Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
62/12.8TBMCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
MÚTUO
Nº do Documento: RP2013111162/12.8TBMCD-A.P1
Data do Acordão: 11/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 61º, 65º, 105º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTº 82º DO CÓDIGO CIVIL
REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001, DE 22/12/2000
Sumário: I - a competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor.
II - Resultando do alegado pelo autor que este e a ré têm residência em Macedo de Cavaleiros e que os empréstimos em causa foram efectuados nesse concelho, quer pela aplicação do estatuído no artº 2º, nº 1, ou do preceituado no artº 5º, nº 3, do Regulamento (CE) nº 44/2001, e demais normativos indicados, o tribunal português (Macedo de Cavaleiros) é o internacionalmente competente para conhecer do presente litígio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 62/12.8TBMCD-A.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1415)
Adjuntos: Macedo Domingues()
Oliveira Abreu()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, deduziu a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra C…, com os sinais dos autos, pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia € 148.286,65, acrescida de juros de mora legais até efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que emprestou à ré, em diversas ocasiões, a partir do ano de 2000, várias quantias, no montante global de € 148.286,65, que a ré não restituiu.
Citada a ré, esta contestou, excepcionando, além do mais, a incompetência absoluta (internacional) do tribunal.
Houve réplica do demandante.
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Conclusos os autos, foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se decidiu:
Pelo exposto, e sem mais delongas, resulta que o Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros é territorialmente competente.”.
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Inconformada, a ré apelou da sentença tendo, na sua alegação, concluído:
1ª- O Mmo. Juiz “a quo” considerou que o Autor configurou a acção com base em vários alegados mútuos, que ocorreram na localidade de Macedo de Cavaleiros e que serviram para a construção de uma casa em …, Macedo de Cavaleiros, e assim decidindo que o Tribunal de Macedo de Cavaleiros é territorialmente (internacionalmente) competente ao abrigo do disposto no art.5º, nº 3,1 a) do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro;
2ª- Todavia, aquela consideração que os alegados mútuos ocorreram na cidade de Macedo de Cavaleiros, não vêm minimamente alegados nem demonstrados na acção. O Tribunal “a quo” confundiu ou equivaleu o local onde os depósitos bancários ocorreram com o lugar onde os vários mútuos foram celebrados. Situação que mesmo assim é irrelevante para efeitos do disposto art. 5°, nº 3, 1 a), do Regulamento (CE) nº44/2001, de 22 de Dezembro, pois este fala-nos em lugar onde a obrigação devia ser cumprida.
3ª- Era necessário alegar e demonstrar que a R./apelante devia cumprir a obrigação pecuniária na localidade de Macedo de Cavaleiros, já que é isso que lhe é exigido na acção.
4ª- Ao contrário da tese que fez vencimento na douta decisão interlocutória ora posta em crise, a solução há-de encontrar-se ao abrigo do que dispõe o art.2°/l daquele Regulamento (Secção 1 "Disposições Gerais" e Capítulo da Competência). Normativo este que nos diz: «Sem prejuízo do disposto no presente Regulamento, as pessoas domiciliadas no território dum Estado-Membro devem ser demandados; independentemente da sua nacionalidade perante os tribunais desse Estado", A R./ Apelante porque está domiciliada em França, só perante os tribunais deste Estado-Membro podia ser demandada.
5ª- O conhecimento da excepção dilatória: Incompetência absoluta do tribunal devia relegar-se para a decisão final.
Foram violadas, por errada interpretação e aplicação as normas do art, 2°/1 e art, 5°/3, 1 a) do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro, e o art.101º C.P.C..
Termos em que deve revogar-se a douta decisão interlocutória ora recorrida, concluindo-se pela absolvição da R./apelante da instância, porque ocorreu incompetência absoluta do tribunal.

Na resposta à alegação o apelado defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e e 685º-A, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) - actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2, do CPC.

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O que se discute é a competência internacional do tribunal recorrido para dirimir a presente acção.
A questão da competência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão com outra ordem jurídica, para além da portuguesa.
Nesta matéria, o que está em causa é verificar os limites da jurisdição do Estado Português; definir sobre se, relativamente àquela acção concreta, os tribunais portugueses, no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, assumem o direito e se impõe o dever de exercitar a função jurisdicional (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1993 (reimpressão), página 92).
As normas de competência internacional servem-se normalmente de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica nacional, para atribuição de competência aos tribunais dessa mesma ordem jurídica, para o conhecimento de uma certa acção.
A competência internacional refere-se aos casos que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas e que, por isso, exigem a aplicação das regras da competência internacional.
Deste modo, a competência internacional dos tribunais portugueses é a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecerem de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresenta, igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.
Nos termos do disposto no art. 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
O artº 61º, do CPC, estatui que os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artº 65º (redacção dada pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março e não a introduzida pela Lei 52/2008, de 28 de Agosto, apenas aplicável às “comarcas piloto”).
Decorre deste último normativo que prevalecem os tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.
A mesma prevalência do direito comunitário vem afirmada no Regulamento (CE) 44/2001, de 22/12, referido na decisão recorrida, quando no artigo 3º, n.º 2, se estatui que contra as regras de competência da normação desse Regulamento não podem ser invocadas as regras de competência nacionais.
Inexistindo qualquer um destes instrumentos, aplicam-se os quatro factores ou critérios de atribuição de competência previstos nas alíneas a) a d), do referido artº 65º, a saber:
-ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
-dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
-ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
-não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Trata-se dos designados critérios do domicílio do réu, da coincidência, da causalidade e da necessidade, respectivamente.
A infracção das regras da competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras da competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal (artº 101º, do CPC).
Na doutrina e na jurisprudência, predomina o entendimento de que a competência do tribunal se determina, mais do que a partir da prova dos factos alegados e do seu efeito jurídico, em função do modo como o autor estruturou o seu pedido e a respectiva causa de pedir.
Nos seus articulados, o demandante situa a sua residência bem como a da ré em Macedo de Cavaleiros, onde esta construiu a sua casa, utilizando, para tal, as quantias em dinheiro que o autor alega ter-lhe emprestado, naquela localidade.
Pese embora a demandada tenha sido citada numa residência em França, pode concluir-se, face ao alegado pelo autor, que aquela tem igualmente residência em Portugal - ver artº 82º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil(CC).
Por outro lado, no caso em apreço, mostra-se adequado afirmar, face ao alegado (ao menos implicitamente) pelo demandante, que a causa de pedir (facto jurídico de que emerge o invocado crédito sobre a demandada) é constituída pelos diversos empréstimos (mútuos) alegadamente feitos por aquele à ré, em Macedo de Cavaleiros, com vista ao pagamento da construção de uma casa em …, Macedo de Cavaleiros.
Dispõe o artº 774º, do CC: “se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.”.
Estatui o art. 2°, nº 1, daquele Regulamento44/2001:
Sem prejuízo do disposto no presente Regulamento, as pessoas domiciliadas no território dum Estado-Membro devem ser demandados, independentemente da sua nacionalidade perante os tribunais desse Estado”.
Ponderou-se, com pertinência, na decisão recorrida:
“Por seu turno, sempre que um litígio cai no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 - relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, as suas normas prevalecem sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional (vg. as previstas nos artºs 65º e 65-Aº, do CPC), numa afirmação do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, pelo que será à luz das regras estatuídas nesse Regulamento, e só delas, que deverá ser averiguado se os tribunais portugueses são ou não internacionalmente competentes para julgar a acção que neles foi interposta.
Da conjugação do disposto nos artºs 2º, nº 1, e 3º, nº 1, do Regulamento resulta que o legislador comunitário estabeleceu, em matéria de determinação de competência internacional, um critério geral (o domicílio do réu) e vários critérios especiais (plasmados secções 2ª a 7ª do Capítulo II), podendo o autor escolher, para instaurar a sua acção, indistintamente qualquer um dos tribunais cuja competência lhe seja atribuída pela aplicação de um desses critérios (e desde que o litígio não envolva uma situação do competência exclusiva prevista no artº 22º).
Um desses critérios especiais é aquele que se encontra plasmado no artº 5º, nº 3, e segundo o qual, “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”.”.
Deve interpretar-se a parte inicial do artº 5º, como estatuidora duma competência alternativa (ver Ac. do STJ, de 15/12/2011, acessível em www.dgsi.pt).
Ora, resulta do alegado pelo autor (recorde-se que a competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor) que este e a ré têm residência em Macedo de Cavaleiros e que os empréstimos em causa foram efectuados nesse concelho.
Deste modo, quer pela aplicação do estatuído no artº 2º, nº 1, ou do preceituado no artº 5º, nº 3, do Regulamento (CE) nº 44/2001, sempre se verificaria a competência do Tribunal de Macedo de Cavaleiros para julgar a acção.
Em suma, afigura-se-nos incontroverso, à luz das citadas disposições do Regulamento comunitário 44/2001, e demais normativos indicados, que o tribunal português é o internacionalmente competente para conhecer do presente litígio.
Deve, pois, manter-se o decidido na 1ª instância.
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 11/11/2013
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 713º, nº 7, do CPC – actual artº 663º, nº 7)
I - a competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor.
II - Resultando do alegado pelo autor que este e a ré têm residência em Macedo de Cavaleiros e que os empréstimos em causa foram efectuados nesse concelho, quer pela aplicação do estatuído no artº 2º, nº 1, ou do preceituado no artº 5º, nº 3, do Regulamento (CE) nº 44/2001, e demais normativos indicados, o tribunal português (Macedo de Cavaleiros) é o internacionalmente competente para conhecer do presente litígio.

Caimoto Jácome