Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3897/16.9JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE ABUSO SEXUAL
ESTATUTO DA VÍTIMA
INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA
Nº do Documento: RP201806273897/16.9JAPRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NULIDADE PROCESSUAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º765, FLS.312-327)
Área Temática: .
Sumário: O estatuto da vítima (artº 67º A CPP e artº 16º da Lei 30/2015 de 4/9), no crime de abuso sexual p.p. pelo artº 165º 1 e 2 CP, impõe a aplicação oficiosa, após contraditório, do disposto no artº 82º A CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º3897/16.9JAPRT.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I - Relatório.
No Processo Comum Colectivo n.º 3897/16.9JAPRT do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, da Comarca do Porto, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, identificados no Acórdão a fls. 1026.
O Acórdão de 08.02.2018, depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente, decidem:
a) Condenar cada um dos arguidos C… e B… pela prática, por convolação da qualificação jurídica, em autoria material de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art. 165º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) Suspender a Execução desta pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, com acompanhamento de regime de prova, a supervisionar pela D.G.R.S.
c) Condenar os arguidos nas custas do processo, que se fixam em 4 UCs.
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a) Julgar o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo demandante cível “Centro Hospitalar D…, E.P.E.”, provado e procedente e, em consequência, condenar os demandados cíveis C… e B… a pagarem-lhe a quantia de €368,35 (trezentos e sessenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros legais de 4% até ao seu efectivo e integral pagamento;
b) Custas a cargo dos demandados cíveis (cfr. art. 527º, nºs 1, 2 e 3, do Cód. Proc. Civil, e art. 523.º do Cód. Proc. Penal).
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(…)
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Proceda-se à restituição dos telemóveis aos arguidos.
Remeta boletins à D.S.I.C..
Cumpra o disposto no nº 5, do art. 372º, do Código Processo Penal.»
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Inconformado, o MP interpôs recurso apresentando a competente motivação que rematou com as seguintes conclusões.
«1.- A decisão recorrida padece do vício de erro na apreciação da matéria de facto, pois que deu como não provados factos que, atenta a prova constante das imagens recolhidas no local dos crimes, deveriam ter sido dado como provados, concretamente que:
1). A ofendida apresentava-se com desequilíbrio motor e cambaleante.
2). A ofendida acabou no entanto por cair do sofa varias vezes, sendo levantada pelo arguido B….
3). A ofendida E… foi amparada pelo arguido B… a ajudava a andar.
4).- ... o arguido C… ... e aí verificou os sinais ... de desequilíbrio e falta de consciência de si própria em que a mesma se encontrava.
2. verifica-se erro notório quando se não retira da prova apresentada e devidamente demonstrado, como no caso as imagens captadas no local do crime antes de o mesmo ocorrer mas essencial a conclusão que o mesmo se verificou efetivamente, uma conclusão logicamente por ela determinada, quando se da como não provado algo que notoriamente ficou demonstrado;
3.- o art. 165° tutela uma vertente específica da liberdade de determinação sexual individual, mais precisamente aquela dimensão mais íntima da dignidade humana que cada um tem o direito de preservar e de ver acautelado, no âmbito da sua vontade sexual;
4- manifestações de prepotência física ou psíquica neste espaço da vivência e convivência humana, podem redundar na "coisificação" de um ser humano, o que significa a eliminação ou limitação insuportável da respetiva dignidade humana, quando esta tem uma consagração constitucional;
5.- é precisamente a situação prevista na norma pela qual os arguidos vão condenados;
6.- os arguidos, não manifestaram qualquer arrependimento pela prática dos factos, apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava, não obstante terem assistido, como pugnamos seja dado como provado, a mesma a cair a ser transportada amparada pelo arguido B… e de este lhe ter servido 3 "shot's" alcoólicos, um dos quais com, pelo menos 4 bebidas alcoólicas (cfr. imagens das câmara n° 1 no ficheiro 1, pelas 05h04m34s),
7.- os arguidos apena se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar; seja um arrependimento focado e centrado nas suas pessoas;
8.- o arguido B… sabia do estado de inconsciência da ofendida e refere-o em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo “(...)ela estava toda fodida (...)” e “(…)Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...)".
9.- ambos os arguidos desprezaram totalmente os mais elementares valores morais e jurídicos de respeito devido pela liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, ao se aproveitarem do seu estado de inconsciência para com ela manterem relações sexuais de cópula;
10.- não é pressuposto no crime em apreço nem é exigido nem necessária a perda completa do uso da razão ou dos sentidos, bastando que a vítima esteja na impossibilidade de avaliar o significado do ato sexual em que se deixa envolver;
11.- o arguido B… admite até não poder afirmar, com toda a segurança, se quando o arguido C… mantinha relações sexuais de cópula com a ofendida se esta estava consciente [cfr. gravação do dia 25/10segmento 20171025144145_14996831_2871609min 26:18] e no que a si respeita afirma quanto ao as relações sexuais que manteve com a ofendida - mesmo segmento da gravação, minuto 44:45-,que uma coisa leva a outra; o arguido, não obstante ver o estado de inconsciência da ofendida, aproveitou-se do mesmo, e a partir de algum envolvimento mais próximo, como um beijo ou afago, interpreta-o como um assentimento a ir mais longe e consumar uma relação sexual de cópula;
12.- mesmo que a ofendida tivesse sido insinuante, provocadora, tivesse beijado os ou algum dos arguidos, tal não equivale, independentemente do estado em que a mesma se encontrasse, consciente ou não, que consentia em manter relações sexuais com os mesmos ou com algum deles;
13.- as descritas condutas dos arguidos são profundamente graves, traduzindo uma elevadíssima ilicitude e um dolo intenso, pois que ambos representaram e quiseram ter relações sexuais de cópula completa com a ofendida, que bem sabiam inconsciente;
14.- revelam personalidades mal formadas, deturpadas, indiferentes perante o outro e de todo longe do dever ser jurídico-penal que impende sobre todos que convivem socialmente.
15.- enquanto trabalhadores de estabelecimento de diversão noturna, conhecedores e habituados a clientes, femininos ou masculinos, com comportamentos decorrentes do consumo excessivo de álcool, impunha-se aos arguidos um comportamento mais cuidadoso senão mesmo de proteção desses clientes, pelo que redobrado era o seu dever de não serem eles a abusar dessas situações, especialmente com comportamentos sexuais altamente reprováveis e dolosos;
16.- o Tribunal a quo entendeu, ser de fazer essa prognose favorável de não reincidência da prática de ilícito, sendo ser neste ponto que divergimos;
17.- o sentimento jurídico da comunidade impõe que os arguidos cumpram em clausura as penas que lhes foram aplicadas, por só assim as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico poderem ser asseguradas e respeitadas;
18.- para além das exigências de prevenção geral e da boa integração social dos arguidos, é irrefutável que nenhum deles revelou qualquer ato revelador da interiorização do desvalor da sua conduta, designadamente confissão ou arrependimento, o que também intensifica exigências de educação para o direito;
19.- os elementos que depõem a favos dos arguidos não esbatem as consequências do ilícito cometido, não podem deixar perpassar na comunidade uma ideia de impunidade de uma acção tão grave como aquela pela qual os arguidos vão condenados;
20.- o efeito ressocializador, sendo embora um dos vectores basilares aos fins das penas, cede, necessariamente, perante as exigências de tutela do bem jurídico, ora em causa, e da necessidade de neutralizar os efeitos do crime como exemplo negativo para a sociedade e simultaneamente contribuir para fortalecer a consciência jurídica da comunidade;
21.- no caso concreto, revelam-se, face as circunstâncias do crime, muito elevadas as exigências de prevenção geral pelas quais se limita sempre o valor da socialização em liberdade que preside ao instituto da suspensão;
22.- a comunidade dificilmente compreenderia que alguém que pratica factos tão graves atentatórios da liberdade e autodeterminação sexual fosse punido com pena não preventiva da liberdade;
23.- a suspensão da pena enquanto pena de substituição das penas principais, concretamente determinadas, só pode ser a opção se na sua escolha puderem estar razões de prevenção especial e geral;
24.- os factos praticados pelos arguidos são, como reconhece a decisão ora recorrida, chocantemente gravíssimos, sendo que os arguidos, vendo o estado da ofendida, não se inibiram de a violar, aproveitando-se desse mesmo estado que a impedia de se determinar conforme a sua vontade, pois que a não dominava;
25.- a decisão recorrida, ao suspender a execução da pena aplicada aos arguidos, e ao ordenar a sua imediata restituição a liberdade, visto que estavam em obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, violou as normas dos arts. 40° n°s 1 e 2, 53°, n° 1 a 3, 70° e 71°, todos do Cód. Penal e, paralelamente, as normas dos art°s. 204°, c) e 217°, n°, 1, ambos do Cód. Proc. Penal;
26.- termos em que, pugnando-se pela procedência do recurso, deve a decisão ora recorrida ser revogada e, em consequência, serem dados como provados os factos de:
a ofendida apresentava-se com desequilíbrio motor e cambaleante; a ofendida acabou no entanto por cair do sofá várias vezes, sendo levantada pelo arguido B…; a ofendida E… foi amparada pelo arguido B…, que a ajudava a andar; ... o arguido C… ... e aí verificou os sinais ... de desequilíbrio e falta de consciência de si própria em que a mesma se encontrava,
e, ainda, ser revogada a suspensão da execução da pena e os arguidos condenados em pena de prisão efectiva.»
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O recurso foi liminarmente admitido por despacho constante de fls. 1082.
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Responderam ambos os arguidos, separadamente, pugnando ambos pela manutenção da decisão recorrida e improcedência total do recurso e de onde se retira de essencial que o MP faz a apreciação da prova baseada nas legendas colocadas nos fotogramas, pela SRª Inspectora titular do processo, legendas essas não confirmadas, aquando da visualização das imagens.
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Nesta Relação, o Excelentíssimo PGA emitiu Parecer no seguinte sentido “As posições jurídico criminais do acórdão, do recurso e das respostas dos arguidos ao mesmo estão devidamente desenvolvidas e fundamentadas, nada mais havendo a acrescentar, para uma boa decisão por este tribunal superior”.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, respondeu sem novidade o arguido B….
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
-Impugnação da matéria de facto; erro notório na apreciação da prova.
- Suspensão da execução da pena de prisão?
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2. Factualidade.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respectiva motivação:
«2.1 – FACTOS PROVADOS:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos da acusação:
1. No dia 27 de Novembro de 2016, na Rua …, nº …, em Vila Nova de Gaia, entre as 00 horas e as 6 horas da madrugada, os arguidos C… e B…, ambos funcionários no bar discoteca “F…”, encontravam-se em funções nesse estabelecimento de diversão nocturna, o primeiro dando apoio ao controlo de entradas e o segundo servindo bebidas ao balcão.
2. Nessa mesma noite deslocaram-se como clientes ao estabelecimento de diversão mencionado Ee a sua amiga G…, ambas clientes há alguns meses e por isso conhecidas dos dois arguidos.
3. Por volta das 3 horas e 30m, estando já o bar discoteca “F…” com poucos clientes e aproximando-se a hora do seu encerramento - 4 horas da madrugada -, o arguido B… começou a servir à E… vários “shots” – pelo menos três -, de bebidas alcoólicas – pelo menos um dos shots com 4 misturas de bebidas – dizendo que era oferta, sendo certo que a ofendida já havia consumido várias bebidas também alcoólicas, em parceria com a referida G….
4. Já por volta das 4 horas e 17 minutos, o arguido C… aproximou-se da dita G…, falando com ela, estando a mesma deitada num sofá, na zona “VIP”, sentindo-se mal - disposta.
5. Por esse motivo, E…, acompanhada do arguido B…, aproximou-se da G… e do arguido C…, sentando-se também no sofá e por também se sentir nauseada o arguido B… optou a dado momento por a encaminhar por alguns instantes ao exterior do bar.
6. Já a poucos minutos das 5 horas (4 horas e 49m), não estando ninguém no Bar-discoteca “F…”, a não ser os dois arguidos, G… e a E…, esta juntamente com o arguido B…, deslocou-se para a casa-de-banho das mulheres e aí chegada ficou sentada no chão, junto à sanita, para onde vomitou, sendo auxiliada pelo arguido B… que lhe colocava a mão na testa.
7. Também nessa altura e por alguns momentos o arguido C… esteve na casa de banho das mulheres onde estava Ee aí verificou os sinais de embriaguez.
8. Já depois das 5 horas e 38 m e durante pelo menos 16 minutos, o arguido C… esteve fora do estabelecimento de bar discoteca “F…”, período de tempo durante o qual transportou G… à respectiva residência, sita na zona de ….
9. Continuando a ofendida E… na mesma casa-de-banho, perdeu a consciência, altura em que o arguido B…, verificando a incapacidade da ofendida de reger a sua vontade e de ter consciência dos seus actos, resolveu e com ela manteve relações sexuais de cópula vaginal completa, depois de a ter despido da cintura para baixo, mantendo-lhe a roupa a meio das pernas, só recuperando a consciência, a ofendida, e, voltando a si, ainda no mesmo local, quando deitada no chão, com a cabeça encostada à porta de entrada, sentiu um empurrão na porta, ouvindo nesse momento as vozes dos arguidos B… e C…, que reconheceu, pretendendo este último - já regressado à discoteca bar “F…” - entrar também na casa-de-banho.
10. Momentos depois a ofendida E… perdeu novamente a consciência só voltando a recuperar os sentidos quando ouvindo as vozes dos dois arguidos sentiu umas palmadas na zona dos seus glúteos, apercebendo-se também nesse momento que estava com os calções de ganga, as meias-collants e as cuecas que usava naquele dia puxados até à zona dos joelhos, o que imobilizava os seus movimentos da cintura para baixo, e que se encontrava posicionada de bruços, com o tronco totalmente apoiado na área do lavatório.
11. Logo de seguida, a ofendida E… perdeu mais uma vez a consciência, só voltando a recuperá-la quando já se encontrava sentada no sofá do bar discoteca “F…”, estando nessa altura vestida da cintura para baixo e estando junto de si os dois arguidos, tendo um deles atirado com água para o seu rosto.
12. Durante o período em que a ofendida E… permaneceu na casa-de-banho sem consciência de si própria e incapaz de dispor da sua vontade - circunstâncias do pleno conhecimento dos arguidos C… e B… que assim o observaram -, o arguido B… em primeiro lugar, e o arguido C…, em segundo, mantiveram com a mesma relações sexuais de cópula vaginal completa, chegando o arguido C… a ejacular.
13. Na verdade, e estando a discoteca bar “F…” já sem clientes e sem quaisquer outros funcionários, cada um dos arguidos, primeiro, o B… e a seguir, o C…, verificando a incapacidade da ofendida E… de reger a sua vontade e de ter consciência dos seus actos, resolveu manter com aquela relações sexuais de cópula vaginal, utilizando para o efeito o compartimento de casa-de-banho das mulheres; tendo ainda a ofendida sido colocada por um dos arguidos, sem se lograr apurar qual, na posição de bruços, com o peso do tronco totalmente sobre o lavatório, de forma a assim ficar imobilizada e a ser possível a penetração vaginal, o que aconteceu, pelo menos uma vez, por parte do arguido C…, ao introduzir o pénis erecto na vagina da ofendida E… até à ejaculação.
14. O arguido C… já por volta das 9 horas da manhã, transportou de carro E… à respectiva residência, embora se desconheça o percurso efectuado e o tempo despendido, apelando à ofendida E… durante o trajecto que esquecesse o que tinha acontecido, pois não podia colocar em causa a sua vida pessoal e familiar e que lhe daria em troca o que quisesse, incluindo dinheiro.
15. No dia seguinte, ou seja, no dia 28 de Novembro de 2016, e já no período da tarde, E… recebeu no seu telemóvel, com o IMEI ……………, cartão SIM ………………. e sob o n.º ………, várias chamadas telefónicas do dono do estabelecimento de bar “F…”, H…, utilizando este o cartão móvel ………., que não chegou a atender.
16. No entanto, depois dessas chamadas e vindo a saber que se tratava do dono do bar discoteca “F…”, trocou com o mesmo mensagens escritas, contando-lhe o atrás relatado.
17. Ainda no mesmo dia - e após a troca de mensagens com H… - e entre as 16 h e 1 minuto e as 17 horas e 41 m, os dois arguidos C… e B… enviaram através da rede móvel e utilizando respectivamente os nºs ……… e ……… mensagens escritas (SMS) à E….
18. Entre as 16 horas, 1 minuto e 36 segundos e as 16 h e 32.00 do dia 28 de Novembro de 2016, o arguido B… enviou à E… através do número de telemóvel acima referenciado e para o número de telemóvel da destinatária também já identificado, as seguintes mensagens:
- arguido B… «Boas, eu não sei o que se está a passar, o H… já está farto de me ligar, no sábado eu não te forcei a nada, eu estou a trabalhar e ele ficou de vir agora aqui ter. Eu não quero problemas, não sei ao certo o que se está a passar»;
- E«Da maneira que estava inconsciente, não era preciso obrigarem a nada foi só fazerem o que quiseram, mas não é ao H… que tens que dar explicação vai ser à polícia»;
-o arguido B… «não estavas inconsciente, então fala com ele por favor porque ele já bateu no C… e estou no meu local de trabalho e não quero problemas. Eu não falo com ninguém, já falei com quem tinha que falar. Eu não te obriguei a nada, foi consentido, se estavas tocada e não te recordas eu não tenho culpa. Agora se estás arrependida eu não tenho culpa»;
- E«Sabes perfeitamente que não estava e aproveitaste oblá olha para ti e para o C…, alguma vez, tem maze vergonha e assume a merda que fizeste. Agora aguenta as consequências, guarda as tuas desculpas para a policia»;
- o arguido B… «Sinto muito mas és uma criança. Sendo assim vou fazer o mesmo que tu. Vou à judiciária apresentar queixa por difamação»;
- E«Vai lá, ou melhor espera seres chamado pq eu já fiz queixa à PJ»;
- o arguido B… « ok, obrigado» .
19. Por sua vez, entre as 16 horas, 59 minutos e 3 segundos e as 17 h, 41 minutos e 49 segundos do dia 28 de Novembro de 2016, o arguido C… enviou à E… através do número de telemóvel acima referenciado e para o número de telemóvel da destinatária também já identificado, as seguintes mensagens:
- o arguido C… « Boa tarde, tá tudo? Tive a falar com o B… e acho que tas a fazer não é o correcto. Eu tenho uma filha com 14 anos e nunca na vida queria que fizessem isso que tas a dizer que te fiz coisa que não é verdade é que nunca o faria tenho 40 anos nunca o fiz! Arrependeste-te de quê? Explica-me que eu não me lembro? Sempre te tratei bem e nunca fiz nada que te desrespeita se é há quanto tempo me conheces e nunca me meti contigo sequer! Tu é que tavas ali a dançar e abraçada ao B… e ias com ele para a casa de banho!
- E«Claro que ninguém fez nada, não vos convém, agora sou eu que tou a inventar não é? O quê que eu ganhava com isso? Vergonha só mais nada, mas o que disse a ele digo te a ti guarda as tuas desculpas para a polícia já fiz a queixa na PJ já fiz os exames, e se contaste ao H… é pq tas com medo pq sabes o que fizeste, agora tu e o outro combinem bem uma história pa contar a polícia»;
-o arguido C… «o H… perguntou porque sai de lá tão tarde e eu contei lhe e ele quer falar contigo para tu lhe contares o que se passou! Só isso; è não vou combinar história nenhuma vou contar o que se passou só!».
- E«já lhe disse o que se passou, agora ele acredita no que quiser»;
- o arguido C… «disseste a quem?»
- E «já lhe mandei mensagem a explicar. Agora não me chateiem mais. E vocês os dois ides ver o que vos vai acontecer. Se fosse a ti não so pra lá tão cedo. Aviso».
- o arguido C… «eu preocupado fui levar a G… a casa nem de táxi a deixei ir preocupado e achas que ia fazer mal a ti! Tava bêbado mas não inconsciente! E peço desculpas se tou a chatear»;
- E«Não tavas bêbado sabes muito bem o que fizeste, inconsciente estava eu e tu viste perfeitamente mas aproveitaste-te. Agora nega à vontade e nem é comigo que tens que te preocupar é contigo»
- o arguido C… «eu preocupado contigo como preocupo com toda a gente que lá vai como preocupo com a tua amiga que é minha amiga e com toda a gente que é minha amiga ou conhecida tá na minha maneira de ser»!
- E«Com amigos destes não preciso de inimigos, vê lá não vás fazer isso com todas as tuas Amigas»;
- o arguido C… « não digas isso não é verdade! Eu respondo por mim e sei que não sou assim»;
- E«E vais responder podes ter a certeza, assim não vai ficar»;
- o arguido C… «Assim como? Por eu te beijar?e por eu te beijar até já o nata me bateu porque disse que não tinha de o fazer porque gosta de ti!»»
- E«Por me beijar??Ao menos faz te homem assume o que fizeste; e se ele te bateu ou não, não quero saber, mas podes ter a certeza que alguém o vai fazer e não ser bom para ti»;
- o arguido C… «E tanto sou que contei o que se passou e te levei a casa. Tens dúvidas fala com o Nata e pergunta se não contei!»;
- E«Faz me um favor e não me chateis mais»;
- o arguido C… «Já pedi desculpas e volto a pedir não te incomodo mais
20. Ainda no dia 28 de Novembro de 2016 foi a ofendida observada no Centro Hospitalar D…, serviço de urgência de Ginecologia e obstetrícia.
21. Foi ainda no mesmo dia realizado no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) exame pericial de natureza sexual à ofendida E…, com recolha de zaragatoas vaginais e anais, bem como zaragatoas para registo de ADN daquela e posterior realização de exame genético e biológico forense, com o seguinte resultado: «nas manchas analisadas nas cuecas (C1) foi relevada a presença de um perfil genético de mistura (feminino e masculino, XX/XY), compatível com os perfis da ofendida Ee de indivíduo do sexo masculino; nas manchas analisadas nos calções (C1) foi revelada a presença de um perfil genético individual masculino (XY); nas zaragatoas fundo de saco e peri vulvar, foi revelada a presença do mesmo perfil genético individual feminino (XX), coincidente com o perfil da ofendida E…, não permitindo assim excluir que o material biológico analisado provenha da mesma».
22. No mesmo exame pericial foi observado clinicamente o seguinte: «No abdómen: equimose arroxeada com 6 por 2,5 cm de maiores dimensões, na transição da fossa ilíaca com o dorso. Abaixo desta visualiza-se outra equimose arroxeada, com 2,5 cm por 1 cm de maiores dimensões; no membro inferior direito: 7 (sete) equimoses arroxeadas na nádega, 5 (cinco) das quais mais internas, de forma arredondada e com 1 cm de diâmetro e 2 alongadas, com orientação oblíqua, localizadas mais externamente, a superior com 5,5 cm por 1 cm de maiores dimensões e a inferior com 5 por 1 cm de maiores dimensões: no terço superior da face posterior da coxa visualiza-se outra equimose arroxeada com 3,5 cm por 1,5 cm de maiores dimensões- hematomas consistentes com as referidas palmadas, nomeadamente, a marca de 5 nós de dedos e de dois dedos».
23. No dia 29 de Novembro de 2016, foi a roupa que Eenvergava na noite do dia 27 de Novembro de 2016 – uma camisola de cor preta de renda, uns collants da cor da pele, umas cuecas tipo tanga, de cor cinzenta e rosa, e uns calções de ganga de tom claro - submetida a exame pericial para recolha de vestígios biológicos, concretamente, de sémen (perfil de ADN).
24. Posteriormente, foi feita recolha de ADN aos arguidos, através de zaragatoa bucal e realizada análise comparativa entre o material genético recolhido aos arguidos e os vestígios recolhidos na roupa da ofendida - calções e camisola - e no material genético recolhido nas zaragatoas de fundo de saco e peri vulvar, tendo-se concluído que o perfil genético identificado na roupa e zaragatoas - cromossoma Y- é coincidente com o holótipo do arguido C….
