Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
449/10.0TTVFR.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: SALÁRIO INTERCALAR
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
CÁLCULO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP20190204449/10.0TTVFR.P3
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º289, FLS.42-58)
Área Temática: .
Sumário: I - Uma das deduções a efectuar ao pagamento dos salários intercalares é o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período compreendido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento – artigo 390º, nº2, al. c) do CT. Esta disposição legal visa evitar situações de dupla fonte de rendimentos por parte do trabalhador despedido, socialmente injustificadas.
II - Se às retribuições intercalares é de deduzir o subsídio de desemprego entretanto recebido pelas Autoras, o mesmo deve acontecer no que concerne ao cálculo dos juros de mora contados desde a data do vencimento de cada uma das remunerações intercalares e até integral pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º449/10.0TTVFR.P3
Relatora: M. Fernanda Soares – 1589
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… e C… vieram, em 16.11.2016, deduzir incidente de liquidação contra Centro Social e Paroquial D…, pedindo seja liquidada a condenação em €125.200,27, sendo no montante de €69.239, 28 quanto à Autora B… e de €55.960,99 relativamente à Autora C…, valores acrescidos dos juros vincendos desde a data da notificação do Réu do incidente de liquidação e até integral e efectivo pagamento.
As Autoras alegam que o Réu foi condenado, por sentença já transitada em julgado, a reintegrá-las no seu posto de trabalho e a pagar, a cada uma delas, as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento colectivo até ao trânsito em julgado da sentença que declarou a ilicitude do despedimento, com as deduções a que houver lugar nos termos do nº2 do artigo 390º do CT, acrescidas dos juros legais a partir da data do respectivo vencimento, relegando a sua liquidação para o incidente de liquidação.
O Réu veio deduzir oposição defendendo que o incidente de liquidação deve ser só parcialmente procedente, sendo devido à Autora B… montante líquido de €47.699,22 e à Autora C… o valor líquido de €38.564,58, sendo que, em qualquer dos casos, e após apuramento dos valores mensalmente obtidos pelas trabalhadoras por conta de outrem, deverão tais quantias ser deduzidas mensalmente nas retribuições líquidas devidas, por forma a encontrar-se o valor efectivamente devido pelo Réu às Autoras, devendo improceder a liquidação quanto ao demais peticionado.
As Autoras vieram responder pedindo a condenação do Réu como litigante de má-fé em multa e indemnização nunca inferior a €2.500,00 e ainda no pagamento dos honorários à sua mandatária.
O Réu veio pugnar pela sua absolvição no que concerne à sua condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador, indicado o objecto do litígio, enunciados os temas de prova e designado dia para audiência final. No dia da audiência de discussão e julgamento a Mmª. Juiz a quo dispensou as testemunhas “uma vez que as questões a decidir não careciam de produção de prova”. Em 09.10.2018 foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o incidente de liquidação e condenou o Réu a pagar “À Autora B…: a. €26.449,92, a título de retribuições vencidas e não pagas; b. €8.293,83, a título de juros de mora vencidos, acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida. À Autora C… a. €29.735,20, a título de retribuições vencidas e não pagas. b. €6.608,07, a título de juros de mora vencidos, acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida. Mais se decide absolver o Réu do demais peticionado”.
As Autoras e o Réu, inconformados, vieram recorrer.
O recurso do Réu não foi admitido, por extemporâneo, e este não reclamou de tal despacho.
Cumpre decidir, posto que apenas há que conhecer do recurso das Autoras.
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III
Objecto do recurso.
1. Do excesso de pronúncia e da omissão de pronúncia.
2. Do erro de cálculo relativamente aos juros de mora.
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V
Do erro de cálculo relativamente aos juros de mora.
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Invocam as apelantes o erro de cálculo relativamente aos juros de mora argumentando do seguinte modo: se para o cálculo das retribuições intercalares tem plena aplicação o disposto no nº2 do artigo 390º do CT, para o cálculo dos juros aplica-se, antes, o C. Civil relativamente à mora. Assim, cumpre referir que o subsídio de desemprego não tem carácter de retribuição, é sim uma compensação dada a quem se encontra em situação de desemprego involuntário. Importa assim destrinçar o cálculo do capital – retribuições intercalares – do cálculo dos juros. Os juros de mora são devidos no caso do retardamento culposo por parte do devedor e quem o diz é a lei civil e não o CT. Deste modo, o Tribunal a quo incorreu num erro de cálculo que se consubstanciou desde logo pela errada fórmula do cálculo dos juros. Os juros a pagar pelo Réu às Autoras – até 09.10.2018 – consubstanciam-se na quantia de €14.207,63 para a Autora B… e na quantia de €11.634,51 para a Autora C…. Em conformidade com o referido o subsídio de desemprego auferido pelas Autoras não tem carácter retributivo pelo que não concorre para o cálculo dos juros.
Segundo o que consta da sentença “os montantes sobre os quais incidem os juros de mora incidirão sobre as retribuições em dívida, deduzidas do subsídio de desemprego”.
Seguindo os cálculos aí efectuados podemos concluir que a Mmª. Juiz a quo, tendo em conta os meses em que as Autoras receberam subsídio de desemprego, descontou esse mesmo subsídio à respectiva remuneração ilíquida e após fez o cálculo dos juros sobre a quantia sobrante.
Discordam as Autoras desse cálculo pelos motivos acima referidos. Vejamos então.
A sentença proferida na acção de impugnação do despedimento colectivo, e transitada em julgado, é a seguinte: condenação do Réu a pagar as retribuições que as Autoras B… e C… deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declarou a ilicitude do despedimento, com as deduções a que houver lugar nos termos do artigo 390º, nº2 do CT, acrescidas de juros legais desde a data do respectivo vencimento, relegando a sua liquidação para oportuno incidente de liquidação, por falta de elementos para tanto.
O pagamento dos salários intercalares corresponde ao cumprimento da obrigação retributiva, quando o despedimento é declarado ilícito. Contudo, tal pagamento está sujeito às deduções previstas no nº2 do artigo 390º do CT.
Monteiro Fernandes refere que as deduções previstas no artigo 437º, nº2 do CT/2003 [e igualmente no nº2 do artigo 390º do CT/2009] “permitem fazer coincidir o valor devido pela entidade empregadora com o que corresponde à privação patrimonial efectivamente sofrida pelo trabalhador, como se da mera reparação de prejuízos se tratasse” (…) – o Direito do Trabalho, 13ª edição, página 569.
Uma das deduções a efectuar ao pagamento dos salários intercalares é o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período compreendido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento – artigo 390º, nº2, al. c) do CT. Esta disposição legal visa evitar situações de dupla fonte de rendimentos por parte do trabalhador despedido, socialmente injustificadas, visando “não premiar um trabalhador desocupado relativamente a um trabalhador que voltou a trabalhar, mas, sobretudo, porque o subsídio de desemprego é uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição; assim, recuperada esta, deve aquele ser devolvido” – Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, página 960.
Tal devolução é obrigação da entidade empregadora – parte final da al. c) do nº2 do artigo 380º do CT.
E que dizer dos juros?
Nos termos do artigo 806º, nº1 do C. Civil a indemnização moratória nas obrigações pecuniárias – como é o caso em apreço – corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Como refere M. Almeida Costa – em Direito das Obrigações, 8ª edição, pág.674 – “O objectivo da lei foi superar as dificuldades práticas que, em regra, se verificam quanto à determinação dos danos decorrentes do não cumprimento tempestivo das obrigações pecuniárias”.
Deste modo, os juros moratórios visam compensar/indemnizar o trabalhador pelo atraso no pagamento das retribuições intercalares.
Ora, tendo as apelantes recebido o subsídio de desemprego, em bom rigor não estiveram totalmente privadas da sua “remuneração”, e como elas não podem receber dois rendimentos [uma por força da situação de desemprego e outra por força da ilicitude do despedimento], é que o legislador considerou que «reposta» a relação laboral haveria que devolver o que foi por elas recebido a título de subsídio de desemprego. E se a privação da “remuneração” não foi total não se pode considerar ter ocorrido «atraso» no pagamento da “retribuição” na parte “adiantada” pelo Estado.
A assim não ser entendido, não se compreenderia a dedução ao montante das retribuições intercalares do subsídio de desemprego, para ser restituído à Segurança Social pelo empregador.
E se o montante pago às apelantes pela Segurança Social tem de ser devolvido a este Organismo, então, este, na qualidade de credor desse valor, poderá exigir, pelo atraso na restituição do subsídio de desemprego, os respectivos juros de mora.
Deste modo, a sufragar-se a tese das apelantes, o apelado poderia ter de pagar juros de mora em duplicado: a) às Autoras, sobre as remunerações ilíquidas intercalares como se nunca elas tivessem recebido qualquer subsídio no período a que aquelas remunerações se reportam; b) à Segurança Social, sobre a quantia a devolver a esta entidade.
Em suma: se às retribuições intercalares é de deduzir o subsídio de desemprego entretanto recebido pelas Autoras, o mesmo deve acontecer no que concerne ao cálculo dos juros de mora contados desde a data do vencimento de cada uma das remunerações intercalares e até integral pagamento.
Improcede, assim, a pretensão das apelantes no que concerne à não dedução do subsídio de desemprego nas retribuições intercalares para efeito do cálculo dos juros de mora.
Referem ainda as apelantes: no que concerne à contabilização do subsídio de desemprego auferido pelas Autoras, mais uma vez o Tribunal a quo incorre num erro de cálculo. O Tribunal a quo no cálculo dos juros considerou que a Autora C… recebeu de subsídio de desemprego a quantia de €15.855,30 quando efectivamente recebeu €15.654,60, erro de cálculo que importa corrigir. No que toca à Autora B… o Tribunal a quo considerou no cálculo de juros que ela recebeu €18.281,08 quando na verdade ela só recebeu €17.466,00 ocorrendo erro de cálculo que se cifra no valor de €815,08. Vejamos então.
Procedemos à soma dos valores do subsídio de desemprego que o Tribunal a quo considerou ao subtrair o mesmo a cada uma das retribuições intercalares. Dessa soma resulta que a Mmª. Juiz a quo, relativamente à Autora B…, contabilizou o valor total a deduzir no montante de €18.281,08, quando antes tinha considerado que o valor seria de €17.466,00. E o mesmo ocorreu com a Autora C…, na medida em que foi contabilizado o valor total a deduzir, de €15.855,30, quando antes foi considerado que o valor era de €15.654,60.
Tendo em conta a factualidade provada o valor recebido pelas Autoras a título de subsídio de desemprego corresponde a 600 dias para a Autora B… [€29,11 x 600 = 17.466,00] e a 780 dias para a Autora C… [€20,07 x 780 = €15.654,60].
Deste modo, há que corrigir o cálculo feito na sentença recorrida relativamente ao cálculo dos juros na parte em que se deduziu o subsídio de desemprego.
Apesar de na sentença não se ter referido até quando foi feito o cálculo dos juros passaremos a ter por referência o dia 09.10.2018 [data em que foi proferida a sentença].
Autora B…
No ano de 2010 foram contabilizados 263 dias e no ano de 2011 foram contabilizados 365 dias com descontos de subsídio de desemprego, num total de 628 dias. O subsídio de desemprego foi concedido à Autora por 600 dias, pelo que há que retirar 28 dias e reformular o cálculo.
Retira-se 28 dias de subsídio ao mês de Dezembro de 2011 e ficam 3 dias de subsídio de desemprego [€29,11 x 3 = €87,33]. Deste modo, a retribuição de Dezembro de 2011 passará a ser de €921,67 [€1.009,00 - €87,33] devendo calcular-se os juros sobre essa quantia, o que dá, a esse título o valor de €249,78 [921,67 x 4% = 36,87; 36,87 x 6 anos = 221,22; 36,87 x 9 meses:12 meses = 27,65; 36,87 x 9 dias:365 = 0,91] correspondente a 6 anos, 9 meses e 9 dias.
Assim, e relativamente ao ano de 2011 os juros devidos à Autora montam a €1.156,57 [26,33 + 52,66 + 25,78 + 34,16 + 25,20 + 33,40 + 308,96 + 24,34 + 32,24 + 29,60 + 314,12 + 249,78]. A título de juros são devidos à Autora B… o total de €8.514,72.
Autora C…
No ano de 2010 foram contabilizados 276 dias, no ano de 2011 foram contabilizados 366 dias e no ano de 2012 (até Maio) foram contabilizados 148 dias, num total de 790 dias. O subsídio de desemprego foi concedido à Autora por 780 dias, pelo que há que retirar 10 dias e reformular o cálculo.
Retira-se 10 dias de subsídio ao mês de Maio de 2012 (na sentença contabilizou-se neste mês apenas 28 dias de subsídio) e ficam 18 dias de subsídio de desemprego [€20,07 x 18 = €361,26]. Deste modo, a retribuição de Maio de 2012 passará a ser de €455,94 [€817,20 - €361,26] devendo calcular-se os juros sobre essa quantia, o que dá, a esse título o valor de €115,97 [455,94 x 4% = 18,24; 18,24 x 6 anos = 109,44; 18.24 x 4 meses:12 meses = 6,08; 18,24 x 9 dias:365 = 0,45] correspondente a 6 anos, 4 meses e 9 dias.
Assim, e relativamente ao ano de 2012, os juros devidos à Autora montam a €1.137,85 [52,19 + 67,52 + 50,91 + 55,44 + 115,97 + 205,17 + 146,35 + 130,43 + 125,18 + 188,69].
A título de juros são devidos à Autora C… o total de €6.659,12.
Procede, ainda que parcialmente, a pretensão das apelantes no que ao cálculo dos juros concerne.
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Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, se revoga a decisão recorrida
1. Na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora B… a quantia de €26.449,92 a título de retribuições vencidas e não pagas, se substitui pelo presente acórdão e, em consequência se liquida a quantia devida pelo Réu à referida Autora, a título de retribuições intercalares, em €38.127,03 ilíquidos, e se condena o Réu no pagamento à Autora desse valor.
2. Na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora B… a quantia de €8.293,83 a título de juros de mora vencidos, acrescidos dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida e que condenou o Réu a pagar à Autora C… a quantia de €6.608,07 a título de juros de mora vencidos, acrescidos dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida e se substitui pelo presente acórdão e se condena o Réu a pagar à Autora B… a quantia de €8.514,72 a título de juros de mora vencidos, acrescidos dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida e se condena o Réu a pagar à Autora C… a quantia de €6.659,12 a título de juros de mora vencidos, acrescidos dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida.
No mais vai a sentença confirmada.
Ordena-se o desentranhamento do documento apresentado com as alegações do recurso e se condena as Autoras em 1UC.
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Custas da apelação na proporção de 2/3 para as apelantes e de 1/3 para o apelado.
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Porto, 04.02.2019
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho