Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
225/10.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: MANDATO FORENSE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
IMEDIAÇÃO
Nº do Documento: RP20161010225/10.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 633, FLS.36-73)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do contrato de mandato forense a prestação configura-se como um dever de agir e proceder em conformidade com os conhecimentos técnicos e em obediência à lei, face ao concreto circunstancialismo, com vista a assegurar um resultado que é aquele que se perspetiva, com razoável grau de segurança e confiança, que o desfecho a obter será favorável ao interesse do credor, ou pelo menos com um nível de consecução de interesse efetivo.
II - Não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para considerar provado o incumprimento ou o cumprimento defeituoso. É necessário provar que o devedor não realizou os atos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Resp-Advog225-10.0TVPRT-I
Comarca do Porto
Instância Central-1ªSç Cv-J1
Proc. 225-10.0TVPRT
Proc.83/16-TRP
Recorrente: B…
Recorrido: C… e Outros
*
Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
*
*
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que iniciou os seus termos como ação ordinária, em que figuram como:
- AUTOR: B…, residente na Rua …, nº .., Porto
- RÉUS: “C… – Sociedade de Advogados, R.L.”, com sede na Rua …, .., ….-… Porto e o D…., com domicílio profissional na Rua …, .., ….-… Porto e o E… com domicílio profissional na Rua …, .., ….-… Porto formulou o Autor o pedido de condenação dos Réus no pagamento da quantia total de € 277.438,00, acrescida de juros vincendos a contar da citação, até efetivo e integral pagamento.
Alegou o Autor, para tanto e em síntese, que após ter sido alvo de uma busca domiciliária, ter havido apreensão de diversas armas que possuía e que se encontravam na sua habitação, ter sido constituído arguido e detido no âmbito de um processo crime, contratou a ré Sociedade de Advogados, na pessoas dos réus D… e E…, para assumir a sua defesa no âmbito do mencionado processo crime, tendo sido outorgada a respetiva procuração.
Mais alegou que os Réus não executaram de forma criteriosa e zelosa o mandato forense que lhes fora conferido, violando e não defendendo os interesses legítimos do Autor/mandante, designadamente não formulando, no prazo estabelecido na lei, o requerimento de apresentação a exame e manifesto das armas apreendidas no domicílio do Autor, sendo certo que, se o tivesse feito, lograriam alcançar, sem mais, como questão prévia a qualquer outra a apreciar, a extinção daquele procedimento criminal.
Em consequência da atuação dos Réus, violadora das disposições legais e prejudicial aos interesses do Autor, este sofreu diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo valor global corresponde à quantia peticionada nos presentes autos.
*
Citados os Réus apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Em sede de exceção, invocaram a ilegitimidade dos réus D… e E…, questão que já foi decidida (no sentido da improcedência) no despacho saneador proferido nos autos.
Em sede de impugnação, refutaram alguns dos factos relativos à constituição e desenvolvimento da relação de mandato, contraditaram os factos alegados pelo Autor relativos ao seu desempenho profissional, contrapondo que prepararam e conduziram a defesa do Autor de acordo com as preocupações essenciais e prioritárias que lhes foram comunicadas por este (evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva e obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas), não tendo os Réus ignorado ou descurado a hipótese de aplicação da norma do art. 115º, nº 1, da Lei das Armas, ao caso do Autor, antes tendo sido discutido com este tal questão, procurando explicar as razões que poderiam excluir a aplicação daquele regime transitório ao caso do Autor e as razões que poderiam desaconselhar a dedução de um requerimento de apresentação a exame e manifesto das armas apreendidas no domicílio do Autor, tendo o Autor, entre a alternativa de ficar sem parte das armas ou ser submetido a julgamento, continuado a favorecer a recuperação das armas. Alegaram ainda que o Autor, depois da improcedência, no acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, do requerimento de apresentação a exame e manifesto das armas apreendidas (que os Réus haviam apresentado em audiência de julgamento), optou por não interpor recurso desse segmento decisório.
Quanto aos danos, os Réus refutaram a existência e/ou relevância da maioria dos danos invocados pelo Autor, defendendo ainda não existir qualquer obrigação, da sua parte, de indemnizar os danos, na medida em que nenhum incumprimento do contrato de mandato lhes pode ser imputado.
*
O Autor apresentou réplica, na qual pugnou pelo indeferimento da exceção de ilegitimidade e de outras exceções inominadas, invocadas pelos Réus na contestação, mantendo o já alegado na petição inicial.
*
Proferiu-se despacho saneador, onde foi julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade dos réus D… e E… e onde se procedeu à seleção da matéria de facto considerada assente e à elaboração da base instrutória (objeto de reclamação e com decisão de indeferimento).
*
Realizou-se o julgamento com observância das formalidades legais.
O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 2252 a 2263.
*
Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Em face de todo o exposto, julga-se a presente ação improcedente, com consequente absolvição dos réus “C… – Sociedade de Advogados, R.L.”, D… e E… do pedido.
Custas a cargo do Autor (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC-2013).
Notifique e registe.
*
Determina-se a devolução do Processo Crime cuja requisição foi ordenada pelo despacho de fl. 1314 dos autos”.
*
O Autor veio interpor recurso do despacho proferido em 15 de maio de 2012 e da sentença.
*
Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
Da decisão proferida em ata, datada de 15/05/2012:
I.Pelo despacho recorrido, entendeu o Tribunal a quo não ter dúvidas que o A. confessou o teor do facto levado à base instrutória no artigo 27.
II. Com tal decisão, o Tribunal julga como provada que a prioridade do A. na definição da sua estratégia de defesa em processo-crime em que foi arguido era, em primeiro lugar, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva, e em segundo lugar, obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas.
III. Não pode admitir-se como provada uma tal factualidade, por não corresponder ao teor do depoimento prestado (único meio de prova relevante para o efeito). Devendo assim ser dado como não provado o teor do quesito n.º 27.
IV. Em vários momentos do depoimento prestado o A. contraria a factualidade que se pretende dar como assente, o que não se admite.
V. Em face do teor do depoimento do A., deve anular-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue não confessado o teor do quesito 27, admitindo a produção de prova sobre a factualidade que ali consta, com as devidas e legais consequências.
Do recurso da decisão final:
I.O mandato iniciou-se antes do período de vigência do artigo 115.º da Lei 5/2006.
II. O referido preceito, tinha um prazo definido – 21/08/2006 a 19/12/2006 – para apresentação do requerimento previsto no artigo 115.º da Lei 5/2006.
III. No período de vigência, os RR. não apresentaram esse requerimento.

IV. Apenas o fizeram posteriormente, sendo o mesmo rejeitado por extemporaneidade.
V. O A. não concordou com a estratégia dos RR.
VI. Nem se pode considerar que houve uma estratégia, que definia a não aplicação do artigo 115.º da Lei 5/2006, porque esse requerimento foi apresentado pelos RR.
VII. A decisão entra em contradição quando considera que existe uma estratégia que excluía o requerimento do artigo 115.º da Lei 5/2006, ao mesmo tempo que dá por provado que o mesmo foi apresentado.
VIII. O que importa nulidade da decisão.
IX. A apresentação do requerimento do artigo 115.º da Lei 5/2006, é um facto inabalável, confessado, registado em ata e em decisão judicial que nunca foi questionado ou revisto.
X. Assim, se o Tribunal desse como provado que havia uma estratégia, tinha que dar como provado que os RR. não cumpriram essa estratégia, o que não sucedeu.
XI. Os factos provados sob os n.º 56, 57, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 69 estão incorretamente julgados porque contrariam o facto provado n.º 13, devendo por isso ser dados como não provados.
XII. A decisão é nula na parte em que considera que existia uma estratégia definida e que esse estratégia passava pela não apresentação do requerimento previsto no artigo 115.º da Lei 5/2006 e ainda que essa estratégia merecia o acordo do A..
XIII. Até porque a sentença dá como provado que o A., por várias vezes, solicitou a aplicação do referido regime do artigo 115.º da Lei 5/2006.
XIV. O objeto da presente ação assenta na eventual responsabilidade dos RR., no exercício do mandato.
XV. Sem abordar a questão essencial, o Tribunal entendeu que o A. aceitou e concordou com a estratégia dos RR..
XVI. Entendimento que levou a que o Tribunal considerasse prejudicado o pedido de indemnização e a apreciação do incumprimento do mandato.
XVII. Não há prova (nem foi feita) que evidencie a existência de qualquer acordo.
XVIII. E para além disso a realidade é que ainda que existisse qualquer acordo, tal não seria idóneo para não se apreciar a responsabilidade dos RR. decorrente do incumprimento do mandato.
XIX. Como resulta da própria sentença, o exercício do mandato é um ato de independência técnica.
XX. O A. não concordou nem aceitou qualquer estratégia, precisamente porque essa definição é da livre e exclusiva responsabilidade dos RR..
XXI. E seja como for a questão da autoria/responsabilidade da estratégia é diferente de saber se um determinado requerimento – que revestia uma importância essencial para o A. – foi ou não apresentado tempestivamente.
XXII. E a realidade é que, pese embora as solicitações do A. e as comunicações de outros Advogados (incumbidos da defesa da testemunha Dr. F…), os RR. apresentaram o requerimento que foi rejeitado por extemporaneidade.
XXIII. Os factos provados n.º 56 e 66 estão incorretamente julgados.
XXIV. A motivação do Tribunal assenta nos depoimentos das testemunhas G…, H… e I….
XXV. Contudo, todos estes depoimentos revelam que as testemunhas nunca falaram com o A. e nunca presenciaram qualquer reunião com ele.
XXVI. Para além disso, não afirmaram existir qualquer acordo.
XXVII. Uma nota para o depoimento essencial – no entendimento da decisão em crise – que é o da Dra. G…: assumiu nada perceber de armas, nem ter interesse nisso.
XXVIII. E no entanto, segundo os RR. este foi o argumento principal para a definição da estratégia de defesa do A., o que bem evidencia a diligência dos RR. em torno do mandato.
XXIX. Mas a prova produzida quanto a estes factos provados – incorretamente julgados – evidencia um lapso gravíssimo.
XXX. É que a opção de apostar no processo-crime para “salvar” as armas, comporta uma gralha tremenda: em momento algum o processo-crime iria declarar a legalidade de quaisquer armas.
XXXI. E terminando – com um enorme grau de certeza – em condenação, o A. iria perder, como perder, qualquer oportunidade de ter contacto com armas e beneficiar ainda da licença de colecionador.
XXXII. Assim, os factos provados n.º 56 e 66 foram julgados sem qualquer prova a sustentá-los.
XXXIII. E em violação das al. L) e O) da matéria assente.
XXXIV. O que implica decisão diferente da proferida, ou seja, dar os factos provados n.º 56 e 66 como não provados.
XXXV. O ponto n.º 57 foi incorretamente julgado.
XXXVI. A única motivação foi a confissão do A.
XXXXVII. Mas a assentada é completamente omissa quanto a isso.
XXXVIII. Até porque não se trata de matéria do conhecimento pessoal do A..
XXXIX. Além disso, a prova que conduziu aos factos provados n.º 13, 14 e 15 (e o conjunto destes) evidenciam exatamente o contrário.
XL. O requerimento foi rejeitado exclusivamente pela apresentação extemporânea.
XLI. O que resulta de douto acórdão proferido.
XLII. Assim, também a prova que conduziu às als. O), P), Q) e R) bem evidenciam o julgamento incorreto do facto provado descrito sob o n.º 57.
XLIII. Devendo ser dado como não provado.
XLIV. O ponto n.º 58 dos factos provados foi incorretamente julgado.
XLV. Por todas as razões anteriores, também o facto provado n.º 58 foi incorretamente julgado.
XLVI. Também aqui não foi produzida qualquer prova no sentido de o confirmar.
XLVII. E na matéria assente existem várias alíneas que implicam decisão no sentido inverso, como sendo as als. D), G) eL).
XLVIII. Com efeito, se a estratégia existisse e fosse definida com o conhecimento ou consentimento do A., porque razão haveria este de andar a insistir pela apresentação do requerimento referente ao artigo 115.º da Lei 5/2006?
XLIX. Também este facto deve ser dado como não provado.
L. Os factos provados n.º 61, 63, 64 e 65 foram incorretamente julgados.
LI. Mais uma vez, não há qualquer prova a corroborar esses aspetos, como vimos nas transcrições supra apresentadas.
LII. Prova essa que, como vimos, é puramente indireta.
LIII. Para além disso, contrariam diretamente o teor das alíneas L) e O).
LIV. Admitir os factos provados n.º 61, 63, 64 e 65 implica uma contradição manifesta, dado que se existisse o tal acordo/conhecimento, não haveria justificação para o A. pedir insistentemente pela apresentação do requerimento que, supostamente, estava combinado não apresentar.
LV. Fundamentos pelos quais devem ser dados como não provados.
LVI. O mandato que o A. confiou aos RR. não cumprido de modo diligente.
LVII. O factos provados n.º 59 al. a) e b) e 60 evidenciam uma análise errada da matéria de facto e do Direito aplicável.
LVIII. E a evidência disso mesmo reside na apresentação do requerimento que foi recusado, unicamente, pela sua extemporaneidade.
LIX. E em sede de fundamentação o próprio Tribunal – como resulta da análise do douto acórdão – deu conta de que a entidade competente para o apreciar seria o Tribunal e não a PSP, fosse ele tempestivo.
LX. O que torna real e expõe – de modo flagrante diríamos – a falta de diligência no estudo e acompanhamento do processo do A..
LXI. A única razão de indeferimento foi a apresentação extemporânea.
LXII. O que é exclusivamente imputável aos RR. pois, cremos, que não será possível afirmar que o A. concordou na apresentação extemporânea ou no contexto em que aconteceu.
LXIII. Até porque, segundo os RR. a estratégia era não apresentar o requerimento que, realmente, apresentaram.
LXIV. Este comportamento, acompanhado do teor das als. J), K) e L) da matéria assente, evidencia a medida do incumprimento do mandato, de acordo com as regras da diligência.
LXV. A sentença padece de uma nulidade, por apreciar questão sobre a qual não se deveria pronunciar.
LXVI. O Tribunal deambolou entre considerações de Direito claramente contraditórias entre si.
LXVII. Por um lado, aceitou que a apresentação do requerimento descrito no artigo 115.º da Lei 5/2006 era uma causa idónea para a extinção do procedimento criminal e que o requerimento efetivamente foi apresentado extemporaneamente.
LXVIII. Aceitando, expressamente, a apresentação do requerimento seria uma atuação proficiente.
LXIX. Mas por outro lado, também consigna que é duvidoso que a apresentação do requerimento evitasse a dedução de acusação e o julgamento. Aduzindo que tal resultaria de certas armas (acessórios) que, no seu entendimento, não preenchiam os requisitos legais.
LXX. Esta contradição implica, manifestamente, a nulidade da sentença.
LXXI. Todavia, apenas uma destas versões é consentânea com a decisão dos factos provados, especialmente o facto provado descrito no artigo 14.º.
LXXII. Segundo o douto acórdão ali mencionado, o requerimento do artigo 115.º foi rejeitado – apenas e exclusivamente – por causa da sua apresentação extemporânea.
LXXIII. Todas as demais causas e hipóteses levantadas pelo Tribunal são meramente virtuais e não foram alegadas pelas partes.
LXXIV. Integrando assim matéria sobre a qual não deveria recair pronúncia do Tribunal.
LXXV. O que a prova produzida evidenciou foi a rejeição por extemporaneidade tout court.
LXXVI. Por outro lado, ainda contraria – diretamente – o teor das als. J) e K) da matéria assente.
LXXVII. Nulidades que expressamente se invocam a fim de ser judicialmente declaradas, com todas as legais consequências.
LXXVIII. Há que separar os danos resultantes da conduta ilegal do A. – apenas a este imputáveis – dos danos referentes ao incumprimento do mandato.
LXXIX. Sobre esta matéria é essencial ter presente os factos provados descritos sob os n.º 88, 75, 76, 77, 78, 79 e 82.
LXXX. O facto provado n.º 88, define o momento em que os danos se tornaram reais, ou melhor, individualizados, no que diz respeito ao A..
LXXXI. Embora a publicidade dos factos já existisse, somente após a audiência de julgamento é que se tornaram concretos para o A., pois apenas a partir desse momento é que foram individualizados, ou seja, apenas a partir desse momento é que o nome do A. aparece associado ao processo-crime.
LXXXII. E, de acordo com os demais factos provados, caso o requerimento referente ao artigo 115.º da Lei 5/2006 fosse apresentado tempestivamente, o processo seria extinto, antes do julgamento, evitando assim a associação do nome do A. ao “escândalo”.
LXXXIII. Ora, ao apresentar o requerimento apenas na última audiência de discussão e julgamento, os RR. não evitaram um prejuízo, por falta própria.
LXXXIV. E esse prejuízo deveria ser evitado e seria, caso o mandato fosse exercido de modo diligente.
LXXXV. Em concreto, se o requerimento que foi apresentado na última sessão de julgamento, fosse apresentado em tempo oportuno, o A. não veria o seu nome nos jornais nem sofreria os demais prejuízos provados.
LXXXVI. Até porque o efeito do referido requerimento opera ope legis e sem necessidade de observar outros requisitos.
LXXXVII. Nem mesmo as questões que o RR. suscitaram no sentido de “justificar” a não apresentação do referido requerimento foram acolhidas na decisão que o rejeitou.
LXXXVIII. Assim, considerando todos os prejuízos já indicados, bem como os constantes das als. S), T), U), V), X), Z) e AA) da matéria assente, estão verificados todos os requisito da responsabilidade contratual dos RR.
LXXXIX. Danos que são graves e relevantes.
XC. E que poderiam ser evitados, caso o requerimento fosse apresentado tempestivamente.
XCI. E não se aceita que qualquer cenário meramente virtual (exceção alegada ou não), pode insurgir-se contra a presunção legalmente prevista.
XCII. Sendo por isso, atenta a sua gravidade, meritórios de tutela pelo Direito.
XCIII. A prática de um ato processual, de modo extemporâneo, é a forma mais expressiva da falta de diligência no exercício do mandato.
XCIV. A culpa, em reforço da presunção legalmente prevista, radica da análise infeliz dos factos e da legislação aplicável in casu.
XCV. O requerimento de extinção dos autos, foi rejeitado exclusivamente pela extemporaneidade.
XCVI. Impedindo assim a extinção dos autos.
XCVII. Sendo que, previamente a esse momento – como resulta das als. K) e L) – o A. havia solicitado a apresentação desse requerimento.
XCVIII. O que significa que todos os requisitos da responsabilidade estão preenchidos.
XCIX. Em suma, os presentes autos resumem-se a saber se a apresentação extemporânea de um requerimento, é um exercício diligente do mandato.
C. Todos os demais cenários, quer os levantados pelos RR. nos articulados quer as questões novas introduzidas na sentença, são inadmissíveis e improcedentes, considerando a presunção legalmente imposta.
CI. Pelo que, a decisão que antecede, também violou o disposto no artigo 799.º do Código Civil. Precisamente porque de acordo com essa norma, a culpa presume-se e essa presunção não foi,
sequer, sopesada na decisão em crise. De acordo com essa norma, a apresentação extemporânea do requerimento presume-se culposa e não é por existir um pretenso acordo que a extemporaneidade deixa de ser exclusivamente imputável aos RR..
CII. Como se disse no início do presente recurso, o A. esteve, desde a leitura da decisão da matéria de facto, ocorrida a 11 de outubro de 2012, até à notificação da sentença em crise, a aguardar decisão do Tribunal, a qual, como é bom de ver, chegou três anos depois (ao invés dos 30 dias propugnados pelo Artigo 607º nº 1 do NCPC). Ora, durante esses três anos, e depois de terem passado pelo lugar, seguramente, dois ou três magistrados, é com pesar que o A. verifica que toda a prova produzida, como se viu e se esperava, foi apreciada de forma claramente errónea, o que, não sendo natural, não deixa de ser uma consequência lógica de todo o tempo decorrido e da total falta de imediação na análise da referida prova.
Termina por pedir a procedência do recurso e em consequência:
- a alteração da decisão da matéria de facto, considerando incorretamente julgados e por isso dados como não provados os factos descritos como factos provados n.º 56, 57, 58, 59, 61, 63, 64, 65 e 66;
- cumulativamente, a revogação da decisão da matéria de direito, na parte atinente à concordância do A. com a estratégia definida pelos RR., uma vez que a mesma, pura e simplesmente, não existiu;
- a declaração da nulidade na parte supra descrita em J, por conhecer de questão de que não devia conhecer;
- a revogação da decisão de absolvição dos RR. e julgados verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, condenando-se os RR. nos pedidos formulados.
*
Os Réus vieram apresentar resposta ao recurso da sentença formulando as seguintes conclusões:
1. A decisão sobre matéria de facto, produzida em tempo oportuno pela Meritíssima Juiz que conduziu as várias sessões da audiência de julgamento não padece nem de perturbação da memória de quem julgou e decidiu, nem de erro de avaliação de depoimentos e declarações prestados nessa audiência, uma vez que não faltou imediação na análise da prova.
2. São totalmente infundados, desprovidos de razão e até de sentido, os vícios apontados às decisões sobre a matéria de facto que se encontram, de forma transparente e esclarecida, sustentadas pelos registos gravados da prova produzida.
3. A questão nuclear do ataque dirigido pelo Autor à atuação dos Advogados demandados no processo-crime que lhe fora movido por detenção de armas não legalizadas gira em torno da aplicação da norma do artigo 115.º da Lei nº 5/2006 e, muito particularmente, da necessidade ou desnecessidade de apresentação de um manifesto de armas para beneficiar da isenção de procedimento criminal.
4. A aplicação da norma do artigo 115.º nº 1 não é linear, gera controvérsia e foi objeto de estudo, análise e ponderação por parte dos Advogados agora demandados.
5. No acompanhamento do processo-crime os Advogados do então arguido e agora Autor atuaram sempre em consonância com o seu cliente, definiram as estratégias de atuação em função dos interesses prioritários estabelecidos e comunicados pelo cliente e orientaram a sua atuação no processo na base dessas prioridades.
6. Na análise, interpretação e aplicação da norma do artigo 115.º nº 1 entenderam os Advogados, legitimamente e fundamentadamente, que, no caso que acompanhavam, a aplicação do benefício de exclusão de procedimento criminal não estava, nem poderia estar, dependente da apresentação de um requerimento de entrega e manifesto de armas, uma vez que as armas em causa se encontravam apreendidas já pelas autoridades policiais. Mais entenderam, legítima e fundamentadamente, que entregar o requerimento colocaria o poder decisório sobre a legalização das armas nas mãos da polícia, o que conduziria à quase certa perda de elevado número dessas armas.
7. A estratégia seguida pelos Advogados, com conhecimento e acordo do seu cliente, com vista à recuperação do maior número possível de armas apreendidas, preocupação prioritária do agora Autor, alcançou elevado sucesso.
8. Traduzindo o benefício previsto na parte final do artigo 115.º nº 1 a concessão de um “perdão público” ou de um “perdão geral”, teria ele de aproveitar também ao Autor que, tendo as armas apreendidas e, por esse motivo, entregues e confiadas já à guarda, exame e identificação das entidades policiais não estava, nem poderia ou deveria estar, sujeito à obrigação de as apresentar ou de apresentar um manifesto dessas armas, ou seja, de as entregar voluntariamente, com requerimento em papel, a essas mesmas entidades. Por isso, sempre estaria o Autor em tempo de exigir a aplicação do “perdão público” e de ver o procedimento criminal extinto por efeito da norma do mencionado artigo.
9. A desconformidade do resultado, traduzido numa sentença condenatória que fere os mais basilares princípios de JUSTIÇA, não desvaloriza o trabalho desenvolvido pelos Advogados na defesa dos interesses do seu cliente, a qualidade das suas atuações, a justeza das suas orientações, nem a profundidade, seriedade e competência colocadas no acompanhamento do caso.
10. Da sentença que não se tem por justa recorre-se e o Autor, no recurso que interpôs, deixou cair, por omissão, a questão principal da aplicação do benefício previsto no artigo 115.º nº 1 e dos princípios constitucionais que presidem à aplicação da justiça em sede criminal.
11. Nenhum facto permite imputar aos Advogados demandados uma condução negligente ou culposa do processo que acompanharam em defesa dos interesses e direitos do cliente que agora entende persegui-los.
Conclui por pedir a improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como recurso de apelação.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- Recurso do despacho proferido em ata no dia 15 de maio de 2012 - do valor probatório das declarações prestadas pelo autor, quanto à matéria do quesito 27.
*
- Recurso da sentença -
- reapreciação da decisão de facto quanto à concreta matéria dos pontos 56, 57, 58, 61, 63, 64, 65, 66 dos factos provados (resposta à matéria dos pontos 35, 36, 37, 42, 43, 44, 45 da base instrutória);
- contradição na decisão facto;
- violação do princípio da imediação;
- nulidade da sentença;
- mérito da causa.
*
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Em 23 de março de 2006 foi realizada, por mandado judicial, busca e apreensão de armas no domicílio do Autor, atos que foram realizados no âmbito de uma operação policial levada a cabo a nível nacional, no âmbito de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Instrução Criminal e DIAP de Lisboa (A).
2. Naquela investigação foram constituídos arguidos, entre vários indivíduos acusados de tráfico ilegal de armas, vários colecionadores de armas, praticantes de tiro e de caça, como o aqui Autor (B).
3. O Autor foi então constituído arguido no âmbito daquele inquérito, naquela mesma data, tendo sido sujeito, desde então, como medidas de coação impostas, a apresentações quinzenais em esquadra de polícia e proibição de contacto com armas (C).
4. Para a sua defesa no processo-crime, o Autor outorgou a procuração constante de fls. 59 dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, defesa essa que se concretizou na prática de diversos atos por parte dos advogados aqui 2º e 3º Réus (D).
5. Em 23 de novembro de 2006, foi levado a cabo interrogatório do arguido, aqui Autor, ainda na “Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano da PSP do Porto”, no qual esteve presente, na qualidade de seu defensor, com procuração já junta aos autos, o Dr. D… (E).
6. O processo do Autor passou a correr termos no DIAP do Porto, mantendo-se os Réus, como até aí, na qualidade de defensores do Autor (F).
7. Tendo em conta que foi deduzida acusação, e remetido o processo para as Varas Criminais do Porto, os Réus, na qualidade de seus defensores, receberam as notificações remetidas pelo Tribunal, apresentaram requerimentos e estiveram presentes em diversas diligências (G).
8. A audiência de julgamento do processo em causa prolongou-se por diversas sessões, que tiveram lugar entre 21 de abril de 2008 (primeira sessão) e 31 de julho de 2008 (última sessão). Nela interveio o Dr. E… (H).
9. Findo o julgamento, foi proferida sentença na qual o Autor foi condenado, em 1ª Instância, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com a condição de, no prazo de dois meses contados da data do trânsito daquela sentença, o Autor entregar à Associação “J…” a quantia de € 5.000,00 (I).
10. O Dr. F…, que tinha relações pessoais com o Autor e que fora constituído arguido no mesmo processo, apresentou em sede de instrução no processo que transitara para o Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, um requerimento “no sentido de dar cumprimento à faculdade de manifesto voluntário e, dessa forma, beneficiar do regime previsto para quem voluntariamente requeresse a apresentação das armas em seu poder a exame e manifesto”. Fê-lo, “dentro do período fixado pela citada norma legal”, ou seja, “no nº 1 do artigo 115º da Lei nº 5/2006, de 23/02” (J).
11. Foi declarado extinto o procedimento criminal que pendia contra o Dr. F…, com a fundamentação expressa no documento de fls. 24 a 30 dos autos, cujo conteúdo aqui damos por reproduzido (K).
12. E, por ser essa a informação que fora transmitida ao Autor, por diversas vezes colocou à consideração dos seus mandatários essa hipótese, como de resto, e segundo o Dr. F…, havia feito o seu mandatário, quando endereçou aos 2º e 3º Réus carta na qual os informava do procedimento que iria adotar no processo do seu constituinte (L).
13. Apenas na penúltima sessão de julgamento, em 08 de julho de 2008, os aqui Réus apresentaram o requerimento que faz fls. 165 a 171 dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido e onde referem que “o arguido declara e requer que sejam apresentadas a registo e manifesto as armas, partes essenciais de armas, componentes e acessórios de armas que lhe foram apreendidos e que não se encontravam registadas ou manifestadas (…), apresentação a registo e manifesto que, a ser julgada válida e lícita, importará a extinção do presente procedimento criminal, o que se requer” (M).
14. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o acórdão constante de fls. 176 a 308, proferido no processo nº 2236/07.4TDLSB, da 1ª Vara Criminal do Porto (N).
15. Confrontado com a decisão referida em I), e conhecedor empírico da “nova lei das armas”, o Autor de imediato contactou com os Réus no sentido de procurar esclarecer porque razão outras pessoas do seu conhecimento pessoal, que também se viram envolvidas naquele processo, terem visto os seus processos extintos, sem qualquer condenação, sendo ele julgado e condenado a tal pena, mesmo depois de terem conferenciado inúmeras vezes acerca da formalização de tal requerimento, ao exemplo de tantos outros arguidos (O).
16. Considerando definitivamente comprometida a confiança profissional nos serviços prestados pelos Réus, o Autor lançou mão dos serviços do Dr. K…, em quem os Réus substabeleceram, sem reserva, os poderes que lhes haviam sido conferidos pelo Autor (P).
17. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto constante de fls. 311 a 340, versando sobre o recurso da decisão do processo nº 2236/07.4TDLSB, da 1ª Vara Criminal do Porto (Q).
18. A transcrição do acórdão condenatório manteve-se, por decisão do Tribunal, transcrita no seu certificado criminal, uma vez que foi rejeitado o requerimento de não transcrição que foi apresentado (R).
19. O Autor foi sujeito às medidas de coação de apresentação quinzenal em esquadra da polícia e proibição de contacto com armas até 18 de dezembro de 2008 (S).
20. Por estar sujeito àquelas medidas de coação, o Autor ficou impedido de manter, durante esse período, um hobby que mantinha desde tenra idade, e efetuou cerca de 48 deslocações a uma esquadra, para dar cumprimento à limitação da sua liberdade. Transtornos que eram do conhecimento dos Réus (T).
21. O Autor deixou de exercer o cargo de administrador da sociedade “L…, S.A.”, cargo que exercia quase em exclusividade, por a isso ter sido compelido em consequência da publicidade e exposição mediática do processo-crime (U).
22. O Autor pretendia obter a licença de colecionador, que lhe permitiria legitimar a detenção de armas de coleção. Ficou impossibilitado de a obter, por ter deixado de reunir as condições necessárias à prestação de provas necessárias à aceitação da sua inscrição, em face das medidas de coação impostas no processo-crime no qual fora constituído arguido e acusado. Até à data, continua impossibilitado de obter a licença de colecionador de armas, em consequência do seu registo criminal ter averbada a condenação em causa (V).
23. Desde o início do julgamento do Autor que foram várias as notícias publicadas em diversos órgãos de comunicação social. No dia imediatamente após o início do julgamento, em 22 de abril de 2008, foram duas as notícias publicadas:
i. No jornal M…, viu o seu nome exposto numa notícia que apresenta o caso de um “…”;
ii. Já no jornal W…, era descrito como “…”, que tinha “um arsenal em casa sem más intenções” (X).
24. No dia após ter sido proferida a decisão de 1ª instância, em 01 de agosto de 2008, voltaram as notícias que expunham o Autor:
i. No Jornal X…, o nome do Autor e a sua fotografia compunham a notícia que dava conta de um médico que fora condenado no âmbito de um processo-crime em que fora acusado de deter armas proibidas, para fins bélicos.
ii. Já no Diário N…, é apresentado como um médico condenado a pena de prisão de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução (Z).
25. A apreensão das armas que possuía e as consequências que tudo isso lhe acarretou afastaram o Autor, radical e definitivamente, do contacto com qualquer tipo de armamento (AA).
26. Na sequência da referida busca, foram apreendidas ao Autor inúmeras armas que há longos anos colecionava em casa (1º).
27. Na mesma data em que foi realizada a busca no domicílio do Autor, mais de uma dezena de outros interessados em armas foram objeto de idênticas medidas (2º).
28. Originalmente, o processo que inicialmente correu termos no DIAP de Lisboa, envolvia mais de uma dezena de arguidos, alguns deles com relações pessoais com o Autor (3º).
29. Tendo também visto as suas armas apreendidas e sido constituídos arguidos, contactaram o Autor a propósito da possibilidade de requererem a apresentação a exame e manifesto dessas mesmas armas (4º).
30. Esse requerimento foi apresentado por alguns dos arguidos naqueles processos (5º).
31. Tendo então decidido recorrer da decisão proferida com base em outras razões de direito, relacionadas com questões materiais, e no que à matéria de facto dizia respeito (8º).
32. A exposição referida em X) e Z) dos factos assentes e respostas aos quesitos 19º, 20º e 55º, causou abalo no Autor e na sua carreira, bem como na sua família (9º).
33. Transtorno que decorre do facto de os filhos do Autor, então com 23, 19, 13 e 11 anos de idade, verem o nome e a imagem do pai exposta, em todo o país e de forma recorrente, como um criminoso (10º).
34. Por via do aludido em X) e Z), foi inevitável que os seus filhos, familiares, amigos, pacientes, colegas de trabalho, vizinhos, tomassem conhecimento da pendência de uma acusação em processo-crime contra si (11º).
35. O que causava vergonha e embaraço ao Autor, que passou a limitar os seus convívios sociais naquele período e nos que se seguiram (12º).
36. Especialmente difícil para o Autor foi conseguir justificar e explicar às suas filhas mais novas, então com 10 e 12 anos, a razão pela qual o pai aparecia nos jornais nacionais como criminoso (13º).
37. O Autor pagou a quantia de € 15.125,00 à 1ª Ré, a título de honorários pela defesa naquele processo-crime (14º).
38. E as custas desse processo importaram no valor total de € 4.938,00 (16º).
39. Muito embora num primeiro momento a assistência jurídica ao Autor tenha ficado a cargo dos demandados Dr. D… e Dr. E…, logo de seguida esse apoio seria prestado pelo Ilustre Advogado Dr. O…, uma vez que as diligências iniciais ocorreriam na área de Lisboa, sendo retomado pelos Advogados demandados uma vez que o processo judicial regressou ao Porto (17º).

40. O Autor sentia um valor estimativo e era apaixonado pelas armas que colecionava (18º).
41. O mandado de busca e apreensão de armas, e principalmente a execução desse mandado, colheu a atenção e o interesse da comunicação social, de tal modo que o assunto seria tema de notícias nos jornais diários dos dias 24, 25, 26 e 27 de março daquele ano de 2006 (19º).
42. Embora com troca de identificação, a busca e a apreensão de armas efetuada na casa de habitação do aqui Autor foi objeto de notícia no jornal “P…” de sábado 25 de março de 2006 sob o título “…”, dando assim visibilidade e notoriedade ao envolvimento do Autor no “processo das armas” (20º).
43. No dia 23 de março de 2006, o agora Autor, constituído arguido no sobredito processo, foi conduzido sob detenção para Lisboa (21º).
44. Onde foi presente à Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa que, com fundamento em “perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação social e intranquilidade, tendo em conta o sentimento de insegurança que é sentido pela população em geral”, determinou a aplicação das medidas de coação seguintes: “a prestação de termo de identidade e residência com obrigação de se apresentar quinzenalmente no OPC das suas áreas de residência e com a proibição de exercer qualquer atividade relacionada com armas para cujo exercício seja necessário um título público, uma autorização ou uma homologação de autoridade pública” (22º).
45. O Autor havia sido conduzido ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, “dentro do prazo de 48 horas” contadas desde o momento da detenção, logo antes do dia 26 de março daquele ano de 2006 (23º).
46. Sendo que, na altura, por indicação da sociedade Ré, o Autor foi assistido e acompanhado pelo Ilustre Advogado Dr. O… (24º).
47. O Dr. D… não esteve presente no interrogatório de arguido efetuado no Tribunal de Instrução Criminal do DIAP de Lisboa e não acompanhou nem prestou assistência jurídica ao Autor nessa diligência (25º).
48. Indigitados para acompanhar a defesa do agora Autor no processo criminal em que se encontrava envolvido, os Advogados demandados reuniram com o Autor a fim de colher todos os elementos indispensáveis à preparação, elaboração e condução dessa defesa (26º).
49. Na altura, o Autor transmitiu aos dois Advogados, aqui Réus, as preocupações essenciais e prioritárias que deveriam nortear a preparação e condução da defesa:
a) Em primeira prioridade, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva;
b) Em segunda prioridade, obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas (27º).
50. Relativamente àquela primeira prioridade e primeira preocupação do Autor, os Advogados Réus procuraram tranquilizá-lo desde o início, explicando-lhe que atenta a sua personalidade, as suas motivações estranhas ao cometimento de qualquer ato de violência, a sua atividade profissional e inserção no meio social em que vivia, seria remota - ainda que não se pudesse excluir totalmente a possibilidade – a hipótese de condenação numa pena de prisão efetiva (28º).
51. Relativamente à recuperação das armas, os dois Advogados entendiam que a estratégia da defesa deveria necessariamente passar por retirar o poder decisório sobre a legalidade ou ilegalidade dessas armas das autoridades policiais, por duas ordens de razões:
a) Por um lado, porque a Polícia de Segurança Pública revelara já um critério rígido, discricionário e excessivo que conduziria à classificação da generalidade das armas como ilegais ou proibidas;
b) Por outro lado, porque a Polícia Judiciária revelara já apetência para se apropriar de algumas das armas apreendidas visando a sua “afetação à coleção de espécimes da respetiva Área de Balística” (29º).
52. Isto mesmo transmitiram e explicaram os dois Advogados ao Autor e de tudo isto ficou ele ciente e sabedor (30º).
53. Mais explicaram ao Autor que o processo-crime poderia terminar com uma condenação, atenta a factualidade constante da acusação, condenação em pena que ficaria suspensa por algum tempo (31º).
54. O Autor referiu que já havia, em tempos, sido condenado em pena suspensa por condução de veículo sem a habilitação legalmente exigida (33º).
55. Foi com base nestas preocupações e nestas prioridades, que os dois Advogados Réus passaram a orientar a condução da defesa, sempre com conhecimento da sua atuação por parte do então arguido (34º).
56. A estratégia de defesa, visando também recuperar as armas apreendidas, foi preparada com conhecimento e acordo do Autor (35º).
57. No exercício dessa defesa de que tinham sido incumbidos, os Advogados Réus:
a. Estudaram criteriosamente o processo e a legislação aplicável;
b. Colheram aprofundadas informações sobre todas e sobre cada uma das armas apreendidas, suas características, modelos, calibres, números de série, licenças e bem assim sobre os dispositivos acessórios dessas armas, sua forma de utilização e licitude de detenção, contactando, para o efeito, com diversas pessoas e entidades nacionais e estrangeiras;
c. Prepararam, redigiram e apresentaram vários requerimentos destinados a alcançar a alteração das medidas de coação que haviam sido determinadas ou a obter a restituição de objetos apreendidos (telemóvel v.g.);
d. Elaboraram e apresentaram uma contestação à acusação deduzida contra o então arguido, sustentando e fundamentando a legalidade da detenção relativamente à grande maioria das armas apreendidas, explicando as razões e motivações que justificavam essa detenção e que prendendo-se apenas com o colecionismo e a prática de desporto eram estranhas a qualquer finalidade criminalmente censurável, revelando as condições de segurança com que as armas eram guardadas;
e. Acompanharam a audiência de julgamento que se prolongou por várias sessões e a leitura da sentença (36º).
58. A hipótese de aplicação da norma do artigo 115.º, n.º 1, da Lei nº 5/2006, foi abordada e ponderada não apenas entre os dois Advogados Réus, como ainda com o próprio Autor e com entidades policiais na presença e com intervenção do próprio Autor (37º).
59. Entenderam os Advogados Réus que, da apreensão das armas pela Polícia de Segurança Pública resultaram prejudicados os requisitos que justificavam a apresentação de um requerimento para legalização das armas apreendidas:
a) De um lado, o agora Autor não era possuidor das armas, já que elas se encontravam na posse das entidades policiais;
b) De outro lado, encontrando-se as armas, todas elas, em poder das entidades policiais, logo perfeitamente conhecidas, identificadas, materialmente detidas por essas entidades, deixara de existir situação de “clandestinidade” ou de “ilegalidade” que pudesse justificar a apresentação de um formulário visando a sua legalização;
c) Finalmente, sempre o Autor manifestara, de forma expressa e clara, nas declarações prestadas no processo-crime, a intenção e a vontade de recuperar as armas devidamente legalizadas (38º).
60. Na opinião dos Advogados Réus, requerer ao abrigo da norma do artigo 115º, nº 1, a legalização das armas apreendidas implicaria colocar nas mãos da Polícia de Segurança Pública o poder decisório quanto à classificação das armas com o risco de muitas delas serem consideradas não legalizáveis e consequentemente resultarem perdidas a favor do Estado (39º).
61. Tudo isto foi falado, oportunamente, com o Autor (40º).
62. E nessas conversas, os dois Advogados Réus procuraram explicar e fazer entender:
a) As razões determinantes que poderiam desaconselhar a apresentação de um requerimento elaborado ao abrigo do disposto no artigo 115.º n.º1;
b) As razões pelas quais entendiam que aquela disposição não seria aplicável ao seu caso;
c) E, finalmente, as razões pelas quais entendiam que estando a tempo de requerer a extinção do procedimento criminal o poderiam fazer com o mencionado risco de perda de um elevado número de armas a favor do Estado (41º).
63. Aquando do aludido em J), K) e L), os Advogados Réus voltaram a ponderar com o Autor os motivos que justificariam a apresentação ou não apresentação desse requerimento (42º).
64. Explicaram, de novo, ao Autor, as dúvidas que entendiam como legítimas quanto à aplicação daquela disposição ao caso (43º).
65. E consideraram as consequências da provável perda de parte dessas armas a favor do Estado por serem consideradas ilegalizáveis pela Polícia de Segurança Pública (44º).
66. O Autor aceitou a defesa proposta pelos Advogados Réus de ser submetido a julgamento, com o objetivo de recuperação das armas (45º).
67. O Autor não suscitou em instância de recurso a questão relativa ao requerimento ao abrigo do art. 115º (47º).
68. Aos Advogados Réus nunca se afigurou claro, óbvio e linear que o legislador ao referir os “possuidores” não quisesse dirigir-se aos “possuidores” ou aos “detentores” (48º).
69. Por outro lado, os Advogados Réus, debruçando-se sobre a aplicação da norma no caso que envolvia o Autor, tiveram plena consciência do risco de perda de uma parte «substancial das armas apreendidas caso a legalização dessas armas transitasse para as entidades policiais e saísse fora da alçada do Tribunal antes de produzida prova sobre essas armas, o seu funcionamento e a possibilidade de serem legalizadas (49º).
70. A perda das armas eram um risco que o Autor não queria correr (50º).
71. No caso de Q…, constituído arguido e julgado no Tribunal de Montemor-o-Novo, 2º Juízo, no processo n.º 2239/07, acompanhado e patrocinado pelo Ilustre Advogado e Professor de Direito Penal T…, em momento algum foi suscitada no processo a questão da aplicação da norma do artigo 115.º n.º1 da Lei 5/2006 (51º).
72. Por se entender, ou que não seria aplicável ao caso, ou que seria desvantajosa para o aí arguido (52º).
73. Os Advogados Réus explicaram ao Autor que a decisão condenatória era suscetível de recurso e que em sede de recurso muito provavelmente seria alterada (53º).
74. E referiram ainda que sobre outro ou outros processos, julgados por Tribunais diferentes, não poderiam pronunciar-se (54º).
75. Numa primeira fase, quando foram efetuadas as diligências de busca e apreensão de armas, nos dias 24, 25, 26 e 27 de março do ano de 2006, a comunicação social deu notícia destacada a essas diligências, ao processo das armas e ao “médico detentor de um arsenal em casa” (55º).
76. O Autor havia sido designado administrador da dita sociedade L…, S.A. por deliberação de 01 de março de 2005 para o triénio 2003/2005 (56º).
77. Posteriormente, a deliberação sobre a constituição de um novo Conselho de Administração da sociedade foi tomada em 01 de junho do ano de 2006 (57º).
78. E desse Conselho de Administração já não fazia parte o agora Autor (58º).
79. O Autor perdeu o cargo de administrador porque a comunicação social fez eco das armas que lhe foram apreendidas em casa no dia 23 de março de 2006 (59º).
80. A intervenção policial do dia 23 de março, na casa de habitação do Autor, foi visível e dela tomaram conhecimento, designadamente, os familiares do Autor (60º).
81. As notícias nos jornais mencionadas na resposta ao quesito 55º, a razão pela qual foi sujeito a busca na sua casa de habitação, a razão pela qual foi detido e foi conduzido sob detenção até Lisboa, tudo isto se passou em março de 2006, ainda os Réus não tinham intervenção no processo crime (61º).
82. A dedução de acusação contra o Autor aconteceu meses depois de esgotado o prazo legal de 120 dias previsto na Lei 5/2006 (63º).
83. Depois de ter sido conhecido o acórdão que julga extemporâneo o requerimento de apresentação a exame e manifesto das armas e condena o Autor, este contactou com o 3º Réu, para deste obter esclarecimentos quanto à decisão então conhecida e a hipótese de recurso (64º).
84. O Autor contactou com o Dr. K…, no seu escritório em Lisboa (66º).
85. O Dr. K… entrou em contacto com os 2º e 3º Réus, que dias depois chamaram o Autor para uma reunião (67º).
86. Na sequência dessa reunião, os 2º e 3º RR remetem ao Autor carta datada de 5 de setembro de 2008, na qual afirmam que “a confiança mínima que exigimos dos nossos clientes para nos disponibilizarmos a assegurar o patrocínio judicial está irremediavelmente perdida” (68º).
87. O Autor contactou outros advogados (69º).
88. O nome do Autor na comunicação social apenas surge na fase de julgamento, sendo que, até então, era referido que “…” estava envolvido no processo (70º).
*
3. O direito
- Recurso do despacho proferido em ata no dia 15 de maio de 2012 –

Nas conclusões de recurso sob os pontos I a V insurge-se o apelante contra o despacho proferido em ata no dia 15 de maio de 2012, que apreciou o requerimento do Autor a respeito do conteúdo da assentada relacionada com a matéria do quesito 27 da base instrutória.
No quesito 27, que reproduz a matéria do art.61ºda contestação ( fls. 367 – vol.II ), perguntava-se:
“Na altura, o Autor transmitiu aos dois Advogados aqui Réus as preocupações essenciais e prioritárias que deveriam nortear a preparação e condução da defesa:
a) Em primeira prioridade, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva?
b) Em segunda prioridade, obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas?”
O Autor prestou depoimento quanto a tal matéria.
Consignou-se em ata:
“Ao abrigo do artº 563º do C.P.C. passa-se a reduzir a escrito o depoimento prestado pelo Autor, na parte em que houve confissão.
ASSENTADA
Assim, o depoente confessou que:
[ … ]
Na altura, o Autor transmitiu aos dois Advogados aqui Réus as preocupações essenciais e prioritárias que deveriam nortear a preparação e condução da defesa:
a) Em primeira prioridade, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva;
b) Em segunda prioridade, obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas (quesito 27º)
[…]
O depoente esteve presente aquando da redução a escrito das suas declarações, que, finda a assentada, lhe foi lida tendo-a confirmado.
De seguida foi dada a palavra ao ilustre mandatário do Réu que no seu uso disse nada ter a requerer.
Dada a palavra ao ilustre mandatário do Autor pelo mesmo foi dito:
Foi dado como assente, e confessado pelo Autor, o quesito 27º da Base Instrutória.
Ora, aquando da resposta ao mesmo quesito, e tendo como referência o disposto na al. a) do mesmo, o Autor referiu que era naturalmente sua preocupação evitar a aplicação de uma pena, não se referindo em momento algum que se tratava de uma pena efetiva.
Por tal motivo, e pelo menos no que toca à al. a) do referido quesito 27º, deverá a mesma, não ser considerada confessada.
Dada a palavra ao ilustre mandatário dos Réus pelo mesmo foi dito:
Não cabe ao Tribunal na presente fase de condensação da matéria confessada por uma das partes, alterar os quesitos tal como foram formulados.
O Autor, na douta opinião que consta do requerimento agora apresentado e a que se responde, teria admitido que a primeira prioridade era evitar a aplicação de uma pena, simplesmente.
Se era evitar a aplicação de uma pena era, seguramente, por maioria de razão, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva.
Por isso afigura-se perfeitamente correto nos seus termos, a condensação da parte confessada, que foi efetuada pela Mmª Juiz.