25. Na busca realizada no dia 19 de Dezembro de 2016 ao estabelecimento bar discoteca “F…”, foram apreendidas as imagens captadas pelas câmaras de vigilância (sistema CCTV) referentes à noite do dia 27 de Novembro de 2016.
26. No dia 7 de Fevereiro de 2017 foi realizada busca domiciliária à residência do arguido C…, sita na Avenida …, n.º …, …, …, Vila Nova de Gaia, tendo sido aprendido no âmbito de tal diligência, concretamente, no quarto de dormir do arguido C…, um telemóvel, da marca IPHONE …, com o IMEI ……………. e com o cartão … da operadora I… n.º……….
27. No mesmo dia (7 de Fevereiro de 2017) foi também realizada a busca domiciliária à residência do arguido B…, sita na Travessa …, n.º .., …, …, tendo sido apreendido no âmbito dessa diligência um telemóvel da marca IPHONE, modelo …, com o IMEI ………….., com o cartão … da I… e com o nº ………...
28. Os arguidos B… e C… agiram ambos de forma livre e consciente, sabendo ambos, pelos sinais evidentes de embriaguez, falta de consciência de si própria e incapacidade de manifestar a sua vontade apresentados pela ofendida Ee que ambos presenciaram e constataram, que sem a vontade da mesma e portanto sem consentimento, cada um deles com ela iria manter relações de cópula vaginal completa, até atingirem a ejaculação, o que veio a acontecer, pelo menos, com o arguido C…, colocando assim em causa, cada um, a liberdade de autodeterminação sexual da ofendida e aproveitando-se, cada um dos arguidos, da efectiva incapacidade em que a ofendida se encontrava para se opor ou resistir aos seus comportamentos.
29. Actuou ainda cada um dos dois arguidos sabendo que o fazia de modo proibido e punido por lei.
Antecedentes criminais dos arguidos
30. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
Condição sócio económica dos arguidos:
31. B… é o único descendente de uma família em que os pais se separaram quando o arguido tinha cerca de 8/9 anos de idade, porque o pai estabeleceu outra relação afetiva, ficando o arguido a viver com a mãe, que assumiu o seu processo educativo, coadjuvada pelos avós maternos, com quem viviam. Financeiramente foram assinalados alguns períodos onde se registaram maiores dificuldades, em particular após a separação do pai e até a mãe estabelecer nova relação afetiva, tinha o arguido 12/13 anos de idade, no âmbito da qual viria a nascer a irmã mais nova, actualmente com 3 anos de idade.
32. Frequentou a escola na idade regulamentar, que abandonou com 17/18 anos de idade e apenas o 9º ano de escolaridade concluído. Embora sem problemas comportamentais, revelou a partir de determinada altura desinteresse pela aprendizagem dos conteúdos curriculares e falta de assiduidade.
33. Com o abandono escolar, B… permaneceu inativo um período que estabelece em cerca de um ano, passando a trabalhar como vendedor porta a porta para empresas de telecomunicações, durante seis meses. Posteriormente, refere o exercício de atividade na área da restauração, em restaurantes e em bares, em horário diurno e noturno. B… afirma que durante cerca de 3 anos trabalhou no bar “F…”, propriedade do seu padrasto, em período que não conseguiu precisar, até este tomar a decisão de proceder ao trespasse do negócio. O arguido refere que entre junho e dezembro de 2016, trabalhou numa cervejaria, até ao seu encerramento. Em abril de 2016 refere ter sido convidado a trabalhar como responsável do bar e até fechar o caixa no bar/discoteca “F…”, 3 vezes por semana, normalmente às quartas, sextas e sábados, estabelecimento cuja reabertura havia ocorrido em março desse ano, sem qualquer vínculo contratual formal, referindo nunca ter conhecido o atual proprietário do estabelecimento, apenas um responsável.
34. B… tinha estabelecido uma relação afetiva de namoro há cerca de 6 anos, passando o casal a coabitar há cerca de 3 anos. Desta união existem dois descendentes, actualmente com 2 anos e 1 ano de idade, tendo o relacionamento terminado em Junho do presente ano.
35. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, B… residia no agregado constituído pela companheira e os dois descendentes, residindo no mesmo edifício a família da companheira. Tratava-se de uma casa arrendada, com condições mínimas de habitabilidade, inserida em zona limítrofe da freguesia de … - Vila Nova de Gaia, de características semi - urbanas e sem problemáticas sociais de relevo.
36. Vivenciavam um quotidiano de algumas dificuldades, sendo que apenas dispunham como rendimento mensal fixo o valor de 570€ relativos ao salário da companheira, a trabalhar numa clínica dentária. Apresentavam como despesas inerentes à manutenção da habitação cerca de 320€, correspondentes a renda, água e energia elétrica. Acrescia a estes montantes cerca de 300€ referentes ao infantário/creche dos descendentes. Segundo a companheira, contavam com a ajuda da progenitora, nomeadamente no fornecimento da refeição do jantar e pontualmente com o apoio da família do arguido.
37. Actualmente o arguido reside com a mãe e o padrasto no centro da cidade de Vila Nova de Gaia desde 09Jul2017, conforme autorização judicial concedida, após a rutura da relação com a companheira. São agora estes elementos que o apoiam, dada a sua inactividade e a inexistência de quaisquer outras fontes de rendimento.
38. Relativamente a uma eventual inserção laboral futura, não é referida qualquer possibilidade concreta de enquadramento, contudo o arguido perspetiva, assim que a sua situação processual se definir e o permitir, procurar uma atividade profissional.
39. B… deu entrada no E.P. instalado junto à J… em 07Fev2017, na situação de prisão preventiva, à ordem do presente processo, tendo sido alterada em 22Jun2017 a medida de coação para obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, adotando desde então uma conduta normativa.
40. Os impactos mais evidentes da sua situação jurídico-penal são o facto de ter terminado a sua relação conjugal, ainda que continue a manter regular contacto com os filhos.
41. Relativamente aos factos pelos quais está acusado nos presentes autos, B… revela consciência da sua gravidade, apreensão face ao seu desfecho e preocupação relativamente às suas consequências em termos pessoais e familiares.
42. Em termos comunitários, no meio onde residia, apesar do impacto negativo gerado pelo processo, não foram referidos problemas de integração, tendo o eventual envolvimento do arguido constituído surpresa.
43. Do processo de desenvolvimento de B… salienta-se a sua integração em agregado familiar estruturado, com transmissão de valores facilitadores da adopção de um comportamento normativo, que na verdade manteve atá à ocorrência dos presentes factos. A nível laboral, registou relativa instabilidade, com vínculos contratuais precários, e períodos de desemprego, o que não lhe permitia contribuir de forma sustentada para a economia familiar.
44. Revela apreensão com o presente confronto com o sistema de administração da justiça penal e suas eventuais consequências, não tendo contactos anteriores com o sistema de justiça e não evidenciando ao nível das atitudes e características pessoais comportamentos de desvalor de condutas desviantes generalizadas, o que constituem fatores de proteção.
45. Assim, em caso de condenação, B… apresenta como principal necessidade a criação de estratégias normativas de integração e auto - gestão, assente de modo basilar na procura activa de um enquadramento laboral formal, que permita a sua estruturação e autonomização financeira, bem como a interiorização do desvalor da sua conduta.

46. C… é o mais velho de dois irmãos nascidos do relacionamento dos pais, que se separaram, por desgaste na relação, quando o arguido tinha cerca de 16 anos de idade, altura em que deixaram a cidade de Lisboa para viver no Porto. Na sequência da separação, o arguido ficou a residir com o pai, passando este a ser responsável pelo seu processo educativo, alegadamente adoptando uma postura muito rígida e autoritária.
47. Frequentou a escola em idade regulamentar, que abandonou cerca dos 14 anos de idade, sem ter concluído o 9º ano de escolaridade. Embora sem problemas comportamentais, regista retenções que atribui à instabilidade familiar. Com o abandono escolar, C… foi trabalhar com o pai numa empresa de pneus, propriedade deste. Aos 18 anos, na sequência de desentendimentos entre ambos, optou por se autonomizar, embora numa fase inicial, até iniciar o cumprimento do serviço militar obrigatório, tenha mantido o mesmo enquadramento laboral.
48. Posteriormente e findo o serviço militar, o arguido refere ter retomado o mesmo tipo de trabalho numa outra empresa, até criar o seu próprio negócio, neste ramo de atividade, a empresa “K…” em data que não conseguiu concretizar. Esta empresa, segundo o arguido, viria a entrar em processo de insolvência em 2011, tendo sido adquirida em 2012 por um seu colaborador, que manteve o mesmo nome.
49. Desde então, C… permaneceu sem emprego formal, contudo refere ter continuado a colaborar na empresa, ainda que sem vínculo contatual, auferindo alguns montantes varáveis em função dos trabalhos prestados, que oscilavam entre os 50€ a 80€ dia. C… refere ainda que realizava trabalhos para outras pessoas na separação de pneus, auferindo cerca de 100€ por dia de trabalho.
50. Sensivelmente em Outubro de 2016 começou a colaborar no bar discoteca “F…”, 3 vezes por semana, normalmente às quartas, sextas e sábados, sem qualquer vínculo contratual formal, referindo nunca ter conhecido o atual proprietário do estabelecimento, apenas um responsável.
51. Exercia funções de porteiro e relações públicas, organizando festas temáticas e fazendo contactos com artistas, sempre que necessário. O arguido refere que por este serviço recebia montantes que variavam entre os 20€ e os 30€ por noite.
52. C… contraiu matrimónio aos 22 anos, sendo que o casamento terminou em 2011, alegadamente na sequência de dificuldades financeiras. Desta união existem dois descendentes, atualmente com 14 e 6 anos de idade e que residem habitualmente com o ex-cônjuge.
53. C… estabeleceu nova relação afetiva há cerca 3 anos, com quem vive na actualidade.
54. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, C… residia no agregado composto pela companheira e um filho desta de 6 anos de idade, sendo que os filhos do arguido integravam o agregado com regularidade, pelo menos 3 vezes por semana, ou sempre que necessário.
55. Trata-se da sua actual morada, um apartamento com boas condições de habitabilidade, inserido numa zona residencial de … - Vila Nova de Gaia, sem problemáticas sociais de relevo. Este apartamento é do actual proprietário da empresa anteriormente pertencente ao arguido, o qual, segundo o apurado, é cedido a título gratuito.
56. Até à reclusão do arguido não foram sinalizados constrangimentos de índole financeira, embora a companheira estivesse inativa. Desde então, a companheira passou a exercer atividade profissional como motorista de uma empresa de resíduos, propriedade de um irmão, auferindo cerca de 1.000€ mensais.
57. O agregado apresentava e ainda apresenta, como despesas inerentes à manutenção da habitação cerca de 120€, correspondentes a água, energia elétrica e condomínio. Acresce a este montante cerca de 100€ referentes ao ATL – atividades dos tempos livres do seu filho, sendo a situação financeira do agregado caracterizada como suficiente para permitir assegurar a manutenção das suas necessidades básicas.
58. Relativamente a uma eventual inserção laboral futura, C… refere a possibilidade de iniciar funções na empresa “K…”, hipótese corroborada pelo proprietário da empresa.
59. C… deu entrada no E.P. instalado junto à J… em 07Fev2017, na situação de prisão preventiva, à ordem do presente processo, tendo sido alterada em 22Jun2017 a medida de coação para obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, adotando desde então uma conduta normativa.
60. O impacto mais evidente da sua situação jurídico-penal é o facto de se manter afastado da sua actividade profissional, considerando que o proprietário da empresa “K…” necessita do seu apoio e orientação.
61. Relativamente aos factos pelos quais está acusado nos presentes autos, o arguido revela consciência da sua gravidade, apreensão face ao seu desfecho e preocupação relativamente às suas consequências em termos pessoais e familiares.
62. A nível comunitário, apesar do impacto negativo gerado pelo processo, não foram referidos problemas de integração, tendo o eventual envolvimento do arguido constituído uma surpresa.
63. O percurso de vida de C… até à ocorrência dos factos pelos quais está acusado decorreu a nível social de modo normativo, adoptando uma atitude pró-activa na procura de melhores condições profissionais e financeiras, vindo a constituir o seu próprio negócio, ainda que subsistindo desde 2011 de trabalhos apenas com caracter informal.
64. Verbaliza enorme preocupação com os impactos advindos deste confronto com o sistema de justiça penal e das consequências potenciais que daqui lhe podem advir para si, a família e a nível profissional.
65. Actualmente encontra-se confinado à habitação e vem usufruindo do apoio consistente do agregado familiar constituído.
66. Assim, a inversão da actual situação passa necessariamente pela aquisição/utilização de competências sociais que lhe permitam um relacionamento interpessoal ajustado e uma interiorização e consciencialização do desvalor da sua conduta. Será ainda fundamental a sua inserção no mundo laboral, de modo a permitir-lhe a sua autonomia financeira.
67. Estes factores, na sua globalidade e se devidamente mobilizados, poderão permitir-lhe a redefinição de um projecto de vida normativo e a adopção, no futuro, de um comportamento socialmente ajustado.
Factos provados da Contestação do arguido C…:
I. Encontrando-se a ofendida na casa de banho com o co-arguido B…, desconhecia o arguido C… que a ofendida tivesse ingerido bebidas alcoólicas preparadas pelo B….
II. Naquele momento, mais ninguém se encontrava no estabelecimento.
III. A ofendida era cliente assídua do estabelecimento onde ocorreram os factos.
IV. E frequentadora de outros estabelecimentos de diversão nocturna.
V. A factualidade ocorreu na noite de um sábado para um domingo, e a ofendida vai à polícia no fim do dia 28 de Novembro sem dor nos órgãos genitais e/anais.
VI. Sujeita a exame no IML, a ofendida não apresentava lesões traumáticas na zona vaginal e perineal.
VII. O arguido é primário.
VIII. Vive em união de facto com a sua companheira há 3 anos e tem 3 filhos, 2 dos quais tem a guarda conjunta com a respectiva progenitora, tendo-os consigo dia sim, dia não.
IX. Exerce actividade profissional de montador de mecânico na empresa de pneus “K…”, em …, Vila Nova de Gaia.
X. Tem a sua vida organizada no seio de uma família estruturada e com valores.
XI. É respeitado profissional, social e, familiarmente.
Factos provados do Pedido de Indemnização Civil:
a) Na sequência da agressão perpetrada pelos dois demandados, a ofendida E… sofreu ferimentos que determinaram que a mesma tivesse recorrido aos serviços do Centro Hospitalar D…, E.P.E. nos dias 28.11.2016 e 30.11.2016.
b) O custo de tal assistência ascende a €368,35 que, até à presente data, não foi pago.
2.2 – FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
Designadamente, não se provou que:
1) A ofendida apresentava-se com desequilíbrio motor e cambaleante.
2) A ofendida acabou no entanto por cair do sofá várias vezes, sendo levantada pelo arguido B….
3) A ofendida E… foi amparada pelo arguido B… que a ajudava a andar.
4) … o arguido C… … e aí verificou os sinais … de desequilíbrio e falta de consciência de si própria em que a mesma se encontrava.
5) Quando voltou a recuperar a consciência, a ofendida estava deitada no sofá do bar.
6) … tendo um deles …. dizendo ao mesmo tempo “acorda”.
7) O arguido B… ejaculou.
8) Quando os dois arguidos enviaram sms`s à ofendida, fizeram-no com o objectivo de perceberem as efectivas memórias da mesma sobre o ocorrido na madrugada do dia 27 de Novembro de 2016, na casa-de-banho das mulheres do bar-discoteca “F…” e se possível manipularem essas recordações, incutindo-lhe a convicção de que tinha havido consentimento para o relacionamento sexual mantido entre eles.
9) Os arguidos agiram mediante acordo entre ambos quanto ao modo de agirem em conjunto e objectivos a alcançarem, com comportamentos concertados.
Não se provou da contestação do arguido C…:
1- O arguido C…, à data dos factos que lhe são imputados, exercia actividade em estabelecimento de diversão nocturna aos fins de semana há mais de dois anos e nunca teve qualquer imputação, e muito menos, semelhante à que ora está em causa.
2- Apenas tomou conhecimento do presente processo em 7 de Fevereiro de 2017 e desde a data em que a ofendida refere ter sido vítima do aludido crime, nenhum outro problema o arguido teve.
Os restantes factos da contestação (1, 2, 3, 6, 7, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23) inculcam matéria de ordem meramente conclusiva e/ou de direito.
Factos não provados do Pedido de Indemnização Civil:
Nenhum.
*
2.3 – MOTIVAÇÃO:
No apuramento da factualidade provada e não provada, o Tribunal colectivo atendeu à apreciação crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da sua livre convicção.
O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo (Ac. TC n.º 1165/96, BMJ, 461, 93).
Como na generalidade das situações em que está em causa a prática de crime de pendor sexual não existem, para além dos próprios intervenientes, testemunhos directos dos factos, acabando por merecer especial rigor e cuidado as declarações da vítima e do suposto agressor, sempre concatenadas com os demais meios de prova colhidos, preferencialmente, de modo a permitirem aferir da respectiva credibilidade.
No que toca à prova testemunhal, procurando não descurar da isenção dos depoimentos, da razão de ciência e do conhecimento directo de cada um, a par da relação entre os vários sujeitos processuais, levou-se em linha de conta os vários depoimentos prestados e as declarações dos arguido (cujos registos, em suporte digital, nos permite dispensar o relato pormenorizado dos depoimentos e esclarecimentos, produzidos) nos seguintes termos:
Os dois arguidos C… e B…, defenderam uma única versão, admitindo boa parte dos factos de que vinham acusados, nomeadamente, a existência de relações sexuais entre cada um deles e a ofendida no mesmo espaço do bar – wc das mulheres –, todavia, colocando a sua prática como uma consequência normal (e consentida) do envolvimento entre eles e a ofendida E….
Na descrição apresentada, defendem que o primeiro acto sexual ocorreu entre ela e o arguido B…, seguindo-se o que resultou da aproximação entre a ofendida e C…, nos instantes imediatamente seguintes, considerando a tese de que este os terá surpreendido no chão da casa de banho (depois de ter deixado a G… em casa), no momento em que aqueles terminavam a relação de cópula completa.
Como justificação para a prática dos dois actos sexuais, ambos apontam o mesmo móbil: envolvimento e predisposição de todos a esse propósito.
Os dois proferiram relatos pormenorizados e, em grande parte, consentâneos, relativamente à descrição e cronologia dos sucessivos acontecimentos daquela noite.
Das suas declarações em conjugação com o visionamento das imagens captadas pelo sistema de videovigilância (CCTB), foi possível aferir boa parte da cronologia factual dessa noite, já que dúvidas não oferece a presença da ofendida e da amiga, ora testemunha, G…, o consumo de bebidas alcoólicas por parte de ambas, a dança na “pista” do bar, a subsequente indisposição da G… (por todos referido) e a presença dos quatro na designada “zona VIP” do estabelecimento, muito por força dos incómodos que as duas amigas começaram a sentir após esse consumo, altura em que, por vários e distintos momentos, é visível a presença nesse espaço, ora de um, ora do outro arguido e, por vezes, em simultâneo, tal como foi dito, em acompanhamento da evolução dos seus estados.
Como dissemos, a ocorrência de tal factualidade ficou clara, pelo menos, até ao momento em que, numa derradeira vez, a ofendida se deslocou à casa de banho, altura em que as duas e distintas relações sexuais terão ocorrido, considerando que não muito tempo depois, já perto do final da noite, os três se ausentaram do bar, o arguido B…, sozinho, e a ofendida acompanhada pelo arguido C… que, ao que foi por todos confirmado, se disponibilizou para a levar a casa.
Quanto ao que sucedeu na casa de banho entre os 3 intervenientes, o verdadeiro thema decidendum destes autos, temos por um lado a versão dos dois arguidos que pugnam por um relacionamento sexual dito “normal” em que após algum envolvimento, em diferentes momentos, o acto sexual acaba por surgir espontaneamente, em primeiro lugar, entre a ofendida e o B…, seguindo-se-lhe o praticado entre a ofendida e o C…; foi, aliás, com fundamento nesta assunção dos factos e nos ensinamentos que decorrem das regras da experiência comum, que demos como assente no facto n.º 9 o segmento em que terá sido o arguido B… a despi-la da cintura para baixo mantendo-lhe a roupa a meio das pernas, de outro modo, a relação sexual por eles admitida dificilmente poderia ter ocorrido.
E, por outro lado, defendendo versão diametralmente oposta, temos a ofendida a reclamar a sua falta de consentimento para a prática de qualquer um dos dois actos sexuais, que confirma, invocando o insano aproveitamento do seu estado de profunda alcoolemia e momentâneas faltas de lucidez daí decorrentes, por parte dos arguidos, para a prática das duas relações sexuais no interior da casa de banho das mulheres.
A ofendida sustenta ainda má disposição acompanhada de vómitos e perdas de lucidez, na casa de banho, por mais que uma vez.
Por seu turno, o arguido B… nega que a tivesse visto a vomitar (o C… afirma que sim, de pé, junto à sanita e situa o B… no local), que tivesse perdido os sentidos e afirmam que o estado de alcoolemia por ela evidenciado, não se mostrava de molde a sustentar a alienação por ela verbalizada, embora admitissem que esse estado de alcoolemia era comum aos três, mas não ao ponto de nenhum deles deixar de saber o que estava a fazer, a sentir e a querer.
Não deixa de ser estranho que só o C… a tivesse visto vomitar, e não o B…, uma vez que era este quem, a partir de determinada altura, acompanhava a ofendida junto ao bar, nos sofás da zona VIP, para o exterior do bar e, por fim, para a própria casa de banho das mulheres nos instantes que antecederam os actos sexuais; talvez seja por isso mesmo, pela dificuldade em continuar a nega-lo que, mais tarde, aquando da intervenção da Sr.ª Procuradora da República, lá acabou por dizer que não se recorda se ela vomitou por se encontrar embriagado.
Da mesma forma, pese embora os arguidos refutem a tese de inconsciência, o certo é que, a instâncias do Tribunal reponderou por “não poder garantir que a ofendida estivesse consciente” reportando-se ao momento da prática dos actos sexuais, na casa de banho.
Mutatis mutandis, pouco séria se mostra a declaração do arguido C… na parte em que refere não se recordar de ter ejaculado, quando os vestígios genéticos encontrados através dos exames periciais realizados apenas aludem a material genético dele e não do arguido B….
Não obstante e, como acima consignamos, os arguidos defendem a existência de um envolvimento norteado pela normalidade decorrente da presença de 3 pessoas em espaço nocturno, com prévio e manifesto interesse por parte da ofendida em relação ao B…, num primeiro momento, e que acabou por levar à prática consentida das relações sexuais dadas como assentes.
Opostamente, a ofendida afirma categoricamente o atentado cometido contra a sua autodeterminação sexual, por nunca ter consentido qualquer dos dois actos sexuais, negando qualquer envolvimento que a eles conduzisse.
De facto, E…, nas declarações que prestou para memória futura e, recentemente, em audiência, manteve discurso verosímil e articulado proferido naturalmente, sendo evidente a tentativa de relatar a sequencialidade factual de tudo quanto se recorda ter ocorrido no interior daquele compartimento.
Da análise concatenada aos depoimentos prestados na audiência e, previamente, em sede de declarações para memória futura, resulta para este tribunal estarmos perante depoimento convincente, sem acrescentar ou empolar a situação, afigurando-se credível que algumas das discrepâncias de pouca monta, constatadas, se mostram justificadas não apenas pelo decurso do tempo mas também pelo facto de as mesma terem sido percepcionadas pela ofendida em circunstâncias adversas, isto é, em evidente estado de alcoolemia com subsequentes perdas de consciência.
