Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22/13.1TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA ACÇÃO
EXTINÇÃO DA AÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP2015010522/13.1TTMTS.P1
Data do Acordão: 01/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: A suspensão ou extinção das acções prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE reporta-se a qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante do exercício da actividade económica do devedor, quer se trate de acção declarativa de condenação, quer se trate de acção executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 22/13.1TTMTS.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
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1.1. B… instaurou em 8 de Janeiro de 2013 a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra C…, S.A., alegando factos que, na sua perspectiva, implicam o reconhecimento do direito ao pagamento de créditos laborais e da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Formulou, a final, o pedido de condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 37.084,71, a título de créditos laborais emergentes da execução do contrato de trabalho e da sua cessação e compensação pela resolução com justa causa, prestações estas acrescidas de juros desde 15 de Outubro de 2012, data da resolução.
Designada data para audiência de partes, a R., invocando o facto de ter dado entrada a um processo especial de revitalização e de ter sido proferido despacho a nomear administrador judicial provisório em 15 de Janeiro de 2013, publicado no portal citius no dia seguinte, veio requerer a suspensão dos presentes autos ao abrigo do art. 17º-E, nº 1 do C.I.R.E.
O autor, opôs-se à requerida suspensão por entender que a presente acção não pode ser considerada uma acção para cobrança de dívida (fls. 33 a 35).
Foi então proferido despacho em 21 de Março de 2013 que concluiu pela improcedência dos argumentos apresentados pelo autor com vista à improcedência do pedido de suspensão da instância, e consequentemente, nos termos do disposto pelo art. 17º-E, nº 1 do C.I.R.E. na redacção da Lei 16/2012 de 20/04, decidiu suspender a instância até à conclusão do processo de revitalização da ré (fls. 37 a 39).
De tal despacho não foi interposto recurso.
Solicitada ulteriormente informação sobre o estado do processo de revitalização e sobre se no plano de recuperação se previu o prosseguimento das acções pendentes contra a empresa, foi documentada nos autos a sentença proferida naquele processo a homologar o Plano de Revitalização, datada de 8 de Julho de 2013 (certidão de fls. 48-49), bem como o Plano de Recuperação (fls. 54 e ss.).
Foi então proferida pelo tribunal a quo, com data de 17 de Março de 2014, a seguinte decisão:
«Nos presentes autos de ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum que B…, residente na Rua …, nº .., …, intentou contra C..., S.A., com sede na …, …., .º, Matosinhos, tendo sido aprovado e homologado o plano de recuperação da ré no âmbito do processo especial de revitalização, e não tendo sido previsto o prosseguimento das ações pendentes contra a empresa, nos termos do disposto pelo art. 17º-E, nº 1 do C.I.R.E., julgo a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.)
Custas pela ré – art. 537º, nº 3 do C.P.C.
Valor da ação: € 37 430,16 (trinta e sete mil quatrocentos e trinta euros e dezasseis cêntimos).
[…]».
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Na sentença sob recurso, entendeu o Meretíssimo Tribunal “a quo”, ainda que não o refira de forma clara, que a acção declarativa intentada pelo apelante consubstancia uma acção para cobrança de dívidas.
2. Isto porque se decidiu pela extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, por aplicação do que dispõe o art. 17.º-E, n.º 1 do CIRE e nos termos do art. 277.º, al. e) do CPC.
3. Ora, salvo melhor opinião, discorda-se de tal decisão.
4. Com efeito, a doutra decisão posta em crise não levou em conta que o que pretendia o ora apelante e ali Autor era a declaração e quantificação do seu direito de crédito.
5. De facto, a acção declarativa intentada é o meio processual adequado e através do qual é possível, ao Apelante alegar e demosntrar factos susceptíveis de quantificar o seu crédito nos termos peticionados.
6. Ou seja, não é certo que ao Apelante seja negada a possibilidade de quantificar o seu crédito e de ver o seu direito declarado, através da propositura da presente acção,
7. até porque, tal entendimento trouxe ao apelante, como consequência, o reconhecimento do seu crédito no âmbito do PER, apenas nos termos em que tal crédito foi indicado pela sociedade devedora, aqui Ré, delegando-se para esta instância diferente quantificação.