Seguidamente pela Mmª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
O Tribunal não tem dúvidas que aquando da prestação do depoimento do Autor à matéria do quesito 27º, este confessou tal matéria sem fazer a ressalva que o ilustre advogado aponta no seu reparo, depoimento esse que está gravado.
Se dúvidas existissem, o depoente não teve qualquer hesitação quando confessou a matéria do quesito 28º, estritamente conexionado com aquela prioridade e preocupação a que se faz alusão na al. a) do quesito 27º.
Por estes motivos o Tribunal está seguro de que tal matéria está confessada e deste modo mantém a redação da assentada nos termos acima mencionados”.
Pretende o apelante que se considere não provada a matéria do quesito 27º da base instrutória, porque as declarações prestadas pelo autor não revestiram caráter confessório e pede a anulação do despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue não confessado o quesito 27, admitindo-se a produção de prova sobre tais factos.
Entendemos que não se verifica qualquer fundamento para anulação do despacho, porque não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no art. 712º/4 CPC, atual art. 662º/2 c) CPC. O despacho não se pronuncia sobre a matéria de facto provada ou não provada, mas apenas sobre a conformidade da assentada com as declarações da parte e por isso, não se justifica a anulação do despacho porque não está em causa a omissão de pronúncia sobre factos relevantes ou a contradição na decisão.
O Autor prestou declarações sobre a matéria do quesito 27, de forma exaustiva, como aliás disso dá conta o apelante na motivação do recurso com as transcrições parciais do depoimento e o juiz do tribunal ”a quo” reduziu a escrito o depoimento na parte em que se revelou estar na presença de declarações confessórias, tal como determina o art. 358º/1 CC.
Pretende o apelante que se elimine da assentada as declarações prestadas a respeito do quesito 27º da base instrutória, mas ao tribunal de recurso cumpre em regra reapreciar a decisão recorrida e não se pode pronunciar sobre questões novas.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[2].
O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[3]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Em regra vai reapreciar as decisões proferidas e não analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
No caso não se verifica qualquer das exceções e o apelante ao interpor recurso do despacho visa não só a reapreciação da decisão, mas ainda que o tribunal de recurso se pronuncie sobre o efetivo valor probatório das declarações prestadas pelo autor no que respeita a toda a matéria do quesito 27.
O despacho recorrido apenas apreciou da conformidade da assentada com as declarações prestadas pelo autor, quanto à parte final da alínea a) do quesito 27º.
Desta forma, o tribunal de recurso apenas pode reapreciar esse segmento da decisão e só pela via da reapreciação da prova se pode pronunciar sobre o erro na apreciação da prova e nesse domínio aferir da efetiva relevância probatória das declarações prestadas pela parte, o Autor-apelante.
Por fim, consideramos que não merece censura o despacho recorrido.
A assentada destina-se a reproduzir as declarações de parte, no pressuposto de se tratarem de declarações confessórias.
O depoimento de parte é a declaração solene prestada sob compromisso de honra por qualquer das partes sobre os factos da causa – art. 552º CPC.
O depoimento de parte não se confunde com a confissão e como referia o Professor ANTUNES VARELA: “constitui uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão”[4].
LEBRE DE FREITAS refere, aliás, que “o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão”[5].
O depoimento de parte pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente, mas sem que a declaração por ele prestada tenha revestido a forma de uma declaração confessória.
A confissão, conforme resulta da definição contida no art. 352º CC, consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Como refere LEBRE DE FREITAS, a confissão consiste no reconhecimento “de um facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse“[6].
O valor probatório atribuído à confissão, assenta na regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse[7].
A declaração de ciência constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objecto[8].
A força probatória da confissão judicial (única que para o caso nos interessa) depende da forma que ela revista.
Determina o art. 358º/1 CC que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.
Não sendo reduzida a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal, conforme determina o art. 358º/4 CC.
Podemos, assim, concluir que o depoimento de parte tem diferente valor probatório consoante estamos perante uma confissão ou apenas perante a afirmação de factos desfavoráveis ao depoente.
No caso presente verifica-se que resulta das declarações do Autor que constituía preocupação prioritária não ser condenado em pena de prisão efetiva. Resulta dos excertos do depoimento transcritos na motivação e que se confirmaram com a audição da gravação, que o apelante-autor estava convencido que seria condenado pela prática do crime, mas pretendia a todo o custo que a pena que lhe viesse a ser aplicada nunca correspondesse a prisão efetiva. O Autor expressou ter noção da pena que lhe podia ser aplicada e que os crimes em causa eram punidos com pena de prisão, deixando bem patente que lhe restava apostar na suspensão da execução da pena de prisão e toda a questão foi debatida e analisada com os seus advogados, ora réus na ação.
Quando questionado diretamente pela senhora juiz sobre a matéria do quesito 27 e se na altura, o Autor transmitiu aos dois Advogados aqui Réus as preocupações essenciais e prioritárias que deveriam nortear a preparação e condução da defesa e se a primeira prioridade consistia em evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva, o Autor respondeu prontamente ”concerteza”.
O Autor esclareceu, ainda, que proferida acusação foi informado pelos seus advogados que a provarem-se os factos ali descritos seria condenado em “pena suspensa”. Manifestou a sua preocupação porque tem uma imagem social a preservar e a sua imagem perante os filhos.
Esclareceu, ainda, que em relação a uma das armas tinha a noção que não era suscetível de ser legalizada e sempre seria condenado pelo facto de possuir tal arma, mas nunca em pena efetiva de prisão. Referiu que quando foi aflorado pelos seus advogados, aqui réus, a hipótese de recurso do acórdão, nem compreendeu como se podia colocar a hipótese de absolvição.
A legalização das armas ou a sua recuperação constituída questão secundária, o que ficou bem expresso, quando questionado pela senhora juiz se a segunda prioridade, consistia em obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas, o autor respondeu” na sequência da primeira, concerteza”.
Conclui-se, assim, que a assentada consigna de forma fiel as declarações prestadas pelo autor, a respeito da matéria de facto contida no quesito 27 a) da base instrutória.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 5.
*
- Recurso da sentença –
*
- Reapreciação da decisão de facto quanto à concreta matéria dos pontos 56, 57, 58, 61, 63, 64, 65, 66 dos factos provados -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXIII a LV, suscita a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto quanto aos concretos pontos 56, 57, 58, 61, 63, 64, 65, 66 dos factos provados que correspondem à resposta aos quesitos 35, 36, 37, 40, 42, 43, 44, 45 da base instrutória.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[9].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante vêm impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, remetendo para a motivação a fundamentação da reapreciação e indicou a decisão que considera que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do art. 662º/1 CPC e do art. 640º/1/2 do CPC defere-se a reapreciação da prova, por se mostrarem reunidos os pressupostos de ordem formal.
*
Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[10].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[11].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[12].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[13].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[14].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[15].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[16].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise critica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o despacho que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição dos CD´s que contêm a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação não merece censura pelos motivos que a seguir se expõem.
*
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os factos que a seguir se enunciam e que obtiveram a decisão que se transcreve:
- Quesito 35: A estratégia de defesa, visando em primeiro lugar recuperar as armas apreendidas, foi delineada e preparada com pleno conhecimento e acordo do Autor?
Provado: 56. A estratégia de defesa, visando também recuperar as armas apreendidas, foi preparada com conhecimento e acordo do Autor (35º).
- Quesito 36: No exercício dessa defesa de que tinham sido incumbidos, os Advogados Réus:
a. Estudaram criteriosamente o processo e a legislação aplicável?
b. Colheram aprofundadas informações sobre todas e sobre cada uma das armas apreendidas, suas características, modelos, calibres, números de série, licenças e bem assim sobre os dispositivos acessórios dessas armas, sua forma de utilização e licitude de detenção, contactando, para o efeito, com diversas pessoas e entidades nacionais e estrangeiras?
c. Prepararam, redigiram e apresentaram vários requerimentos destinados a alcançar a alteração das medidas de coação que haviam sido determinadas ou a obter a restituição de objetos apreendidos (telemóvel v.g.)?
d. Elaboraram e apresentaram uma contestação à acusação deduzida contra o então arguido, sustentando e fundamentando a legalidade da detenção relativamente à grande maioria das armas apreendidas, explicando as razões e motivações que justificavam essa detenção e que prendendo-se apenas com o colecionismo e a prática de desporto eram estranhas a qualquer finalidade criminalmente censurável, revelando as condições de segurança com que as armas eram guardadas?
e. Acompanharam a audiência de julgamento que se prolongou por várias sessões e a leitura da sentença?
Provado: 57. No exercício dessa defesa de que tinham sido incumbidos, os Advogados Réus:
a. Estudaram criteriosamente o processo e a legislação aplicável;
b. Colheram aprofundadas informações sobre todas e sobre cada uma das armas apreendidas, suas características, modelos, calibres, números de série, licenças e bem assim sobre os dispositivos
acessórios dessas armas, sua forma de utilização e licitude de detenção, contactando, para o efeito, com diversas pessoas e entidades nacionais e estrangeiras;
c. Prepararam, redigiram e apresentaram vários requerimentos destinados a alcançar a alteração das medidas de coação que haviam sido determinadas ou a obter a restituição de objetos apreendidos (telemóvel v.g.);
d. Elaboraram e apresentaram uma contestação à acusação deduzida contra o então arguido, sustentando e fundamentando a legalidade da detenção relativamente à grande maioria das armas apreendidas, explicando as razões e motivações que justificavam essa detenção e que prendendo-se apenas com o colecionismo e a prática de desporto eram estranhas a qualquer finalidade criminalmente censurável, revelando as condições de segurança com que as armas eram guardadas;
e. Acompanharam a audiência de julgamento que se prolongou por várias sessões e a leitura da sentença (36º).
- Quesito 37: A hipótese de aplicação da norma do artigo 115.º n.º1 da Lei nº 5/2006, foi abordada e ponderada não apenas entre os dois Advogados Réus, como ainda com o próprio Autor e com entidades policiais na presença e com intervenção do próprio Autor?
Provado: 58. A hipótese de aplicação da norma do artigo 115.º, n.º 1, da Lei nº 5/2006, foi abordada e ponderada não apenas entre os dois Advogados Réus, como ainda com o próprio Autor e com entidades policiais na presença e com intervenção do próprio Autor (37º).
Quesito 40º: Tudo isto foi falado, oportunamente, com o Autor?
Provado: 61. Tudo isto foi falado, oportunamente, com o Autor (40º).
- Quesito 42: Aquando do aludido em J), K) e L), os Advogados Réus voltaram a ponderar com o Autor os motivos que justificariam a apresentação ou não apresentação desse requerimento?
Provado: 63. Aquando do aludido em J), K) e L), os Advogados Réus voltaram a ponderar com o Autor os motivos que justificariam a apresentação ou não apresentação desse requerimento (42º).
- Quesito 43: Explicaram, de novo, ao Autor as dúvidas que entendiam como legítimas quanto à aplicação daquela disposição ao caso?
Provado: 64. Explicaram, de novo, ao Autor, as dúvidas que entendiam como legítimas quanto à aplicação daquela disposição ao caso (43º).
- Quesito 44: E consideraram as consequências da provável perda de parte dessas armas a favor do Estado por serem consideradas ilegalizáveis pela Polícia de Segurança Pública?
Provado: 65. E consideraram as consequências da provável perda de parte dessas armas a favor do Estado por serem consideradas ilegalizáveis pela Polícia de Segurança Pública (44º).
-Quesito 45: Na altura a opção do Autor, entre a alternativa de ficar sem parte das armas ou ser submetido a julgamento, em que não correria o risco de sofrer uma pena de prisão efetiva, continuava a favorecer a recuperação das armas, como expressamente declarou?
Provado: 66. O Autor aceitou a defesa proposta pelos Advogados Réus de ser submetido a julgamento, com o objetivo de recuperação das armas (45º).
Na fundamentação da decisão ponderou o juiz do tribunal ”a quo” os seguintes meios de prova:
“Quesitos 36 e 37 […] baseou-se exclusivamente na confissão do Autor reduzida em assentada na ata de julgamento de fls. 941 a 946.
A convicção do Tribunal para responder aos quesitos 35º, 42º, 43º, 44º, 45º essencialmente no que diz respeito à estratégia de defesa seguida pelos 2º e 3º RR, ponderação dos meios a seguir para melhor zelarem pelas preocupações comunicadas pelo então cliente (aqui Autor), dúvidas quanto à aplicação do art. 115º da Lei nº 5/2006 e suas implicações em termos de recuperação do maior número possível das armas apreendidas e entendimento então perfilhado pelos 2º e 3º RR, do conhecimento do Autor, foi tomado em consideração o depoimento seguro, coerente e prestado de forma que se afigurou isenta, dos colegas de escritório Dr. H…, Dr. I… e essencialmente da Dra G…, os quais perante as opções levantadas pelos 2º e 3º RR emitiram a sua opinião, tendo presente a preocupação do Autor na recuperação das armas, armas essas que é patente, da documentação junta aos autos, que foi objeto de perícia pela entidade policial competente e grande parte obteve parecer de não ser legalizável ( documento de fls. 36 a 85 do processo crime nº 2236/07.4 TDLSB que correu termos na 1ª vara Criminal do Porto) , razão que determinou a acusação de um número considerável delas por classificação de armas proibidas ( documento de fls.115 a 151 do processo crime nº 2236/07.4 TDLSB que correu termos na 1ª vara Criminal do Porto), sendo que desde muito cedo aquela entidade policial demonstrou uma forte apetência pela perda de algumas armas a favor do Estado, conforme se pode ler do pedido textual nesse sentido vertido nos documentos de fls. 84, fls. 496/497 e fls. 624 a 644 do processo crime nº 2236/07.4 TDLSB que correu termos na 1ª vara Criminal do Porto. Este interesse contraposto ao interesse do Autor na recuperação das armas de que era apaixonado foi o motivo preponderante para a estratégia seguida pelos 2º e 3º RR conforme expressamente mencionado por aquelas testemunhas sendo que a Dra G… aconselhou mesmo os RR a discutirem o mais possível a legalidade das armas no processo penal, o que implicava o prosseguimento para julgamento, face à alternativa de apresentar o requerimento ao abrigo do art. 115º da Lei 5/2006 e extinto o procedimento criminal ter de discutir em sede administrativa com a entidade competente para as legalizar porque correriam o risco sério de grande parte delas serem declaradas perdidas a favor do Estado, face ao circunstancialismo acima mencionado, risco que o Autor não queria correr e que terá estado na base de ter aceite a posição assumida pelos Advogados Réus, pois se discordasse frontalmente dessa estratégia certamente que pela normalidade das coisas teria contratado outro advogado. Essa aceitação extrai-se também da confissão que fez dos factos relatados nos quesitos 37º, 38º, 40º e 41º. Para além dos referidos depoimentos testemunhais, as opções tomadas pelos Advogados Réus extraem-se também da análise da contestação à acusação apresentada e que consta de fls. 227 a 292 do processo crime nº 2236/07.4 TDLSB que correu termos na 1ª vara Criminal do Porto”.
*
A respeito da resposta aos quesitos 35 e 45 – pontos 56 e 66 dos factos provados – o apelante entende que tal matéria deve ser julgada não provada.
Está em causa apurar se a estratégia de defesa, visando também recuperar as armas apreendidas, foi preparada com conhecimento e acordo do Autor e se o Autor aceitou a defesa proposta pelos advogados Réus de ser submetido a julgamento, com o objetivo de recuperação das armas.
Alega o apelante que na motivação do tribunal, o principal meio de prova é o resultante do depoimento prestado pela testemunha Dra. G…, colaboradora dos RR. e que trabalha muito perto do Dr. E…. Considera, porém, que este depoimento é puramente indireto, resultando direta e exclusivamente daquilo que os RR. contaram à referida testemunha.
A respeito da relevância do depoimento indireto, cumpre ter presente que a testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção.
Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos.
No caso concreto, o depoimento prestado pela testemunha Professora Doutora G… não pode ser qualificado como depoimento indireto, porque a testemunha foi confrontada com as questões relacionadas com a estratégia da defesa e participou na tomada de decisão quanto ao momento e forma de promover a recuperação das armas. É certo que não assistiu às conversações com o autor apelante, mas estando em causa a organização da defesa com tais parâmetros a qual veio a ser vertida na peça contestação (extensa e detalhada contestação – fls.1055 e segs) apenas faria sentido que tais diligências e procedimentos visassem a defesa do arguido/autor e dentro dos seus interesses e por isso, com o seu conhecimento.
A este respeito é de referir que a testemunha questionada sobre a formulação do requerimento ao abrigo do disposto no art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro terá considerado que não percebia o motivo pelo qual os réus não formulavam o requerimento, por constituir a forma mais breve de extinguir o procedimento criminal. Os réus informaram a testemunha que não o faziam no interesse do autor, porque estava interessado em recuperar o maior número de armas, por interesse sentimental, por ser colecionador e pelo valor patrimonial das mesmas. Na sequência de tal explicação consultaram a testemunha para os esclarecer sobre os procedimentos a adotar em sede de direito administrativo para reagir contra uma possível classificação das armas pela autoridade administrativa competente - PSP - que não respeitasse os interesses do autor.
A testemunha foi informada diretamente pelos réus da estratégia que pretendiam adotar para defesa dos interesses do autor e bem assim, ficou ciente e consciente que tal informação foi prestada ao próprio autor, atendendo aos princípios pelos quais se pauta o funcionamento do escritório de advogados onde presta colaboração.
Disse, ainda, que o seu convencimento a respeito do conhecimento que o autor tinha de toda a estratégia saiu reforçado quando tomou conhecimento que foi celebrado um contrato-promessa com um armeiro indicado pelo autor. Tal contrato teria como objeto facilitar o levantamento das armas apreendidas na hipótese do autor ficar privado das licenças. O armeiro em causa, veio depor como testemunha arrolada pelo autor, a testemunha S…, que confrontada com o contrato (junto com o requerimento formulado em 29 de maio de 2012) admitiu a sua celebração com o objetivo de garantir o levantamento das armas.
Também é certo que a testemunha Professora Doutora G… referiu que não participou nas reuniões com o autor e ainda, que não tinha qualquer conhecimento especial sobre armas. Contudo, referiu que enquanto o processo esteve pendente no escritório assistiu ao trabalho desenvolvido pelo seu colega Dr E… no estudo da legislação respeitante ás características das armas, revelou ter conhecimento que o autor compareceu em diferentes ocasiões no escritório porque lhe referiam “hoje tenho reunião com o homem das armas “ ou “com o senhor das armas”. A testemunha demonstrou de forma objetiva as possibilidades de defesa do autor em sede de processo administrativo e as dificuldades com as quais o autor se acabaria por confrontar, sobretudo ao pretender dar voz à questão do desvio de poder, porque o autor/apelante (então arguido) afirmava que a classificação como armas ilegais, por parte da policia, tinha o propósito de permitir que a polícia se apoderasse das mesmas para efeitos museológicos, para além de ter que contar com a morosidade do processo (“ cinco anos no mínimo no TAF do Porto”). Perante tal panorama foi a própria testemunha a aconselhar que se encaminhasse para o processo penal a discussão a respeito da legalidade das armas (que não legalização das armas, como refere o apelante), porque a prova a produzir seria sempre muito mais fácil para obter a pretensão do autor, que consistia na devolução das armas ao seu poder.
A testemunha salientou que a estratégia de defesa surtiu o seu efeito, porque das sessenta armas apreendidas apenas quarenta passaram a constar da acusação e com a defesa apresentada, no acórdão do coletivo de juízes apenas foram declaradas perdidas três armas, decisão que não foi alterada por efeito do recurso interposto pelo arguido/aqui autor.
Acresce que a testemunha F…, que fez uso do regime previsto no art.115º da Lei 5/2006 de 23/02, referiu que até à sessão de julgamento em que veio depor ainda não tinha recuperado as armas e a respetiva legalização teria que correr os seus trâmites em processo próprio junto da PSP.
A conjugação das circunstâncias em que a testemunha é chamada a intervir com a restante prova - testemunhal e documental - não permite desvalorizar o seu depoimento, no sentido de lhe retirar qualquer valor probatório. O seu depoimento em conjugação com a restante prova referenciada na fundamentação da decisão mostra-se relevante para aferir os factos e por isso, não se pode imputar qualquer erro na apreciação da prova.
Ainda quanto à matéria dos pontos 56 e 66 dos factos provados, sobre o depoimento prestado pela testemunha Dr. I…, refere o apelante que a testemunha não só não menciona qualquer acordo como dá conta de que nunca reuniu ou sequer falou com o A. (nem tampouco o conhecia), razões pelas quais não é possível dar como provado que o A. deu o seu acordo à estratégia delineada.
Efetivamente a testemunha referiu que não assistiu ás reuniões entre o autor e os seus advogados, porque não era o mandatário do autor. Contudo, de tal afirmação não se pode concluir que desconhecia o processo e as questões ali suscitadas em sede de estratégia de defesa, atentas as circunstâncias que enunciou e que não foram reproduzidas no excerto do seu depoimento transcrito na motivação. O excerto do depoimento não permite aferir do efetivo conhecimento que a testemunha revelou dos factos.
A testemunha, como referiu, ainda que não sendo sócio da sociedade de advogados, à data, já exercia há 10 anos a sua atividade profissional no escritório de advogados em causa. O seu gabinete seria, ou será, contíguo ao gabinete dos advogados réus. A testemunha referiu que atenta a particularidade do caso, por se tratar de matéria relacionada com armas e aplicação de um novo regime legal, os réus acabaram por analisar com a testemunha as questões relacionadas com a aplicação do regime previsto no art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro. A testemunha disse, ainda, que o Dr. E… se muniu de legislação diversa sobre armas porque constituía preocupação prioritária demonstrar a legalidade das armas, por ser esse o interesse do cliente.
Referiu, ainda, que em termos de estratégia de defesa, os réus se colocaram perante a seguinte questão: apresentar o requerimento ao abrigo do art. 115º, com arquivamento do processo ou não apresentar o requerimento, para permitir discutir no processo penal a natureza das armas e nessa medida podia o requerimento ao abrigo do art.115 ser apresentado em qualquer altura e de preferência no fim do julgamento para permitir a discussão sobre a legalidade das armas.
A testemunha disse que os réus informaram o cliente destes aspetos e não revelou ter conhecimento da existência de qualquer divergência entre os advogados e o cliente até ao momento em que o autor foi notificado do acórdão em 1ªinstância.
A respeito, ainda, do ponto 56 e 66 dos factos provados e considerando o depoimento da testemunha Dr. H…, refere o apelante que o processo crime jamais teria a virtude de legalizar qualquer arma. Poderia ou não punir, mas a sua legalização apenas seria possível mediante a apresentação a exame junto das autoridades administrativas competentes. Um processo-criminal, em circunstância alguma tem a virtualidade de declarar a legalidade de determinadas armas. Pode não punir, mas jamais constituiria título bastante para tornar as armas legais, sempre sendo necessário proceder ao pedido administrativo de legalização.
Entendemos que tal conclusão não se pode extrair do depoimento da testemunha, nem foi essa a ideia transmitida pelos réus à testemunha ou pelos réus ao autor.
A testemunha de forma objetiva referiu não ter acompanhado o processo e indicou como fontes de conhecimento as conversas com os réus-apelados, o conhecimento da questão de direito administrativo colocada junto da Dr. G… e as conversas com o próprio autor.
Indicou como principal preocupação do autor obter a liberdade e segunda preocupação, “ o interesse na conservação das armas “ e não propriamente nas licenças. Este segundo interesse revelou-se para a testemunha como uma surpresa por desconhecer que constituía o “hobby” do autor e devido ao elevado número de armas que possuía.
A estratégia da defesa consistiu naquilo que considerou fazer ”o duplo – obter a absolvição e recuperar o maior número de armas”.
A testemunha referiu, ainda, que os réus o informaram que no prazo de cumprimento do art. 115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro o autor foi confrontado com o cumprimento de tal preceito e abdicou do seu uso para não ficar nas mãos da PSP a classificação das armas. Deu conhecimento que na fase de inquérito, em diligência junto da PSP, por esta autoridade foi referido que o autor não beneficiava do cumprimento do art.115º da citada lei. Tal circunstância foi referenciada pelo próprio autor nas declarações prestadas. Referiu a testemunha que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda das armas entre o autor e um armeiro indicado pelo autor, para acautelar a entrega das armas.
Referiu, ainda, que na fase de julgamento, por mero acaso, encontrou-se com o autor, que manifestou à testemunha ter receio de ser condenado em prisão e que o tribunal estava a dar muita importância ao depoimento dos polícias. Referiu, que tranquilizou o autor quanto à condenação, por entender que beneficiaria da suspensão da execução da pena. Disse, ainda, que na fase de julgamento o confronto com uma nova perícia levou o tribunal a alterar a classificação das armas de tal forma que as armas na sua maioria foram restituídas ao autor.
A testemunha deu a entender que a preparação da defesa contou com uma colaboração constante do autor, que revelou conhecimento da legislação pois possuía um grande número de armas especificas, todas com documentação ao abrigo da lei anterior e o autor chegou a confidenciar que a apreensão constituía “uma patifaria da PSP que queria apanhar o maior número de armas”.
Referiu, também, que a estratégia da defesa consistia em retirar das mãos da PSP o poder de classificar as armas, porque a mera extinção do procedimento criminal não resolvia o problema e a lei atribuía à PSP o poder de classificar as armas.
Entende o apelante, ainda, que não há qualquer prova de que a estratégia de recuperar as armas apreendidas foi preparada com o conhecimento e acordo do A.., precisamente porque, como resulta da prova apresentada na motivação – as testemunhas supra indicadas – não só nenhuma delas não teve contacto direto com o A., como também nenhuma das testemunhas sequer mencionou a existência de tal acordo (e os termos/contexto em que foi firmado). Refere, ainda, que outra evidência de que não foi preparada conjuntamente nem colheu o acordo do A. retira-se precisamente das alíneas L) e O) dos factos assentes. Se houvesse acordo ou conversa sobre a estratégia definida, não haveria inúmeras solicitações ou numerosos pedidos por parte do A. (como efetivamente houve) no sentido de ser apresentado o requerimento referente ao artigo 115 da lei 5/2006.
Do depoimento das testemunhas extrai-se que a questão da recuperação das armas esteve sempre presente na estratégia de defesa promovida pelos réus e atenta a particularidade da questão, já que envolvia um grande número de armas, só fazia sentido tais diligências no interesse do cliente e por isso com o seu conhecimento. A contestação apresentada no âmbito do processo crime é bem reveladora desse interesse, atenta a forma minuciosa como se analisa a natureza e características de cada arma e seus acessórios.
Aliás, estando o autor-apelante motivado para a aplicação do art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, estranha-se que não se tenha insurgido contra a atuação dos réus, reservando essa manifestação para a fase em que foi proferido o acórdão em 1ªinstância.
Refira-se, ainda, que nenhuma das testemunhas indicadas pelo autor revelou ter conhecimento da efetiva estratégia de defesa adotada pelos réus, porque o autor nunca fez qualquer alusão a tal facto e só revelaram ter conhecimento do descontentamento do autor com a atuação dos réus, no momento em que o autor recebe a notificação do acórdão proferido em 1ª instância, por ali se mencionar que o requerimento não foi apresentado em tempo, o que só por si se revela insuficiente para demonstrar a inexistência de um conhecimento e aceitação da estratégia de defesa, devido à natureza das questões que estavam em causa.
Conclui-se, assim, que a decisão não merece censura, mantendo-se a resposta aos ponto 56 e 66 dos factos provados (resposta aos quesitos 35 e 45).
O apelante insurge-se, ainda, contra a decisão sob o ponto 57 (resposta ao quesito 36), propondo que a matéria em causa se julgue não provada.
O ponto 57 reporta-se ás diligências promovidas pelos réus na preparação da defesa do autor.
Observa o apelante que segundo a decisão da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal para a decisão supra transcrita se baseou exclusivamente na pretensa confissão do A., reduzida em assentada na ata de julgamento. Entende, contudo, que sob nenhuma alínea se vislumbra qualquer menção que se reporte à matéria descrita no artigo 57.º dos factos provados, até porque a matéria descrita na assentada não se reporta a matéria referente a factos pessoais.
Conclui que a assentada não evidencia qualquer indício de prova idóneo para justificar a decisão da matéria de facto provada, referente ao ponto n.º 57.
Compulsados os autos verifica-se que na fundamentação da resposta ao quesito 36 da base instrutória o tribunal considerou a confissão do autor e na ata da sessão de julgamento do dia 15 de maio de 2012 (fls.943) consignou-se na assentada, face ao depoimento prestado pelo autor:
“No exercício dessa defesa de que tinham sido incumbidos, os Advogados Réus:
a. Estudaram criteriosamente o processo e a legislação aplicável;
b. Colheram aprofundadas informações sobre todas e sobre cada uma das armas apreendidas, suas características, modelos, calibres, números de série, licenças e bem assim sobre os dispositivos acessórios dessas armas, sua forma de utilização e licitude de detenção, contactando, para o efeito, com diversas pessoas e entidades nacionais e estrangeiras;
c. Prepararam, redigiram e apresentaram vários requerimentos destinados a alcançar a alteração das medidas de coação que haviam sido determinadas ou a obter a restituição de objetos apreendidos (telemóvel v.g.);
d. Elaboraram e apresentaram uma contestação à acusação deduzida contra o então arguido, sustentando e fundamentando a legalidade da detenção relativamente à grande maioria das armas apreendidas, explicando as razões e motivações que justificavam essa detenção e que prendendo-se apenas com o colecionismo e a prática de desporto eram estranhas a qualquer finalidade criminalmente censurável, revelando as condições de segurança com que as armas eram guardadas;
e. Acompanharam a audiência de julgamento que se prolongou por várias sessões e a leitura da sentença (quesito 36º)”.
O ponto 57 dos factos provados corresponde à matéria da assentada e nessa medida a decisão não merece censura.
Não se verifica qualquer contradição entre os factos provados enunciados sob os pontos 13, 14 e 15 e o ponto 57, por se tratar de matéria de facto distinta. Enquanto aqui se descreve a atuação dos réus-apelados, naqueles pontos dá-se conta dos factos relacionados com a apresentação do requerimento ao abrigo do art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, teor do acórdão proferido e procedimento adotado pelos réus.
Refira-se, ainda, que o autor nas declarações prestadas evidenciou o trabalho desenvolvido pelos advogados ao longo do processo desde o momento em que foi detido e que também deixou bem patente na petição apresentada e por isso, não se pode afirmar que não estão em causa factos pessoais. Não bastando, decorre dos depoimentos prestados pelas testemunhas Dr. O…, Dr H…, Dr. I…, Professora Doutora G… a forma atenta e diligente como o autor foi acompanhado desde o momento em que foi detido e o trabalho e estudo que o caso mereceu por parte dos réus-apelados, bem como, a preocupação em garantir o acompanhamento do autor em todas as fases e diligências processuais.
Conclui-se, assim, por manter a decisão, quanto ao ponto 57 dos factos provados, na medida em que não se anota o erro na apreciação da prova.
Quanto ao ponto 58 dos factos provados (resposta ao quesito 3 ) entende o apelante que o mesmo se deve julgar não provado.
No ponto 58 (resposta ao quesito 37 da base instrutória) está em causa apurar se a hipótese de aplicação da norma do artigo 115.º, n.º 1, da Lei nº 5/2006, foi abordada e ponderada não apenas entre os dois advogados réus, como ainda com o próprio autor e com entidades policiais na presença e com intervenção do próprio autor.
Considera o apelante pelas razões transcritas – quer as referentes aos factos provados n.º 56 e 66, quer a referente ao n.º 57 – que se deve dar como incorretamente julgado o ponto n.º 58. Das declarações proferidas na assentada não resulta a existência de qualquer acordo e existem vários pontos da matéria assente (alíneas D), G) e L) ) que se revelam contraditórios do ponto de vista lógico e factual. Outra evidência que demonstra que o facto provado n.º 58 foi incorretamente julgado, reside na al. L da matéria assente. O apelante questiona-se sobre a necessidade de discutir a estratégia quando interpelou os RR., inúmeras e repetidas vezes, para apresentar o requerimento ao abrigo do artigo 115.º n.º 1 da lei 5/2006 e bem assim, sobre a motivo que levou os réus a apresentar o requerimento.
A impugnação da decisão de facto deve obedecer aos ónus previstos no art. 640ºCPC,o que significa que a parte para além de indicar o concreto ponto de facto deve enunciar a prova em que fundamenta a impugnação. Não preenche tal ónus a enunciação de questões no sentido de evidenciar o erro de julgamento, como pretende o apelante.
O juiz do tribunal “a quo” fundamentou a decisão na confissão do autor.
Com efeito, na mesma sessão de julgamento acima referenciada (fls. 943) face às declarações do autor, consignou-se na assentada, por constituir confissão, os factos enunciados sob o ponto 58.
Por outro lado, não está em causa apurar se o autor deu o seu assentimento a qualquer estratégia de defesa, mas apenas se foi ponderada a aplicação do art. 115º entre os réus e o autor, mesmo na presença das autoridades policiais.
Os excertos dos depoimentos transcritos na motivação do recurso em nada relevam para este efeito, porque não reproduzem esta passagem dos depoimentos e a este respeito o depoimento do autor mostra-se bem elucidativo.
O Autor referiu que “perto do fim do ano reuniu com os advogados[…]até à acusação reuniu com os advogados e forneceu todos os elementos que lhe pediram”. Disse que entre os advogados e o autor foi discutido o critério da PSP na classificação das armas. Depois das declarações que prestou em 23 de novembro de 2006 no DIAP no Porto reuniu com os seus advogados e nessa reunião estabeleceu-se como estratégia “retirar autoridade à polícia”. Referiu, também, que antes de ser proferida a acusação falou com os advogados porque as armas já estavam apreendidas e por isso não era possível aplicar o art.115º e com a sua defesa pretendia libertar o maior número de armas. O Autor referiu que”queria recuperar as armas e não perder as licenças de uso e porte de arma”. Os seus advogados informaram-no que não era possível aplicar o art.115, porque as armas estavam apreendidas e o próprio consultou dois advogados que confirmaram essa posição.
Referiu, ainda, quando prestou declarações no DIAP Porto, em 23 de novembro de 2006, na presença dos seus advogados (réus-apelados) e do sub-chefe da polícia que lhe foi comunicado por este “não pensem que se vão safar aplicando o art. 115º”;” o “art. 115 é impossível aplicar”. O autor declarou que não deu relevância à opinião do sub-chefe. Os advogados explicaram o motivo pelo qual não aplicaram o art.115 e disse ainda, que sempre foi sua intenção recuperar as armas legalizadas e que os seus advogados não o informaram que a PSP podia fazer a classificação das armas e declarando as armas corria o risco de perder as armas.
Esta parte das declarações revela-se contraditória com a forma como o autor assumiu ter conhecimento da nova lei, da necessidade da mesma entrar em vigor para regular o estatuto de colecionador. Aliás, ainda que os advogados não tivessem informado ficou bem patente na diligência de inquérito promovida no DIAP Porto que a policia tinha uma voz ativa na matéria e por isso, o autor não podia ignorar as funções da polícia neste âmbito.
Conclui-se, assim, que a decisão do ponto 58 dos factos provados não merece censura, porque a confissão faz prova plena dos factos em causa e não foi suscitado qualquer vício ou indicado meio de prova que permitisse ilidir o valor probatório da confissão ( art. 359ºCC )[17].
Por fim, o apelante insurge-se contra a decisão dos pontos 61, 63, 64 e 65 dos factos provados (resposta aos pontos 40, 42, 43, 44 da base instrutória), sugerindo a alteração da decisão no sentido de julgar “não provados”.
Fundamenta a impugnação nos excertos dos depoimentos das testemunhas referenciados na motivação do recurso - Dr. H…, Dr. I… e Professora Doutora G… - para concluir que as testemunhas não revelaram ter conhecimento porque não assistiram a qualquer conversa ou reunião.
Os factos em causa estão relacionados com a estratégia de defesa sustentada pelos réus e com o conhecimento que o autor revelou da mesma:
61. Tudo isto foi falado, oportunamente, com o Autor (40º).
63. Aquando do aludido em J), K) e L), os Advogados Réus voltaram a ponderar com o Autor os motivos que justificariam a apresentação ou não apresentação desse requerimento (42º).
64. Explicaram, de novo, ao Autor, as dúvidas que entendiam como legítimas quanto à aplicação daquela disposição ao caso (43º).
65. E consideraram as consequências da provável perda de parte dessas armas a favor do Estado por serem consideradas ilegalizáveis pela Polícia de Segurança Pública (44º).
Para além do já exposto a respeito da razão de ciência das testemunhas indicadas resta-nos referir que a interpretação do referido preceito e a sua aplicação ao concreto caso dos autos não se podia considerar isenta de dúvidas e ainda hoje, se bem atendermos ao depoimento das testemunhas que foram chamadas a depor sobre a matéria, Professores Doutores Dr. T… e Dr. U…, que lecionam direito penal e processual penal, verificamos que a controvérsia se mantém.
Conclui-se, assim, que a decisão não merece censura.
*
Atento o exposto julga-se improcedente a reapreciação da decisão de facto.
*
- Contradição entre os factos provados sob o ponto 13 e os factos enunciados sob os pontos 56, 57,58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 69 -
Nas conclusões de recurso sob os pontos X e XI suscita o apelante a contradição entre a matéria de facto assente na base instrutória e a resposta a certos pontos da base instrutória.
Nos termos do art. 712º CPC e atual art. 662º/2 c) CPC a decisão da matéria de facto de conteúdo deficiente, obscuro ou contraditório justifica a anulação do julgamento, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto.
A contradição pode derivar da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação.
A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada a certo elemento constante do processo com força probatória plena ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal “ a quo “ se tenha baseado, como determina o art. 662º/2 c) CPC[18].
Os factos em causa reportam-se a fases distintas do iter processual. A apresentação do requerimento ao abrigo do art. 115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro na fase de julgamento não contende com a estratégia de defesa prosseguida pelos réus ao pretender discutir em julgamento a legalidade da detenção das armas. Decorre dos factos enunciados sob os pontos 56, 57, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 69 o propósito de não apresentar o requerimento na fase de instrução do processo e no prazo que a lei previa para o fazer, mas não se pode extrair desses factos que o requerimento nunca seria apresentado. Acresce que a opção por não interpor recurso do segmento do acórdão que versou sobre a matéria do requerimento não é da responsabilidade dos réus, porque nessa data já tinha cessado o mandato.
Conclui-se, assim, que a resposta aos citados pontos da base instrutória mostra-se coerente entre si, não resultando dos seus termos, qualquer contradição entre a matéria assente e a decisão da base instrutória e por isso, não se justifica a pretendia alteração da decisão.
Improcedem, nesta parte as conclusões de recurso.
*
- Da violação do princípio da imediação -
No ponto CII das conclusões de recurso considera o apelante que a prova produzida e a sua indevida apreciação na sentença decorre do tempo decorrido entre a data do julgamento e a elaboração da sentença e da total falta de imediação na análise da referida prova.
Trata-se, assim, de apurar se a sentença foi proferida com violação do princípio da imediação e se tal circunstância, a ocorrer, tem reflexos na sequência dos atos processuais subsequentes, entre os quais a sentença.
Desde logo cumpre ter presente que o atual regime processual introduzido com a publicação da Lei 41/2013 de 26 de junho não estava em vigor na data em que se realizou o julgamento e se proferiu o despacho com resposta à matéria da base instrutória.
Desta forma, a alegada irregularidade deve ser apreciada à luz do então regime processual vigente, em particular o disposto no art. 652º a 654º CPC de 1961.
Os princípios processuais servem para sustentar e congregar normas dispersas, para auxiliar o intérprete e aplicador do direito na adoção das soluções mais ajustadas ou para impor aos diversos sujeitos determinadas regras de conduta processual[19].
O princípio da imediação manifesta-se numa dupla vertente na medida em que “o julgador da matéria de facto deve ter o contacto mais direto possível com as pessoas ou coisas que servem de fontes de prova e estas, por sua vez, devem estar na relação mais direta possível com os factos a provar”[20].
Como consequência de tal princípio, determinava a lei, no art. 654º CPC, que só tinham intervenção na decisão da matéria de facto os juízes que tivessem assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final[21].
A omissão de tal formalidade constitui uma irregularidade que podia determinar a nulidade do processado.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[22].
Atento o disposto nos art. 201º e segs. do CPC de 1961 e atual art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[23].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 193º a 200º, 202ºa 204º CPC e atuais art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 201º CPC atual art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 205º, atual art.199º CPC.
A apreciação da prova por juiz diferente daquele que procedeu à realização do julgamento não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 193º a 200º, 202ºa 204º CPC atuais art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representaria, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 201º e atual art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 205º CPC atual art.199º CPC.
A lei não fornecia, nem fornece atualmente, uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa“.
No sentido de interpretar o conceito ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos atos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[24].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento[25].
Tal omissão tinha e tem de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 153º atual art. 149º/1 CPC.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 202ºa 205º e atuais art. 196º a 199º CPC.
Contudo, seguindo os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE[26], ALBERTO DOS REIS[27] e ANTUNES VARELA[28], se a decisão recorrida sancionou a omissão, o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade está coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso.
Contudo, no caso concreto, não se verifica a apontada irregularidade. A decisão da matéria de facto foi proferida com respeito pelo princípio da imediação, pois o julgamento com produção de prova testemunhal e documental foi presidido pelo mesmo juiz que analisou e respondeu à decisão de facto. Efetivamente, entre a decisão de facto e a prolação da sentença decorreu um período temporal de cerca de três anos e a sentença foi elaborada por juiz distinto daquele que respondeu à matéria de facto, o que não constitui violação ao principio da imediação nem do regime previsto no art. 654º/1
CPC, na redação de 1961. Na elaboração da sentença o juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a prova, analisando apenas os factos apurados à luz do regime de direito substantivo.
Desta forma não se aponta qualquer irregularidade processual que justifique a anulação do processado.
Improcede, assim, o ponto CII das conclusões de recurso.
*
- Nulidade da sentença -
Nas conclusões de recurso sob os pontos II a VIII, XII a XXII, LXV a LXXVII suscita o apelante a nulidade da sentença.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites[29].
As nulidades da sentença incluem-se nos “ vícios de limites “ considerando que nestas circunstâncias, face ao regime do art. 615º CPC, a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia[30].
O Professor ANTUNES VARELA no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do art. 615º CPC, advertia que: “ não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário ( … ) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”[31].
O apelante suscita nos pontos II a VIII, XII a XXII das conclusões de recurso, a nulidade da sentença com fundamento no art. 615º/1 c) CPC, por considerar que existe uma contradição na sentença quando se refere que existiu uma estratégia, com o acordo do autor, que definia a não aplicação do requerimento, ao abrigo do disposto no art.115º da Lei 5/2006, porque tal requerimento foi apresentado pelos réus e depois concluiu que não ocorreu violação do mandato. Por outro lado, considera que não foi produzida prova que demonstrasse a existência do acordo.
Resulta do disposto no art. 615º/1 c) CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
Como referia o Professor ANTUNES VARELA: “a norma abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente“[32].
No caso presente existe na sentença uma perfeita coerência no raciocínio e a decisão resulta como a conclusão lógica desse raciocínio, pois considerou-se perante os factos provados, que não se verificava o incumprimento do contrato de mandato.
Com efeito, na sentença analisou-se os pressupostos da responsabilidade contratual, tendo presente a natureza do contrato de mandato forense e considerou-se face aos factos provados que o autor sempre foi informado da atuação dos réus e os procedimentos que adotaram resultaram da estratégia previamente estabelecida no interesse do autor e em ordem a respeitar a autonomia técnica dos réus, e por isso, entendeu-se que a apresentação intempestiva do requerimento não revelou falta de diligência no exercício do mandato, nem incumprimento do contrato, o que justificou a absolvição do pedido.
A questão que o apelante coloca está relacionada com erro na aplicação do direito aos factos, matéria que podendo fundamentar a impugnação da decisão não configura a nulidade apontada.
Quanto à questão de saber se foi produzida prova do acordo quanto à estratégia delineada apenas pela via da reapreciação da prova pode a mesma ser impugnada, não configurando o erro na apreciação da prova a alegada nulidade.
Perante os factos provados, a interpretação e análise dos mesmos à face do direito, apenas podia conduzir à decisão a que chegou o juiz do tribunal “a quo”, motivo pelo qual não se verifica a apontada nulidade.
*
A apelante nas conclusões de recurso sob os pontos LVI a LXXVII suscita a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC, porque na sentença se ponderaram argumentos para justificar a apresentação extemporânea do requerimento formulado ao abrigo do art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, que não foram alegados pelas partes.
A omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento constitui um dos fundamentos de nulidade da sentença, previsto no art. 615º/1 d) CPC.
O conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, constitui um vício relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento“ – art. 660º/2 CPC e atual art. 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A respeito do conceito “questões que devesse apreciar “ refere ANSELMO DE CASTRO que deve “ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e ás controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado ás partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”[33].
LEBRE DE FREITAS por sua vez tem a respeito de tal matéria uma visão algo distinta, pois considera que devendo: “ o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer ( art. 660º/2 ), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado”[34].
Para melhor precisar o seu entendimento remete para o estudo do Professor ALBERTO DOS REIS cuja passagem se transcreve:
“ Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito ( art. 511º/1 ), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”[35].
Seguindo os ensinamentos dos ilustres juristas e atendendo ao regime processual vigente, afigura-se-nos ser esta a interpretação que melhor reflete a natureza da atividade do juiz na apreciação e decisão do mérito das questões que lhe são colocadas, pois o juiz não se encontra vinculado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade porque ponderou um certo segmento jurídico que a parte não apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
No caso presente, na sentença, o juiz analisou os fundamentos da ação - incumprimento do contrato de mandato forense -, ponderando os argumentos da defesa - em sede de ilicitude e culpa. As considerações tecidas a respeito da relevância do requerimento na defesa do arguido, aqui autor, mostram-se relevantes para aferir da violação das obrigações contratuais e da diligência na atuação dos mandatários do arguido (autor nesta ação), aqui réus.
Conclui-se, assim, que a sentença não padece do vício apontado e os fundamentos alegados não preenchem a invocada nulidade.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos II a VIII e LVI a LXXVII.
*
- Do mérito da causa -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XCIII a CI, o apelante insurge-se contra a sentença pelo facto de considerar que não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade contratual.
Entende que a apresentação extemporânea do requerimento ao abrigo do art.115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro constitui uma manifestação objetiva de falta de diligência e incumprimento do contrato, presumindo-se culposa a atuação dos réus, que não está justificada com o pretenso acordo alcançado com o autor, pelo que violou a sentença o disposto no art.799ºCC.
Trata-se, assim, de saber se se deve concluir que a apresentação extemporânea do requerimento se mostra objetivamente desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido quando confrontado com a aplicação do novo regime legal e se, apesar disso, os apelados demonstraram que a sua conduta foi, no caso e perante as circunstâncias, a que era exigível.
Não se insurge o apelante contra, a qualificação jurídica do contrato, como contrato de mandato forense, aliás, admitida por acordo das partes nos articulados, nem com o enquadramento da responsabilidade em sede de responsabilidade contratual e analisados os factos provados não vemos motivo para alterar tal enquadramento.
Considerando, assim, que estamos na presença de um contrato de mandato forense e que é em sede de responsabilidade contratual que se afere da responsabilidade dos réus, na apreciação da questão suscitada mostra-se de particular relevo ter presente a natureza das obrigações assumidas pelos réus.
A sentença recorrida salientou que as obrigações que emergem do contrato de mandato forense revestem a natureza de obrigação de meios, por contraposição à obrigação de resultado, seguindo o entendimento que se nos afigura unânime na jurisprudência a este respeito.
O Professor ANTUNES VARELA ensinava que nas obrigações de meios, "não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da ação para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os atos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão"[36].../../../Documents and Settings/acapricho/Ambiente de trabalho/IndemnizAdvogado.doc - _ftn4
No domínio das obrigações de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para considerar provado o incumprimento ou o cumprimento defeituoso. É necessário provar que o devedor não realizou os atos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.
Contudo, a distinção tradicional entre obrigação de meios e de resultado (ou prestação de meios e prestação de resultado) nem sempre tem sido acolhido pela doutrina nacional, como salienta MENEZES LEITÃO por se entender que “mesmo nas obrigações de meios existe a vinculação a um fim, que corresponde ao interesse do credor, e que se o fim não é obtido presume-se sempre a culpa do devedor”[37].
Para os defensores desta posição o devedor obriga-se sempre a realizar a prestação e o credor visa sempre um resultado, que corresponde ao seu interesse ( art. 398º/2 CC ). Ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art. 342º/2 e art.799ºCC).