Pelos seus esclarecimentos, parte dos quais, corroborados pela amiga G…, pudemos igualmente perceber o alcance da relação mantida quer com a G… quer com os dois arguidos, relação que, no que a estes concerne, delimita ao início da frequência do “F…”, sem desenvolvimentos de realce, pelo menos, até à data dos factos que aqui nos trazem.
Descreveu assim, credivelmente, a forma como chegaram ao bar, o tipo de evento em curso nessa noite e o acompanhamento com bebidas (vodka) à descrição oferecido pela gerência do estabelecimento, confirmando a sua repetida ingestão tanto por ela como pela amiga G…; neste particular, logrou dar conta do tipo de bebidas que ingeriu e, bem ainda, dentro daquilo que a sua memória lhe permite, da sua quantidade (n.º de copos).
Centra, tal como os demais, o desenrolar dos acontecimentos que suscitaram a instauração dos presentes autos, a partir das 3H30, numa altura em que os poucos clientes que nessa noite tinham acometido ao bar, já tinham saído, restando a própria, a G… e os dois arguidos, a quem situa próximo de ambas, atentos ao estado de alcoolemia evidenciado.
Relativamente à deslocação para a casa de banho, esclarece que a que assume especial preponderância, ocorreu depois de se ter dirigido para junto da G… na zona “VIP” (após beber os shots com o B…) por ter notado o mau estar da amiga, tendo sido nessa altura que também ela começou a notar sinais de indisposição e optou por se dirigir ao lavabo, onde confirma a presença do B…; neste particular, o visionamento das imagens situa o arguido próximo da ofendida na referida deslocação, não tendo os esclarecimentos de um e de outro assumido a virtualidade de esclarecer as posições de cada um no pequeno trajecto que ambos efectuaram.
Já na casa de banho, sustenta versão grosso modo idêntica à da acusação, escorada nos vómitos na sanita numa altura em que se encontrava sentada no chão enquanto o B… lhe segurava a cabeça, e nas momentâneas perdas de consciência que ocorreram em distintos momentos; tais perdas (“flashes”) terão ocorrido logo após o momento de mau estar que ditou a fase de vómitos; após ter sido acordada pela entrada do arguido C… no compartimento do lavatório onde se encontrava deitada no chão; quando se encontrava de bruços sobre o lavatório com os calções, meias e cuecas na zona dos joelhos a prenderem-lhe os movimentos; nos sofás da zona VIP onde acordou com um dos arguidos a deitar-lhe água no rosto; e, finalmente, no veículo automóvel do C… no momento em que este a conduzia à residência à qual terá chegado perto das 10H00 da manhã.
Concretamente, sobre o que se passou na casa de banho assim que terminou de vomitar, e a forma como foram mantidas as relações sexuais com ambos os arguidos – sobre as quais não subsistem dúvidas face ao teores dos exames periciais realizados e confissões dos dois arguidos – a ofendida não recorda todos os momentos, alegando apenas terem ocorrido quando se encontrava inconsciente, isto é, quando era acometida dos tais “flashes” que a impediam de discernir sobre o que se passava, o mesmo sucedendo relativamente aos teores das conversações mantidas pelos arguidos entre si, de evidente interesse à discussão.
Independentemente disso, é de realçar que apesar do menor rigor num ou noutro pormenor da descrição, mormente, no que à sua cronologia, concerne, a ofendida manteve sempre a mesma versão, nunca vacilando em aspectos cruciais à discussão com especial enfoque nos factos ocorridos na casa de banho das mulheres, mostrando-se parte da sua versão sustentada pelo depoimento da amiga G… e até pelos próprios arguidos, pelo menos, nos momentos que antecederam e que se seguiram à permanência dos 3 no referido espaço de lavabos.
Em nenhum momento das suas declarações deixa a ofendida transparecer qualquer intuito vingativo ou retaliatório contra os arguidos, tanto mais que não deduziu qualquer pedido de indemnização civil sendo, assim, de afastar hipotético intuito de locupletamento com a apresentação da queixa.
Isto para dizer que não vislumbramos como possível, assacar-lhe motivo plausível para a confabulação dos factos, nem isso resulta da restante prova produzida.
Pelo contrário, parte do relato dos factos que apresentou para os momentos em que recuperava a noção da realidade, isto é, quando se encontrava no chão da casa de banho, debruçada sobre o lavatório e, posteriormente, nos sofás da zona VIP, acaba por ir ao encontro das regras da lógica aceitáveis, senão vejamos: quando se encontrava deitada no chão da casa de banho sem ter noção do que se passava, voltou a si numa altura em que o arguido C… forçava a porta para entrar, falava com o B… e este a arrastava pelas pernas para que aquele lograsse abrir a porta, ocorrendo assim sons decorrentes dessa conversação e movimentos do arrastar do seu corpo; por seu turno, o momento em que se encontrava debruçada sobre o lavatório e voltou a si, coincidiu com o desferimento de palmadas nos termos dados como assentes tendo a ofendida mantido sempre a mesma versão segundo a qual acordou assim que as sentiu; por fim e de modo ainda mais inequívoco, quando acordou no sofá, fê-lo depois de sentir a água no rosto que um dos arguidos (que não logrou identificar) lhe atirou.
Ainda a propósito das palmadas e, estando assente, por confissão, que foram desferidas quando estava debruçada no lavatório, veio o arguido B… a admitir ter sido o seu autor motivado por impulso sexual, facto não infirmado nem pela ofendida nem pelo co-arguido; contudo, partindo do princípio, como ambos admitiram, que o acto sexual com o B… ocorreu no chão da casa de banho e, com o C…, no lavatório, então não se percebe como é que as palmadas foram desferidas pelo B… não quando estavam a relacionar-se no chão mas no momento em que ocorria o acto entre a ofendida e o C… (no lavatório).
Avançando, importa também dizer que a ofendida continua a apresentar explicação credível para os acontecimentos verificados no trajecto para casa, mormente a não confrontação do C… por se encontrar acometida de sentimento de vergonha; credibilidade que mantém para os factos ocorridos nesse dia e no seguinte, que justifica com as tentativas de contacto e mensagens escritas para o seu telemóvel, dando assim conta das circunstâncias em que começou a visionar as “sms`s” no dia seguinte, 28 de Novembro – que veio a confirmar serem da autoria dos arguidos, uma vez que nunca haviam trocado entre si os nºs de telemóvel – afirmando que foi nessa altura, em face dos seus teores, que terá reforçado a suspeita dos abusos, isto porque na audiência acabou por trazer um dado novo à discussão ao referir que, assim que se apercebeu dos calções desapertados (no sofá depois do episódio da casa de banho e no veículo do C…), de imediato suspeitou que algo se teria passado entre ela e os arguidos.
Tal factualidade assim relatada acabou igualmente por não ser infirmada por qualquer dos depoimentos produzidos, designadamente, pelas declarações dos próprios arguidos quando questionados sobre esta fase dos acontecimentos, e pela restante prova produzida; demonstrando a mesma consentaneidade, revelou o teor da conversa mantida com o C… nesse mesmo trajecto para a residência.
Por seu turno, G…, a amiga que acompanhou a ofendida ao “F…” nessa noite, para além de corroborar as saídas nocturnas de ambas, explicou adequada e, consentaneamente, o trajecto até ao bar – já que começaram por ir a outro estabelecimento de cafetaria antes de entrarem no “F…” – confirmando tratar-se de noite (especial) temática com oferta de bebidas que enumerou (vodka branca e preta e whisky).
Aludiu e confirmou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas quer da sua parte quer da de E…, embora referindo que sabia o que estava a fazer, explicando que nas saídas que mantinham para espaços de diversão nocturna, entre os quais, o “F…”, era habitual consumirem álcool, nomeadamente, os “shots” a que se refere a acusação e ficarem “alegres”; contudo, na noite em causa, não confirma ter visto a E… a beber quaisquer “shots” junto ao balcão do bar e do arguido B…, apenas se recordando de um copo de gin que, inclusivamente, terá provado, o que se compreende face às declarações da própria ofendida e, pelo menos, do arguido B…, porquanto, nessa altura, já a depoente se encontrava sujeita ao mau estar decorrente da ingestão de álcool e não se terá apercebido do que se passava entre a amiga e o B… junto à caixa registadora.
Por aqui se vê que, no que toca aos consumos, mais uma vez não deixa de corroborar aquela que é a versão comum a todos os envolvidos (declarantes e depoentes).
No demais, deu conta das várias circunstâncias em que ela e a ofendida estiveram juntas próximo da altura em que os factos ocorreram, nomeadamente, na zona VIP, relatando o início da sua indisposição (já que não se deu conta da que acometeu à ofendida) e o propósito assumido de se manter nos sofás da zona “VIP” onde acabou por vomitar; recorda-se também de ver a E… perto de si nesse espaço, demonstrando preocupação com o seu estado (o que vai de encontro à versão desta na parte em que afirma ter-se deslocado para a zona “VIP” para prestar auxílio à amiga) sendo certo que esse terá sido o último momento em que a viu antes de abandonar o bar, atestando o seu total desconhecimento relativamente ao que se passou na casa de banho com o B… ou com o C…, já que nem a viu deslocar-se para lá não obstante o C… lhe ter dito que tanto ela como o B… lá estavam.
De um modo geral, não sobressaem particulares máculas do seu depoimento que assume relevância na formação da nossa convicção e nos permite, mais uma vez, sustentar as versões da queixosa e dos arguidos até ao episódio da casa de banho, independentemente do maior ou menor rigor das descrições de uns e de outros, sem preponderante importância na questão de fundo.
Esta testemunha confirma ainda os períodos de dança ao longo da noite por parte de ambas e, especificamente da ofendida numa altura em que o fazia perto da caixa registadora onde o arguido C… se encontrava, segundo relata, a “dançar para ele”, embora negasse conhecimento de qualquer interesse afectivo, mútuo, ou de outra ordem, entre os dois, não adiantando qualquer outro facto que nos permitisse, em conjunto com aquele, retirar qualquer tipo de conclusão pertinente.
Acabou por abandonar o espaço nocturno antes da ofendida, explicando as circunstância de modo e de tempo em que o fez na companhia do arguido C…, que a levou a casa.
Por fim, pronunciou-se sobre a conduta da ofendida nas saídas nocturnas e, no que ao caso interessa, sobre o momento em que teve conhecimento da violação por informação da própria ofendida com quem contactou por intermédio do facebook num dos dias que se seguiram – facto confirmado por esta – e que desde o início mencionou a expressão “violação”.
Ainda sobre os factos ocorridos nessa noite no “F…” foi inquirida L…, que, não obstante ali se ter deslocado, acabou por sair mais cedo, cerca das 3H00, não sem antes ter estado com a Ee a G….
Confirma a noite temática e o oferecimento de vodkas pela gerência do bar.
… confirma igualmente os “shots”; todavia, relativamente à ofendida apenas pode asseverar o consumo da vodka oferecida e, junto ao balcão, do copo de gin anteriormente referido, ao que parece e segundo crê, a sua bebida preferida, mas nunca a viu falar com o B… nessa altura.
Vai também de encontro à versão generalizada que coloca a G… em pior estado de alcoolemia, contudo, refere-se a ambas as raparigas como estando apenas “alegres”.
À semelhança de G…, demonstrou total desconhecimento em relação a eventual interesse mútuo entre ofendida e arguidos, afastando qualquer comportamento anormal da G… ou da Eenquanto lá esteve.
Indicou ainda o derradeiro espaço onde se apercebeu da presença da ofendida antes de deixar o bar e onde se despediram: pista de dança.
Do seu depoimento, nada mais cumpre realçar com relevância à discussão.
- M…, amigo do arguido C… há vários anos;
- N…, companheira da anterior testemunha e igualmente amiga do C… há cerca de 10 anos;
- O…, anterior namorada do C… e, actualmente, amiga;
- P…, amigo do C… há 16 anos;
e,
- Q…, amigo do C… há cerca de 25 anos sendo, inclusivamente, compadres;
Em comum a estas 5 testemunhas, o facto de descreverem o arguido C… como um homem de família e de trabalho, bom pai e bem inserido em família estruturada, com papel preponderante definido, indo genericamente ao encontro do teor do relatório social.
