Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3714/15.7T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: INSTRUÇÃO DA CAUSA
PROVAS
FINALIDADE
ADMISSIBILIDADE DOS MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RP202110213714/15.7T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A instrução probatória tem como objeto a construção da realidade factual juridicamente relevante que lhe está subjacente, mediante um compromisso entre a descoberta da verdade e o respeito pela validade constitucional e legal da prova a produzir, enquanto “imperativo da integridade judiciária”.
II - E depois de reconhecida essa validade, a admissibilidade da prova deve ser aferida por um juízo ou teste de proporcionalidade, aferindo-se da sua adequação, necessidade, justa medida, assim como se visa assegurar um interesse legítimo.
III - Não é admissível a instrução probatória dirigida a factos, ainda que tenham sido alegados, quando os mesmos não têm qualquer pertinência para a solução jurídica do conflito em causa, mormente quando são estranhos aos temas de prova fixados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 3714/15.7T8VNG-A.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos; António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1.1. No processo n.º 3714/15.7T8VNG-A do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, J2, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Autora: B…, S.A.

Recorrida/Ré: C…, Lda.

foi proferido despacho em 12/out./2017, mediante a qual se decidiu, entre outras coisas, o seguinte:
“Indefere-se o pedido de realização de perícias, assim como de inspeção judicial ao local porquanto tais meios de prova não revestem qualquer interesse para a decisão a proferir.
Na verdade, na presente ação há que apreciar da validade ou não das deliberações sociais tomadas em assembleia geral da ré pelo que a realização de perícias a faturas e a obras e de inspeção judicial ao local não contribuirá em nada para a apreciação das questões a decidir e se traduzem na prática de atos inúteis e meramente dilatórios que não são admissíveis.
....................
“Indefere-se o pedido de notificação da ré para vir informar por que motivos não reembolsou os suprimentos da autora porquanto tal informação não tem qualquer interesse para a decisão a proferir. ...”
1.2. A A. demandou a R. formulando os seguintes pedidos:
“A) Ser declarada nula ou anulada a deliberação dos sócios da R. tomada na assembleia-geral de 27/03/2015 quanto aos pontos um e dois, por se verificar o impedimento de voto dos sócios e gerentes da R., D…, E…, F…, G… e H… nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 251º do CSC, e em consequência declarar-se que os referidos pontos não foram aprovados com o voto contra da A., que representa 40,29% do capital social.
B) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação dos sócios da R. tomada na assembleia-geral de 27/03/2015 quanto ao ponto três da ordem de trabalhos relativa à não destituição com justa causa dos gerentes da R., D…, E…, H…, G… e F…, e substituída por outra que declare a destituição dos referidos gerentes com justa causa aprovada com os votos favoráveis da A. que representa 40,29%, em consequência do impedimento dos restantes sócios participarem na votação.
C) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação tomada na assembleia-geral de 27/03/2015 em relação ao ponto quatro da ordem de trabalhos, e em consequência substituída por outra que aprove com o voto da A. a obrigatoriedade do recurso ao concurso público para adjudicar a cessão de exploração do estabelecimento “I…” a terceiros, com o valor mínimo de preço de € 15.000,00/ano e o prazo entre 3 anos a 5 anos.
D) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação do ponto cinco da ordem de trabalhos, e substituída por outra que aprove com o vota da A. a proposta que obrigue os gerentes da R. à realização de concurso público com abertura de propostas na presença de todos os sócios, sem exclusão, para adjudicação da cessão do estabelecimento “I…”.
E) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação do ponto seis da ordem de trabalhos, e substituída por outra com o voto da A. que determine que em igualdade de condições contratuais de prazo e de preço qualquer sócio possa preferir na cessão de exploração do estabelecimento “I…” ou no arrendamento do prédio.
F) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação dos sócios da R. tomada na assembleia-geral de 27/03/2015 quanto ao ponto sete da ordem de trabalhos relativa à não destituição com justa causa dos gerentes da R., D…, E…, H…, G… e F…, e substituída por outra que declare a destituição dos referidos gerentes com justa causa aprovada com o voto favorável da A. em consequência do impedimento dos restantes sócios participarem na votação.
G) Deve ser declarada a suspensão imediata das funções dos gerentes da R., D…, E…, e J… até ao trânsito em julgado da sentença.
H) Se determine que seja efectuado o registo comercial da renúncia de funções da anterior gerente, K…;
I) Se determine a nulidade de todos os documentos de prestação de contas dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 por conterem inexactidões quanto ao valor da conta de suprimentos da A., quanto ao saldo existente na conta de depósitos à ordem da R. no Banco L…, por não terem sido assinados por todos os gerentes inscritos na conservatória do registo comercial do Porto, ainda que não exercessem funções, para que possam ser rectificadas aquelas falsidades;
J) Se determine que todos os documentos de prestação de contas dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 sejam apresentadas à anterior gerente, K…, para que esta os assine e possa consignar declaração escrita informando todos os futuros utilizadores daqueles documentos que não praticou qualquer acto de gestão naqueles anos.
K) Deve a R. ser condenada nas custas da lide e demais encargos do processo.”
1.3. Por despacho proferido em 12/out./2017 decidiu-se ainda, para além do já mencionado, o seguinte:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a invocada exceção de erro na forma do processo e, em consequência, absolve-se a ré da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas G) a J) da petição inicial.”
1.4. Nesse mesmo despacho fixaram-se os seguintes temas de prova:
“- se a falta de notário para redigir a ata da assembleia geral realizada em 27/3/2015 constitui fundamento de nulidade e/ou anulação das deliberações tomadas;
- se existiu violação do direito da autora de presidir à mesa da assembleia-geral e, em caso afirmativo, se tal acarreta a invalidade das deliberações tomadas nessa assembleia;
- se as deliberações tomadas são nulas/anuláveis por não conterem a assinatura de K…;
- se se verificam impedimentos de voto dos gerentes da ré quanto aos pontos 1, 2, 3 e 7 da ordem de trabalhos;
- se as restantes deliberações tomadas padecem de algum vício que acarreta a sua invalidade;”
2. A A. em 06/nov./2017 interpôs recurso pugnando pela revogação da referenciada decisão, apresentando conclusões, que pela sua extensão e manifesta falta de síntese – o item 39 tem praticamente a extensão de uma página –, extraímos as seguintes, mantendo, no entanto, a numeração original:
1ª – Nos presentes autos, são impugnadas as deliberações tomadas na assembleia-geral de sócios da R. de 27/03/2015 no âmbito dos seguintes pontos da ordem de trabalhos: Ponto um: Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2014. Ponto dois: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2014. Ponto três: Proceder à apreciação geral da gerência da sociedade no exercício de 2014. Ponto quatro: Deliberar sobre o valor mínimo anual e o prazo máximo para o arrendamento do prédio, ou cessão de exploração da discoteca, face à atual conjuntura económica. Ponto cinco: Proceder à organização de concurso público para o arrendamento do prédio, ou cessão de exploração da discoteca, face à atual conjuntura económica. Ponto seis: Discutir e deliberar conferir aos sócios o direito de arrendamento do prédio, ou cessão de exploração da discoteca em igualdade de condições e de prazo ou de valor da renda ou de preço de cessão de exploração dos proponentes a inquilinos do prédio ou cessionários da I…. Ponto sete: Discutir e deliberar sobre a destituição dos gerentes por terem revelado manifesta incompetência de gestão.