No âmbito do contrato de mandato forense a prestação configura-se como um dever de agir e proceder em conformidade com os conhecimentos técnicos e em obediência à lei, face ao concreto circunstancialismo, com vista a assegurar um resultado que é aquele que se perspetiva, com razoável grau de segurança e confiança, que o desfecho a obter será favorável, ou pelo menos com um nível de consecução de interesse efetivo.
Escreveu-se no Ac. STJ 16 de fevereiro de 2016, Proc. 2368/13.0T2AVR.P1.S1: “[a] obrigação de meios, devendo estar cingida a um certo agir e proceder, concomitante com a ciência que momentaneamente se prefigura como a mais eficaz e eficiente para o remédio/solução de determinado caso (judicial) deve, tendencialmente, assegurar um resultado. A não ser assim, criar-se-ia uma aléa ou abstração de critérios de graduação e mensuração de meios tão elásticos e intangíveis que tornariam as relações entre os reclamantes de um determinado serviço e o seu prestador, praticamente insidicáveis ou inescrutáveis. A criação de um lastro de “resultado”, assegurado e afirmável, criado no relacionamento entre o mandante e o mandatário, é o meio de confirmar a “expectativa segura” de que o encaminhamento técnico conferido a uma determinada causa – tão só para o caso que nos ocupa – é aquele que perspetiva, com razoável grau de segurança e confiança, que o desfecho a obter será favorável, ou pelo menos com um nível de consecução de interesse pessoal/patrimonial efetivo.
A obrigação de meios não pode, seguramente, desagregar-se e descompensar-se de uma obrigação de resultado. A não ser assim teríamos que a obrigação de meios se autonomizaria do resultado, escapando a um escrutínio científico e técnico neutralizador da responsabilidade dos obrigados. Existe uma correlação, direta e inextrincável, que exige que os meios sejam compatíveis e adequados á consecução de um resultado, previsivelmente atingível, e que, o obrigado se compromete a conseguir, utilizando para tanto todos os conhecimentos, saberes e procedimentos que a legis artis consigna e que se supõe estarem na posse do obrigado – cfr. o já citado artigo 93.º, n.º 2 do estatuto da Ordem do Advogados. O resultado não pode estar dissociado dos meios que o obrigado emprega para a consecução do fim que promete ou, segundo o conselho e o saber técnico-científico, pode estar ao alcance, previsível, e com elevado grau de probabilidade, do objetivo que, com razoável grau de verosimilhança, pode ser conseguido”.
Repetidamente, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se afirmado que na obrigação de meios “[o] devedor não se obriga à produção de qualquer resultado, obrigando-se, apenas, a realizar determinada atuação, esforço ou diligência para que o resultado pretendido pelo credor se venha a produzir, como ocorre com o médico, que não se obriga a curar o doente, mas apenas a diligenciar no sentido de o tratar e assistir, utilizando as regras da arte adequadas, no referido sentido, tal como o advogado que patrocina o seu cliente não se obriga a ganhar a causa, mas tão só a utilizar, com diligência os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse do cliente.
Porém, se não obstante o tratamento apropriado conferido ao doente, este não consegue sobreviver, não é o médico responsável civilmente pela ocorrência de morte, da mesma forma que, não tendo o advogado logrado ganho de causa, apesar de ter agido segundo as regras da arte adequadas, não lhe advém da perda de causa qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual”[38].
Estando em causa a responsabilidade do advogado pelo incumprimento do contrato de mandato forense tem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça considerado, com argumentos que fazemos nossos, que recai sobre o credor o ónus da prova da ilicitude e da culpa, recaindo sobre o devedor o ónus da prova da inexigibilidade ou da exigibilidade de comportamento diferente.
Neste sentido observa-se no Ac. STJ 05.02.2013, Proc. 2035/05.8TVLSB.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):
“Deverá o credor, além de demonstrar a falta de verificação do resultado prosseguido, “individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios foram não empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada”, de sorte que, em tal tipo de obrigações, terá o credor de identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência (objetivamente) devida. “A presunção de culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor” isto é, a presunção reduzir-se-á à culpa em sentido estrito (CARNEIRO DA FRADA, “Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, 81; A. VARELA, ob. cit., 88; ac. de 28-9-2010, desta Secção- proc. 171/2002.S1).
Se não está em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do ato ou na abstenção da prática de atos exigidos pela situação que se coloca. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o devedor atue em conformidade com as regras de arte e atue com diligência normal (ac. de 18-9-2007- proc. 07A2334, relatado pelo ora relator).
Estando sob escrutínio a atuação profissional de Advogado, tratar-se-á de saber se se deve concluir que a informação prestada foi objetivamente desconforme ao padrão de conduta profissional que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com uma solicitação daquele teor, e se, apesar disso, o R. demonstrou que a sua conduta foi, no caso e perante as circunstâncias, a que lhe era exigível.
Relembre-se, aqui, que o juízo relevante a formular recai sobre a conformidade ou justeza, em termos objetivos, do conteúdo da informação efetivamente fornecida com o referido padrão de conduta profissional, em ordem à obtenção do resultado pretendido com a respetiva obtenção.
É através dele que se afere o cumprimento da obrigação de meios, a ilicitude da conduta.
Trata-se, portanto, de saber, na determinação do concurso da ilicitude da conduta, se os meios exigíveis, adequados e diligentes, postulados pelas regras estatutárias e deontológicas dos advogados, não foram cumpridos pelo Réu, enquanto devedor de um comportamento enformado por essa diligência.
A exigibilidade de comportamento diferente interessa já à matéria de culpa e ao afastamento da respetiva presunção (art. 799º-1 C. Civil)”.
Em sede de ónus da prova observa-se, ainda, no Ac. STJ 05.02.2013,Proc. 488/09.4TBESP.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):
“Nas obrigações de meios, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação para se considerar demonstrado o não cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento.
Demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá a este provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível”.
Em sumário, no Ac. STJ 09.07.2015, Proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1(acessível em www.dgsi.pt) escreveu-se:
“1. Numa causa em que se discuta a responsabilidade do advogado pelo insucesso obtido noutra ação, ao credor lesado incumbe provar, além da verificação desse insucesso, os factos demonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta; provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjetivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC”.
Também no Ac. STJ Ac. STJ 14.04.2015 Proc. 203/11.2TVLSB.L1.S1 ( acessível em www.dgsi.pt ) se considera:
“[…]A deverá provar factos que mostrem falta de cumprimento do dever jurídico a que o advogado (prestador de serviços) estava vinculado de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão; perante isto deve ter-se em consideração que nas obrigações de meios (como é o caso) a circunstância de não ter sido alcançado o resultado devido e que fora previsto não é suficiente para se considerar demonstrado o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso sendo igualmente necessário provar sempre o facto ilícito desse não cumprimento ou cumprimento defeituoso - em conclusão e estabelecendo a diferenciação de regime entre duas situações não confundíveis, no caso de se tratar de obrigação de meios cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor; ao contrário no caso de se tratar de uma obrigação de resultado presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ónus da prova, uma vez que nos contratos em que o objeto encerra um resultado a sua não obtenção é ‘quantum satis’ para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor.
Tratando-se de uma obrigação de meios e de acordo com o que antes referimos apenas depois de o credor demonstrar que o meio ou o comportamento contratualmente exigível não foi empregue pelo devedor ou que a sua atuação de acordo com as regras da arte foi omitida é que competirá a este (devedor) provar – se for caso disso - que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível”.
No caso concreto entendeu o autor que a apresentação extemporânea do requerimento ao abrigo do disposto no art.115ºda Lei 5/2006 de 23 de fevereiro importa cumprimento defeituoso do mandato forense imputando aos réus a violação dos deveres impostos pelos art. 83º e 92ºdo Estatuto da Ordem dos Advogados (atuais art. 88º e 97º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação da Lei 145/2015 de 09 de setembro)
Contudo, o apelante não logrou provar que os apelados não usaram de todos os meios técnico-jurídicos ao seu alcance para a defesa dos interesses do autor e sobretudo, que caso o requerimento fosse apresentado em tempo, seria atendido e deferido, com arquivamento do processo crime, obtendo o autor a legalização de todas as armas apreendidas. Não merece censura a sentença quando concluiu que o autor não logrou provar a ilicitude e culpa do devedor, sendo sobre o autor que recaía tal ónus de prova.
Importa ter presente o regime legal para melhor enquadrar a questão.
Tal faculdade (manifesto voluntário, nas palavras da lei) encontrava-se consagrada no regime transitório (artigos 112º a 117º) fixado no Regime Jurídico das Armas e suas Munições (aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23-02), também conhecido por Lei das Armas, concretamente no art. 115º, nº 1 (na versão originária), segundo o qual “todos os possuidores de armas de fogo não manifestadas ou registadas devem, no prazo de 120 dias contado da sua entrada em vigor, requerer a sua apresentação a exame e manifesto, não havendo nesse caso lugar a procedimento criminal”.
Tal prazo começou em 22/08/2006 e terminou em 20/12/2006 (cfr. Despacho n.º 71/MEAI/2006, de 12-07).
[O teor deste Despacho é o seguinte:
“Nos termos do artigo 115.°, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, devem os possuidores de armas de fogo não manifestadas ou registadas requerer a sua apresentação a exame e manifesto até ao dia 20 de dezembro de 2006. Quem o fizer até esta data não será sujeito a qualquer procedimento criminal. Sabendo-se que os proprietários ou possuidores não procedem, por via de regra, à sua legalização com receio de eventuais consequências criminais, devido designadamente ao facto de terem dúvidas sobre se as armas são legalizáveis, visou-se com a norma atrás citada que as armas em causa sejam legalizadas ou, se tal não for possível, possam ser voluntariamente entregues ao Estado sem qualquer consequência penal para os seus detentores. Pretendeu a lei motivar a adesão de todos quantos possuam armas em situação irregular, incentivando-os a aproveitarem a oportunidade para regularizar a sua situação, afastando em definitivo o perigo de, após o decurso desse período, virem a responder criminalmente pela posse ilegal das referidas armas, em condições agravadas pelo novo quadro legal. A boa execução da lei implica, sem dúvida, uma campanha de informação e esclarecimento das populações. Todavia, para que sejam atingidos os objetivos pretendidos e com vista a potenciar o êxito de tal operação, importa desde logo que seja claro o quadro de procedimentos a adotar pelas autoridades responsáveis pela obtenção e centralização da informação e pelo recebimento das armas. É também essencial que seja estabelecida a necessária articulação entre as forças de segurança e as organizações não governamentais que pretendam associar-se à iniciativa, nomeadamente através da realização de um trabalho dirigido a setores específicos da sociedade que careçam de uma sensibilização própria para o efeito, visando-se que esta possibilidade de legalização ou entrega sejam conhecidas da população em geral. Sendo embora a Polícia de Segurança Pública (PSP) a instituição que tem competência para a legalização das armas, importa que o requerimento de legalização ou mesmo o requerimento de entrega possa ser efetuado no maior número de locais ou localidades possível. Por isso mesmo o requerimento deve poder ser entregue diretamente na Guarda Nacional Republicana (GNR) ou através de organizações não governamentais com quem o Estado, através do Ministério da Administração Interna, venha a celebrar protocolo, associando a sociedade civil a esta iniciativa.
Assim, tendo em vista quanto antecede, relativamente à obrigação de todos os possuidores de armas de fogo não manifestadas ou registadas deverem, até 20 de dezembro de 2006, requerer a sua apresentação a exame e manifesto, deverão ser observados os seguintes procedimentos:
1 - A PSP e a GNR devem fornecer a todos quantos se apresentem para os efeitos do disposto no artigo 115.°, n.º 1, da Lei n. 5/2006, de 23 de fevereiro, o impresso cujo modelo se publica em anexo, o qual estará também disponível nos sítios da Internet do MAI e das forças de segurança, sendo também disponibilizado às entidades com as quais vierem a ser estabelecidos protocolos de colaboração.
2 - Tendo em vista facilitar o necessário exame que precede o manifesto a que se refere o n.º 2 do artigo 115.° da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, o modelo referido no número anterior deve conter a informação possível sobre cada arma, nomeadamente:
a) Classe de arma;
b) Características de funcionamento;
c) Marca e modelo;
d) Calibre;
e) Existência de carregador, munições e acessórios;
f) Estado de funcionamento.
3 - Quando o requerente se apresentar com o modelo já preenchido devem as autoridades proceder à sua verificação.
4 - Quando o requerente não pretenda legalizar a arma pode limitar-se a declarar que a entrega para o Estado.
5 - No caso de o requerente pretender a legalização da arma, esta ser-lhe-á entregue pela PSP, em regime de detenção domiciliária provisória, pelo período de 180 dias, se em primeira análise se verificar ser legalizável, devendo, neste caso, iniciar-se o respetivo processo de habilitação para a necessária licença.
6 - No caso de se tratar de armas que, pelas suas características, não seja possível legalizar, nem o seu possuidor as pretender entregar definitivamente ao Estado, ficarão as mesmas em depósito na posse da PSP, aplicando-se o n.º 7 do artigo 18.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
7 - Em caso de indeferimento para detenção domiciliária ou decorrido o prazo de 180 dias nesta situação sem que o requerente esteja habilitado com a respetiva licença, por sua inércia ou por indeferimento decorrente da falta de cumprimento de pressupostos legais, são as armas também guardadas em depósito na PSP, aplicando-se igualmente o n.º 7 do artigo e lei citados.
8 - Tendo os requerimentos e as armas sido entregues na GNR ou em organização credenciada pelo Estado, devem estes, acompanhados das respetivas armas ser entregues, no mais curto prazo de tempo, no Departamento de Armas e Explosivos da PSP.
9 - O Departamento de Armas e Explosivos da PSP organiza inventário discriminativo relativamente a todas as armas que neste contexto lhe venham a ser entregues ou cuja regularização seja solicitada.
10 - Para além daquelas que tenham sido já entregues para detenção provisória no domicílio, deve o inventário discriminar aquelas que possuam interesse histórico ou museológico e aquelas que possuam interesse para a sua utilização por parte do Estado, ou não possuam interesse algum.
11 - O destino das armas é decidido por despacho do diretor nacional da PSP.
12 - As armas cuja legalização se vier a verificar não ser possível, mas tenham sido entregues ao possuidor para detenção no seu domicílio por 180 dias, deverão, findo este prazo, ser recolhidas pelas autoridades.”].
Para fundamentar a ilicitude e falta de diligência dos apelados-réus, alegou o Autor, que a falta de apresentação do requerimento no prazo legal impediu o apelante de beneficiar da extinção do procedimento criminal, sujeitando-o a uma medida de coação.
Contudo, não provou que perante as concretas circunstâncias podia beneficiar do regime legal, se apresentado o requerimento no prazo previsto na lei e por omitir tal procedimento, os réus procederam a uma incorreta e censurável interpretação e aplicação do regime legal, com violação do disposto no art. 92º do EOA, atual art. 97º do EOA - agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
Com efeito, analisando objetivamente a situação de facto ponderando o regime legal verifica-se que só a entrega das armas de fogo determinava a extinção do procedimento criminal e no caso concreto estavam apreendidas outras armas e objetos que não se enquadravam em tal classificação (silenciadores, mira laser, besta, embalagem aerossol, tapa-chamas), o que permite concluir que a apresentação do requerimento no prazo previsto no art. 115º não impediria o processo de prosseguir os seus termos com a formulação de acusação e subsequente julgamento, sendo a todos os títulos provável que o autor continuasse sujeito a medida de coação, ainda que não tão gravosa e a final sofresse uma condenação menos gravosa.
Por outro lado, não demonstrou o apelante que fazendo uso desse regime o autor podia obter a legalização das armas ilegais ou cuja detenção era ilegal.
Por fim, sempre seria questionável saber se este regime se aplicava a quem, como o autor, tinha as armas já apreendidas à ordem de um processo crime, podendo suscitar-se questões de ordem técnica a respeito da relevância da desistência na tentativa.
É certo que se provou que outros arguidos fizeram uso do requerimento estando as armas apreendidas, mas só em relação a um desses arguidos – F… - se veio a apurar que beneficiou da extinção do procedimento criminal. Porém, não se provou que recuperou as armas (pontos 10,11, 12, 15, 29, 30 dos factos provados).