Demonstram total desconhecimento do envolvimento do arguido em circunstâncias idênticas às deste caso ao longo dos vários anos em que o conhecem, não lhe apontando qualquer disfunção de carácter ou de postura de vida, não se estranhando que o denominador comum seja assim o de estupefacção e choque a partir do momento que souberam da presente acusação.
Asseguram a sua seriedade, afabilidade e sentido de protecção.
Corroboram as actuais dificuldades económicas que associam ao cumprimento da medida de coacção e o estado psicológico que o caracteriza desde que se viu a braços com a instauração dos presentes autos.
Conhecimento directo dos factos em discussão, não possuem.
Por fim,
S… e T…, respectivamente, amiga e cunhada do arguido C…, proferiram depoimentos carregados de intenção no que à conduta moral da ofendida, concerne.
Foi, desde logo, possível aferir que a conhecem de forma bem mais fugaz que as testemunhas G… e L…; aliás T… refere nunca sequer ter falado com ela.
A primeira, que refere contacto pontual com a ofendida, alega o seu carácter exuberante e extrovertido, mulher com “fama”, ou seja, nada de novo nem de interesse trazendo à discussão até porque não esteve presente no “F…” naquela noite.
A segunda refere ter estado presente no bar nessa noite e coloca a ofendida, a dada altura, a dançar mais junto do C…, facto que não foi referido por qualquer das anteriores testemunhas, nomeadamente, pela G… e pela L….
Sem credibilidade e sem interesse para a discussão.
Como acima dissemos, tais declarações e depoimentos foram relacionados com os restantes meios de prova, concretamente:
- Nos C.R.C.s indicativos da inexistência de antecedentes criminais por parte dos arguidos.
- nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida, cujo teor se mostra detalhado e coerente, e que foram apreciadas em conjunto com as declarações da ofendida e dos arguidos em audiência, nos termos acima descritos.
- no auto de denúncia de fls. 2/5, analisado conjuntamente com os teores das declarações para memória futura e depoimento/esclarecimentos prestados em audiência.
- no termo de recebimento da roupa envergada pela ofendida naquela noite, a fls. 14, apreciado em conjunto com o teor do auto de observação dessa mesma indumentária (através da fotoluminescência), de fls. 61/64, e com o exame realizado pelo Serviço de genética e biologia forense;
- nos vários exames periciais realizados:
● O de fls. 22/50 concernente aos nºs de telemóvel ………., ……… e ………, pertencentes ao responsável do bar (H…) e aos dois arguidos permitindo o exame às comunicações e aos contactos nos dias em causa, sendo patente o antagonismo das duas versões apresentadas; aliás, os teores dos sms`s trocados e das transcrições abundantes nos autos, são os que melhor espelham essas duas versões: a ofendida censurando a conduta dos arguidos e o aproveitamento do seu estado de inconsciência sem nunca deixar de o reafirmar, e os arguidos apelando ao consentimento na sua prática.
● Os realizados pelo Serviço de genética e biologia forenses, a fls. 289/291 e 391/394, referentes aos vestígios encontrados, devidamente concatenados com os elementos clínicos provenientes do Centro Hospitalar D… após observação da ofendida (fls. 364/368 e 377/380) e com o exame pericial forense realizado (fls. 249/252), de que resulta as lesões físicas apresentadas pela arguida logo a seguir à prática dos factos (equimoses e hematomas), a não exclusão da presença de sémen nas manchas analisadas nas cuecas, nos calções envergados pela ofendida e nas zaragatoas fundo de saco e perivulvar com a presença de perfil genético de mistura masculino e feminino (XX/XY), bem como, a não exclusão da presença de perfil genético compatível com o perfil da ofendida e do arguido C….
- nos autos de colheitas de amostras e de identificação dos arguidos de fls. 316 e 321.
- nos autos de busca e apreensão e busca domiciliária e apreensão, respectivamente, de fls. 109 (referente ao estabelecimento “F…” de que resulta a apreensão da Central de CCTV cfr. termo de fls. 111), de fls. 293/294 (referente à residência do arguido C…) e de fls. 305/306 (referente à residência do arguido B…), salientando-se das buscas domiciliárias realizadas a apreensão dos telemóveis pertencentes aos arguidos que acabaram por potenciar as transcrições ínsitas nos autos;
- na reportagem fotográfica do bar – fls. 125/139 – na vertente meramente descritiva das suas instalações.
- mais importante, o auto de visionamento de imagens e reportagem fotográfica – fls. 140/166 – analisada em paralelismo com o visionamento das imagens (ocorrido em audiência) e declarações/depoimentos, revelando-se útil na percepção da factualidade e sua sequencialidade, pelo menos, até ao momento da deslocação à casa de banho e depois de saírem, sem embargo do desfasamento horário de 1 hora constatado e, atendido.
- no Anexo I, contendo as transcrições das escutas (sessões nºs 02060 do alvo n.º …….. - n.º ………..; n.º ….. do alvo n.º …….. - n.º ……….; n.º ….. do alvo n.º …….. - n.º ………; n.º …....... do alvo n.º …….. - n.º ………; n.º ….. do alvo n.º …….. - n.º ………; n.º ….. do alvo n.º …….. - n.º ………) que no geral, de acordo com as regras da normalidade e da experiência comum, denotam preocupação excessiva e fora do comum dos arguidos relativamente ao sucedido nessa noite entre eles e a ofendida, partindo do princípio por que norteiam as suas teses de defesa, isto é, da prática de relações sexuais consentidas entre pessoas adultas, decorrentes de um normal envolvimento sexual no culminar de uma noite de divertimento; e evidenciam igualmente preocupação com a investigação em curso, com a articulação de versões assim que tivessem de as defender perante as entidades titulares da investigação e, bem ainda, que tiveram conhecimento da apresentação da queixa antes do dia 7 de Fevereiro de 2017.
Salientam-se as de fls. 6 do Anexo I da autoria do arguido B… “Oh mano, eu acho que ela desanimou foi do C… depois ter entrado”, “Sim, mano, mas o que é que queres que eu te diga? Ela também tava com os copos!...”; fls. 7 “Ele vai ter que falar com o U…, com o amigo dele…” parecendo razoável que se esteja a referir ao tal amigo da Polícia Judiciária referido na parte final de fls. 4; fls. 13 “Na boa não! Porque ela tava agarrada a mim, tipo não tava bem já!”, “Pronto! Tou nervoso, claro que tou nervoso… pensei que isso estava resolvido…”; fls. 19 “Foda-se, ando mesmo com o coração nas mãos”; fls. 21 “Chego lá e digo a verdade. Ela estava toda fodida, eu estava todo fodido. Pá, lembro-me das coisas, lembro, estava todo fodido, estava ali encostado, amassa para aqui, amassa para ali, aconteceu”; fls. 30 “Então, a minha história tem de bater certa com a dele, ou quê, vou eu dizer uma coisa e vai ele dizer outra” e da parte da progenitora “Vê lá se ele não te lixa a ti, tá bem. Vê lá se vais querer, vais-lhe cobrir as costas, depois vê lá se ele não te vai lixar a ti” “Ninguém está a falar em cobrir costas nenhumas. Estávamos a falar em as coisas terem que bater mais ou menos certas. Aquilo que ele vai dizer com aquilo que eu vou dizer”; “Mostra as imagens … eles têm as filmagens, eles veem, vão ver as filmagens de certeza que aquilo foi mesmo ali na caixa, graças a deus que eu bebi com ela ali, fogo” (vd. ainda relatório de transcrição das escutas telefónicas de fls. 140/166).
- ficheiros em CD da I… – fls. 700 – com transcrição no Anexo II e elementos detalhados da I… sobre a facturação relativa aos nºs ……….. (C…) e ……….. (B…) de fls. 765/774, confirmando a troca de mensagens entre ofendida e arguidos.
- o teor do auto de visualização do perfil de Facebook do estabelecimento – fls. 18/21 – assume relativa importância no apuramento da verdade material, com excepção da virtualidade assumida para efeitos de identificação dos dois suspeitos efectuada pela ofendida na fase embrionária do inquérito, e que veio a culminar com a confirmação das suas identidades nas fichas de identificação civis de fls. 105 e 107.
- nos relatórios sociais constantes de fls. 938/943 indicativos das condições pessoais, familiares, profissionais e sociais de cada um dos arguidos.
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Relativamente à factualidade assente do PIC, atentou-se nomeadamente aos dois documentos juntos a fls. 867/869 e 870 pelo lesado, que confirmam a assistência médica e o custo associado.
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Por seu turno, a factualidade não demonstrada da acusação, para além das considerações acima tecidas, resulta igualmente da circunstância de arguidos e ofendida a não terem confirmado, ou não a recordarem com precisão, a que acresce a circunstância de as imagens captadas através do sistema de CCTV não nos permitirem concluir, com segurança, sobre a sua verificação; falamos dos factos não provados nºs 1, 2 3, salientando-se em relação ao n,º 2 que, o estado de embriaguez da ofendida, embora perceptível, suscita dúvidas sobre os movimentos por ela realizados no sofá da zona VIP, designadamente, se eram, ou não, quedas, sendo certo que nos esclarecimentos prestados no julgamento, a própria não o menciona.
Concretamente em relação ao facto n.º 4, embora os arguidos admitam a passagem do C… pelo local antes de levar a G… a casa, não se consegue, sem mais, alcançar qualquer convicção sobre o que mais terá sido dado a percepcionar ao arguido C…, o mesmo sucedendo em relação ao facto não provado n.º 8, de onde não se alcança propriamente o intuito veiculado no libelo acusatório, sem embargo de se tratar de contactos telefónicos (sms´s) carregadas de intenções com vista à não apresentação de queixa nem à divulgação dos factos.
A factualização contida nos nºs 5 e 6 decorre das declarações da ofendida, que a não confirmou.
Por seu turno, o facto n.º 7 colhe assento no teor do exame pericial de genética, realizado, em consonância com as declarações deste mesmo arguido.
Finalmente, o facto não provado n.º 9 resulta da circunstância de não se ter demonstrado o planeamento de uma decisão conjunta ou a sua execução com diferentes papéis atribuídos a cada um mas, em vez, duas resoluções autónomas e distintas.
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Por fim, em relação à contestação do arguido C…, parte da fixação da matéria demonstrada vem sustentada nos mesmos meios de prova e análise crítica acima descritos, e a restante no relatório social junto aos autos; ao passo que a não provada resulta essencialmente do facto de não ter sido referida por nenhuma das testemunhas ou evidenciada por qualquer outro meio de prova, a que acresce as abundantes transcrições nos autos demonstrarem inequivocamente que os arguidos sabiam da apresentação de queixa (aliás, veiculada pela própria ofendida) conhecimento que sai reforçado a partir do momento em que souberam da busca realizada no “F…” (19.12.2016)
Em suma,
O tribunal avalia livremente a prova – art. 127º do CPP – não estando inibido de valorar as declarações dos ofendidos se as mesmas se revelarem credíveis e coerentes.
Sabendo que inexiste repartição do ónus da prova em processo penal e que acusação e defesa não se encontram, neste ponto, em situação de igualdade, sempre que nos deparemos com provas de sinal contrário e abstractamente de igual peso probatório como sejam as declarações de uns e de outros (vítima e suposto agressor), deve o julgador procurar justificar indelevelmente a superior verosimilhança de uma das versões em detrimento da outra, socorrendo-se de todos os meios de obtenção de prova ao seu dispor.
Por seu turno, desvalorizar o depoimento da vítima, porquanto, isolado na descrição dos factos, poderia levar à impunidade de ilícitos perpetrados de forma encoberta ou no seio familiar, sem testemunhas presenciais e/ou quaisquer outros meios de prova.
Quando assim é, nada impede que as suas declarações ainda que total ou parcialmente opostas às do arguido, sustentem uma condenação caso se chegue à conclusão, fundamentada, que a versão contraditória daquela se mostra mais credível e, por conseguinte, mais consentânea com a realidade dos factos.