8. Ainda salvo melhor opinião, estima o Apenate que, a ser relevante a pendência do processo especial de revitalização para efeitos de apreciação da presente acção, tal relevâncoia não pode sem mais ter, como aplicação prática, julgar a presente acção como uma mera acção de cobrança de dívidas, assim se abstendo o tribunal a quo de decidir o litígio.
9. Ao enveredar por essa via, o tribunal aquo não atingiu o objectivo da compatibilização e harmonização do dever de administrar e fazer justiça como imperativo de raiz constitucional da certeza e segurança jurídicas.
10. Ao ter decido da forma recorrida, julgando a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, a douta decisão recorrida operou violação da lei, maxime do disposto nos art.s 20.º da CRP, 17.º-E, n.º 1 do CIRE e art. 277.º, al. e) do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento à apelação, revogando-se a douta decisão recorrida e, em consequência, ordenando-se o prosseguimento dos autos em causa para prolação futura de sentença, consagrando-se dessa forma uma plena e sã justiça.”
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo (fls. 87).
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pelo não provimento do recurso nos termos do douto Parecer de fls. 91-93 sobre o qual as partes se não pronunciaram.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se, no caso sub judice, a instância da acção deve ser declarada extinta por força do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) na redacção dada pela Lei nº16/2012 de 20 de Abril.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos necessários e relevantes para a decisão do recurso emergem do relatório que antecede.
Resulta ainda dos autos que:
3.1. No 1º Juízo do Tribunal Judicial do Comércio de Vila Nova de Gaia, corre o processo especial de revitalização, com o número 1440/12.8TYVNG, no qual foi proferida, em 15 de Janeiro de 2013, decisão a admitir liminarmente o processo especial de revitalização da sociedade ora Ré e nomeado administrador judicial provisório.
3.2. Em tal processo foi elaborado Plano de Recuperação no qual se prevê o pagamento da totalidade do valor em dívida dos créditos laborais reconhecidos em 36 prestações mensais iguais e sucessivas, com início no último dia do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, com perdão dos juros vencidos e vincendos e conferindo-se ao crédito do A. o valor de € 23.591,87.
3.3. No mesmo Plano de Recuperação não se prevê a continuação de acções declarativas laborais pendentes contra a sociedade ora Ré.
3.4. Com a data de 8 de Julho de 2013 foi proferida sentença no processo referido em 3.1. a homologar o Plano de Revitalização, a qual tem o seguinte teor:
«C…, S.A, pessoa colectiva n.º ………, com sede na …, …., .º, Matosinhos, veio instaurar o presente processo especial de revitalização.
Tendo em consideração os votos computados constata-se que foi aprovado o plano de recuperação com 77,79% dos votos.
Cumpre apreciar e decidir
Estipula o n.º 3, do artigo 17.º-F, do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril que “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quorum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs. 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”.
Estipula o nº 1, do art.º 212º, do C.I.R.E., que “a proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Atento o exposto e ao abrigo do disposto nos nºs. 2, 3, 4 e 5 do artigo 17.º-F, da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, homologa-se, pela presente sentença, o plano de recuperação, não produzindo, porém, o mesmo efeitos relativamente aos créditos fiscais reclamados pela Fazenda Nacional, que votou contra.
Custas a cargo da devedora – cf. n.º 7, do artigo 17.º-F, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.
[…]».
3.5. Esta sentença transitou em julgado em 8 de Agosto de 2013.
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4. Fundamentação de direito
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Tendo presente esta factualidade, analisemos a questão essencial suscitada no recurso.
A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril Lei nº 16/2012, em vigor desde 20 de Maio de 2012, na sequência do compromisso assumido no memorando de entendimento no sentido de “definir princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com as boas práticas internacionais”, aditou ao CIRE um conjunto de artigos – os artigos 17.º-A a 17.º-I – que regulam uma nova forma de processo destinado a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em “situação económica difícil” (definida no art. 17.º-B como a situação em que se encontra o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou não conseguir obter crédito) ou em “situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação”, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. Designa-se tal processo como Processo Especial de Revitalização (PER).
O artigo 1.º do CIRE, na redacção dada pela referida Lei nº 16/2012, prescreve em conformidade no seu n.º 2 que “[e]stando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I” (n.º 2).
Dispondo sobre a finalidade e natureza do processo especial de revitalização, o artigo 17.º-A do CIRE, estabelece no seu n.º 1, que “[o] processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
E o artigo 17º-E, nº1 do CIRE estabelece que “[a] decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
A questão que se coloca consiste em saber qual o sentido dar à expressão “acções para cobrança de dívidas” constante deste último preceito, com base no qual a Mma. Julgadora a quo julgou extinta a instância da acção declarativa na qual foi interposto o presente recurso.
Sobre esta questão teve este Tribunal da Relação do Porto ocasião de se pronunciar em vários acórdãos recentes, designadamente nos dias 3 de Fevereiro de 2014[1], 30 de Setembro de 2013[2] e 18 de Dezembro de 2013[3].
No primeiro dos referidos arestos, assim se discorreu [transcrição que exclui as notas de rodapé]:
«[…]
Que sentido dar à expressão acções para cobrança de dívidas?
Nos termos do artigo 4º do Código de Processo Civil revogado, vigente na data da prolação do despacho recorrido, (CPC) “1. As acções são declarativas ou executivas. 2. As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. Têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. 3.Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.
Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “ a distinção entre o processo declaratório e o processo executivo apenas se estabelece em relação às acções de condenação ou relativamente ás acções de outro tipo (de mera ou simples apreciação ou constitutivas), em que haja uma sentença de condenação. Há nesses casos uma cisão nítida entre o processo de cognição, que finda com a sentença de condenação, e o processo executivo, que conduz à realização coactiva de uma ou mais pretensões” – Manual de Processo Civil, 1984, página 71.
Jorge Augusto Pais do Amaral defende que “A distinção entre acções declarativas e acções executivas equivale à diferença entre o simples declarar e executar, entre o dizer e o fazer. No processo declarativo é declarada a vontade concreta da lei, visando o executivo a execução dessa vontade” – Direito Processual Civil, 9ªedição, página 19.
O legislador da Lei nº16/2012 de 20.04 não podia desconhecer a distinção entre as acções declarativa e executiva e dentro das primeiras aquelas a que se refere o artigo 4º, nº2 do CPC, não tendo, contudo, «abraçado» o critério seguido no referido artigo quando emprega a expressão acções para cobrança de dívidas.
Por outras palavras: no artigo 17º-E, nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor [para além da expressão «acções para cobrança de dívida» o legislador emprega também a expressão «acções em curso com idêntica finalidade», não se referindo, concretamente, à espécie de acção mas à sua concreta finalidade].
Em auxílio à interpretação a que chegámos podemos referenciar, ainda, o DL nº178/2012 de 03.08 – diploma que criou o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE) – concretamente o seu artigo 11º, onde se faz referência expressa às acções executivas para pagamento de quantia certa e às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias instauradas contra a empresa [determina o nº2 do artigo 11º que «O despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE obsta à instauração contra a empresa de quaisquer acções executivas para pagamento de quantia certa ou outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias enquanto o procedimento não for extinto e suspende, automaticamente e por igual período, as acções executivas para pagamento de quantia certa ou quaisquer outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa que se encontrem pendentes à data da respectiva prolação»].
João Aveiro Pereira defende que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa” (…) – A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.
Madalena Perestelo de Oliveira refere – em comentário ao artigo 17º-E, nº1 – que a suspensão dos processos se traduz na “forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência. Ao mesmo tempo protege os credores, na medida em que evita que credores individuais utilizem a massa insolvente para a sua própria satisfação”, para concluir, mais à frente, que “ Não obstante as falhas de regime, o PER concretiza, assim, o entendimento dominante, especialmente desenvolvido nos Estados Unidos, quanto ao processo de insolvência: (i) as diligências de salvamento de uma empresa devem ser tomadas suficientemente cedo para que ainda haja possibilidade de sucesso; (ii) deve ser concedido à empresa um «breathing space», ou seja, um período durante o qual os credores não possam reclamar os seus créditos, para que as tentativas de recuperação sejam mais bem sucedidas; (iii) deve ser tomado em consideração um leque mais vasto de interesses, que envolverá todos aqueles potencialmente afectados pela insolvência, independentemente da qualidade de credores” (…) – O Processo Especial de Revitalização: o novo CIRE, páginas 718, 719 e 720, em Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) – número 3.
Em suma: conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC., ao se referir no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012 de 20.04 às acções que tem por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.
Posto isto passemos ao caso dos autos.
Tendo em conta os pedidos formulados na presente acção [dever ser declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho efectuado pela Autor e condenar-se a Ré a pagar-lhe a) A indemnização de antiguidade, no montante de € 1.455,00; b) A quantia de € 5.753,58, relativa a créditos vencidos em 12.09.2012; c) Os juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das quantias e até efectivo pagamento] podemos afirmar estar-se perante uma acção de condenação na medida em que para além da existência de um direito – contrato de trabalho e sua resolução com justa causa – o Autor pretende ainda a condenação da Ré no pagamento das quantias em dívida decorrentes da existência do contrato de trabalho [sua execução e violação].
Tais pedidos, se forem julgados procedentes irão conduzir à condenação da Ré naquelas quantias, o que se reflectirá, obrigatoriamente, no seu património. Ora, a presente acção não será propriamente uma acção de cobrança de dívida mas tem, também, essa finalidade: se julgada procedente atinge necessariamente o património do devedor, requerente do processo especial de revitalização.
Por isso, entendemos que a presente acção se inclui nas acções para cobrança de dívidas e nas acções em curso com idêntica finalidade a que se alude no nº1 do artigo 17º-E do CIRE, já que os pedidos nela formulados contra a Ré, se julgados procedentes, reflectem-se obrigatoriamente no seu património [seguimos aqui a posição já defendida no processo 523/12.9TTBRG.P1 em que foi relatora a aqui relatora e 2ª adjunta a aqui 1ª adjunta].
Para finalizar, se dirá o seguinte: a Exma. Procuradora Geral Adjunta veio defender que se deverá antes declarar extinta a instância atendendo ao facto de que já se encontra homologado o Plano de Revitalização – artigo 17º-E, nº1, parte final do CIRE.
A parte final do nº1 do artigo 17º-E do CIRE determina a extinção das acções nele referidas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação. A declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é de conhecimento oficioso, sendo que no caso se mostra assegurado o princípio do contraditório com a notificação do parecer da Exma. Procuradora Geral Adjunta às partes. Por isso podemos avançar para o seu conhecimento.
E na verdade mostra-se provado que o Plano de Recuperação foi homologado, pelo que, e atento o disposto no citado artigo, declara-se extinta a presente acção por inutilidade superveniente da lide – artigo 277º, al. e) do NCPC.
[…]».
Estas considerações têm inteira aplicação ao presente caso, não se vendo motivo para deixar de aderir à posição que reflectem, então por nós assumida e perfilhada, também, nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2014[4], da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2014[5] e da Relação de Évora de 16 de Janeiro de 2014[6], em processos em que se suscitava justamente a questão aqui em apreciação, quer na perspectiva da suspensão da instância, quer na da extinção da instância das acções declarativas destinadas a fazer valer créditos contra o devedor em processo especial de revitalização, ambas previstas no artigo 17.º-E do CIRE. Em sentido contrário conhecemos o Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2013[7] citado pela recorrente, cuja doutrina, salvo o devido respeito e pelas razões apontadas, não sufragamos.
Acrescenta-se que também Carvalho Fernandes e João Labareda, a propósito do n.º 1 do artigo 17.º-E, que não refere quais as acções que se suspendem e extinguem, nem o que deve entender-se por “cobrança de dívidas”, apontam que a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, “as acções declarativas condenatórias” e também “acções com processo especial e procedimentos cautelares”[8].
E, sendo assim, não se anui ao que foi vertido nas alegações de recurso do A. recorrente no sentido de que uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é sinónimo, de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias.
O recorrente invoca ainda, em sustento da sua tese que a interpretação efectuada do disposto no art. 17º-E nº 1 do CIRE viola o princípio constitucional de acesso ao direito a tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP) e que o tribunal a quo ao recusar o prosseguimento dos autos por impossibilidade da lide não atingiu o objectivo de compatibilização e harmonização do dever de administrar e fazer justiça com o imperativo de raiz constitucional da certeza e segurança jurídicas.
Não acompanhamos esta perspectiva.
Com efeito, de acordo com o procedimento previsto no CIRE, após a nomeação pelo juiz de administrador judicial provisório, com as competências definidas nos art. 32º e segs. (artigo 17.º-C, nº 3), os credores que não participaram na negociação são notificados e a lista provisória de créditos é publicada, qualquer credor que não tenha participado nas negociações pode então reclamar créditos e a lista provisória de créditos transforma-se em lista definitiva após cinco dias úteis, se não houver qualquer impugnação ou após decisão sobre as impugnações se as houver (artigo 17.º-D), sendo o plano objecto de homologação ou recusa por parte do juiz (artigo 17.º-F).
Através deste procedimento, é de considerar que ficou assegurado o direito de acesso do A. ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, sendo certo que o prosseguimento dos termos subsequentes da presente acção declarativa até julgamento e eventual procedência iria pôr em causa a ratio do procedimento especial de revitalização[9].
Em suma, a presente acção constitui, inequivocamente uma acção de cobrança de dívidas ou com idêntica finalidade, preenchendo a previsão do nº 1 do art. 17º-E, uma vez que com a mesma se pretende o reconhecimento dos créditos peticionados e, consequentemente, o pagamento/cobrança das inerentes dívidas.
De acordo com este preceito, a lei determina:
- que as acções para cobrança de dívidas ou com idêntica finalidade que estejam em curso contra o devedor se suspendam após o despacho que nomeia administrador judicial provisório e pelo tempo que perdurarem as negociações,
- que tal despacho obsta à instauração daquele tipo de acções contra o devedor e
- que as acções daquele tipo que estavam em curso e se suspenderam – como é o caso – se extinguem logo que aprovado e homologado o plano de recuperação, a não ser que este preveja a sua continuação.
Verifica-se, pois, face ao preceituado pelo art. 17º-E nº 1 in fine do CIRE a impossibilidade superveniente da lide, o que importa nos termos do artigo 277.º, alínea d), do Código de Processo Civil a extinção da instância da presente acção declarativa, não merecendo censura a decisão do tribunal a quo que assim o determinou.
Nesta conformidade, e em conclusão, improcedem as conclusões da apelação.
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As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, uma vez que nele ficou vencido (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
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Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, atendendo-se a que beneficia de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 5 de Janeiro de 2015
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
_____________
[1] Proferido no Processo n.º 1247/12.2TTBRG.P1 e relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Dra. Maria Fernanda Soares, no qual a ora relatora interveio como adjunta.
[2] Proferido no Processo n.º 516/12.6TTBRG.P1 e relatado pela ora segundo adjunto.
[3] Proferido no Processo n.º 407/12.0TTBRG.P1 e relatado pelo ora primeiro adjunto.
[4] Proferido no Processo n.º 899/12.8TTVFX.L1-4.
[5] Proferido no Processo n.º 1112/13.6TTCBR.C1.
[6] Proferido no Processo n.º 358/13.1TTPTM.E1.
[7] Proferido no processo n.º 1190/12.5TTLSB.L1.
[8] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Lisboa, 2013, pp. 164-165.
[9] Neste sentido o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Junho de 2014.
______________
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
A suspensão ou extinção das acções prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE reporta-se a qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante do exercício da actividade económica do devedor, quer se trate de acção declarativa de condenação, quer se trate de acção executiva.

Maria José Costa Pinto