Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21847/16.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: QUINHÃO HEREDITÁRIO
PENHORA
NOTIFICAÇÃO DOS HERDEIROS
Nº do Documento: RP2018071121847/16.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS Nº839, FLS.143-147)
Área Temática: .
Sumário: A realização da penhora que tenha por objeto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso pressupõe a notificação de todos os herdeiros, aí se incluindo o executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 21847/16.0T8PRT-B.P1
Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 5
Apelação (em separado)
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
C…, residente na Rua …, …, Santo Tirso veio, ao abrigo do disposto no art. 342º e segs. do Cód. do Proc. Civil, deduzir embargos de terceiro nos autos de execução comum em que é exequente B… e executado D….
Alegou o seguinte:
“1 – À ordem destes autos foi realizada a penhora de três dezasseis avos do quinhão hereditário que pertencia ao Executado na herança aberta por óbito de E…, natural da freguesia e concelho de …, falecido a trinta e um de Julho de dois mil e seis, no estado de casado com F…, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens.
2 – Em 27.09.2017, o ora Embargante, através de informação de pessoa sua amiga, tomou conhecimento que o identificado quinhão hereditário se encontrava penhorado à ordem destes autos.
3 – No entanto, a penhora do indicado direito ofende direitos do ora Embargante, que são incompatíveis com a realização e âmbito dessa diligência, pelo que aqui se fazem valer.
Na verdade,
4 – O Embargante, em 01 de Junho de 2016 prometeu adquirir por cessão ao ora Executado, e este prometeu ceder, os três dezasseis avos do quinhão hereditário que lhe pertenciam na herança aberta por óbito de E…, natural da freguesia e concelho de …, falecido a trinta e um de Julho de dois mil e seis, no estado de casado com F…, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens. – cfr. documento nº 1 que junta e dá por integralmente reproduzido.
5 – Vindo o contrato prometido a materializar-se na escritura notarial de cessão de quinhão hereditário outorgada em 14.12.2016 no Cartório Notarial do Porto, sito na Avenida …, nº…, …, que se junta sob o documento nº 2.
6 – Pelas razões aduzidas o aqui embargante é titular do direito penhorado e identificado acima, pretendendo fazer-se restituir à sua titularidade através dos presentes embargos.
7 – Por outro lado, o embargante é terceiro neste processo, visto que não interveio no mesmo, nem no ato jurídico de que emana a diligência judicial.
8 – Desconhecendo o que fez com que se penhorasse o seu identificado direito.
9 – O direito penhorado não é titulado pelo Executado, como se dá à evidência,
10 – pelo que a penhora não pode prosseguir contra o direito do Embargante, este sim, seu verdadeiro titular.
11 – O qual não foi sequer notificado do que quer que fosse no âmbito destes autos.
12 – Antes pelo contrário, o executado D… omitiu até onde pôde a existência da penhora sobre o seu identificado direito.
13 – Do que não prescinde.”
Pretende assim que os embargos sejam recebidos, julgados procedentes e que, em consequência, seja suspensa e levantada a penhora sobre os três dezasseis avos do quinhão hereditário que pertencem ao embargante na herança aberta por óbito de E….
Com data de 28.11.2017 foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Atendendo a que entendemos não competir ao embargante a prova da tempestividade da dedução dos embargos e considerando o teor dos documentos apresentados com a petição inicial, através dos quais resulta uma probabilidade séria da existência do direito invocado, nos termos do artigo 345º, do Código de Processo Civil, admito os embargos de terceiro e, em consequência, determino a suspensão da execução no que respeita ao quinhão hereditário do executado D… na herança aberta por óbito de E…, constante do auto de penhora datado de 23/11/2016 (artigo 347º, do citado diploma).
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Proceda-se à notificação das partes primitivas, em conformidade com o disposto no artigo 348º, nº 1, do mencionado diploma legal.
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Notifique.
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Dê conhecimento da antecedente decisão ao Sr. Agente de Execução.”
Inconformada, interpôs recurso a exequente B… que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – A penhora de direito a bens indivisos faz-se por via da notificação aos contitulares da sua realização (CPC, art. 781º, nº 1), tendo a notificação da realização da penhora, feita aos co-herdeiros do executado, ocorrido em 2016.11.11.
2ª – A partir de então, qualquer acto de disposição do direito penhorado é inoponível à exequente (Cód. Civil, art. 819º).
3ª – Foram apresentados embargos de terceiro à penhora do quinhão hereditário do executado, alegando o embargante que este lhe havia cedido esse quinhão por escritura pública de 2016.12.14.
4ª – Uma vez que quando essa venda do quinhão hereditário do executado ocorreu, a penhora já se encontrava realizada, a mesma é inoponível à exequente, é ineficaz relativamente a ela, vale dizer, no que respeita à exequente, tudo se passa como se a venda não tenha existido.
5ª – Pelo que não deveria ter sido ordenada a suspensão da execução, antes deveria ter sido decretado o seu prosseguimento.
6ª – Além de tal resultar claramente da lei, a jurisprudência tem-no confirmado, decidindo no sentido vindo de expor – cotejem-se os Acórdãos desta Relação de 2015.01.29, Proc. nº 164/03.1 TABGC-C.G1.P1 e de 2003.05.13, Proc. nº 2315/94-2S), ambos disponíveis em www.dgsi.pt e parcialmente citados nesta alegação.
7ª – No despacho recorrido encontram-se interpretados e aplicados por forma inexacta os normativos constantes das presentes conclusões.
Pretende assim que se decrete o prosseguimento da execução e se revogue o despacho recorrido.
O embargante apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a venda do quinhão hereditário do executado, no caso dos autos, é inoponível à exequente.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso são os seguintes:
1. Em 1.6.2016, através de um escrito denominado “Promessa de Cessão de Quinhão Hereditário”, D…, pelo preço de 5.000,00€ prometeu ceder ao ora embargante C… e este prometeu adquirir 3/16 avos do quinhão hereditário que lhe pertence na herança aberta por óbito do seu pai, E….
2. Esse quinhão hereditário foi penhorado no âmbito da presente execução – nº 21847/16.0 T8PRT – que B… move contra D…, conforme auto de penhora datado de 23.11.2016.
3. Os co-herdeiros G…, H… e I… foram notificados de que se considera penhorado o quinhão hereditário pertencente a D…, respetivamente, em 19.11.2016, 21.11.2016 e 17.11.2016.
4. O executado, em 16.1.2017, foi citado, nos termos do art. 856º do Cód. do Proc. Civil, para deduzir embargos de executado e oposição à penhora.
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Passemos à apreciação jurídica.
C… veio deduzir embargos de terceiro, alegando que adquiriu, em 14.12.2016, o quinhão hereditário que pertence ao executado D… na herança aberta por óbito de E…, o qual foi objeto de penhora no âmbito dos presentes autos.
Pretende assim o levantamento de tal penhora.
O Mmº Juiz “a quo” determinou a notificação das partes primitivas em conformidade com o disposto no art. 348º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil e determinou a suspensão da execução no que tange ao referido quinhão hereditário.
Contra este despacho se insurge agora, por via recursiva, a exequente B…, sustentando que a venda do quinhão hereditário se concretizou já depois da realização da respetiva penhora, razão pela qual a venda lhe é inoponível, tudo se devendo passar como se a mesma não existisse.
Por isso, a execução deve seguir a sua normal tramitação.
Em resposta, o embargante C… alertou para a circunstância de o executado D… nunca ter sido notificado da realização da penhora do seu quinhão hereditário e assim a venda sempre teria ocorrido antes dessa penhora.
Vejamos então.
O executado pode ser titular de um direito sobre um bem indiviso ou de um quinhão num património comum, como sucede nos casos em que beneficia de um direito à meação e herança por morte de outrem, situação em que o executado, enquanto não forem feitas partilhas, não é proprietário de nenhum bem ou direito que integre a herança, mas apenas titular de um direito sobre uma quota-parte, abstrata e idealmente considerada, desse património autónomo.[1]
Neste caso, a penhora é feita pela forma que vem referida no art. 781º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, onde se estatui o seguinte:
«Se a penhora tiver por objeto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efetuada
Significa isto que a penhora do quinhão hereditário que o executado tem na herança indivisa aberta por óbito de E… se realiza através da notificação desse facto a todos os herdeiros, onde se terá que incluir o próprio executado.[2]
Acontece que na situação dos autos a penhora foi notificada aos herdeiros G…, H… e I… respetivamente, em 19.11.2016, 21.11.2016 e 17.11.2016, mas não ao executado D….
Este, face aos elementos que temos disponíveis, só terá tido conhecimento da penhora do seu quinhão hereditário aquando da sua citação nos termos do art. 856º do Cód. do Proc. Civil, o que ocorreu em 16.1.2017.
O art. 819º, nº 1 do Cód. Civil preceitua que são inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
Resulta deste preceito que a alienação voluntária dos bens penhorados só deve considerar-se inadmissível enquanto ofender os interesses da execução. Se os bens penhorados ficam afetados aos fins de uma execução e a sua indisponibilidade se destina a garantir tal afetação, não deve ela ir mais longe do que é aconselhado pela sua razão de ser. Assim, basta que a alienação dos bens penhorados seja havida como ineficaz em relação ao penhorante e aos demais credores intervenientes na execução. Quanto ao resto, nenhum motivo existe para que se lhe negue eficácia.
Deste modo, sendo o bem penhorado vendido fora da execução, transfere-se para o terceiro, mas a translação é irrelevante para os credores, que não têm sequer necessidade de impugná-la.[3]
No entanto, a inoponibilidade à execução dos atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados pressupõe sempre que a penhora já se tenha efetivado, situação que não se verifica no caso dos autos.
Com efeito, a efetivação da penhora do quinhão hereditário que o executado tem na herança aberta por óbito de E… impunha a notificação de todos os herdeiros e assim também do próprio executado.
Por isso, enquanto o executado não for notificado da realização da penhora não se pode ter esta como efetivada.
Ora, face aos elementos de que dispomos, logo se verifica que o executado D… na data em que procedeu à cessão do seu quinhão hereditário ao embargante C… – 14.12.2016 – não tinha sido notificado da realização da penhora sobre esse mesmo quinhão.
Consequentemente, não estamos perante ato de disposição de bem penhorado, donde resulta a inaplicabilidade “in casu” da disciplina prevista no art. 819º do Cód. Civil.
Como tal, é de manter o despacho recorrido que determinou a suspensão da execução no que concerne ao quinhão hereditário do executado, assim improcedendo o recurso interposto pela exequente B….
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela exequente B…, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.
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Porto, 11.7.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Executivo”, Almedina, 2016, pág. 314.
[2] Cfr. Ac. Rel. Porto de 29.1.2015, proc. 164/03.1 TABGC-C.G1.P1, disponível in www.dgsi.pt, onde se entendeu que a efetivação da penhora sobre o direito e ação do devedor à herança supõe a notificação de todos os herdeiros, aí se incluindo o executado.
[3] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 10ª ed., págs. 284/285.