Pelo que, com base nesta premissa e, em geral, no conjunto de circunstâncias que nortearam a prática dos factos, fundou, o tribunal, a sua convicção, decisivamente, nas declarações da ofendida devidamente concatenadas com a restante prova produzida, mormente, os exames periciais, transcrições de sms`s e conversações telefónicas, e visionamento das imagens do sistema de captação CCTV.»
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3.- Apreciação do recurso.
3.1.- -Impugnação da matéria de facto; erro notório na apreciação da prova.
Sustenta o recorrente, MP, que os factos constantes dos pontos 1), 2), 3) e 4) da matéria de facto não provada, devem ser dados como provados.
Para tanto, no essencial, embora referindo-se sempre ao erro notório, argumenta:
Não poderia o Tribunal concluir desta forma se atendesse, como devia, e foi visionado em audiência de discussão e julgamento, aos vídeos que foram apreendidos no referido bar "F…" e dos quais se visualiza com toda a clareza a ofendida E (CD de recolha de imagens juntos aos autos e fotogramas de fls. 141 a 162 sendo que nestas ocorre uma discrepância de menos 1 hora em relação à hora real, cfr. fls. 140 2° &)«
Visualizando as imagens juntas as autos, e no que à 1a câmara de captação das mesmas contém - vide ficheiro 1 - pelas 05h19m28s vê-se a ofendia a cair, situação que se repete nas imagens das 05h21m10s, pouco depois, pelas 05h21m35s é visível o arguido B… a puxar a ofendida para si e a mesma a voltar a cair, pelas 05h28m07 as imagens mostram nova queda da ofendida, desta feita sobre o arguido B…, sendo que de seguida este a carrega nos braços, as imagens das 05h30m47s e as imagens da mesma hora do ficheiro 2 - outra câmara de captação de imagens- mostram em que estado a ofendida, acompanhada pelo arguido B…, sai do bar e as das 05h44m20s deixam ver como a ofendida, juntamente com o B… se dirigiu para o WC, cambaleando.
- imagens reais que demonstram à evidência e de forma clarividente o estado desequilibrado, cambaleante e descontrolado como a ofendida se locomovia, que, necessariamente, lhe provocaram as referidas quedas.
- Assim, incorretamente apreciada esta prova, que, decorre da visualização em julgamento das imagens gravadas pelo sistema de videovigilância existente no "F…”.
Vejamos.
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o precedente artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Por sua vez, decorre do artigo 410.º, n.º 2 que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum:” algum dos vícios adiante assinalados relativamente à insuficiência da decisão [a)], à contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão [b)] ou erro notória na apreciação da prova [c)].
Porém, o recorrente não suporta qualquer destes vícios a partir do “texto da decisão recorrida” ou conjugado com “as regras de experiência comum”, como deveria suceder, caso pretendesse invocar o vício do erro notório, mas invocando o visionamento das imagens relativas a câmara instaladas no local dos factos. Por isso, temos que esta referência aos vícios do artigo 410.º, n.º 2 não tem por base qualquer fundamento ou suporte de motivação adequado resultando da confusão deste instituto com o erro de julgamento. Assim sendo e atendendo ao alinhamento que o recorrente deu ao seu recurso, próprio do reexame da matéria de facto, será neste fundamento de recurso que nos debruçaremos.
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii).
Impõe-se, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Ac. STJ de 16.06.2005).
O recurso sobre a matéria de facto não pressupõe, portanto, a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente – Ac. do STJ de 10.01.2007.
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. STJ de 08.11.2006).
É sabido que, muito embora, atento o disposto no artigo 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, o princípio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, estando vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas ein dubio pro reo”.
Deste último, enquanto emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (32.º, n.º 2 Constituição), decorre que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, séria, razoável e objectiva, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime por parte do arguido, deve tal dúvida ser resolvida a favor deste.
Assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Consideramos que o recorrente especifica concretamente os pontos de facto que considera erradamente julgados.
Acontece que não indica discriminadamente onde se encontram as imagens que refere, posto que o DVD denominado “NUIPC 3897/16.9JAPRT CCTV – F…” tem 116 vídeos MP4, sendo que o recorrente não indicou os vídeos a visualizar pelas indicações constantes na abertura do referido DVD, mas pelas horas que constam no visionamento do próprio vídeo, como tivemos ocasião de verificar ao visionar alguns vídeos, ao acaso. Ora, relativamente aos vídeos e seu visionamento não foram cumpridos, pelo recorrente, os ónus que sobre si impendiam de indicar as provas concretas que impõem decisão diversa.
No que tange aos fotogramas de fls. 140 a 166, mesmo fazendo uso de lupa, não pudemos confirmar se o que consta das legendas dos mesmos é verídico ou não, pois não percebemos, se a ofendida cai do sofá ou mesmo no sofá, da zona VIP; se a ofendida cai ou simplesmente não está no sofá; se empurra ou simplesmente se toca ou agarra o arguido B…; não percebemos se a ofendida cambaleia; se o arguido B… carrega a ofendida nos braços ou se simplesmente a abraça; em resumo, as imagens contidas nos fotogramas são absolutamente inclusivas, por o local ser parcamente iluminado e as imagens terem sido recolhidas de câmaras que se encontravam distantes.
O Tribunal de julgamento motivou este aspecto do seguinte modo:
«Por seu turno, a factualidade não demonstrada da acusação, para além das considerações acima tecidas, resulta igualmente da circunstância de arguidos e ofendida a não terem confirmado, ou não a recordarem com precisão, a que acresce a circunstância de as imagens captadas através do sistema de CCTV não nos permitirem concluir, com segurança, sobre a sua verificação; falamos dos factos não provados nºs 1, 2 3, salientando-se em relação ao n,º 2 que, o estado de embriaguez da ofendida, embora perceptível, suscita dúvidas sobre os movimentos por ela realizados no sofá da zona VIP, designadamente, se eram, ou não, quedas, sendo certo que nos esclarecimentos prestados no julgamento, a própria não o menciona.
Concretamente em relação ao facto n.º 4, embora os arguidos admitam a passagem do C… pelo local antes de levar a G… a casa, não se consegue, sem mais, alcançar qualquer convicção sobre o que mais terá sido dado a percepcionar ao arguido C…,…
(…)»
Perante os fotogramas juntos aos autos a decisão do tribunal relativamente aos factos em questão é de uma razoabilidade inatacável.
Não foi apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa.
Pelo exposto, improcede esta questão do recurso.
*
3.2.- Suspensão da pena.
Defende o recorrente, MP, que a pena de prisão aplicada aos recorridos deve ser efectiva.
Para tanto, argumenta:
- as condutas dos arguidos são profundamente graves, traduzindo uma elevadíssima ilicitude e um dolo intenso, pois que ambos representaram e quiseram ter relações sexuais de cópula completa com a ofendida, que bem sabiam inconsciente;
- revelam personalidades mal formadas, deturpadas, indiferentes perante o outro e de todo longe do dever ser jurídico-penal que impende sobre todos que convivem socialmente.
.- enquanto trabalhadores de estabelecimento de diversão noturna, conhecedores e habituados a clientes, femininos ou masculinos, com comportamentos decorrentes do consumo excessivo de álcool, impunha-se aos arguidos um comportamento mais cuidadoso ou mesmo de proteção desses clientes, pelo que redobrado era o seu dever;
- o sentimento jurídico da comunidade impõe que os arguidos cumpram em clausura as penas que lhes foram aplicadas, por só assim as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico poderem ser asseguradas e respeitadas;
- para além das exigências de prevenção geral e da boa integração social dos arguidos, é irrefutável que nenhum deles revelou qualquer ato revelador da interiorização do desvalor da sua conduta, designadamente confissão ou arrependimento, o que também intensifica exigências de educação para o direito;
- o efeito ressocializador, sendo embora um dos vectores basilares aos fins das penas, cede, necessariamente, perante as exigências de tutela do bem jurídico e da necessidade de neutralizar os efeitos do crime como exemplo negativo para a sociedade e simultaneamente contribuir para fortalecer a consciência jurídica da comunidade;
- no caso concreto, revelam-se muito elevadas as exigências de prevenção geral pelas quais se limita sempre o valor da socialização em liberdade que preside ao instituto da suspensão;
- os factos praticados pelos arguidos são, como reconhece a decisão ora recorrida, chocantemente gravíssimos, sendo que os arguidos, vendo o estado da ofendida, não se inibiram de a violar, aproveitando-se desse mesmo estado que a impedia de se determinar conforme a sua vontade, pois que a não dominava;
O Tribunal a quo fundamentou a medida concreta da pena e a sua suspensão do modo que segue:
«B) - DA MEDIDA DA PENA:
Feito, por esta forma, o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a medida da sanção a aplicar-lhes, considerando que o tipo legal em causa não prevê outra pena que não seja a de prisão.
Dispõe o art. 40, n.º 1 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. E no seu n.º 2, plasma-se que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Daqui resulta que é a prevenção geral positiva ou de reintegração o factor primacial a ter em conta na aplicação da pena. No quadro da moldura penal abstracta existe um mínimo correspondente às expectativas comunitárias em face da norma jurídica violada e um limite máximo balizado pela culpa do agente e em caso algum ultrapassável. É precisamente entre estes limites, mínimo e máximo, que se satisfazem as necessidades de prevenção especial ou de socialização.
Vale isto por dizer que a pena não mais é entendida como um factor de repressão ou mesmo de retribuição. Tem, isso sim, um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador. As penas aplicam-se tendo em vista, restabelecer a confiança colectiva na norma violada e em última análise a ressocialização e integração do delinquente na sociedade.
Nesta perspectiva, a medida das penas é determinada em função da culpa do agente, das exigências de prevenção, no caso concreto (cfr. art. 71, n.º 1), levando-se em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, (art.º 71, n.º 2).
Na determinação da medida das penas parcelares há que ter em conta as penas abstractas, estatuídas pelas normas incriminadoras, em conjugação com o preceituado nos arts. 41º e 47º sendo que, para o crime em causa, se mostra previsto pena de prisão entre 2 a 10 anos.
Vejamos então.
O grau de ilicitude do facto, dentro da pressuposta pela específica incriminação, é elevado, tendo em conta o significativo desvalor dos actos cometidos.
Quanto ao dolo, o mesmo é directo; os dois arguidos representaram e quiseram ter relações sexuais de cópula completa com a ofendida, cuja intensidade se revela, assim, elevada, agindo os arguidos com o fim, censurável, de satisfazer as respectivas lascívias e os seus desejos sexuais com a ofendida, o que revela a presença de duas personalidades mal formadas e distanciadas do dever ser jurídico-penal.
Como dissemos, os factos praticados pelos arguidos não podem deixar de revelar a presença de personalidades mal formadas que se manifestam não apenas nos modos de actuação mas também na negação absoluta dos factos cruciais à imputação, ao procurarem fazer valer, ainda que em vão, versão consertada da natureza do envolvimento entre os 3 que não é consentânea com a realidade e, como tal, com aquela que, aos poucos, veio a afirmar-se como convicção deste tribunal colectivo.
Vale isto por dizer que não interiorizaram o desvalor das suas condutas, militando assim contra eles o facto de não terem confessado livre e, espontaneamente, a práticas dos actos sexuais dados como assentes em situação de evidente aproveitamento dos momentos em que registavam a perda de consciência da ofendida, isto é, aproveitando-se da sua posição mais fraca, o que acentua o instinto libidinoso que não lograram controlar.
Procuraram, isso sim, centrar as suas preocupações nas suas pessoas e nas consequências que o presente pleito lhes trará.
Há ainda que ponderar as exigências de prevenção, sendo que as de prevenção especial, revelam-se, à partida, medianamente acentuadas, não obstante os arguidos não tenham revelado arrependimento.
