Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3724/12.6TBVFR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: CERTIDÃO
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RP201502053724/12.6TBVFR.P2
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A menção, numa certidão emitida por Oficial de Justiça para registo conservatorial, de uma certa data como sendo a do trânsito em julgado da decisão não faz prova plena de tal facto (artº 371º, do CC) para efeitos de, com base nela, a parte contar o prazo legal de que dispõe para exercer um direito processual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3724/12.6TBVFR.P2 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 212)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

Por Acórdão desta Relação datado de 27-02-2014 (fls. 91 a 101) foi julgado improcedente o recurso de apelação a esta instância trazido pelos réus (apelantes) “B…, Ldª” e C… e mulher D… da sentença proferida em 1ª instância numa acção declarativa sumária em que são autores (apelados) E… e marido F…, G… e H…, cujo valor estava fixado em 28.648,43€ (fls. 22).

Consequentemente, foram nas respectivas custas condenados os (réus) apelantes (fls. 101).

Ambas as partes foram notificadas de tal Acórdão por carta registada nos correios com data de 03-03-2014 (fls. 103 e 104).

Em 09-04-2014, os autores apelados, alegando ter transitado o acórdão e invocando o disposto nos artºs 25º e 26º, do Regulamento das Custas Judiciais (RCP), apresentaram a Nota de Custas de Parte (fls. 152 a 155).

Em 29-04-2014, os réus apelantes requereram que a mesma fosse indeferida por extemporaneidade e caducidade, alegando para tal que: - tendo sido remetida a notificação por carta de 03-03-2014 e considerando-se esta efectuada em 06-03-2014; - não havendo, face ao valor da acção, possibilidade de interposição de qualquer outro recurso nomeadamente de revista mas tão só de reforma ou de reclamação (não pedidas), e, por isso, transitando o acórdão em julgado 10 dias após a sua notificação às partes, por força do artº 628º, CPC; - tendo a reclamação e a nota sido enviadas em 09-04-2014 mas devendo tê-lo sido até cinco dias após aquele trânsito, há muito este prazo havia expirado (fls. 158 a 164).

Os autores apelados, em 08-05-2014, replicaram que a nota foi enviada tempestivamente porque, segundo consta, de forma expressa e inequívoca, da certidão (datada de 11-04-2014) do acórdão que requereram, emitida pela Secretaria e assinada pelo respectivo Oficial de Justiça deste Tribunal da Relação e que lhes foi entregue, destinada a promoverem o cancelamento do registo na Conservatória de acto objecto da decisão recorrida, o Acórdão transitou em julgado em 07-04-2014 (fls. 120), pelo que tendo remetido a Nota no dia 09 imediato ela estava dentro do prazo e deve ser indeferida a reclamação (fls. 118 e 119).

Por sua vez, os réus apelantes, em 13-05-2014 ainda treplicaram, reiterando a sua posição expressa no requerimento de 29-04-2014, invocando a lei que regula o trânsito, forma como deve ser aplicada e dizendo que o facto de, na certidão a secretaria, ter sido certificado o trânsito em certa data não significa que ela efectivamente tenha transitado.

Na decisão proferida em 27-05-2014 (fls. 132), consignou-se: “O acórdão do Tribunal da Relação do Porto transitou em julgado a 07-04-2014, como certificado por aquele tribunal. Sendo o prazo para apresentação da nota de custas de parte de 5 dias a contar do trânsito em julgado da decisão final, tal como previsto no artº 25º, nº 1, do RCP, a nota junta aos autos pelos autores, de 09/04/2014, manifestamente é tempestiva, nenhum direito tendo caducado. Não têm razão os réus reclamantes, pelo que se indefere o requerido. Custas do incidente pelos réus, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.”

Os réus apelantes não se conformam e apelam para esta Relação (fls. 134), defendendo a alteração do decidido e deferimento da sua reclamação, apresentando conclusões, das quais resulta, em síntese, a reedição dos fundamentos já aduzidos nos seus dois requerimentos supra mencionados, percutindo, assim, que o acórdão não admitia recurso mas apenas reclamação cujo prazo (de 10 dias) já se esgotara em 17-03-2014 (ou em 20, se considerados os 3 dias de dilação com multa) sem que nenhuma tivesse sido deduzida, pelo que terminou em 25-03-2014 o prazo para envio da Nota, não valendo como efectiva data do trânsito a data mencionada na certidão emitida pela Secretaria. Teria, pois, a decisão recorrida violado as normas dos artºs 628º, 138º e 139º, do CPC.
O recurso foi admitido por despacho de 04-12-2014 (fls. 145) como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, não consta que tenha havido resposta dos autores apelados.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

In casu, a questão consiste em saber qual o alcance da certidão emitida pela secretaria que certifica em certa data o trânsito em julgado e, depois, qual a data efectiva deste em ordem a apurar a tempestividade da apresentação da Nota.

III. FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Os factos relevantes constam do relato supra, emergem dos autos e são consensuais.

De direito

Nos termos do artº 25º, do RCP, a nota de custas deve ser remetida, pela parte que a elas tenha direito, para a outra condenada a pagá-las e para o tribunal, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão respectiva.

Sucedeu que os apelados, a pretexto de dela necessitarem para registo conservatorial, solicitaram e foi-lhes passada, para o efeito, uma certidão na qual o respectivo Oficial de Justiça da Secretaria fez constar que o Acórdão certificado transitou em julgado em 07-04-2014.

A tal certidão se agarram eles para defenderem que, tendo-a apresentado a 09-04-2014, o acto é tempestivo.

Na mesma certificação se baseou o tribunal a quo e, por isso, deu-lhes razão.

Mas será que o juízo para o efeito empreendido pelo certificante estabelece e firma real e indiscutivelmente a data de tal facto jurídico (trânsito em julgado)?

Não nos parece.

Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação – artº 628º, do CPC.

Na operação que conduz a tal consideração – conclusão ou juízo – confluem factos objectivos do processo (data da notificação às partes e verificação de que, no período de tempo julgado relevante nenhum recurso foi interposto e nenhuma reclamação foi deduzida) e aplicação de normas legais (desde logo, as relativas à data em que juridicamente se presume feita a dita notificação e, depois, as que determinam se e em que prazo ou até quando o recurso ordinário podia e devia ter sido deduzido ou a reclamação apresentada).

Aqueles (factos) percepcionáveis e extraíveis directamente do processo e reportáveis ou narráveis na certidão pelo documentador dele depositário público, têm a força probatória dos originais, a qual, porém, pode ser invalidada ou modificada por confronto com aquele (original), designadamente pela pessoa contra quem for apresentada – artºs 383º, nº 1, e 385º, nºs 1 e 2, do Código Civil.

Estas (normas), na medida em que implicam a sua escolha, interpretação e aplicação e, por isso, tarefa de índole jurídica para que lhe falta legitimidade e competência funcional (ainda que, ressalve-se, disponha de plena capacidade e saber), escapam ao acto de certificação e, por isso, àquela força probatória, podendo naturalmente a operação ser questionada em termos normais no plano do erro de direito (já não no do factual ou da prova).

Foi o que fizeram os réus apelantes, pretendendo que o trânsito do acórdão já há muito ocorrera, contra o que pensam os apelados, defendendo que esse facto se verificou em 07-04-2014 e que prevalece a declaração nesse sentido exarada na certidão pelo respectivo oficial certificante.

Cremos que não está do lado destes a razão e que, efectivamente, a certidão não tem tal alcance, não podendo tomar-se, como não podia o tribunal recorrido ter tomado, a data aposta como a certa e inquestionável, só porque ela ali assim consta certificada.

Aliás, por um outro motivo, ainda, não menos determinante.

A certidão só se reveste da natureza de documento autêntico enquanto os factos certificados se circunscrevam aos limites da competência e estejam dentro do círculo de actividade por lei atribuída à respectiva autoridade pública, como tal e para o efeito se considerando o Oficial de Justiça, provido de fé pública – artº 363º, nº 2, do C. Civil.

O documento só é autêntico quando este o exara no exercício das suas funções e nos limites da sua competência funcional em razão da matéria, o que, aliás, se presume – artºs 369º e 370º, do CC.

Mas na medida em que o documento seja autêntico, ele só faz prova plena dos factos que narra como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e dos factos que neles são atestados com base nas suas percepções – já não os juízos pessoais do documentador, muito menos os jurídicos, como decorre do artº 371º, CC.

Estes – no caso, relativos à invocação e aplicação de normas jurídicas – não são abrangidos pela força probatória plena do documento autêntico.

Tal não exige nem dá azo, obviamente, à arguição de falsidade, mas sim à contestação de direito atinente.

Isso mesmo já decidiu o STJ, em Acórdão de 09-07-2003[1], no qual se observou: “…uma decisão não transita em julgado pelo facto de um documento o afirmar - há que distinguir a realidade do trânsito daquilo que efectivamente é certificado. Não pode, nem a lei lho consente, sobrepor-se o funcionário ao órgão judicial nem substituir-se-lhe. Seria o que sucederia a seguir-se a tese dos recorrentes - era o funcionário quem impediria a parte de recorrer e, tendo-o feito, o tribunal de admitir o recurso, exactamente porque aquele afirmava que a decisão transitara. Seria deslocar a administração da justiça, que incumbe ao juiz, para o funcionário.”

Não podendo, pois, pressupor-se e tomar-se como certo e seguro que o acórdão transitou na data exarada na certidão – 07-04-2014 – importa, para dirimir a controvérsia suscitada relativa à tempestividade ou extemporaneidade da nota de custas, apurar e aqui definir tal data, segundo os factos do processo e o direito para tal aplicável.

No caso, a notificação do acórdão condenatório em custas, atenta a data do registo da carta de notificação – 03-03-2014 –, presume-se feita no dia 06 seguinte.

Iniciava-se, portanto, no dia 07 o prazo para recorrer ou reclamar.

Sendo, sem dúvida, de dez dias (nos termos gerais previstos no artº 149º, nº 1, do CPC) o prazo para as partes, no caso, reclamarem, por qualquer dos fundamentos que tal efectivamente possibilitasse (como é o caso de nulidades, nos termos do artº 615º, nº 4), ele terminava a 17 ou 20 de Março, conforme fosse, ou não, utilizado o expediente dele dilatório previsto no artº 139º, do CPC.

E, além disso, seria o Acórdão em causa (atenta a matéria dele objecto e a questão de mérito sobre que se pronunciou) susceptível de recurso ordinário de revista (caso em que, por aplicação do prazo de 30 dias para tal previsto no artº 638º, nº 1, o trânsito só poderia ocorrer no termo daquele)?

Ora, a acção tem valor inferior ao da alçada desta Relação.

Falta, por isso, o pressuposto-regra de admissibilidade de recurso de revista, previsto no artº 629º, do CPC, e que condiciona tanto a normal (mesmo no caso do nº 3, do artº 671º) como a excepcional (artº 672).[2]

Ela não se enquadra também em qualquer das hipóteses em que, independentemente disso, é sempre admissível recurso (nº 2 do mesmo artigo).

A resposta é, portanto, negativa: inadmissível o recurso de revista.

Logo, trânsito em julgado, o mais tardar, em 20-03-2014, e não, como foi certificado, em 07-04-2014.

Se a certificação relevou e não foi questionada para o efeito pedido e a que se destinou, não podiam os autores apelados, na mira de, ao abrigo do artº 25º, do RCP, apresentarem a Nota de Custas, descurar pela diligente e adequada contagem do prazo em face das datas e das perspectivas legais relativas à recorribilidade e aguardar por aquele que, na certidão emitida em 11-04-2014 pela Secretaria viria a ser consignado para, depois e agora, se justificarem com a contagem por ela feita e se abrigarem no respectivo resultado.

Tal como não podia o tribunal a quo basear-se, para dirimir a controvérsia suscitada, em tal certificação e eximir-se à correcta e legal verificação do trânsito em julgado, apenas neste resultado podendo e devendo amparar-se.

Cremos que se o tivesse feito, teria empreendido o mesmo percurso que agora fizemos e chegado à mesma conclusão: a Nota, apresentada só em 09-04-2014, estava, afinal, fora do prazo previsto no referido artº 25º, do RCP.

Não o tendo feito, não pode manter-se a decisão recorrida de fls. 132, importando, na procedência da apelação, revogá-la e, em sua substituição, julgar extemporânea a sua apresentação e indeferi-la.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e, em consequência, não admitem, por extemporânea, a Nota.

Custas pelos apelados (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 05-02-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
__________
[1] Relatado pelo Consº Lopes Pinto.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2013, páginas 286 (último parágrafo) e 308 (nota 381).