Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1337/12.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
ACÇÃO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
PEDIDO DE ENTREGA
MONTANTE DEVIDO
PROMITENTE VENDEDOR
EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA
PEDIDO
COMPENSAÇÃO
DANO
Nº do Documento: RP201801081337/12.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 01/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º666, FLS.204-200)
Área Temática: .
Sumário: I - Não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, o dever de zelo e diligência.
II - A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.
III - Comungando dos pressupostos da responsabilidade civil, para que possam ser imputadas as consequências de um determinado comportamento culposo ao mandatário judicial no exercício do seu múnus, é necessário que as mesmas se possam filiar naquele através de um nexo de causalidade adequada.
IV - Contudo, a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante.
V - No âmbito de uma acção execução específica para cumprimento de um contrato promessa relativo a bens imóveis onerados com hipotecas para garantia de um débito do promitente vendedor, o advogado, incumbido de propor a respectiva acção, tem o dever de pedir também a condenação daquele a entregar o montante desse débito para o efeito de expurgar as hipotecas (crf. artigo 830.º, nº 4 do CCivil).
VI - A falta de formulação de tal pedido é causa adequada da perda de oportunidade ou de chance, autonomamente considerada, sendo necessário para haver indemnização que a probabilidade de ganho seja elevada.
VII - Todavia o dano não deve ser ressarcido se se demonstrar que o lesado também suportaria o risco da não verificação da (fraca) probabilidade de sucesso no caso de não ter ocorrido a conduta ilícita, o que acontece quando se prove que, fruto da preclitante situação económica em que a promitente vendedora se encontrava à data da celebração dos contratos promessa que viria a culminar na sua declaração de insolvência onde apenas obtiveram parcialmente pagamento os créditos garantidos, a promitente compradora, como credora comum, jamais viria a obter a cobrança do crédito que tivesse resultado da formulação daquele pedido na acção de execução específica do contrato promessa.
VIII - Para efeitos de compensação não basta invocar-se um crédito hipotético e controvertido, antes se impondo, para que aquela possa ser eficaz, que a existência do(s) crédito(s) esteja reconhecida no momento em que a compensação é invocada, não sendo admissível o reconhecimento do crédito no âmbito da acção pendente, pois só assim se pode afirmar ser o crédito do compensante exigível judicialmente.
IX - Por assim ser, não pode a promitente compradora pretender compensar o seu débito, referente ao pagamento do remanescente do preço do valor das fracções objecto do contrato promessa, com o valor em que a promitente vendedora fosse condenada a entregar-lhe para o expurgo das hipotecas que oneravam tais fracções, não se verificando, assim, perda de chance pelo facto de o Réu não ter também formulado, no âmbito da acção de execução específica, tal pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1337/12.1TVPRT.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Juízo Central Cível do Porto-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, Lda. com sede na Praça … nº … Porto, veio propor acção declaratória com processo ordinário, contra C…, advogado, com escritório à Rua … nº .., …, Porto, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €232.935,08 acrescida de juros legais a partir da citação até integral e efectivo pagamento.
Fundamenta a sua pretensão no alegado incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato celebrado entre ambos.
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Devidamente citado contestou o Réu pugnando pela improcedência da acção mais solicitando a intervenção principal ou acessória das companhias de seguros D…, Lda e E…, S.A..
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Admitida a intervenção em via principal das seguradoras vieram as mesmas contestar pedindo a improcedência da acção tendo a Ré Companhia de Seguros E… excepcionado a sua ilegitimidade para a acção.
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Foi proferido o despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pela Ré E…, se fixou o objecto do litígio, se enunciaram os temas de prova e se apreciarem os requerimentos probatórios apresentados.
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Teve lugar a audiência de julgamento que de correu com observância do formalismo legal.
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A final foi proferida decisão que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu o Réu do pedido.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. A sentença faz uma errada interpretação dos factos provados.
2. O Réu incorreu em responsabilidade civil, uma vez que cumpriu defeituosamente o mandato judicial.
3. O Réu sabendo da existência das duas hipotecas, tinha o dever técnico de, ao abrigo do n.º 4 do art.º 830.º do Código Civil, requerer a condenação da promitente vendedora a entrega à Recorrente o montante necessário ao expurgo das hipotecas.
4. Mais, tinha o dever técnico de, na sequência daquele pedido, requerer também a compensação de créditos entre o montante que a Recorrente ainda tinha que pagar a título do restante do preço de compra-€50.235,08-e o montante em que a promitente-vendedora viesse a ser condenada a entregar para expurgo das hipotecas e que era muito superior àquele.
5. O Réu, culposamente, não fez aquilo que lhe era exigível tecnicamente.
6. Um advogado, medianamente diligente e conhecedor, teria formulado aqueles pedidos na dita acção.
7. A actuação ilícita e culposa do Réu teve por consequência directa a aquisição dos imóveis onerados, sem que a promitente vendedora fosse condenada a entregar o montante necessário para o expurgo das hipotecas.
8. Teve, ainda, por consequência directa a não compensação dos créditos e o desnecessário depósito do restante do preço no montante de €50.235,08.
9. se o Réu, conforme era seu dever, tivesse pedido a condenação na entrega do montante necessário ao expurgo da hipoteca com o simultâneo pedido de compensação com o montante ainda devido a título de restante do preço, a Recorrente não teria que proceder ao depósito dos €50.235,08 e não teria perdido essa quantia.
10. Na sentença existe uma confusão entre a probabilidade do ganho de causa e a probabilidade de, ganhando a causa, a Recorrente no futuro vir a receber o montante decorrente da condenação.
11. Sendo certo que quanto aos €50.235,08 essa questão da improbabilidade nem se coloca, uma vez que é certo que formulados os pedidos que não foram formulados a Recorrente não teria perdido essa quantia.
12. Conforme tem sido decidido nos tribunais superiores–ver por todos o acórdão do STJ, 4.12.2012, proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1, que teve por relator o Senhor Conselheiro Alves Velho, publicado em www.dgsi.pt-o dano decorrente do cumprimento defeituoso do mandato judicial corresponde à consequência da omissão, ou seja, à não condenação da promitente vendedora à entrega do montante necessário ao expurgo da hipoteca, bem como à não declaração judicial de compensação dos créditos.
13. É irrelevante se a Recorrente depois ia ou não conseguir receber o montante decorrente da condenação.
14. A perda de chance está na não condenação e na não declaração de compensação.
15. Ou seja, a Recorrente, em virtude da omissão cometida pelo Réu, consubstanciada na omissão do pedido de entrega do montante necessário para o expurgo da hipoteca, bem como no pedido de compensação, perdeu a hipótese daquela condenação favorável e da vantagem dela adveniente, bem como a hipótese de ter sido declarada judicialmente a compensação de créditos, com a vantagem de não perder €50.235,00.
16. A procedência daqueles pedidos era muito provável ou mesmo certa.
17. Consequentemente, a Recorrente liquidou os danos em €182.700,00+€50.235,08.= €232.935,08, devendo todos os Réus serem condenados ao pagamento daquela indemnização, acrescida do pagamento de juros de mora, conforme o peticionado na petição inicial.
18. Sem prescindir, quanto ao dano consubstanciado na não condenação na entrega do montante necessário ao expurgo das hipotecas, se o tribunal entender que não é possível averiguar o valor exacto dos danos, deve condenar equitativamente nos termos do n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil.
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Devidamente notificadas as partes, veio o Réu contra-alegar e pedir, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto, tendo também contra-alegado a Ré D…, Lda, concluindo ambos pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que cumpre apreciar e decidir:

a)- saber se os factos dados como assentes nos autos conduzem, ou não, à responsabilização do Réu por cumprimento defeituoso do contrato de mandato no segmento de “perda de chance”.
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Para o caso de se tornar necessário analisar a ampliação do objecto de recurso a questão nela vertida prende-se com:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada:
1. Em 24 de Março de 2004 a “ F…, Lda.”, sociedade comercial portadora do NIPC ………, após renegociação de dois contratos-promessa anteriores, celebrou, em simultâneo, dois novos acordos, segundo os quais prometeu vender à A. “B…, Lda.” com o NIF ………, dois prédios.
2. Pelo primeiro contrato promessa de compra e venda, a F…, Lda. prometeu vender à A. a fracção autónoma designada pela letra “A” destinada a parque de automóveis pelo preço de €261.868,90.
3. Pelo segundo, e na proporção de metade, a mesma “ F…, Lda.” prometeu vender à A. as fracções autónomas designadas pelas letras “B1” e “B2” destinadas, segundo o contrato, a restaurante e similares, pelo preço de €149.638,37.
4. Estes prédios foram prometidos vender à A., livres de ónus ou encargos, conforme se diz expressamente na parte final do corpo da cláusula 1.ª de cada um dos respectivos contratos-promessa.
5. Com referência aos valores entregues, a promitente-vendedora declara, na cláusula quinta de cada um dos contratos, já haver recebido da promitente compradora, a A., a título de sinal e princípio de pagamento de que dá quitação as quantias de:
- para a fracção “A” a quantia de €261.512,61, e,
- para a metade das fracções “B1” e “B2” a quantia de €99.759,58 também a título de sinal e princípio de pagamento.
6. Da cláusula 6.ª de cada um desses acordos subscritos pela promitente vendedora e pela aqui A. consta ainda-doc. ora juntos como 1 e 2-que a escritura “…será celebrada no dia 17/4/2004 às 14 horas no 6.º Cartório Notarial do Porto”.
7. Estes contratos não chegaram a ser cumpridos pela promitente-vendedora, quer naquele dia, quer posteriormente.
8. Na sequência desses incumprimentos culposos e definitivos por parte da promitente-vendedora, a sociedade A. que prometera comprar as faladas fracções decidiu agir judicialmente.
9. Para concretizar tal intento, a A. constituiu mandatário o advogado desta cidade, o Sr. Dr. C…, titular da cédula profissional nº ….., com domicílio profissional à Rua …, …, no Porto a quem incumbiu de demandar a “F…, Lda.”, enquanto promitente vendedora que incumpriu definitivamente e com culpa aqueles contratos.
10. O senhor advogado preparou e elaborou a competente petição inicial que ao diante se junta como doc. 3 e que deu entrada em juízo aos 23 de Setembro de 2004.
11. E deu origem ao processo que correu termos sob o n.º 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível-2ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível - 1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto.
12. Nessa peça processual foi formulado o seguinte pedido: “Termos em que, na procedência da acção, não só deverá ser declarada transmitida e transferida da Ré para a Autora a dominialidade plena das fracções autónomas identificadas no artigo 47.º e a compropriedade, na proporção de metade, das descritas no artigo 57.º, integradas no mesmo edifício, de harmonia com as condições e termos estipulados nos contratos-promessa de compra e venda refundidos em 24 de Março de 2004, contra o depósito da quantia de €50.235,08 representativa do remanescente dos preços fixados em data a ordenar pelo Tribunal, condenando-se aquela a assim o reconhecer, mas, também e ainda, ser ela condenada a pagar à Autora os prejuízos arcados e já liquidados de €123.570,64 (cento vinte e três mil quinhentos setenta euros e sessenta e quatro cêntimos), e os a liquidar em execução de sentença, acrescidos uns e outros dos juros, à taxa de 4%, a contar da citação, com todos os encargos legais.”.
13. O aqui Réu, ali mandatário da aqui A., nem na alegação da matéria de facto, nem na formulação do pedido atendeu ao valor das hipotecas que oneravam aquelas fracções autónomas.
14. Do requerimento junto àqueles autos a 1 de Fevereiro de 2005, a fls. 111 e documentos juntos, resulta que:
1 - por Ap. 46 de 20.5.1998 todas as fracções do prédio mãe incluindo a fracção “A” e “B” encontravam-se oneradas por hipoteca constituída voluntariamente pela dita promitente-vendedora “F…, Lda.”, a favor do Banco G…, SA, e devidamente registada, até ao valor de 685.000.000 escudos;
2 - pela AP 4 de 3.5.2001 foi constituída Hipoteca Voluntária pela dita promitente-vendedora a favor da mesma entidade bancária até ao valor de 350.042.000 escudos;
3 - pela AP 9 de 22.1.2003 foi constituída ainda nova hipoteca voluntária pela mesma promitente vendedora a favor da dita entidade bancária até ao valor de €512.962,00.
15. E a fracção “B”–a que nos contratos promessa a partes denominaram fracções “B1” e “B2”-encontrava-se igualmente onerada com aquelas hipotecas devidamente registadas.
16. E assim continuaram as fracções com estes ónus ou encargos até a Autora resolver o problema com o Banco G….
17. Sob o artigo 1.º da Petição Inicial-que deu origem ao processo que correu termos sob o nº 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível - 2.ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível – 1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto-relativamente à fracção autónoma designada pela letra “A” foi alegado que a Ré “…prometeu vender….livre de quaisquer ónus e encargos à A…”, e
18. De forma semelhante no artigo 17.º relativamente às fracções “B1” e “B2” foi alegado que a Ré “…prometeu vender… livre de quaisquer ónus e encargos, à A. a compropriedade, na proporção de metade….”.
19. E foram juntos aos autos os contratos-promessa de compra e venda para cujo clausulado se remeteu.
20. Mas não alegou, a existência dos ónus que efectivamente recaíam sobre os prédios,
21. Nem juntou aos autos certidões da conservatória com a indicação dos ónus, respectivos credores e valores das dívidas.
22. As fracções prometidas estavam oneradas com 3 hipotecas a favor da entidade bancária mutuante no valor de €3.416.765,59 + €1.746.002,13 + €380.000,00 com juros de 7%, mais 4% de taxa moratória e despesas até €184.759,67.
23. Não foi formulado o pedido de condenação da promitente faltosa, “F…, Lda.”, ali Ré, a entregar o montante do débito garantido por aquelas hipotecas correspondente às fracções prometidas e respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, nos precisos termos do disposto na parte final do n.º 4 do artigo 830.º do C. Civil,
24. Nem foi pedida a compensação com o valor do depósito ainda em débito na quantia de €50.235,08;
25. pelo contrário ainda se propôs pagar ao pedir “…contra o depósito da quantia de 50.235,08€ representativa do remanescente dos preços fixados em data a ordenar pelo Tribunal…”.
26. E também não foi pedido que a ali Ré fosse condenada a vir demonstrar nos autos o pagamento integral aos credores hipotecários com a prova do cancelamento de todos os ónus.
27. A fls. 277 dos autos de acção ordinária que correu termos pela 2.ª secção da então 8.ª Vara Cível e sob o Proc. nº 4945/04.0TVPRT foi proferida sentença que, a final e sob a alínea a) da decisão disse:
“…determino que a Autora proceda ao depósito da quantia de 50.235,08€ à ordem deste processo, no prazo de 30 dias contados desde a notificação desta sentença;”
28. Em consequência, a A. procedeu ao depósito de um valor de €50.235,08.
29. Como viu, por sentença proferida em 20/9/2006, serem-lhe transmitidas as já identificadas fracções com aqueles ónus, por aqueles valores, nos seguintes termos:
“Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) determino que a Autora proceda ao depósito da quantia de 50.235,08€ á ordem deste processo, no prazo de 30 dias contados desde a notificação desta sentença;
b) comprovado que seja tal depósito, passa esta sentença de imediato a produzir os efeitos da declaração negocial assumida pela Ré como promitente vendedora nos contratos promessa de compra e venda que celebrou com a Autora, …” atribuindo à Autora as fracções prometidas vender;
c) Absolvendo, no mais, a Ré do pedido.”,
30. Em 29 de Setembro de 2006, o ora réu substabeleceu, sem reserva e a pedido da autora, os poderes forenses que lhe tinham sido conferidos no Sr. Dr. H….
31. A autora, patrocinada pelo Sr. Dr. H…, interpôs recurso da sentença aludida.
32. Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2007, foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação revogando em parte a sentença recorrida.
33. Em Outubro seguinte-do mesmo ano de 2007-foi proferida sentença de declaração de Insolvência da “F…, Lda.”, em processo que correu termos no 3.º Juízo do T. de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 484/07.6TYVNG, sem que a “F…” tenha deduzido oposição ao pedido de insolvência.
34. Verificado que foi que as supra identificadas fracções autónomas entregues à aqui A, foram apreendidas para a massa insolvente,
35. Foi apresentado requerimento pela aqui A., pedindo a separação de tais fracções “A” e metade da “B” da massa, dado pertencerem inequivocamente à aqui Autora.
36. Nessa insolvência o credor com garantia hipotecária sobre as aludidas fracções, o Banco I…, reclamou os seus créditos melhor identificados supra e que as continuavam a onerar tendo obtido o reconhecimento do crédito de €1.542.168,26 com garantia hipotecária.
37. E foram sucessivas as diligências processuais impulsionadas pela Autora naqueles autos de insolvência até que, a 25 de Maio de 2010, o Sr. Administrador de insolvência informou o tribunal, reportando-se ao despacho judicial com a Ref. 1280985, que a propriedade das já identificadas fracções “A” e “1/2 da B” foi transmitida por decisão judicial à aqui Autora.
38. E finalmente, através de negociações com o então denominado Banco I…, SA, a A. veio a celebrar aos 10 de Agosto de 2011 uma escritura de compra e venda pela qual abriu mão da metade que possuía da fracção “B”-que resultou da união das fracções “B1” e “B2”-a favor da “J…, Lda.”,
39. A esta transacção foi atribuído o valor de €182.700,00.
40. A titularidade que a A. possuía sobre metade da dita fracção “B” foi transmitida àquela adquirente, para satisfação da responsabilidade garantida pelo ónus que recaía sobre as referidas fracções.
41. Durante o período da pendência da acção os gerentes abandonaram a empresa.
42. A empresa não tinha sequer contabilidade desde 2004 e, desde o início de 2006, que não exercia qualquer actividade.
43. Encontrando-se paralisada.
44. Não tinha qualquer trabalhador.
45. Nem nenhum número de telefone ou fax válidos.
46. O sócio gerente da autora, Sr. K…, tinha conhecimento que as fracções prometidas vender se encontravam hipotecadas ao Banco I…, S.A, então denominado Banco G…, S.A.
47. E tinha igualmente conhecimento do montante garantido pelas hipotecas.
48. E também sabia que a sociedade vendedora, ou seja, a “F…, Lda”, se encontrava numa situação de grandes dificuldades financeiras, e que, inclusivamente, já estava em mora no cumprimento das obrigações, de valor elevado, perante o empreiteiro da obra e outros fornecedores como o próprio projectista.
49. Entretanto, a situação financeira da “F…” ainda se agravou mais, pelo que, em 23 de Setembro de 2004, foi instaurada a acção destinada a exigir o cumprimento específico do contrato.
59. Em 2004 e 2005 a sociedade já não possuía escrita nem contabilidade.
60. A partir do terceiro trimestre do ano de 2006, as declarações de IVA foram preenchidas e enviadas “a zeros” em virtude de a empresa não possuir qualquer actividade.
61. O montante global dos créditos reclamados e reconhecidos na insolvência foi de €2.337.394,88 (dois milhões trezentos e trinta e sete mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos).
62. E todos os activos apreendidos para a massa insolvente encontravam-se hipotecados ao Banco I…, S.A. para satisfação dos créditos hipotecários no valor de €1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos).
63. Valores esses que o Banco I…, S.A. reclamou no processo de insolvência e que lhe foi reconhecido como crédito preferencial.
64. A venda dos imóveis, ou seja, o produto da liquidação de todo o activo da sociedade, totalizou o montante de €1.146.302,00 (um milhão cento e quarenta e seis mil trezentos e dois euros).
65. Ao credor L… foi reconhecido um crédito preferencial no valor de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros).
66. O assessor jurídico da Autora analisou a cópia da petição inicial e concordou com o seu teor, não tendo feito qualquer menção à necessidade de se reclamar o pagamento das quantias garantidas pelas hipotecas.
67. Por documento escrito então enviado ao réu, o aludido assessor jurídico, já admitia que a “F…, L.da” se encontrava numa situação de insolvência de facto.
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Factos não provados:
- Em simultâneo com a instauração da acção, o réu logo alertou o sócio gerente da autora, Sr. K…, da necessidade de encetar de imediato diligências junto do Banco I…, S.A., então denominado Banco G…, S.A.-para negociar a quantia que tinha que pagar para obter o distrate das hipotecas.
- E, inclusivamente, indicou-lhe alguns contactos junto do Banco para que essa negociação se iniciasse, como efectivamente se iniciou.
- O Réu continuou a exercer o patrocínio noutros processos tais como:
a) Processo n.º 1007/05.7 TBVLG que correu termos pelo 2.º do Tribunal da Comarca de Valongo em que era autora M…, S.A. e réus o sócio gerente da autora, Sr. K…, e outro;
b) Processo n.º 45/09.5 TBPFR que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Paços de Ferreira em que era exequente/opoído Banco N…, S.A. e executada/opoente a sociedade O…, Lda de que o Sr. K… também era sócio.
- O réu é ainda, de resto, credor do sócio-gerente da autora, Sr. K… e da sociedade O…, L.da, de que o mesmo também é sócio, pelos serviços prestados, no âmbito das acções referidas.
- Honorários esses cujo montante é expressivo.
- O Reu, de imediato, participou à Seguradora “D…, Lda”
- Na verdade, o sócio-gerente da autora, Sr. K…, e único dono de facto do capital da autora, continuou a tratar normalmente com o réu as acções.
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III. O DIREITO
Como supra referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se os factos dados como assentes nos autos conduzem, ou não, à responsabilização do Réu por cumprimento defeituoso do contrato de mandato no segmento de “perda de chance”.
Como deflui da matéria factual supra descrita, a Autora constituiu mandatário o Réu titular da cédula profissional nº ….., com domicílio profissional à Rua …, …, no Porto a quem incumbiu de demandar a “F…, Lda.”, por ter incumprido enquanto promitente vendedora, os contratos promessa a que se referem os pontos 1. e 2. da fundamentação factual, tendo a referida acção dado origem ao processo que correu termos sob o n.º 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível-2ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível–1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto.
O contrato genérico de mandato encontra-se definido no artigo 1157.º do Código Civil como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra. A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos judiciais, a terem lugar no âmbito de processos judiciais (artigo 44.º nº 1, do CPCivil). Tal mandato é representativo, como resulta desta norma, à semelhança daquele que é constituído por procuração, no termos do artigo 262.º, nº 1, do Código Civil.
Cabe ao mandatário a prática dos actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, nos termos do artigo 1161.º, alínea a), do Código Civil.
No entanto, no caso do mandato forense, a definição dos procedimentos e do conteúdo e forma dos actos a praticar na sua execução insere-se já numa esfera de autonomia profissional e independência técnica e estratégica, impostas pela especificidade da matéria, que deve reconhecer-se ao mandatário. É, de resto, essa tecnicidade e especificidade, em conexão com a relevância axiológica ou económica das situações jurídicas, que justifica a necessidade, por vezes incontornável, da assistência de um mandatário forense na prática de determinados actos judiciais.
É também incontroverso que a prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios e não uma obrigação de resultado: o que ao advogado compete é atender os interesses do mandante, seu cliente, e utilizar os meios possíveis e ajustados para a sua realização, mas não se obriga ao sucesso da demanda.
Aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.
Assim, não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, para com os clientes (artigo 92.º do Estatuto da Ordem).
Impõe-se-lhe o estudo e o tratamento zeloso da situação jurídica em que representa o mandante, devendo usar todos os recursos da sua experiência, saber e actividade [artigo 95.º, nº 1, alíneas a), e b) do EO]. Impõe-se-lhe, assim, que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também em função das especificidades inerentes ao tipo de mandato e às circunstâncias em que é executado.
Será em sede desse vínculo contratual que se situará uma eventual responsabilidade do mandatário, no caso de incumprimento da respectiva obrigação, do que resultem danos para o mandante. Estaremos, por isso, perante uma hipótese de responsabilidade contratual.
A preterição desses seus deveres pode fazê-lo incorrer em responsabilidade civil (artigo 92.º, nº 1, final, do EOA) sendo, segundo cremos, corrente jurisprudencial maioritária, no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.
Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (artigo 798.º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799.º, nº 1, do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563.º do mesmo diploma legal).
Postos estes breves considerandos, a Autora pretende que o Réu a indemnize, no seu entendimento, por via do cumprimento defeituoso do referido contrato de mandato forense estribada, essencialmente, na circunstância de que o Réu sabendo da existência das duas hipotecas que oneravam os imóveis objecto dos contratos promessa celebrados com a “F…, Lda”, tinha o dever técnico de, ao abrigo do n.º 4 do artigo 830.º do Código Civil, requerer a condenação da promitente vendedora a entregar à Recorrente o montante necessário ao expurgo das hipotecas e, para além disso, tinha o mesmo dever de, na sequência daquele pedido, requerer também a compensação de créditos entre o montante que a Recorrente ainda tinha que pagar a título do restante do preço de compra-€50.235,08-e o montante em que a promitente-vendedora viesse a ser condenada a entregar para expurgo das hipotecas e que era muito superior àquele.
Na decisão recorrida, não obstante se ter considerado a prática do acto (omissão de dedução dos referidos pedidos) a ilicitude (falta de observância das obrigações que lhe eram impostas pelo contrato de mandato forense), e a culpa (presumida), concluiu-se não ter a Autora logrado demonstrar a existência de nexo da causalidade entre o alegado incumprimento do contrato ou cumprimento defeituoso do contrato por parte do réu (que pretendia aqui imputar-lhe) e o dano da perda de chance alegado.
Deste entendimento dissente a Autora apelante.
Como se evidencia das alegações recursivas a Autora recorrente situa a questão no âmbito da “perda de chance” alegando que ela decorre da não formulação e consequente condenação quanto ao montante para o expurgo das hipotecas por um lado e não declaração da compensação por outro, sendo irrelevante que, em momento posterior, conseguisse ou não receber o montante em causa, sendo que e no que tange à declaração compensatória se tivesse sido formulado o respectivo pedido não teria que ter procedido ao depósito dos € 50.235,08 e não teria perdido essa quantia.
Vejamos, então, se assim é.
Como é consabido a teoria da “perda de chance” surge como uma terceira via que visa superar a tradicional dicotomia entre a responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, prevendo ainda a situação em que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas dos cidadãos.
Sendo os pressupostos da responsabilidade clássica a conduta; o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, a teoria da “perda de chance” aparece para permitir o dever de indemnizar pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo, apesar de a situação ser meramente hipotética e não real.
No sentido jurídico, a perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, ou seja, relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.
Traduz a situação em que, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado.
A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização, quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis. Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o acto ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).
Acontece que a aplicação desta teoria no nosso regime não é uma questão pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência, não obstante ter vindo a ser reconhecida a existência da responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em pretensões de naturezas distintas.
Na doutrina admitem a aplicação desta teoria Nuno Santos Rocha[1] e Carneiro da Frada.[2]
Defendendo a perda de chance como dano autónomo, diz Nuno Santos Rocha[3], que, “para determinar o valor da indemnização terá de se proceder a três operações distintas: [a]valiar, primeiro, qual o valor económico do resultado em expectativa e, de seguida, a probabilidade que existiria de o alcançar, não fora a ocorrência do facto antijurídico. Este segundo valor, calculado numa percentagem-traduzindo a consistência e seriedade das chances-, terá que ser por fim aplicado ao primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário da perda de chance”.
Paulo Mota Pinto[4] considera que não há no nosso ordenamento jurídico base legal para a admissibilidade desta figura.
Para outros autores como Rute Teixeira[5] e Menezes Leitão[6] entre outros, a perda de chance é tida como um dano emergente, considerando-se que a oportunidade corresponderia a um beneficio já adquirido pelo lesado de que este vem a ser privado, cuja indemnização deve ser calculada tendo em conta o grau de probabilidade de realização dessa oportunidade.
Neste sentido, Rute Teixeira Pedro[7] afirma que a ressarcibilidade do dano por perda de chance depende de determinados pressupostos:-“terá de existir um determinado resultado positivo-a obtenção de uma vantagem ou a não concretização de uma desvantagem-que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa”;- “é necessário que, apesar desta incerteza, a pessoa se encontre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado”; (…) é indispensável que se verifique um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, e que elimine de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir (…) o facto do agente destrói as expectativas existentes e inviabiliza a obtenção do resultado esperado. O desaparecimento do elemento intermédio traz, por arrastamento, o desaparecimento do resultado final que eventualmente se viria a verificar”.
Enquanto estes autores põem a tónica num novo conceito de dano, outros, como Júlio Gomes[8], consideram haver uma ruptura em relação à concepção clássica da causalidade. Para este autor a perda de oportunidade não terá entre nós virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória, mas ainda assim admite a sua aplicação, residual nos casos em que a oportunidade está de tal forma consolidada que constitua um bem a merecer tutela no património do lesado.
Por sua vez, Rui Cardona Ferreira[9] aproxima-se dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada, sendo que, para efeitos de cálculo da indemnização, entende que se deve ter em conta “o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do acto ilícito”.
Para Álvaro Dias[10]: “a perda de chance é um dano tão digno de indemnização como qualquer outro, desde que se consiga fazer prova de todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, mormente a certeza do dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Se configurarmos a perda de chance como uma lesão do direito à integridade ou incolumidade do património do respectivo titular, facilmente nos damos conta que a mesma se nos depara como um dano certo (salvo quanto ao seu montante) onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade actual, e não de um resultado futuro. A possibilidade perdida configura-se assim como um bem patrimonial, uma entidade económica e juridicamente avaliável, cuja perda produz um dano actual e ressarcível”.
Em suma: para alguns autores a perda de chance não tem, entre nós, base jurídico-positiva (a perda de chance não constitui um dano autónomo, nem é indemnizável enquanto tal, admitindo alguns que o dano-final-possa ser indemnizável se se verificar elevada probabilidade de ter sido adequadamente causado pelo facto ilícito, ou seja reduzindo a perda de chance constitui um problema de causalidade); para outros o caminho está na consideração de um dano autónomo (consideram a perda de chance indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance, pelo que a perda de chance não constitui um problema do domínio da causalidade, mas do domínio do dano) e para outros ainda, a aceitação da teoria tem de levar a uma revisão da teoria da causalidade adequada e tratam o assunto como uma hipótese de lucros cessantes (não se estabelecendo o nexo causal com o dano–final-não há lugar a indemnização; a mera perda de chance não constitui um dano).
Diante do exposto, verifica-se que não existe, assim, uma teoria que harmonize os pressupostos e facilite a aplicação da doutrina da perda de chance.
Em jeito de conclusão podemos pois dizer que, o novo paradigma da responsabilidade civil que tem um olhar mais atento sobre a vítima e sobre a reparação do dano qualquer que ele seja, vê na teoria da perda de chance uma tentativa de solucionar as injustiças de que enferma o tradicional modelo do “tudo ou nada”.
Acontece que cada vez mais a jurisprudência portuguesa, principalmente no que diz respeito à negligência médica e ao mandato forense, considera a perda de chance como indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance.[11]
Com efeito, faz sentido a aplicação da teoria em causa ao mandato forense, já que o patrocínio judiciário destina-se a garantir um interesse de ordem pública e, por isso, o mandatário forense tem uma obrigação de meios ou de diligência e não de resultado, ele obriga-se a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os seus conhecimentos técnicos para encontrar a solução jurídico-legal adequada.
Mas o direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais forenses, tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litígio em questão e de forma a que se conclua que essa oportunidade ficou, por via da acção ou omissão do advogado, irremediavelmente perdida.[12]
*
Postos estes considerandos voltemos, então, a nossa análise para o caso concreto dos autos.
Dúvidas não existem de que o Réu na petição inicial da acção aludida no ponto 11. da fundamentação factual não pediu a condenação da demandada “F…” no pagamento do montante em dívida garantido pelas hipotecas (cfr. pontos 23. e 24. da fundamentação factual).
Efectivamente, o n.º 4 do artigo 830.º do CCivil concede ao promitente-comprador a faculdade de requerer, na própria acção de execução específica, que a sentença, além da substituição da declaração negocial do faltoso, condene ainda este a entregar ao requerente o montante do débito garantido e bem assim os juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Como refere o Prof. Antunes Varela[13] “esta norma não pretende introduzir no âmbito da execução específica do contrato-promessa o processo especial de expurgação da hipoteca, com ela apenas se pretendeu (…) habilitar o promitente-comprador, futuro adquirente do imóvel (adquirente efectivo no final da acção, desde que esta seja julgada procedente e a decisão venha a transitar), a ficar desde logo em seu poder, e à custa do devedor (promitente-vendedor faltoso), com a quantia necessária ao pagamento da dívida garantida (e à consequente expurgação da hipoteca). Quis-se, por conseguinte, evitar que o promitente-comprador corresse o risco de ter que pagar segunda vez (dessa feita, o montante do débito do promitente-vendedor garantido pelo prédio que lhe foi adjudicado ou o valor do prédio hipotecado) o preço desse prédio”.
Ora, na referida acção que correu termos com nº 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível-2ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível–1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto, o Réu formulou apenas o seguinte pedido:
Termos em que, na procedência da acção, não só deverá ser declarada transmitida e transferida da Ré para a Autora a dominialidade plena das fracções autónomas identificadas no artigo 47.º e a compropriedade, na proporção de metade, das descritas no artigo 57.º, integradas no mesmo edifício, de harmonia com as condições e termos estipulados nos contratos-promessa de compra e venda refundidos em 24 de Março de 2004, contra o depósito da quantia de €50.235,08 representativa do remanescente dos preços fixados em data a ordenar pelo Tribunal, condenando-se aquela a assim o reconhecer, mas, também e ainda, ser ela condenada a pagar à Autora os prejuízos arcados e já liquidados de €123.570,64 (cento vinte e três mil quinhentos setenta euros e sessenta e quatro cêntimos), e os a liquidar em execução de sentença, acrescidos uns e outros dos juros, à taxa de 4%, a contar da citação, com todos os encargos legais”.
Portanto, o Réu na referida acção apenas pediu a transferência da propriedade das referidas fracções e formulou pedido indemnizatório.
Nas suas alegações recursivas refere a chamada D…, Lda que não está provado nos autos que o Réu tivesse conhecimento de que as fracções estavam hipotecadas.
Evidentemente que não se pode concordar, salvo o devido respeito, com semelhante asserção.
Com efeito é o próprio Réu que nos artigo 19º e 20º da contestação que refere, respectivamente, que:
Em simultâneo com a instauração da acção, o réu logo alertou o sócio-gerente da autora, Sr. K…, da necessidade de encetar de imediato diligências junto do Banco I…, S.A., então denominado Banco G…, S.A.-para negociar a quantia que tinha que pagar para obter o distrate das hipotecas”.
“E, inclusivamente, indicou-lhe alguns contactos junto do Banco para que essa negociação se iniciasse, como efectivamente se iniciou”.
Portanto, daqui resulta que o Réu sabia da existência antes da instauração da acção, da oneração dos imóveis pelas referidas hipotecas.
É certo que a referida matéria o tribunal recorrido considerou-a não provada, repare-se, porém, que o que não ficou provado foi que o Réu tivesse alertado o sócio-gerente da Autora naqueles termos, mas isso não significa que ele não soubesse da existência dos referidos ónus tendo em conta as afirmações que produziu no articulado de contestação que apresentou.
Também resulta dos autos que o Réu, no âmbito da referida acção, não formulou, por referência ao valor dos referidos ónus, o pedido compensatório com o valor do depósito ainda em débito na quantia de 50.235,08 € atinente ao valor pelo qual as fracções foram prometidas vender.
Aqui chegados a questão que agora importa dilucidar é se existiu “perda de chance” para a Autora pela omissão do Réu não ter formulado, na referida acção, os mencionados pedidos.
No que tange ao pedido compensatório, respondemos, salvo opinião em sentido contrário, que, efectivamente, não existiu “perda de chance”.
Na verdade, a determinação do tribunal em a Autora na referida acção proceder ao depósito da quantia de 50.235,08€ baseou-se de acordo com o disposto no artigo 830.º, nº 5 do CCivil, no facto de ser lícito à Ré invocar a excepção do não cumprimento; prometido um contrato translativo sinalagmático e tendo lugar a transmissão do direito com a sentença, o promitente adquirente que esteja na posse da coisa é obrigado a depositar o preço no prazo que lhe for fixado pelo tribunal, sob pena de improcedência da acção. É que, cumprida a obrigação da outra parte, o sinalagma funcional não seria respeitado se o autor conseguisse a transmissão sem, por seu lado, cumprir.[14]
Acontece que, em nosso modesto entender, mesmo que na referida acção tivesse sido formulado o pedido de condenação da demandada “F…” no pagamento do montante em dívida garantido pelas hipotecas nos termos estatuídos no supra citado artigo 830.º, nº 4 do CCivil, sempre o pedido compensatório que se formulasse nessa acção nos termos supra referidos teria pouca probabilidade de ter êxito.
Repare-se, que a “perda de chance” só poderá ser valorada, como acima se referiu, em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou.
Ora, importa, desde logo dizer, que no caso não havia qualquer reciprocidade de créditos (artigo 847.º, nº 1 do CCivil). A Autora naquela acção não era ainda era credora da promitente vendedora (F…), antes da condenação desta na referida acção os credores hipotecários é que tinham essa qualidade, eles é que eram credores daquela pelas dívidas hipotecárias.
Por outro lado a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada [artigo 847.º, nº 1 al. a) do CCivil] sempre afastaria tal possibilidade, ou seja, a Autora não podia invocar a compensação do seu débito, relativo à parte do preço ainda não pago, com o crédito que se arrogava contra a Ré naquela acção, pois que ele não era exigível enquanto não estivesse reconhecida a sua existência e que resultaria necessariamente da procedência do pedido aí formulado.
O Prof. Antunes Varela[15], escreveu a respeito da validade, exigibilidade e exequibilidade do contra-crédito (do compensante), que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do nº 1 do artº 847º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção peremptória ou dilatória de direito material”, e continua o Ilustre Professor: “Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (artº 817º)”. E acrescenta: “No mesmo sentido se afirmava, no § 2 do artigo 765º do Código de 1867, que a dívida exigível é aquela cujo pagamento pode ser exigido em juízo”.[16]
Da mesma forma refere também a este propósito Menezes Leitão[17] “Para que a compensação se possa verificar é ainda necessário que o crédito do declarante seja judicialmente exigível, e que o devedor não lhe possa opor qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (artº 847º, nº1, a)). Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”.
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Isto dito quanto ao pedido compensatório, analisemos agora o pedido estribado no artigo 830.º, nº 4 do CCivil acima referido, isto é, de não ter sido de requerido, na própria acção de execução específica, que a sentença, além da substituição da declaração negocial do faltoso, condenasse ainda a promitente vendedora a entregar à Autora o montante do débito hipotecário e bem assim os juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Numa primeira abordagem, dir-se-á que não existe “perda de chance” porque não tendo sido formulado o referido pedido no âmbito da execução específica, sempre a Autora podia requerer a expurgação das hipotecas nos termos preceituados no artigo 721.º do CCivil em acção comum[18] para em seguida, ancorada no instituto da sub-rogação, exercer o seu direito sobre o devedor liberado, nos termos previstos nos artigos 592.º, n.º 1 e 593.º, n.º 1, do CCivil.
Cremos, porém, salvo o devido respeito, que esta posição, pese embora permitisse a Autora fazer o expurgo das hipotecas que incidiam sobre os imóveis objecto da promessa de compra e venda, não o seria nas mesmas circunstâncias.
Como supra se referiu, cintando o Prof. Antunes Varela, com a norma do artigo 830.º, nº 4 do CCivil quis-se evitar que o promitente-comprador corresse o risco de ter que pagar segunda vez (dessa feita, o montante do débito do promitente-vendedor garantido pelo prédio que lhe foi adjudicado ou o valor do prédio hipotecado) o preço desse prédio, ora seguindo aquela posição era o risco que a Autora corria já que, depois de ter pago o valor dos imóveis, teria ainda que pagar, para se livrar dos ónus que sobre eles incidiam, o montante do débito da promitente vendedora aos respectivos credores titulares daqueles ónus.
Por outro lado, a disponibilidade do capital para efectuar os referidos pagamentos sempre lhe traria, ou custos no caso de ter de se socorrer à celebração de contrato mútuo para o efeito, ou o não auferimento de proventos de acordo com a aplicação que pudesse fazer do seu próprio capital.
Além disso sempre teria que propor nova acção para exercer o seu direito sub-rogatório sobre o devedor liberado, com os riscos inerentes que uma acção sempre comporta.
Diferentemente se passariam coisas, sob este conspecto, se no âmbito da execução específica do contrato promessa tivesse formulado o referido pedido.
Na verdade, se o mesmo fosse julgado procedente a Autora ficava, desde logo, com um título executivo para, em caso de não pagamento voluntário, obter à custa do património da Ré promitente vendedora o capital necessário para o expurgo das hipotecas e, portanto, não corria o risco de pagar segunda vez o preço dos imóveis, para além de não ter de propor outra acção.
Portanto, parece-nos, que são diferentes as situações, quer quanto à dinâmica processual quer quanto ao reflexo no património da Autora, utilizar um ou outro meio para conseguir a desoneração dos imóveis objecto do contrato promessa de compra e venda.
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Isto dito, cremos que, efectivamente, respeitando sempre opinião em sentido contrário, o Réu ao não ter formulado na acção o citado pedido, com vista à condenação da promitente vendedora a entregar à Autora o montante do débito hipotecário e bem assim os juros vencidos e vincendos até integral pagamento nos termos preceituados no artigo 830.º, nº 4 do CCivil, representou para a apelante recorrente a “perda de chance” de fazer valer em juízo aquela sua pretensão.
Aliás, no caso concreto pode dizer-se, com alguma segurança, que a procedência do pedido que assim tivesse sido formulado era quase certa face aos fundamentos invocados na acção, que levaram, como de resto resulta da respectiva decisão, a que a Autora apelante obtivesse ganho de causa quanto à execução específica do contrato promessa.
Portanto, a probabilidade de obter ganho de causa quanto ao referido pedido era também elevadíssima, já que a apelante dispunha de um acervo factual (existência dos ónus sobre as referidas fracções a sua não extinção antes ou em simultâneo com a sua transmissão) que uma vez alegado e provado (prova essa na sua maioria documental) levaria a que ficasse preenchida a facitie species da citado artigo 830.º, nº 4, ou seja, as probabilidades de obtenção de uma vantagem-condenação da promitente vendedora naquele pedido-eram reais, sérias e consideráveis.
Acontece que na decisão recorrida no que é, aliás, acompanhada pelo Réu nas suas alegações recursivas, ponderou-se da seguinte forma:
No caso concreto, apesar da factualidade relativa à tramitação da acção que o autor patrocinou enquanto advogado da autora ter sido dada como provada na presente acção, a verdade é que tem que se considerar, tendo em consideração os elementos recolhidos, não se poder afirmar-ainda que a título de percentual de probabilidade de vencimento da acção movida contra a F…, Lda.- que, mesmo que o réu tivesse actuado com todo o zelo no cumprimento das obrigações decorrentes do mandato que havia assumido perante a autora, esta última com grande probabilidade poderia obter procedência na sua pretensão.
Com efeito, encontra-se assente que a F…, Lda. não dispunha de meios financeiros para proceder ao pagamento à autora do valor garantido pelas hipotecas que oneravam as fracções objecto dos contratos-promessa, tendo sido declarada insolvente em Outubro de 2007.
Por isso, mesmo que o aqui réu tivesse peticionado o pagamento dos referidos montantes na acção em causa, não havia qualquer garantia que a F…, Lda. viesse a pagá – los – voluntária ou coercivamente - por não dispor de meios para o efeito.
É, de facto, impossível afirmar, com segurança absoluta, que a Autora obteria a satisfação do seu crédito na acção executiva (mesmo que o Réu tivesse cumprido, sem mácula, o mandato que lhe foi conferido).
O facto da “F…, Lda.”, em Outubro de 2007, ter sido declarada insolvente em processo que correu termos no 3º Juízo do tribunal de Comercio de Vila Nova de Gaia sob o nº 484/07.6TYVNG reforça a probabilidade da Autor não vir a receber o seu crédito numa eventual acção executiva enquanto credor”.
Só em parte, sufragamos, salvo o devido respeito, este entendimento.
Em primeiro lugar não se vê em que fundamento se estriba a decisão para afirmar que mesmo que o réu tivesse actuado com todo o zelo no cumprimento das obrigações decorrentes do mandato que havia assumido, a Autora não teria grande probabilidade de obter procedência na sua pretensão.
Cremos, salvo o devido respeito, que o raciocínio devia ser feito ao contrário, isto é, que havia todas as probabilidades da procedência daquela pretensão, já que não se descortina que fundamento legal ou factual pudesse ser invocado para a isso obstar.
Por outro lado, o “julgamento dentro do julgamento” ou o “juízo dentro do juízo” a que se refere o Réu recorrido nas suas contra-alegações não se dirige, como aí se refere um juízo de prognose sobre a probabilidade de o crédito ser cobrado se tivesse sido efectuado o pedido de condenação no pagamento das hipotecas, aquele juízo de prognose refere-se antes à probabilidade maior ou menor de o referido pedido vir a ser atendido.
A chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização.[19]
Depois, cremos, existe uma confusão entre a probabilidade do ganho de causa e a probabilidade de, ganhando a causa, a Recorrente no futuro vir a receber o montante decorrente da condenação.
Efectivamente, a “perda de chance” põe-se a montante, isto é, para a sua verificação o que importa é que exista a probabilidade de obtenção de uma vantagem, e essa existia traduzindo-se na condenação da promitente vendedora no citado pedido, ou seja, aquela perda representa um dano autónomo (posição que acolhemos por ser a que melhor traduz o seu enquadramento dogmático) existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final.
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Acontece que o que fica dito pode não ser assim tal linear quando resulta do quadro factual provado nos autos que a Autora, obtendo ganho de causa, daí pudesse extrair qualquer efeito útil em termos de cobrança, quer de forma voluntária quer de forma coerciva, do crédito necessário para o expurgo das hipotecas.
Portanto, a questão que agora importa apreciar e decidir prende-se com saber se o dano da perda de chance deve ser ressarcido se, mesmo que não tivesse praticado o acto ilícito, se demonstrar que a possibilidade de a Autora obter da promitente vendedora o capital necessário para o distrate das hipotecas que incidiam sobre os imóveis era reduzidíssima ou mesmo nula.
Ora, seguindo o entendimento do Prof. Brandão Proença, parece que nesses casos o dano da perda de chance não deve ser ressarcido.
Efectivamente, diz o referido Prof.[20] “Não se esqueça, contudo, que o dano da perda de chance é dogmaticamente controverso já que põe em causa certas concepções sobre o dano e a causalidade, não devendo, obviamente, ser ressarcido, demonstrando-se que o lesado também suportaria o risco da não verificação da (fraca) probabilidade de sucesso no caso de não ter ocorrido a conduta ilícita” (negrito e sublinhados nossos).
E será que no caso concreto resulta dos factos provados essa reduzida probabilidade de sucesso?
A resposta é quanto a nós, respeitando-se diverso entendimento, positiva.
Analisando.
Da fundamentação factual resulta provado sob este conspecto o seguinte:
- A F…, Limitada, promitente vendedora, não tinha contabilidade, nem possuía escrita desde 2004 e 2005, e deixou de exercer qualquer actividade, desde o início de 2006, estando paralisada e não tendo qualquer trabalhador, nem nenhum número de telefone ou fax válidos (cfr. pontos n.ºs 42, 43, 44, 45, 59 da fundamentação factual);
- A partir do terceiro trimestre do ano de 2006, as declarações de IVA da “F…” foram preenchidas e enviadas “a zeros” em virtude de a empresa não possuir qualquer actividade (cfr. ponto 60 da fundamentação factual);
- A autora e o seu consultor jurídico sabiam à data da celebração dos contratos de promessa que a “F…” se encontrava em situação de falência de facto (cfr. ponto nº 67 da fundamentação factual);
- A situação financeira da “F…” ainda se agravou mais, pelo que, em 23 de Setembro de 2004, foi instaurada a acção destinada a exigir o cumprimento específico do contrato, sendo que, na pendência da mesma os gerentes daquela sociedade abandonaram a empresa (cfr. pontos nºs 41. e 49. da fundamentação factual).
- O sócio gerente da autora, Sr. K…, tinha conhecimento que as fracções prometidas vender se encontravam hipotecadas ao Banco I…, S.A, então denominado Banco G…, S.A, e tinha igualmente conhecimento do montante garantido pelas hipotecas e também sabia que a sociedade vendedora, ou seja, a “F…, Lda”, se encontrava numa situação de grandes dificuldades financeiras, e que, inclusivamente, já estava em mora no cumprimento das obrigações, de valor elevado, perante o empreiteiro da obra e outros fornecedores como o próprio projectista (pontos 46., 47. e 48. da fundamentação factual);
- Em Outubro seguinte-do mesmo ano de 2007-foi proferida sentença de declaração de Insolvência da “F…, Lda.”, em processo que correu termos no 3.º Juízo do T. de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 484/07.6TYVNG, sem que a “F…” tenha deduzido oposição ao pedido de insolvência (cfr. ponto nº 37 da fundamentação factual);
- O montante global dos créditos reclamados e reconhecidos nos respectivos autos de insolvência da “F…, Lda” ascenderam à importância global de €2.337.394,88 (dois milhões trezentos e trinta e sete mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) (cfr. ponto nº 61. da fundamentação factual);
- Daquele valor global dos créditos reclamados e reconhecidos, €1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) correspondem ao valor dos créditos reclamados pelo Banco I…, S.A. e reconhecidos como créditos garantidos por hipotecas constituídas sobre todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente e que compunham todo o activo da sociedade (cfr. pontos 33., 62. e 63. da fundamentação factual);
- O produto da liquidação de todo o activo da sociedade, sobre o qual o Banco I…, S.A. tinha hipoteca constituída a seu favor, totalizou o montante de €1.146.302,00 (um milhão cento e quarenta e seis mil trezentos e dois euros) (cfr. ponto nº 64 da fundamentação factual);
- Além do crédito garantido daquele Banco, foi ainda reconhecido nos autos de insolvência da “F…”, ao credor L…, um crédito preferencial no valor de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) (cfr. ponto nº 65. da fundamentação factual).”
Deste quadro factual decorre em primeiro lugar que já antes da instauração da acção de execução específica e durante a sua pendência a promitente vendedora se encontrava numa situação económica e financeira preclitante e, de certa maneira, insustentável pois que não tinha contabilidade, nem possuía escrita desde 2004 e 2005, deixou de exercer qualquer actividade desde o início de 2006, estando paralisada e não tendo qualquer trabalhador, nem nenhum número de telefone ou fax válidos, a partir do terceiro trimestre do ano de 2006, as declarações de IVA da “F…” foram preenchidas e enviadas “a zeros” em virtude de a empresa não possuir qualquer actividade.
Situação de que, aliás, a Autora na pessoa do seu sócio gerente tinha conhecimento à data da celebração dos contratos de promessa.
Portanto, já antes da instauração da acção, quiçá antes da celebração dos contratos promessa, havia sinais evidentes de que dificilmente a Autora apelante podia obter da promitente vendedora – F… - a quantia necessária para o distrate das hipotecas que oneravam os imóveis objecto dos referidos contratos, pois que, relembre-se, os referidos ónus ascendiam ao montante €3.416.765,59 + €1.746.002,13 + €380.000,00 com juros de 7%, mais 4% de taxa moratória e despesas até €184.759,67 (cfr. ponto nº 22. da fundamentação factual).
Evidentemente que essa esperança se desvaneceu com a declaração de insolvência da promitente vendedora – F… - em de 2007.
Repare-se que, desde logo, todos os activos apreendidos para a massa insolvente encontravam-se hipotecados ao Banco I…, S.A. para satisfação dos créditos hipotecários no montante €1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) (cfr. ponto nº 62 da fundamentação factual).
O montante global dos créditos reclamados e reconhecidos nos respectivos autos de insolvência da “F…, Lda” ascenderam à importância global de €2.337.394,88 (dois milhões trezentos e trinta e sete mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), sendo que, aquele valor global dos créditos reclamados e reconhecidos, €1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) correspondem ao valor dos créditos reclamados pelo Banco I…, S.A. e reconhecidos como créditos garantidos por hipotecas.
Ora, o produto da liquidação de todo o activo da sociedade, sobre o qual o Banco I…, S.A. tinha hipoteca constituída a seu favor, totalizou o montante de €1.146.302,00.
Assim, o valor dos créditos que gozavam de preferência era superior ao produto da liquidação, pelo que os credores comuns, como a Autora apelante, nunca veriam satisfeito o seu crédito qualquer que fosse o seu montante.
Destarte, nenhum outro credor, e designadamente a Autora, se tivesse reclamado qualquer crédito, concretamente o que resultasse da condenação da insolvente no âmbito da acção de execução específica relativo ao montante necessário para o expurgo das hipotecas se esse pedido aí tivesse sido formulado, o veria ser reconhecido no processo de insolvência da F…, Lda..
Evidentemente, que ninguém poderá asseverar, com um grau de certeza absoluta, que tendo o citado pedido sido formulado na referida acção e julgado procedente, era impossível a Autora apelante ter recebido da promitente vendedora o montante para o distrate das hipotecas de forma voluntária ou em via executiva.
É certo também que está assente nos autos que:
“- (…) através de negociações com o então denominado Banco I…, SA, a A. veio a celebrar aos 10 de Agosto de 2011 uma escritura de compra e venda pela qual abriu mão da metade que possuía da fracção “B”-que resultou da união das fracções “B1” e “B2”-a favor da “J…, Lda.”,
- A esta transacção foi atribuído o valor de €182.700,00.
- A titularidade que a A. possuía sobre metade da dita fracção “B” foi transmitida àquela adquirente, para satisfação da responsabilidade garantida pelo ónus que recaía sobre as referidas fracções” (cfr. pontos nºs 38 a 40 da fundamentação factual).
Ou seja, a Autora para ter a fracção “A” desonerada do ónus hipotecário que sobre ela incidia, teve de abrir mão de metade da fracção “B” cujo valor foi fixado em €182.700,00.
A verdade é que sempre a essa, ou a outra, situação teria a Autora que recorrer se quisesse desonerar os imóveis dos ónus que sobre eles impendiam, ainda que o acto ilícito (falta de formulação do citado pedido) se não tivesse verificado.
Com efeito, importa enfatizar que:
a)- a sentença, no âmbito da acção de execução específica, só foi proferida em 20 de Setembro de 2006 (cfr. pontos n.ºs 27. e 29. da fundamentação factual);
b)- o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que revogou em parte a sentença aludida em a) só foi proferido em 28 de Junho de 2007 (cfr. pontos n.ºs 31. e 32. da fundamentação factual);
c)- a insolvência de direito foi decretada em Outubro de 2007, ainda que a promitente vendedora se encontrasse em situação de insolvência de facto já na altura da celebração dos contratos de promessa (cfr. ponto 33. da fundamentação factual);
d)- uma execução singular, mesmo que tivesse sido instaurada, nunca era resolvida nestes meses como é facto público e notório que não carece de prova [cfr. artigos 5.º, n.º 2 alínea c) e 412.º do Código de Processo Civil].
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Mas, ainda que assim não se considere, certo é que, em qualquer liquidação, em sede de execução singular, sempre reverteria a favor do banco enquanto credor garantido por hipoteca.
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Diante do exposto, cremos, seguindo o entendimento do Prof. Brandão Proença supra aludido, que o dano da “perda de chance” não deve neste caso ser ressarcido por se ter demonstrando que a Autora apelante suportava o risco da não verificação da (fraca), (diríamos mesmo nula), probabilidade de sucesso (cobrança do crédito) no caso de não ter ocorrido a conduta ilícita.
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Improcedem, deste modo, todas as conclusões formuladas pela Autora e, com elas, o respectivo recurso.
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Face à improcedência da apelação desnecessário se torna apreciar a ampliação do âmbito do recurso formulado pela Réu apelado.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Autora apelante (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 08 de Janeiro de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] In “A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano”, edições Almedina, 2014, página 96.
[2] In “Direito Civil Responsabilidade Civil - O Método do Caso”, Almedina–Junho 2006, página 63.
[3] Ob. cit., página 44.
[4] In “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Volume II, Coimbra Editora, 2008.
[5] In“Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, 2008.
[6] In“Direito das Obrigações”, Volume I, 10.ª edição, Almedina, 2013.
[7] Ob. cit. página 179 e seguintes.
[8] In“Em Torno do Dano da Perda de Chance-Algumas Reflexões”, StudiaIuridica, 91, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Castanheira Neves, Volume II, Direito Privado, Coimbra Editora, 2008, página 18.
[9] In“Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance-Em Especial na Contratação Pública–“, Coimbra, 2011, página 347.
[10] In“Dano Corporal-Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, 2004, páginas 250-255.
[11] A título de exemplo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 06/03/2014, proferido no processo n.º 23/05.3TBGRD.C1.S1 e de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1).
[12] Luís Medina Alcoz in Revista de Responsabilidade Civil e Seguro, (disponível na internet em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf? eb1fd7fe71cf931d588191bc9123527) diz que a avaliação da probabilidade de sucesso no litigio em questão, passa pela realização daquilo a que se tem chamado um juízo dentro de um juízo, “o juiz está nestes casos obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo”.
[13] In Sobre o Contrato-Promessa”, 2ª edição, pág. 120.
[14] Cfr. nesse sentido, entre outros, Calvão da Silva in “Sinal e Contrato Promessa”, 10ª ed. pag. 156.
[15] In Das Obrigações em Geral. Vol. II, 2ª ed., pág. 168.
[16] Também no CCivil Anotado 4ª ed. pag. 131 (anotação ao artigo 847.º) referem a este propósito A. Varela e Pires de Lima que: “A necessidade da dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de, em acção de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em face ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido. Embora a dívida retroaja neste caso os seus efeitos ao momento da prática do facto, ela não é obviamente exigível enquanto não estiver reconhecida a sua existência”.
[17] In Direito das Obrigações, Almedina, 2002, Vol. II, pág. 194.
[18] É que o processo especial de “expurgação de hipotecas” constante dos artigos 998.º e ss. do antigo CPCivil foi suprimido.
[19] Trata-se pois de situações-escreve Júlio Gomes-“em que a chance já se densificou o suficiente para sem cair no arbítrio do Juiz se poder falar do que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade de um bem”–Cfr. A. citado “Sobre o Dano da Perda de Chance” in Revista “Direito e Justiça” Vol. XIX, 2005, Tomo II, pags. 44.
[20] In “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações”. 2ª Edição Revista e Actualizada, Universidade Católica Editora Porto, 2017, pág. 301.