Por outro lado, provou-se que no caso de Q…, constituído arguido e julgado no Tribunal de Montemor-o-Novo, 2º Juízo, no processo n.º 2239/07, acompanhado e patrocinado pelo Ilustre Advogado e Professor de Direito Penal T…, em momento algum foi suscitada no processo a questão da aplicação da norma do artigo 115.º n.º1 da Lei 5/2006 (ponto 71 dos factos provados e resposta ao ponto 51 da base instrutória), por se entender, ou que não seria aplicável ao caso, ou que seria desvantajosa para o aí arguido (ponto 72 dos factos provados ou resposta ao ponto 52º da base instrutória).
Acresce que se bem atendermos ao Ac. STJ 17 de outubro de 2007, Proc. 07P2688 (disponível em www.dgsi.pt), citado no despacho proferido em sede de instrução no processo em que figura como arguido F…, verificamos que no douto aresto a aplicação do regime previsto no art.115º não estava dependente da formulação de um requerimento pelo arguido, podendo o tribunal oficiosamente despoletar o seu cumprimento no prazo legal, o que no caso concreto também não ocorreu.
Escreveu-se no citado aresto:
“Como se viu, a decisão recorrida apenas teve em consideração a Lei 22/97, com base na qual foi deduzida a acusação.
Anota-se que esta peça processual foi deduzida em 7 de novembro de 2005, altura em que estava em vigor tal Lei, vindo posteriormente a verificar-se alteração legislativa. Acontece que no caso concreto, a questão deverá ainda ser analisada à luz de outros elementos que demandam a convocação do disposto no artigo 2º, nº 2, do Código Penal, que diz: “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infrações; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais”.
Entre as disposições transitórias e finais do Capítulo XI da Lei 5/2006 e do regime transitório constante da secção I, figura o artigo 115º, que no nº 1 estabelece: “ Todos os possuidores de armas de fogo não manifestadas ou registadas devem, no prazo de 120 dias contado da sua entrada em vigor, requerer a sua apresentação a exame e manifesto, não havendo nesse caso lugar a procedimento criminal”.Para o passo seguinte da regularização das situações ilegais esclarece o nº 2 do mesmo preceito que após exame e manifesto, a requerimento do interessado, as referidas armas ficam, se suscetíveis de serem legalizadas ao abrigo deste diploma, em regime de detenção domiciliária provisória pelo período de 180 dias, devendo nesse prazo habilitar-se com a necessária licença, ficando perdidas a favor do Estado se não puderem ser legalizadas. Ora, sendo certo que a conduta objeto de apreciação nos autos ocorreu em 9 de novembro de 2002, que a Lei 5/2006 entrou em vigor em 22 de agosto de 2006 e que a decisão recorrida data de 15 de novembro de 2006, a esta data estava ainda a decorrer o prazo concedido pelo nº 1 do artigo 115º daquela lei para regularização da situação (120 dias a partir de 22-08-2006), sendo de colocar, para além do mais, a questão de saber se eventualmente terá até ou não o arguido encetado os procedimentos conducentes à regularização da arma em causa. Estando-se perante uma situação de direito intertemporal, como claramente flui do texto da decisão recorrida, esta não aflora, perfunctoriamente que seja, o quadro das plausíveis soluções da questão de direito a nível de subsunção, não se efetuando, pour cause, o cotejo das sucessivas normas incriminatórias em concorrência e a final a eleição do regime que no concreto mais beneficie (ou menos desfavoreça) o arguido, tendo-se aplicado a lei vigente ao tempus delictus, sem mais”.
Acresce que o citado acórdão foi proferido depois de esgotado o prazo legal previsto no art. 115º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, portanto não podendo estar acessível aos apelados-réus.
Mas não bastando esta linha de argumentação para demonstrar que o apelante não logrou provar a ilicitude e a culpa na conduta dos réus, sempre seria de concluir, perante os demais factos provados, que atentas as circunstâncias os réus demonstraram que a conduta que adotaram foi a que lhes era exigível.
Com efeito, determinava o art.95º do EOA e atual art.100º do EOA que nas relações com o cliente constituem, ainda, deveres do advogado:
“a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim, como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas[…];
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade;
c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;[…]”.
Como refere ORLANDO GUEDES DA COSTA o advogado ao emitir o parecer consciencioso”[…] não pode garantir quaisquer resultados, mas o resultado enunciado no parecer será o que é de esperar que venha a verificar-se” e bem assim, “[…] a orientação do patrocínio cabe inteira e exclusivamente ao advogado, pelo que só a ele compete escolher os meios que entenda mais adequados à defesa dos interesses que lhe são confiados[…],pelo que não pode colocar-se na posição de simples cumpridor das indicações ou ordens dos clientes”[39].
Na situação presente para além de estar em causa a aplicação de um novo regime legal, o que suscita sempre alguma controvérsia enquanto não se sedimenta a sua aplicação, verifica-se que o autor pretendia acautelar a sua liberdade pessoal e recuperar as armas que lhe foram apreendidas, sendo conhecedor da estratégia de defesa proposta pelos réus, como decorre dos factos enunciados sob os pontos 40, 48 a 70, 73, 74.
Conforme resulta dos factos provados a hipótese de aplicação da norma do artigo 115.º, n.º 1, da Lei nº 5/2006, foi abordada e ponderada não apenas entre os dois advogados réus, como ainda com o próprio Autor e com entidades policiais na presença e com intervenção do próprio Autor (ponto 58 dos factos provados – resposta ao ponto 37º da base instrutória).
Por outro lado, resulta provado que o autor não só acompanhou o desenrolar do processo, como foi informado e aconselhado sobre os procedimentos adotados e a adotar e de forma concertada aderiu a toda a estratégia organizada para a defesa, como decorre dos seguintes factos:
48. Indigitados para acompanhar a defesa do agora Autor no processo criminal em que se encontrava envolvido, os Advogados demandados reuniram com o Autor a fim de colher todos os elementos indispensáveis à preparação, elaboração e condução dessa defesa (26º).
49. Na altura, o Autor transmitiu aos dois Advogados, aqui Réus, as preocupações essenciais e prioritárias que deveriam nortear a preparação e condução da defesa:
a) Em primeira prioridade, evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva;
b) Em segunda prioridade, obter a recuperação da totalidade ou do maior número possível das armas apreendidas (27º).
50. Relativamente àquela primeira prioridade e primeira preocupação do Autor, os Advogados Réus procuraram tranquilizá-lo desde o início, explicando-lhe que atenta a sua personalidade, as suas motivações estranhas ao cometimento de qualquer ato de violência, a sua atividade profissional e inserção no meio social em que vivia, seria remota - ainda que não se pudesse excluir totalmente a possibilidade – a hipótese de condenação numa pena de prisão efetiva (28º).
51. Relativamente à recuperação das armas, os dois Advogados entendiam que a estratégia da defesa deveria necessariamente passar por retirar o poder decisório sobre a legalidade ou ilegalidade dessas armas das autoridades policiais, por duas ordens de razões:
a) Por um lado, porque a Polícia de Segurança Pública revelara já um critério rígido, discricionário e excessivo que conduziria à classificação da generalidade das armas como ilegais ou proibidas;
b) Por outro lado, porque a Polícia Judiciária revelara já apetência para se apropriar de algumas das armas apreendidas visando a sua “afetação à coleção de espécimes da respetiva Área de Balística” (29º).
52. Isto mesmo transmitiram e explicaram os dois Advogados ao Autor e de tudo isto ficou ele ciente e sabedor (30º).
53. Mais explicaram ao Autor que o processo-crime poderia terminar com uma condenação, atenta a factualidade constante da acusação, condenação em pena que ficaria suspensa por algum tempo (31º).
54. O Autor referiu que já havia, em tempos, sido condenado em pena suspensa por condução de veículo sem a habilitação legalmente exigida (33º).
55. Foi com base nestas preocupações e nestas prioridades, que os dois Advogados Réus passaram a orientar a condução da defesa, sempre com conhecimento da sua atuação por parte do então arguido (34º).
56. A estratégia de defesa, visando também recuperar as armas apreendidas, foi preparada com conhecimento e acordo do Autor (35º).
57. No exercício dessa defesa de que tinham sido incumbidos, os Advogados Réus:
a. Estudaram criteriosamente o processo e a legislação aplicável;
b. Colheram aprofundadas informações sobre todas e sobre cada uma das armas apreendidas, suas características, modelos, calibres, números de série, licenças e bem assim sobre os dispositivos acessórios dessas armas, sua forma de utilização e licitude de detenção, contactando, para o efeito, com diversas pessoas e entidades nacionais e estrangeiras;
c. Prepararam, redigiram e apresentaram vários requerimentos destinados a alcançar a alteração das medidas de coação que haviam sido determinadas ou a obter a restituição de objetos apreendidos (telemóvel v.g.);
d. Elaboraram e apresentaram uma contestação à acusação deduzida contra o então arguido, sustentando e fundamentando a legalidade da detenção relativamente à grande maioria das armas apreendidas, explicando as razões e motivações que justificavam essa detenção e que prendendo-se apenas com o colecionismo e a prática de desporto eram estranhas a qualquer finalidade criminalmente censurável, revelando as condições de segurança com que as armas eram guardadas;
e. Acompanharam a audiência de julgamento que se prolongou por várias sessões e a leitura da sentença (36º).
59. Entenderam os Advogados Réus que, da apreensão das armas pela Polícia de Segurança Pública resultaram prejudicados os requisitos que justificavam a apresentação de um requerimento para legalização das armas apreendidas:
a) De um lado, o agora Autor não era possuidor das armas, já que elas se encontravam na posse das entidades policiais;
b) De outro lado, encontrando-se as armas, todas elas, em poder das entidades policiais, logo perfeitamente conhecidas, identificadas, materialmente detidas por essas entidades, deixara de existir situação de “clandestinidade” ou de “ilegalidade” que pudesse justificar a apresentação de um formulário visando a sua legalização;
c) Finalmente, sempre o Autor manifestara, de forma expressa e clara, nas declarações prestadas no processo-crime, a intenção e a vontade de recuperar as armas devidamente legalizadas (38º).
60. Na opinião dos Advogados Réus, requerer ao abrigo da norma do artigo 115º, nº 1, a legalização das armas apreendidas implicaria colocar nas mãos da Polícia de Segurança Pública o poder decisório quanto à classificação das armas com o risco de muitas delas serem consideradas não legalizáveis e consequentemente resultarem perdidas a favor do Estado (39º).
61. Tudo isto foi falado, oportunamente, com o Autor (40º).
62. E nessas conversas, os dois Advogados Réus procuraram explicar e fazer entender:
a) As razões determinantes que poderiam desaconselhar a apresentação de um requerimento elaborado ao abrigo do disposto no artigo 115.º n.º1;
b) As razões pelas quais entendiam que aquela disposição não seria aplicável ao seu caso;
c) E, finalmente, as razões pelas quais entendiam que estando a tempo de requerer a extinção do procedimento criminal o poderiam fazer com o mencionado risco de perda de um elevado número de armas a favor do Estado (41º).
63. Aquando do aludido em J), K) e L), os Advogados Réus voltaram a ponderar com o Autor os motivos que justificariam a apresentação ou não apresentação desse requerimento (42º).
64. Explicaram, de novo, ao Autor, as dúvidas que entendiam como legítimas quanto à aplicação daquela disposição ao caso (43º).
65. E consideraram as consequências da provável perda de parte dessas armas a favor do Estado por serem consideradas ilegalizáveis pela Polícia de Segurança Pública (44º).
66. O Autor aceitou a defesa proposta pelos Advogados Réus de ser submetido a julgamento, com o objetivo de recuperação das armas (45º).
67. O Autor não suscitou em instância de recurso a questão relativa ao requerimento ao abrigo do art. 115º (47º).
68. Aos Advogados Réus nunca se afigurou claro, óbvio e linear que o legislador ao referir os “possuidores” não quisesse dirigir-se aos “possuidores” ou aos “detentores” (48º).
69. Por outro lado, os Advogados Réus, debruçando-se sobre a aplicação da norma no caso que envolvia o Autor, tiveram plena consciência do risco de perda de uma parte «substancial das armas apreendidas caso a legalização dessas armas transitasse para as entidades policiais e saísse fora da alçada do Tribunal antes de produzida prova sobre essas armas, o seu funcionamento e a possibilidade de serem legalizadas (49º).
70. A perda das armas eram um risco que o Autor não queria correr (50º).
73. Os Advogados Réus explicaram ao Autor que a decisão condenatória era suscetível de recurso e que em sede de recurso muito provavelmente seria alterada (53º).
74. E referiram ainda que sobre outro ou outros processos, julgados por Tribunais diferentes, não poderiam pronunciar-se (54º).
Resta considerar que efetivamente o apelante foi condenado em pena de prisão efetiva, suspensa na sua execução e foram-lhe restituídas a grande parte das armas apreendidas e licenças.
Somos assim levados a concluir que nas concretas circunstâncias e face ao regime jurídico vigente os apelados-réus em obediência à autonomia técnica que caracteriza o exercício da sua atividade, mas com respeito da lei, não omitiram a diligência que era exigível na organização da defesa do apelante, estudando com cuidado e com zelo as questões colocadas, aconselhando a solução que se afigurava justa e equitativa, fornecendo as informações necessárias ao apelante e por isso, não lhes pode ser imputado o incumprimento do contrato de mandato forense, por violação das regras estatutárias. A interpretação do regime legal defendida pelos réus sendo plausível e fundada, não revela negligência passível de integrar responsabilidade profissional.
A opção e aconselhamento não passou apenas pelo interesse de ”agradar” ao cliente, mas assentou no propósito de tutelar os seus direitos demonstrando o infundado da acusação a respeito da detenção ilegal de armas e por essa via obter a absolvição dos crimes imputados e restituição das armas e licenças apreendidas.
Conclui-se, assim, que os meios exigíveis, adequados e diligentes, postulados pelas regras estatutárias e deontológicas dos advogados, foram cumpridos pelos réus, não se revelando ilícita a sua conduta, nem culposa.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos XCIII a CI.
*
- Os Danos -
Nas conclusões de recurso sob os pontos LXXVIII a XCII analisa o apelante a matéria dos danos e os factos que relevam para esse efeito.
Contudo, tal questão está prejudicada pelo facto de não se imputar aos réus-apelados o incumprimento do contrato e nessa parte, também não merece censura a sentença recorrida, que não apreciou da existência de danos e respetiva indemnização ( art. 608º/2 CPC ).
*
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
*
Custas a cargo do apelante.
*
*
*
*
**
Porto, 10 de Outubro de 2016
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
____
[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[3] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383.
[4] JOÃO MATOS ANTUNES VARELA, ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 539.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, vol.II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 496.
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pag. 227-228.
[7] Cfr JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, ob. cit., pag. 228 e JOÃO MATOS ANTUNES VARELA et al Manual da Processo Civil, ob. cit, pag. 553.
[8] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, ob. cit., pag. 228.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag. 126.
[10] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[12] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 569.
[13] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[14] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[15] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[16] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[17] Cfr. ANTUNES VARELA et al , Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 562 a 565
[18] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2008, pag. 295.
[19] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, vol.I, Almedina, pag. 23
[20] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil – conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, outubro 2013, pag. 193
[21] ANTUNES VARELA et al , Manual de Processo Civil, ob. cit. ,pag. 658
[22] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[23] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[24] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486
[25] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil – conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag.25
[26] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pág. 183
[27] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ob. cit., pag.424
[28] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pág. 393
[29] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. III, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1982, pag. 297.
[30] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, ob. cit., pag. 308.
[31] ANTUNES VARELA et al, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 686.
[32] ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 690.
[33] ANSELMO DE CASTRO Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra, Almedina, 1982, pag. 142.
[34] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol.II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 704.
[35] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora Lim, 1984, pag. 143.
No mesmo sentido pode ainda ler-se o ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil , ob. cit., pag.688.
[36] ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 73
[37] LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Direito das ObrigaçõesIntrodução da Constituição das Obrigações Vol.I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, pag. 126
[38] Ac. STJ 16 de fevereiro de 2016, Proc. 2368/13.0T2AVR.P1.S1, Ac. STJ 05 de maio de 2015, Proc. 614/06.5TVLSB.L1.S1, Ac. STJ 06 de março de 2014, Proc. 23/05.3TBGRD.C1.S1,Ac. STJ 09 de dezembro de 2014, Proc. 1378/11.6TVLSB.L1.S1, Ac. STJ 14 de março de 2013,Proc. 78/09.1TVLSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
[39] ORLANDO GUEDES DA COSTA Direito Profissional do AdvogadoNoções Elementares, 8ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2015, pag.343,344