Na realidade, se mediante o visionamento das imagens recolhidas – secundado pela generalidade dos depoimentos dos que estiveram no bar – até parece que, perante o estado de alcoolemia e má disposição evidenciado pelas duas clientes, os dois arguidos se empenharam a prestar-lhes auxílio (encaminhando-as para os sofás da zona VIP, levando a ofendida a apanhar ar no exterior, segurando na cabeça desta enquanto vomitava, providenciando pelo transporte para as respectivas residências), fica-nos a dúvida das suas reais intenções na medida em que foi seguramente nos momentos em que a ofendida mais carecia do apoio de terceiros, por se mostrar incapacitada de controlar e perceber o que estava a acontecer, que os arguidos, de forma reprovável, resolveram dar vazão aos seus instintos sexuais, e tal tem forçosamente de os desfavorecer.
Quanto às exigências de prevenção geral, são prementes, atenta a objectiva gravidade jurídica do crime praticado e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de qualquer cidadão que frequente este ou qualquer outro tipo de estabelecimento de diversão, associados ao próprio aproveitamento para práticas de auto-satisfação sexual dos agentes, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos.
Reforçamos, pois, o peso das exigências deste tipo de prevenção dado que urge por termo a estes comportamentos reprováveis; com efeito, as expectativas comunitárias na estabilização da norma jurídica violada são elevadas, atenta a profusão dos crimes sexuais nas mais variadas circunstâncias de tempo, modo e lugar, e o clima de insegurança pública, intranquilidade e alarme social por eles criado, tantas vezes ocorridos em alegadas zonas de segurança das vítimas.
Fazendo o cotejo desses fundamentos com a matéria fáctica apurada e descrita, facilmente se constata que todos os pontos acima elencados foram ponderados e sopesados pelo tribunal.
E foram também apreciadas as circunstâncias que integram as condições pessoais dos arguidos, designadamente a actual situação familiar e profissional, bem como o seu nível de integração social, tratando-se de pessoas que até ao momento da aplicação da medida de coacção privativa da liberdade, exerciam actividades profissionais remuneradas.
Por outro lado, como se apurou, os arguidos não têm antecedentes criminais, embora sem a virtualidade de diminuir o juízo de censura ético-jurídica que se impõe fazer.
Uma última nota para referir que, face à matéria provada, se nos afigura não resultar nenhum facto que, em concreto, permita distinguir o grau de participação de um e de outro, acentuando ou diminuindo o grau de ilicitude e/ou de culpa de cada um, sendo ambas as condutas sindicáveis (e reprováveis) por igual.
Nesta medida, considerando o já exposto e o disposto no art. 71º, do C. Penal, sem olvidar as suas condições de vida, entende este tribunal colectivo como adequado fixar em 4 anos e seis meses a pena de prisão a aplicar a cada um dos arguidos.
*
Sempre que se verifiquem os legais pressupostos, o juiz deve suspender a execução da pena de prisão, ainda que sob a obrigação de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou sob regime de prova – cfr. arts. 50º e ss. do CP. Para tanto, constatando-se que um dos pressupostos formais – pena de prisão aplicada inferior a 5 anos – se verifica, compete ao tribunal fazer o exercício seguinte, que se norteia pela apreciação, favorável ou desfavorável, do comportamento do arguido, em ordem a antecipar se a ameaça da pena é ou não adequada e bastante à realização das finalidades da punição.
Falamos de um juízo de prognose para efeitos de apreciação e valoração de um conjunto de factores que habilitem o tribunal a formar conclusão segura sobre a conduta do arguido; são eles a conduta anterior ao ilícito e a posterior à sua prática, as circunstâncias concretas em que o mesmo ocorreu, a personalidade, as condições de vida, etc.
A comunidade, como expressamos, tem um sentimento de repulsa relativamente aos crimes contra a autodeterminação sexual, impondo a sua punição exemplar; não obstante, não se nos afigura razoável supor a necessidade de excluir ab initio a possibilidade de suspensão de execução da pena quanto em causa esteja a prática de crimes sexuais, devendo tal juízo ser casuisticamente, aferido.
Neste pressuposto, considerando que a pena a impor aos arguidos se situa dentro dos limites quantitativos fixados no art. 50º do CP e se verificam os restantes requisitos aí exigidos para a suspensão de execução de pena, é esta de decretar por igual período – 4 anos e 6 meses.
Cremos, com efeito, que tais requisitos se verificam face, desde logo, à primariedade dos arguidos; sendo este o primeiro contacto com o sistema penal, sem qualquer reclusão ou lição a retirar do cumprimento de anteriores penas, considera este Tribunal que ainda se mostra plausível que a presente condenação surta o efeito desencorajador e que arrepiem caminho da prática de actos ilícitos como estes ou qualquer outro, assegurando-se as necessidades da pena.
Por outro lado e, em relação a cada um dos acusados, não se evidenciam particulares factores de risco associados a problemas comportamentais que revelem disfuncionalidade na vertente afectiva, ou dificuldade de autocontrolo dos respectivos impulsos, que urja acautelar.
Outrossim, revelaram noção da gravidade dos factos por eles cometidos.
E, apesar da censurabilidade das suas condutas, os danos físicos provocados não assumem especial gravidade considerando o período de cura das lesões provocadas essencialmente com as palmadas (equimoses e hematomas), a que acresce o diminuto receio de cometimento de novos e idênticos factos atento o facto de não haver notícia da posteriores deslocações da ofendida ao “F…” ou de qualquer tipo de contacto entre ela e os arguidos, com núcleos de vida familiar e profissional perfeitamente afastados.
Acresce o pendor positivo dos respectivos relatórios sociais a que este tribunal não é (nem poderia ser) indiferente; de facto, estamos perante dois indivíduos perfeitamente inseridos do ponto de vista familiar, profissional e social, decorrendo dos seus teores o reforço do juízo de prognose favorável que se impõe fazer quanto ao cumprimento das penas, convictos como estamos que, em liberdade, poderão dar continuidade ao exercício de actividades profissionais remuneradas, prover ao sustento e necessidades dos próprios e das respectivas famílias, bem como, ao são e natural convívio social, factores primordiais na prossecução de uma vivência harmoniosa, justa e conforme ao direito.
Não é pois este tribunal que vai colocar o principal entrave a esse desiderato, acreditando que a presente condenação (no seguimento da execução da medida de coacção) surtirá efeito meritório e dissuasor da prática de novos ilícitos por parte destas duas pessoas.
Sopesando todos estes factores, admite-se, pois, que as finalidades da pena possam ser obtidas com a sua substituição por outro tipo de pena não restritiva da liberdade.
E, assim sendo, é de concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma minimamente adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sem embargo, olhando às personalidades evidenciadas e ao significativo relevo das circunstâncias em que os crimes foram praticados, entendemos que a suspensão não deve ser decretada singelamente, devendo ser acompanhada de regime de prova.»
Vejamos.
Resulta do disposto no art. 50º, nº 1, do C. Penal que o pressuposto material [o pressuposto formal é a aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos] da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a formulação pelo Tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão – acompanhadas ou não da imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova – realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Quanto aos fins visados pelo instituto, ensina o Prof. Figueiredo Dias que, “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 343).
As finalidades da pena são, como vimos, a tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, a reinserção do agente na comunidade (art. 40º, nº 1, do C. Penal).
Fundamentam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição).
Mas os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Ensina o Prof. Figueiredo Dias, quanto a este aspecto e relativamente à prevenção geral que, “Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias.” (ob. cit., 333).
O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento do instituto, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, operação da qual resultará como provável, ou não, que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Na formulação do juízo de prognose o tribunal deverá correr um risco prudente pois que esta é apenas uma previsão, uma conjectura e não uma certeza. Por isso, se tem dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para interiorizar a oportunidade de ressocialização que a suspensão é, a prognose deve ser negativa (Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Ed., 444).
Vejamos.
A ofendida tinha à data dos factos [27 de Novembro de 2016], 26 anos de idade [nasceu em 13.12.1989].
Por sua vez, o recorrido B… tinha à data dos factos 25 anos [nasceu em 26.06.1991] e o recorrido C… 39 anos de idade [nasceu em 16.06.1977].
Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram.
Os arguidos não têm qualquer percurso criminal.
A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a reincidência.
A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos.
A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo].
As necessidades de prevenção especial são reduzidas, embora as de prevenção geral, elevadas.
Assim, no caso, a única razão que poderia determinar pena efectiva seriam as necessidades de prevenção geral [por se entender que “a execução da pena de prisão se mostra indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.”], mas no ilícito típico em causa a jurisprudência vem aceitando a possibilidade da suspensão da execução da pena e que essa pena alternativa não está afastada para crimes desta gravidade; por outro lado, no caso, a pena efectiva seria inadequada, dado que no plano dos fins das penas todos os outros factores são favoráveis aos arguidos, aqui recorridos.
As circunstâncias em que ocorreram os factos, as condições de vida dos arguidos, pretéritas e presentes e a personalidade dos arguidos, permitem-nos concluir que as finalidades da punição poderão ser alcançadas com a simples ameaça de prisão e a censura do facto.
Do exposto resulta que é possível realizar um juízo de prognose favorável aos recorridos, pois perante as suas personalidades, condições de vida e, conduta anterior ao crime é muito provável, que sintam uma condenação com suspensão da execução da pena, como uma solene advertência, e deste modo fique prevenida a reincidência.
Concluímos como concluiu o Tribunal a quo, a pena deve ficar suspensa.
*
Entendemos todavia, que o tribunal a quo não conheceu de uma questão que se lhe impunha e que nos termos do artigo 379º, n.º1 al. c) do CPP [“é nula a sentença: quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”], importa a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Percorrendo a sentença verificamos que nela em lado algum se teve em atenção o Estatuto da Vítima.
Vejamos.
Dispõe o artigo 67º-A do CPP:
n.º1, a): “considera-se vítima: i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;”
“b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;”
3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
Nos termos do artigo 1º, n.º1 al.j) do CPP: «Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: j) Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;»
Nos termos do n.º2, do artigo 16º da Lei 30/2015 de 4 de Setembro – Estatuto da Vítima-:
«Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.» (sublinhado e negrito nossos)
Nos termos do artigo 82º A do CPP:
1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.
Decorre, portanto, das disposições dos artigos 67º-A, n.º1 al. b) e n.º3 e artigo 1º, n.º1 al. j) ambos do CPP em conciliação com o artigo 165º, n.ºs 1 e 2 do CP [ilícito típico praticado pelos arguidos, protege o bem jurídico liberdade sexual com pena de prisão de 2 a 10 anos], que estamos perante uma vítima especialmente vulnerável.
O que encontra eco no processo no que consta a fls. 596 a 599 onde foi dado conhecimento à vítima de atribuição do Estatuto de vítima especialmente vulnerável.
Ora, tendo a vítima esse Estatuto competia ao tribunal na conciliação dos termos do referido artigo 16º da Lei da vítima com o artigo 82º A) do CPP, ponderar se era caso de arbitramento de uma indemnização a título de reparação de eventuais prejuízos sofridos, com respeito pelo princípio do contraditório – n.º2, do art. 82º do CPP.
Acontece que o Tribunal, não obstante a vítima ter um tal Estatuto, não ponderou como lhe competia a atribuição da referida indemnização. Assim, o tribunal não conheceu de questão que se lhe impunha, pelo que a sentença é nula por omissão de pronúncia.
Em consequência anula-se a sentença relativamente a esta questão e apenas para este efeito, para que o mesmo Tribunal e os mesmos juízes, cumprido que seja o contraditório, procedam à referida ponderação e sendo caso disso, arbitrem uma indemnização à vítima E….
Ficam definitivamente conhecidas as questões postas em recurso nos termos que deixamos expostos.
Pelo exposto, procede parcialmente o recurso.
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III- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes as questões da alteração da matéria de facto e da efectividade da pena de prisão, mantendo a suspensão da mesma.
Em anular parcialmente a sentença, por omissão de pronúncia, para que o mesmo tribunal e os mesmos juízes ponderem de acordo com o Estatuto da Vítima especialmente vulnerável se é caso de arbitramento de uma indemnização à vítima, cumprido que seja o contraditório.
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Sem custas.
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Notifique.
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 27 de Junho de 2018
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares