunal inferior e não para criar decisão sobre matéria nova, que lhe não foi submetida. Deste modo, recurso é o meio próprio de impugnação de uma concreta decisão judicial, o instrumento para suscitar o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal no âmbito de uma concreta relação material controvertida, delimitada pelo seu objeto: causa de pedir, pedido e exceções deduzidas.
E, como refere Miguel Teixeira de Sousa, o objeto do recurso é constituído por um pedido e por um fundamento, sendo o pedido a pretensão de que seja revogada a decisão impugnada e o fundamento a invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando), sendo que o objeto do recurso tem, sem prejuízo das questões que sempre se apresentem como de conhecimento de oficioso, não precludidas, de se conter no objeto da decisão recorrida, ou seja, no domínio da relação material controvertida convocada pelas partes para ser dirimida, não podendo extravasar desse âmbito.
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ii) Da inviabilidade da pretensão formulada no incidente de liquidação pós sentença
Cumpre, ainda, referir que, verificando-se exceção dilatória sanável, o juiz deve convidar a parte a suprir a falta ou, em determinadas situações, acionar, mesmo oficiosamente, os mecanismos de suprimento (arts. 6º, nº2 e 590º, nº2 a)), mas sendo insanável ou não trazendo a diligência que pudesse ser empreendida qualquer utilidade para a apreciação do mérito da causa, deve haver absolvição da instância, a não ser que, atento o disposto no nº3, prevaleça a apreciação do mérito da causa, o que deve suceder quando, destinando-se o requisito formal a tutelar exclusivamente o interesse de uma parte, a decisão de mérito lhe seja integralmente favorável e não haja qualquer outro obstáculo à apreciação de mérito[3].
Com efeito, estatui este nº3, do art. 278º,
“3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.
E, na verdade, consagra tal preceito o princípio da prevalência da decisão de mérito, pressupondo distinção entre pressupostos processuais dispensáveis e não dispensáveis, de modo que, a não se encontrar preenchido um pressuposto processual destinado a proteger interesses das partes, importa verificar se o conhecimento de mérito pode ser favorável à parte que seria beneficiada com a proteção que resultaria do preenchimento do pressuposto e, em caso afirmativo, a decisão que prevalece, a proferir, é a de mérito, sendo esta a situação dos autos, adianta-se.
Plasma-se, assim, na lei a prevalência do direito material, ao consagrar que a persistência de uma exceção dilatória não obsta à prolação de uma decisão de mérito desde que:
i) - a função desse pressuposto processual seja tão só a tutela dos interesses da parte (e não, também, a defesa do interesse público na boa administração da justiça);
ii) - o juiz esteja em condições de proferir decisão de mérito, de imediato (sem necessidade da realização de outros atos processuais);
iii) – a decisão de mérito a proferir seja integralmente favorável à parte que seria beneficiada com o preenchimento do pressuposto em falta[5].
Neste conspecto, se, apesar da ineptidão da petição inicial (seja por que vício for, designadamente por falta de causa de pedir ou por contradição entre o pedido e a causa de pedir), se verificar manifesta inviabilidade da pretensão formulada, visando aquela exceção dilatória tutelar interesses do sujeito passivo que sai beneficiado com uma decisão de absolvição do pedido, na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado, prevalente sendo a substancia sobre a forma, cabe proferir decisão de fundo[6].
Assim, verificando-se ineptidão do requerimento inicial, nos termos do disposto art. 186º, nº1, al. b), do CPC, tal acarretaria nulidade de todo o processo, exceção dilatória a obstar ao conhecimento do mérito da causa e a dar lugar à absolvição do sujeito passivo da instância, nos termos da al. b), do nº1, do art. 278º, nº2, do art. 576º e da al. b), do art. 577º, todos do CPC.
Porém, como referido, sempre a pretensão é manifestamente inviável, o que resulta evidente do confronto do pedido com a causa de pedir, não tendo o Autor o direito que se apresentou a exercer.
Destarte, e face ao estatuído no nº3, do artigo 278º, do CPC, que privilegia a substância à forma, sempre o incidente de liquidação pós sentença, resulta manifestamente inviável, tendo a pretensão formulada no incidente de improceder.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso e, ao abrigo do nº3, do art. 278º, do CPC, julgam improcedente o pedido incidentalmente formulado, absolvendo a Requerida da pretensão deduzida no presente incidente de liquidação pós sentença.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 17 de abril de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
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[1] V. Ac. STJ. de 23/11/2011, Proc. 397-B/1998.L1.S1, in dgsi, onde se escreve “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar é o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real,…”.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 436
[3] Ibidem, pág 343 (v. ainda Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2ª ed., pág. 37 e segs. e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed. págs 127 e segs).
[4] Ibidem, pág 343, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed. pág.85
[5] Ibidem, pág 343 (v., ainda, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2ª ed., pág. 37 e segs. e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed. págs 127 e segs
[6] v. Ac. RP de 21-2-18, proc, 604/17, citado in António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 340