2ª - No seu requerimento probatório apresentado com a petição inicial, a Autora requereu a produção de diversas provas com vista à realização do ónus que impende sobre si, nomeadamente:
“C1. Requer a realização de perícia a realizar por um único perito com formação em engenharia civil, com o seguinte objeto: a) Relativamente à fatura nº 2165/2010 de 23-06-2010 do valor de € 9.750,00 emitida à R. pela sociedade M…, LDA., após inspeção no local das alegadas obras, indique o perito de forma discriminada por cada espécie e tipo os trabalhos comprovadamente realizados, as respetivas quantidades e os respetivos preços unitários. b) Ainda relativamente à fatura nº 2165/2010 de 23-06-2010 do valor de € 9.750,00 emitida à R. pela sociedade M…, LDA., após inspeção no local das alegadas obras, indique o perito de forma discriminada, identificando-os quais os trabalhadores da M…, Lda. que executaram os trabalhos e durante quanto tempo expresso em dias e horas estiveram no estabelecimento “I…” para realizar os trabalhos. c) Relativamente à fatura nº 324/2012C de 06-12-2012, do valor de € 16.356,00 mais IVA à taxa de 23%, totalizando 20.117,88, emitida pela sociedade N…, Lda., após inspeção no local das alegadas obras, indique o perito de forma discriminada por cada espécie e tipo os trabalhos comprovadamente realizados, as respetivas quantidades e os respetivos preços unitários. d) Relativamente à fatura nº 324/2012C de 06-12-2012, do valor de € 16.356,00 mais IVA à taxa de 23%, totalizando € 20.117,88, emitida pela sociedade N…, Lda., após inspeção no local das alegadas obras, indique o perito de forma discriminada, identificando-os quais os trabalhadores da M…, Lda. que executaram os trabalhos e durante quanto tempo expresso em dias e horas, estiveram no estabelecimento “I…” para realizarem os referidos trabalhos.
C2. Requer a realização de perícia a realizar por um único perito com formação em contabilidade e auditoria financeira, com o seguinte objeto: a) Relativamente à fatura nº 2165/2010 de 23-06-2010 do valor de € 9.750,00 emitida à R. pela sociedade M…, LDA., indique o perito em que conta bancária foi depositado o cheque nº ……… do valor de € 9.750,00 que a R. C… sacou sobre a sua conta de depósitos à ordem de que é titular no Banco L…, juntando ao relatório da perícia fotocópia da frente e do verso daquele cheque lançado em 30/06/2010 na contabilidade da R. a débito da conta nº ….. por crédito da conta nº ….. b) Relativamente à fatura nº 324/2012C de 06-12-2012, do valor de € 16.356,00 mais IVA à taxa de 23%, totalizando 20.117,88, emitida pela sociedade N…, Lda., após inspeção no local das alegadas obras, indique o perito de forma discriminada por cada espécie e tipo os trabalhos comprovadamente realizados, as respetivas quantidades e os respetivos preços unitários. c) Relativamente à fatura nº 324/2012C de 06-12-2012, do valor de € 16.356,00 mais IVA à taxa de 23%, totalizando € 20.117,88, emitida pela sociedade N…, Lda., após inspeção das contas bancárias desta empresa no prazo de 30 dias após o depósito do cheque que a R. emitiu para pagamento da referida fatura, indicar qual o destino dado à quantia do cheque indicando se o valor foi levantado para caixa e se existem documentos no dia do seu levantamento e nos 2 dias imediatos que justifiquem o levantamento, ou se terão sido emitidos um ou mais cheques totalizando a quantia de € 16.356,00 (já que o IVA terá sido creditado à “N…, Lda.” para esta o entregar ao Estado) e neste caso, quem recebeu tais cheques, juntando cópias da frente e do verso do referido cheque bem como daqueles cheques que a sociedade N…, Lda. tiver emitido até esgotar o montante de € 16.356,00.
A.ii. - Requer se notifique a R. para vir aos autos informar por que motivos não reembolsou os suprimentos da A. juntando para o efeito extrato da conta de depósitos à ordem do Banco L… desde 01/01/2010 até à presente data.
4ª. A Autora alegou na petição inicial nos pontos 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93 e 94 factos que são controvertidos na lide e que servem de suporte às perícias que requereu em C1 e C2 do seu requerimento probatório.
5ª. A Autora alegou na petição inicial nos pontos 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73 factos que são controvertidos na lide e que servem de suporte à requisição de informações que requereu em A.ii do seu requerimento probatório.
6ª. O douto despacho proferido em 12/10/2017 a fls. …-…, que decidiu sobre o requerimento probatório da Autora de fls. …-…, contendeu com a admissibilidade de meios probatórios requisitados pela Autora, que são necessárias para a descoberta da verdade dos factos e para que se faça Justiça, mas que rejeitou.
7ª. Porém, o tribunal a quo contendeu com a admissibilidade das provas da Autora, que são essenciais para a Autora poder provar a simulação de atos e contratos por parte da Ré. Esta decisão cerceia a prova da Autora, que se vê bastante limitada na sua esfera probatória.
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Com todo o devido respeito, está-se a denegar a Justiça, ainda que involuntariamente, considerando-se que o tribunal a quo está a laborar em erro prejudicial para a Autora. Porquanto nos autos discute-se a validade das deliberações sociais tomadas nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da ordem de trabalhos da assembleia-geral impugnada.
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A validade das deliberações tomadas quanto aos pontos 1, 2, 3 e 7 da ordem de trabalhos depende da prova que a Autora fizer quanto à simulação da realização de obras de reparação e conservação extraordinária no edifício da I… e das despesas geradas. Se as despesas e o contrato foram simulados, as deliberações serão necessariamente nulas. E as contas do exercício de 2014 da Ré serão falsas.
8ª. O despacho não fundamenta suficientemente, de facto e de direito, as razões pelas quais as provas requeridas não se adequam ao objeto do litígio, ou seja, à decisão de declaração de nulidade das deliberações acima transcritas.
10ª. Para que o tribunal possa decidir sobre a questão da deliberação dos pontos um, dois, três e sete da ordem de trabalhos da assembleia-geral impugnada, é essencial que a Autora prove a existência de simulação da referida obra alegadamente realizada pela M…, Lda.
11ª. Verificando-se que foram cometidos os factos preteritamente enunciados, necessariamente tal só terá sido possível com a conivência da M…, Lda., sendo certo que a única forma de a Autora provar esses factos será através da materialização das perícias que requereu.
A não se entender assim, verificar-se-á a demissão do dever de cooperação processual a que aludem os artigos 7º e 417º do CPC, que foram violados.
12ª. O que a Autora pretende provar é que o valor da fatura e do cheque emitido pela Ré à ordem de M…, Lda, nunca entrou no caixa social nem em nenhuma conta bancária daquela empresa.
A fatura e o orçamento são documentos falsos porquanto os documentos originais não foram emitidos para a Ré, mas antes para terceiro, e não refletem nem traduzem as alegadas obras e contas da Ré.
O que só pode alcançar-se através da prova que o tribunal a quo indeferiu, e que são essenciais à decisão sobre os pedidos da ação, designadamente, sobre os pedidos de anulação das deliberações dos pontos 1, 2, 3 e 7 da ordem de trabalhos.
15ª. Mutatis mutandis o mesmo se alega quanto à fatura nº 324/2012C de 06/12/2012 do valor global de 20.117,88 emitida por N…, Lda.
16ª. Assim, considera-se a Autora impedida de fazer prova da causa de pedir e dos pedidos A), B), C) e F). Para o tribunal poder decidir das questões sobre as deliberações de aprovação tomadas na assembleia-geral impugnada é essencial a produção das provas periciais requeridas. Assim como para efeitos da responsabilização da sociedade. Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido impede que a Autora produza a sua prova sobre os meios financeiros alegadamente utilizados no pagamento das faturas simuladas.
17ª. Uma das questões essenciais para a Autora é a de que os gerentes da Ré têm vindo a simular atos de gestão ruinosa para obrigarem a Autora a comprar-lhes as suas participações. Para o tribunal poder decidir das questões sobre as deliberações de aprovação tomadas nos pontos da ordem de trabalhos da assembleia-geral impugnada, é essencial a produção da prova documental, testemunhal e pericial solicitada que deve subsumir-se aos pressupostos do disposto nos artigos 69º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º 76º, 77º e 79º todos do Código das Sociedades Comerciais. A provar-se ser verdade a simulação dos referidos contratos estabelecidos entre a Ré e M…, Lda. e N…, Lda., estes factos violam de forma indireta a proteção dos direitos dos sócios, dos credores e da sociedade. E são suscetíveis de conduzir à anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral impugnada por esta ação.
18ª. A Autora tem, por isso, interesse e entende que nos termos do disposto no artigo 265º do CPC, o Tribunal a quo tem o dever-obrigação, de se pronunciar sobre a existência de atos e contratos de gestão simulados. Para efeitos da prova, a lei prevê e permite que a Autora lance mão de documentos e outros meios de prova que se encontram em poder de terceiros, tanto mais que a Autora alegou a existência de simulação de faturação. Estas normas legais existem no interesse público do princípio do contraditório e, consequentemente, da aplicação da justiça, que não podem ser afastadas pela vontade das partes nem pelo livre-arbítrio do tribunal.
19ª. O thema decidendum dos autos exige, pois, que o tribunal se pronuncie sobre a existência de simulação da faturação das despesas das obras de reparação e conservação extraordinária na I…. Tanto mais que os factos foram alegados (entre outros, nos pontos 86 a 94 da petição inicial, e estão diretamente ligados com as deliberações tomadas nos pontos um, dois, três e sete da ordem de trabalhos da assembleia-geral impugnada. Desde que o tribunal promova a produção da prova pericial que agora não admitiu, poderá chegar-se á conclusão que os pagamentos das faturas são ou não simulados, tal como como as obras associadas às faturas.
21ª. O tribunal recorrido indeferiu o que a Autora requereu no ponto A. ii) do seu requerimento probatório constante da petição inicial por entender que tal informação não tem qualquer interesse para a decisão a proferir. Porém, o requerido vem na sequência do alegado pela Autora na petição inicial nos pontos 62 a 73, onde alegou a falta de reembolso de suprimentos da Autora (ao contrário de todos os demais sócios que foram reembolsados), a falsidade do lançamento na contabilidade da Ré do pagamento de suprimentos à Autora, a falsidade da contabilidade da Ré, e a discrepância entre o que consta da conta-corrente de suprimentos da Autora e os valores depositados na conta-corrente da Ré.
22ª. Constitui um direito da Autora, na sua qualidade de sócia da Ré, pedir estas informações aos seus gerentes ao abrigo do disposto no artigo 214º do CSC, seja em tribunal seja no relacionamento dos sócios da sociedade. Pelo que, o tribunal a quo não deveria ter indeferido os pedidos de informações da Autora, que já os havia pedido aos gerentes da R., em sede de preparação para a assembleia geral, mas que deles não obteve resposta.
29ª. Em matéria de sociedades, veja-se o que decorre do disposto na alínea c) do nº 3 do artº 1049º do CPC em sede de inquérito judicial à sociedade, que poderia derivar para os presentes autos. Pergunta-se então: em nome de que interesses ou de que princípios pode o juiz vir introduzir e utilizar esses factos no processo, quando nele se discutem e se pretendem fazer valer direitos que são livremente disponíveis pelas partes? O artigo 411º do CPC, que foi violado pelo despacho recorrido, responde a esta interrogação com a necessidade de apuramento da verdade e da justa composição do litígio.
36ª. ... O tribunal a quo ao indeferir a prova requerida pela Autora, não atendeu sem a necessária fundamentação de facto e de direito ou com fundamentação obscura ou incompleta as provas requeridas que constam do seu requerimento de prova, anteriormente deferidas, porém, posteriormente denegadas.
3. Admitido o recurso por despacho proferido em 13/abr./2021, foram os autos remetidos a esta Relação, onde foram autuados em 11/mai./2021, proferindo-se despacho liminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
5. O objeto do recurso incide exclusivamente na admissibilidade da prova que foi indeferida (exame pericial; informação a prestar pela R.)
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II. FUNDAMENTAÇÃO
O Código das Sociedades Comerciais (Decreto-Lei n.º 262/86, de 02/set., DR I, n.º 201, sucessivamente alterado, designadamente pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29/mar., DR n.º 63, onde foi republicado nas pp. 2328 e ss. – CSC) enuncia no seu artigo 55.º as causas gerais de nulidade das deliberações sociais, enquanto no subsequente artigo 56.º prevê as circunstâncias conducentes à anulabilidade dessas deliberações. Mais adiante no artigo 69.º acresce o regime especial de invalidade das deliberações, preceituando-se no seu n.º 1 que “A violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios”, acrescentando no n.º 2 que “É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmas irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correcção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar” e no n.º 3 referencia que “Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público.”
No recurso em apreço, atendendo à causa de pedir e aos pedidos que subsistem o seu enquadramento jurídico centra-se nas deliberações sociais aprovadas na assembleia-geral de 27/03/2015, quanto aos pontos um (1), dois (2), três (3), quatro (4) cinco (5), seis (6) e sete (7) da ordem de trabalhos, essencialmente por impedimento de voto dos sócios e gerentes da Ré, identificados nos pedidos subsistentes da Autora, mediante o voto favorável desta última, tal como foi precisado nas alíneas A) a F) do seu pedido, assim como decorrente de outros vícios tal como foi mencionado no despacho que anunciou os temas de prova, anteriormente referenciado.
O Novo Código de Processo Civil (Lei 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121, que vem sendo sucessivamente alterado – NCPC) e quanto ao objeto da instrução do processo, estabelece no artigo 410.º o seguinte: “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”. No subsequente artigo 411.º consagra-se que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. Na conjugação desde dispositivos, os quais visam efetivar o direito fundamental a um processo justo e equitativo (artigos 20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE), na sua dimensão da tutela jurisdicional efetiva, mediante a apresentação de prova, está intimamente conexionado com a proposição já expressa no Ac. TC n.º 646/2006, (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, assim como os demais deste tribunal), de que “o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova”. No entanto a prova a produzir está sujeita à sua validade constitucional e admissibilidade legal, enquanto “imperativo da integridade judiciária”.
Mais será de referir que a admissibilidade da prova, está sempre presente um juízo de proporcionalidade, como é patente dos vocábulos “factos necessitados de prova” (artigo 410.º NCPC) e “diligências necessárias” (artigo 411.º NCPC). E o “programa-norma” destes dispositivos deve ser complementado pelo disposto no artigo 130.º do NCPC, segundo o qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis”, consagrando um autêntico princípio de proibição dos procedimentos supérfluos. A propósito, como já se referiu no Ac. TC n.º 504/2004, “o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, não vincula à admissibilidade de todo e qualquer meio de prova e em todas e quaisquer circunstâncias”. Para o efeito, o referido balanceamento entre os interesses em conflito deve ser submetido a um teste de proporcionalidade (18.º, n.º 2 da Constituição), assegurando-se que a prova a produzir é adequada (i), necessária (ii), ocorre na justa medida (iii) e visa preservar um interesse legítimo (iv). E tal juízo ou teste de proporcionalidade tanto incide sobre os meios de prova, considerando-se como tal os elementos que servem para formar a convicção relativamente aos factos sujeitos a julgamento, como dizem respeito aos meios de obtenção de prova, os quais correspondem aos instrumentos de que as partes e os tribunais se servem para investigar e recolher a prova. Em suma, a instrução probatória tem como objeto a construção da realidade factual juridicamente relevante que lhe está subjacente, mediante um compromisso entre a descoberta da verdade e o respeito pela validade constitucional e legal da prova a produzir, enquanto “imperativo da integridade judiciária”. E depois de reconhecida essa validade, a admissibilidade da prova deve ser aferida mediante um juízo ou teste de proporcionalidade, aferindo-se da sua adequação, necessidade, justa medida, assim como se visa assegurar um interesse legítimo.
Mais adiante preceitua-se no artigo 417.º, n.º 1 que “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”, enunciando-se no 2 as consequências da recusa de colaboração, no n.º 3 as situações de recusa legítima e no n.º 4 o processo de verificação da legitimidade de recusa. Este dever de cooperação probatória para a descoberta da verdade, corresponde a uma dimensão do princípio de cooperação em geral, da previsão do artigo 7.º do NCPC, muito embora este seja restrito aos intervenientes processuais e aquele dever específico tenha um âmbito mais alargado, porquanto abrange qualquer interveniente processual e mesmo um agente extra-processual.
No que concerne ao processamento da prova pericial, encontramos a sua regulação nos artigos 478.º a 487.º do NCPC. No entanto, o seu objeto está fixado no artigo 388.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial”.
No caso em apreço e no que concerne aos pretendidos exames periciais e como decorre das suas conclusões recursivas, “O que a Autora pretende provar é que o valor da fatura e do cheque emitido pela Ré à ordem de M…, Lda, nunca entrou no caixa social nem em nenhuma conta bancária daquela empresa” (conclusão 12.ª, respeitante à fatura nº 2165/2010 de 23-06-2010 do valor de € 9.750,00) e “Mutatis mutandis o mesmo se alega quanto à fatura nº 324/2012C de 06/12/2012 do valor global de 20.117,88 emitida por N…, Lda.” (conclusão 15.ª). Para o efeito, não se mostra de todo necessário a realização de um exame pericial da especialidade de engenharia, porquanto o que estaria em causa era o não recebimento desse capital. E quanto ao exame pericial contabilístico é de todo inadequado sujeitar a contabilidade dessas duas sociedades a uma perícia integral da sua contabilidade, ainda que limitada a um período temporal de 30 dias – segundo percebemos –, quando apenas estão em causa duas faturas, bastando uma mera informação de tais sociedades nesse sentido. Porém, o apuramento dessa factualidade não tem qualquer pertinência para a solução jurídica do conflito aqui em causa, ainda que tenha sido alegada, mormente quando é estranha aos temas de prova que foram fixados, como de resto foi salientado pelo despacho recorrido, ainda que de um modo perfunctório, mas totalmente percetível. Tais factos correspondentes à “simulação de faturas”, para utilizar uma expressão da Recorrente, poderiam ter relevância para a destituição dos gerentes da R., de acordo com o artigo 257.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, porquanto poderiam consubstanciar uma justa causa – neste segmento normativo enuncia-se que “Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade”. Para o efeito existe um processo especial de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais, regulado pelo artigo 1055.º NCPC. Tal vertente foi analisada no despacho recorrido, no qual se decidiu pela existência de erro no processo nesta parte, o que conduziu à absolvição da instância da R. quanto aos pedidos descritos sob as alíneas G) a J) da petição inicial. E esta dimensão decisória não foi suscitada no presente recurso nem pelos vistos em qualquer outro, pelo que nesta parte tal despacho transitou em julgado (artigo 628.º NCPC). E a informação sobre a existência de suprimentos não se enquadra em nenhuma factualidade relevante para a solução jurídica do presente pleito, atendendo aos temas de prova fixados.
Nesta conformidade, não temos nenhuma censura a fazer ao despacho recorrido.
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Na improcedência do recurso, as custas ficam a cargo da A., enquanto recorrente – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela Autora B…, S.A., e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Notifique

Porto, 21 de outubro de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço