Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4855/17.1T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP201901074855/17.1T8OAZ.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 287, FLS 242-259)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que ocorresse a alegada nulidade por violação do art.º 19.º do RGCOC em razão de não terem sido consideradas “também as sanções de todas as infrações cometidas pela Recorrente em todo o território nacional”, era necessário, desde logo, que a recorrente tivesse praticado várias contra-ordenações susceptíveis de integrarem o concurso de infracções. A eventual nulidade só poderia ocorrer nesse caso, nunca podendo resultar apenas da alegada omissão de diligências da ACT para verificar “a existência de outros processos existentes, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, (..)”.
II - Cabia à recorrente indicar concretamente, se porventura existiam, quais os outros processos de contra-ordenação existentes em território nacional que deviam ter sido considerados para determinação da coima única, em conformidade com a previsão do art.º 19.º RGCOC.
III - A violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador, com a protecção deste, nos termos que a lei consagra na alínea b), do nº 1, do art.º 129º, do Código do Trabalho de 2009, pressupõe que exista por parte do empregador comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho.
IV - Não se trata, pois, de um direito absoluto do trabalhador, podendo existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas, caso em que recai sobre o empregador o ónus da prova do circunstancialismo em que se fundamenta.
V - A marginalização do trabalhador na organização da empresa, a colocação dele “na prateleira” – sem razões objectivas de natureza técnica ou funcional -, sendo acções ao alcance dos poderes de organização do empregador, reconduzem-se à ideia de “oposição” que está traduzida na formulação do art.º 129.º do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4855/17.1T8OAZ.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 A sociedade B..., SA, notificada da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho, aplicando-lhe a coima de 150 unidades de conta [€ 15.300] para cada uma das contra-ordenações e, em cúmulo jurídico, a coima única de 450 unidades de conta [€ 45.900] pela prática de quatro contra-ordenações muito graves prevista nos artigos 127.º, n.º 1, alínea c), e 129.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código do Trabalho, dela discordando deduziu impugnação judicial.
Para sustentar a impugnação judicial alegou, no essencial, o seguinte:
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O recurso foi recebido, tendo sido designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, mantenho a decisão administrativa, designadamente mantenho as coimas parcelares aplicadas alterando, no entanto, a coima única que fixo em 300 unidades de conta no valor de € 30.600.
Mais condeno a recorrente nas custas, pois houve apenas vencimento parcial, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta.
Deposite e notifique.
Após trânsito, dê conhecimento à ACT.
(…)».
I.3 Inconformada com essa decisão a arguida interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
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I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
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I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão do seguinte:
i) Ao manter a condenação “na medida em que, perante os factos provados haveria de se ter considerado inexistir violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 129.º do C.T., porquanto, ficou provado que a ora Recorrente nunca obstou a que os trabalhadores prestassem a sua actividade profissional, pelo contrário, encetou esforços contínuos de procura de actividade compatível, o que se tem demonstrado difícil face à localização geográfica daqueles trabalhadores (conclusão 21);
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iii) Ao “considerar como não verificada a nulidade da decisão administrativa”, em violação do art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
II. FUNDAMENTAÇÃO
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II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Aplica-se ao caso o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Na vertente do direito substantivo releva, no essencial, o artigo 129.º n.º1, al. b), do Código do Trabalho.
Uma nota mais para referir que na apreciação das questões suscitadas pela recorrente não seguiremos a ordem que aquela lhes inculcou, antes se começando pela relativa à alegada nulidade da decisão administrativa, dado ser prejudicial em relação às demais.
II.2.1 A recorrente discorda da sentença da 1.ª instância por não ter acolhido a sua posição quanto à alegada nulidade da decisão administrativa por violação do art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Debruçando-se sobre essa questão, o Tribunal a quo pronunciou-se nos termos seguintes:
-«(..)
Assim, a recorrente coloca a questão da existência de uma nulidade da decisão administrativa com o fundamento de que o cúmulo jurídico deve abranger todas as coimas aplicadas à recorrente não apenas no âmbito territorial da entidade administrativa mas em todo o território nacional, pelo que a entidade administrativa devia ter verificado a existência de outros processos, o que não sucedeu, pelo que daqui resulta uma nulidade da decisão que terá como consequência a devolução do processo à autoridade administrativa para realizar o cúmulo jurídico.
Nos termos do artigo 19.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, «quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso».
Nesta matéria, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que, da norma referida resulta «a aplicação de uma coima única nas situações de concurso, independentemente da área geográfica da entidade com competência para o procedimento.
Tem razão o decisor em primeira instância quando refere que “não se compreende que por motivos de ordem prática e/ou dificuldades materiais e ou informáticas de qualquer ordem, não emergindo da lei contraordenacional laboral a impossibilidade de realizar/obter o cúmulo jurídico, se desvirtue um regime legal que se afigura imperativo”. Note-se que a competência para proferir a decisão é do Inspetor Geral do Trabalho nos termos do artigo 3º (âmbito nacional), podendo este delegar nos termos do CPA. A competência referida do artigo 4º reporta-se ao procedimento em si e não à decisão. Tal regra atinente à “operacionalidade “ da IGT, não pode ter a virtualidade de derrogar as normas relativas ao concurso de infrações.
Havendo concurso, a situação deve ser resolvida de acordo com as regras prescritas para o efeito, ganhando competência uma das delegações. Note-se que ao nível do judicial também existem áreas geográficas de competência, e tal não obsta ao funcionamento do concurso de infrações» [acórdão de 21 de Janeiro de 2016 – Processo n.º 1216/15.0T8VCT.G1].
No entanto, se podemos aceitar que desta norma resulta a necessidade de realização de um cúmulo jurídico de todas as coimas que estejam numa relação de concurso em território nacional, e não apenas no centro local onde é tramitada, por delegação do Inspetor Geral do Trabalho, o procedimento contra-ordenacional em causa, a verdade é que não é exigível que, sem mais, a entidade administrativa tenha que efetuar diligências, em todos os processos contra-ordenacionais que tem sob a sua direção, para verificar se, efetivamente, existe algum processo que possa estar em concurso com o processo em tramitação. Isso contenderia com a necessária celeridade que a entidade administrativa tem que imprimir aos processos, justificando-se apenas quando a própria arguida, na defesa escrita ou mesmo posteriormente, antes da decisão, invoca a existência de outros processos. Aliás, nos próprios tribunais não é realizada essa diligência, pelo que não podemos defender que a entidade administrativa está obrigada, sob pena de nulidade, a efetuar essa diligência quando a sua obrigatoriedade não resulta de qualquer dispositivo legal.
Assim, só se a recorrente suscitasse essa questão, invocando a existência de algum processo concreto em situação de concurso com a contra-ordenação em discussão, é que se justificava a realização de qualquer diligência. A recorrente, de facto, na resposta refere essa questão mas não indica qualquer processo em concreto. Mesmo na impugnação judicial a recorrente não refere que existe um, dois ou mais contra-ordenações em concurso com as contra-ordenações que estão aqui em discussão, pelo que não faz sentido considerar a existência de uma nulidade do procedimento administrativo quando não temos qualquer alegação, evidência ou sequer indício de que existe efetivamente outra ou outras contra-ordenações em concurso com as contra-ordenações dos autos, sendo certo que a recorrente, caso existissem, tem necessariamente conhecimento das mesmas, ou seja, só existiria nulidade se, de facto, existissem contra-ordenações em concurso com as contra-ordenações dos autos e da não realização do cúmulo jurídico resultasse um prejuízo para a recorrente mas esta não alega a existência de qualquer contra-ordenação concreta nessas circunstâncias e, por isso, concluímos pela inexistência de qualquer nulidade processual. De qualquer forma, esta nulidade processual não implicava, em nosso entendimento, a anulação de atos processuais, nada obstando ao conhecimento de todas as questões, designadamente a fixação das coimas parcelares, remetendo-se apenas à autoridade administrativa para proceder ao cúmulo jurídico destas coimas com as que eventualmente estivessem em concurso.».
Argumenta a recorrente que “no cúmulo jurídico das sanções aplicáveis à Recorrente deve-se incluir não apenas as respeitantes às infrações cometidas dentro da área territorial da Delegação da ACT onde foram praticadas, mas também as sanções de todas as infrações cometidas pela Recorrente em todo o território nacional – conforme decorre exemplarmente do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21.01.2016, no âmbito do Proc.º 1216/15.0T8VCT.G1”. Nesse pressuposto, defende que a ACT teria de “verificar a existência de outros processos existentes, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, dentro dos limites legalmente previstos, acima indicados”. E, como assim não sucedeu, conclui que “a decisão administrativa é nula, por violar as regras atinentes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar à Recorrente, pelo que deverá ser devolvida à Autoridade para as Condições do Trabalho para realização de tal cúmulo jurídico, com as legais consequências” [Conclusões 25 a 27].
Importa assinalar que a recorrente não vem aqui aduzir qualquer argumento novo, limitando-se a replicar a posição assumida na impugnação judicial.
Daí que acabe por não rebater todos os fundamentos que sustentam a decisão recorrida, desde logo, quando nela se refere que a recorrente não suscita a questão em concreto, ou seja, não invoca “a existência de algum processo concreto em situação de concurso com a contra-ordenação em discussão”.
Ora, para além de concordarmos na generalidade com a fundamentação da sentença recorrida, também a acolhemos quando sublinha e faz relevar o facto de a recorrente não sustentar a alegada nulidade invocando a existência de processos concretos que não tenham sido considerados - quando o deveriam ser - para fixação de uma coima única, em conformidade com o disposto no art.º 19.º do RGCOC.
Na verdade, esse é o ponto fulcral da questão. Para que ocorresse a alegada nulidade por violação do art.º 19.º do RGCOC em razão de não terem sido consideradas “também as sanções de todas as infrações cometidas pela Recorrente em todo o território nacional”, era necessário, desde logo, que a recorrente tivesse praticado várias contra-ordenações susceptíveis de integrarem o concurso de infracções. A eventual nulidade só poderia ocorrer nesse caso, nunca podendo resultar apenas da alegada omissão de diligências da ACT para verificar “a existência de outros processos existentes, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, (..)”.
Significa isto, pois, que para sustentar a eventual nulidade, cabia à recorrente indicar concretamente, se porventura existiam, quais os outros processos de contra-ordenação existentes em território nacional que deviam ter sido considerados para determinação da coima única, em conformidade com a previsão do art.º 19.º RGCOC. Não o tendo feito, não tem a recorrente o necessário fundamento concreto para sustentar eventual violação daquele preceito.
Assim, improcede esta questão.
II.2.2 Numa outra linha de argumentação vem a recorrente defender que o Tribunal a quo errou na decisão, “na medida em que, perante os factos provados haveria de se ter considerado inexistir violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 129.º do C.T., porquanto, ficou provado que a ora Recorrente nunca obstou a que os trabalhadores prestassem a sua actividade profissional, pelo contrário, encetou esforços contínuos de procura de actividade compatível, o que se tem demonstrado difícil face à localização geográfica daqueles trabalhadores (conclusão 21).
Sobre esta questão, na fundamentação da decisão recorrida lê-se o seguinte:
-«1.2 A primeira questão reconduz-se a saber se, por um lado, está verificado o tipo contra-ordenacional e se, pelo contrário, ainda que se pudesse afirmar um putativo preenchimento do tipo, não se pode afirmar que existe uma causa de justificação que afasta a ilicitude da conduta.
Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, «é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho», sendo que a violação desta norma implica a prática de uma contra-ordenação muito grave – n.º 2.
O dever resultante daquele normativo, a que se tem chamado dever de ocupação efetiva, está de facto relacionado com o artigo 127.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, na medida em que deste resulta que o empregador deve proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, do ponto de vista físico e moral, sendo certo que como salienta a decisão administrativa «tal dever tem subjacente o princípio da igualdade dos trabalhadores da mesma empresa, a tutela da profissionalidade e a valorização e realização profissional e pessoal do trabalhador através da prestação de trabalho, impondo-o também o princípio geral da boa-fé que deverá presidir à execução contratual conforme previsto no n.º 1 do artigo 126º do Código de Trabalho.
Neste sentido, aponta também o disposto no nº 2 do mesmo artigo e nos termos do qual na execução do contrato de trabalho, devem as partes colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador», sendo que «no cumprimento daquele dever, cabe ao empregador ocupar efetivamente os seus trabalhadores, atribuindo-lhes as funções para as quais foram contratados, dando-lhes a oportunidade de exercer efetivamente o seu trabalho de forma produtiva e proporcionar-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral». Mas, se até aqui não nos parece haver qualquer desacordo, já o entendimento deste dever é visto noutra perspectiva pela recorrente que considera que nem todas as situações de inatividade de trabalhadores constituem uma violação do dever de ocupação efetiva pois só assim será quando não forem justificadas e constituam uma violação do mais elementar princípio da boa-fé ou integrem uma situação de abuso de direito, tendo que se distinguir os casos em que a situação de inocupação visa causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, daqueles em que se justifica por resultar de um facto não imputável ao trabalhador e, por outro lado, o direito à ocupação efetiva não pode ser perspetivado apenas no plano da realização pessoal do trabalhador e do seu direito de valorização e dignificação profissional pois a este pode contrapor-se o princípio da liberdade de iniciativa económica das empresas, o que faz com que o problema do dever de ocupação efetiva do trabalhador seja encarado do ponto de vista da boa-fé, pelo que a recorrente apenas poderia ser condenada por violação do dever de ocupação efetiva se se provasse que, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar os interesses dos trabalhadores em causa, os colocou em situação de inatividade, o que não acontece porquanto a situação está enquadrada por uma reestruturação interna da empresa que se encontra em implementação e a situação dos trabalhadores é meramente temporária.
Esta defesa coloca, em nosso entendimento, duas questões: primeiro, saber se se tem que exigir uma conduta deliberada da recorrente e, segundo, saber se a conduta da recorrente é injustificada ou se, pelo contrário, pode ser justificada pela reestruturação interna que a recorrente está a empreender no exercício da sua liberdade de iniciativa económica.
O dever de ocupação surge como «verdadeiro dever de prestação do empregador», pressupondo «que o trabalhador esteja integrado na organização produtiva e traduz-se na exigência de que lhe seja dada a oportunidade de exercer efetivamente a atividade estipulada – ressalvadas situações especiais, como as resultantes do encerramento temporário da fábrica, a suspensão preventiva em procedimento disciplinar, o cumprimento da pena de suspensão sem salário, e outras em que circunstâncias objectivas motivem a não ocupação efetiva» mas a utilização do termo “obstar” podia inculcar a ideia de que o empregador apenas não deve obstaculizar à prestação de trabalho, não deve criar impedimentos, bastando para cumprimento do dever que se abstenha de o fazer. Contudo, entendemos que «uma forma de “oposição” ou “obstaculização” à prestação efetiva de trabalho pode consistir, simplesmente, na privação da função e no esvaziamento do posto de trabalho», «na marginalização do trabalhador na organização da empresa» […] «sem razões objetivas de natureza técnica ou funcional», ou seja, relevante é saber se o empregador deixa o trabalhador sem funções, «podendo objetivamente ocupá-lo» [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, 2014, Almedina, Coimbra, páginas 260, 262 e 263]. Não afastamos a ideia de que «o problema da ocupação efetiva do trabalhador não decorre de toda e qualquer situação de inatividade deste, mas apenas surge naquelas situações em que o empregador, de forma deliberada e independente de qualquer causa objetiva ligada às vicissitudes da atividade empresarial, nada lhe dá para fazer» [Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, 2014, Almedina, Coimbra, página 427] nem que o dever de ocupação efetiva deriva do princípio geral da boa-fé na execução do contrato, existindo violação deste dever quando o empregador atue de má-fé [Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 7.ª Edição, 2015, Almedina, Coimbra, página 524]. Assim, temos que olhar para a atuação da recorrente e verificar se podemos afirmar que agiu de forma deliberada e contrária à boa-fé, o que só ocorrerá se a sua conduta não estiver justificada pois se estiver nunca se poderá afirmar a contrariedade à boa-fé.
No que respeita ao primeiro ponto, parece-nos evidente que a recorrente agiu sempre deliberadamente, ou seja, a recorrente decidiu fazer uma reestruturação para aumentar a rentabilidade da empresa [conseguir prestar o mesmo serviço com um menor custo], no seu direito legitimo e, nesse âmbito, seleccionou trabalhadores que considerou “dispensáveis” e propôs-lhes a revogação do contrato de trabalho mediante o pagamento de uma compensação e, tendo estes recusado, transferiu-os das suas unidades, onde tinham o seu serviço e onde esse serviço continuou a existir mas a ser executado por menos trabalhadores para uma Unidade de Suporte [que na realidade nada suporta] onde mantém, sob a sua direção e fiscalização, os trabalhadores sem lhes atribuir qualquer função. Não existe conduta mais deliberada do que esta, aliás, mais do que deliberada é programada, exigindo um conjunto de tarefas para identificação e seleção de pessoas, que passou por vários departamentos, incluindo os recursos humanos e as chefias diretas, implicou reuniões com os trabalhadores, a formulação e elaboração de propostas e o estabelecimento de condições [designadamente instalações] para os trabalhadores serem mantidos, na empresa, sem trabalho. É certo que a autoridade administrativa imputa a conduta à recorrente a título negligente, referindo que se trata, no mínimo, de negligência, mas consideramos que no mínimo será uma negligência consciente e, na realidade, até não nos repugnava falar em dolo necessário pois a colocação dos trabalhadores sem funções, no interior de uma sala, constitui, segundo a posição defendida pela recorrente [que não perfilhamos em toda a medida como adiante explicaremos] uma medida necessária para a realização do seu propósito de reduzir os custos da empresa.
Assim, apesar da imputação negligente efetuada, consideramos que isso não contende com uma conduta deliberada porque esta situa-se não ao nível do tipo de ilícito, no âmbito do qual o artigo 550.º, do Código do Trabalho, estabelece expressamente que nas contra-ordenações laborais a negligência é sempre punível, mas antes ao nível do tipo de culpa.
No que concernem com a contrariedade à boa-fé importa relacionar esta questão com a outra parte da defesa expendida pela recorrente, mais concretamente a justificação da sua conduta e até o exercício da sua liberdade de empresa, a livre iniciativa económica.
Assim, em rigor, a recorrente defende que agiu de acordo com a boa-fé pois atuou na sua legítima liberdade de iniciativa económica ao reestruturar a empresa, tendo ainda apresentado as motivações que a levaram a selecionar estes trabalhadores e não outros para, de certa forma, clarificar que não teve qualquer intuito discriminatório. Mas na realidade, o que resulta é que a recorrente foi adquirida por um novo accionista que decidiu que tinha que tornar a empresa mais rentável, para isso determinou uma reestruturação com vista à redução de custos [à prestação do mesmo nível de serviço com menos recursos, designadamente humanos], visando substituir serviços externos e reduzir o quadro de pessoal e, por isso, seleccionou trabalhadores que considerou “dispensáveis” e propôs-lhes a saída da empresa mediante o pagamento de uma compensação e, em caso de recusa, transferiu-os dos serviços onde estes tinham trabalho a prestar e que continuaram a ter serviço que agora passou a ser feito por menos trabalhadores e colocou-os numa unidade onde nada fazem, limitando-se a aguardar pela recolocação ou pela saída da empresa. Aqui colocamos várias questões que, em nosso entendimento, nos permitirão afirmar se a conduta da recorrente é ou não contrária à boa-fé e se é ou não justificada. A primeira questão prende-se com a ideia de que a recorrente enquadra a referida reestruturação como uma situação inevitável mas, a realidade, é que não está provado, nem sequer foi referido pela recorrente ou por qualquer testemunha, que na sua base tenha estado um factor externo que tenha imposto à recorrente a necessidade da sua reestruturação para sobreviver ou mesmo para manter a sua competitividade [pelo contrário, tanto quanto sabemos a recorrente sempre teve a reputação de ser uma empresa rentável], não é referida qualquer mudança conjectural ou estrutural no mercado em que a recorrente atua, nem qualquer tipo de desequilíbrio económico ou financeiro da recorrente ou qualquer novo investimento que a recorrente tivesse necessidade de fazer para o que tinha que se tornar mais rentável, nem tão pouco uma redução de clientes, serviços ou receitas, ou seja, tanto quanto nos parece resultar dos factos, estamos pura e simplesmente perante uma decisão do accionista baseada na sua legítima pretensão de que a empresa se torne mais rentável. Isto não significa que esta pretensão e a consequente decisão sejam censuráveis, muito pelo contrário, mas a recorrente coloca a questão da justificação da sua conduta e da inexistência de violação do direito à ocupação efetiva numa perspectiva da colisão de direitos ou liberdades constitucionais, por um lado, o respeito pela dignidade e personalidade dos trabalhadores –artigo 59.º, n.º 1, alínea b) e c), da Constituição da Republica Portuguesa – e, por outro lado, a sua liberdade de iniciativa económica – artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa. É sabido que em caso de colisão de direitos, é necessário harmonizar os direitos ou as liberdades, no sentido de, salvaguardando o seu núcleo essencial, comprimir um direito em prol do outro a que se atribua, em face da ponderação de interesses, maior relevância perante as circunstâncias mas apenas na medida daquilo que for necessário para a realização deste direito ou interesse – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa –, ou seja, é necessário empreender uma tarefa de harmonização e concordância prática entre direitos para permitir o exercício de um deles mediante a compressão do direito em colisão mas apenas na medida ou na proporção em que esta compressão for adequada e necessária para permitir aquele exercício. Isto leva-nos a uma segunda questão que se traduz em saber se para realizar a reestruturação a recorrente tinha necessidade de colocar estes quatro trabalhadores numa sala, durante meses [numa situação que persiste]? Em nosso entendimento, a resposta tem obrigatoriamente que ser negativa. Encaremos os factos como eles se apresentam. A recorrente quer fazer uma reestruturação e, para isso, tem que reduzir o numero de trabalhadores e/ou afectar trabalhadores a outras funções onde sejam mais necessários. Então, selecciona os trabalhadores e propõe-lhes a saída da empresa com compensação e, mais, fá-lo porque considera que são “dispensáveis” no sentido de que a empresa consegue [sobrecarregando naturalmente os demais trabalhadores] realizar os mesmos serviços com menos trabalhadores e, por isso, com menos custos. Até aqui tudo bem mas depois, perante a recusa dos trabalhadores à revogação dos contratos de trabalho, coloca-os numa sala sem fazerem nada, recebendo a retribuição tal como recebiam anteriormente mas sem poderem ajudar a empresa, como é seu dever, na sua atividade. Aqui, em nosso entendimento, é que está o problema pois, neste momento, os trabalhadores podiam simplesmente ser considerados “dispensáveis” no sentido que referimos pela empresa, podendo até integral uma bolsa de trabalhadores a recolocar quando surgissem oportunidades mas sem ficarem numa sala sem qualquer tarefa para cumprir ou podiam até integrar uma unidade de suporte mas que efetivamente suportasse os demais serviços da empresa, sendo recolocados, de acordo com as suas categorias, quando surgissem necessidades, ainda que temporárias, fazendo substituições de trabalhadores que temporariamente estivessem impedidos de prestar trabalho ou mesmo tendo formação para poderem assumir efetivamente outras funções. Mas não é nada disso que se passa pois os trabalhadores estão inactivos, sem necessidade pois como o trabalho que executavam continua a existir na empresa e a sobrecarregar os outros trabalhadores e recebem exatamente a mesma retribuição, na realidade, neste momento, há largos meses, os trabalhadores são apenas um custo para a empresa. Logo, se a reestruturação não necessita para ser realizada da colocação destes trabalhadores numa sala sem funções pois era perfeitamente exequível mediante a qualificação destes trabalhadores como trabalhadores dispensados para mobilidade funcional ainda que podendo continuar a executar o trabalho que executavam pois este continua a ser necessário e os trabalhadores recebem a sua retribuição, então pergunta-se como é que se pode conceber ou admitir, perante uma colisão de direitos ou liberdades constitucionalmente garantidas, a supressão ou compressão do direito dos trabalhadores em prol da liberdade de iniciativa económica da recorrente? Em nosso entendimento, pelos motivos expostos, não pode. Admitimos, no entanto, que a conduta da recorrente podia ser minimamente justificada se existisse uma conduta ativa no sentido de encaminhar estes trabalhadores para uma efectiva recolocação, designadamente oferecendo-lhes novas posições, ainda que não em ..., mas em locais próximos, como por exemplo no Porto ou em Aveiro e estes recusassem mas o que resulta dos autos é que apenas foi ponderada a colocação de uma trabalhadora noutro departamento mas não resulta que a empresa lhe tivesse oferecido qualquer colocação concreta e esta recusasse, pelo contrário, o que resulta dos factos é que são os próprios trabalhadores a procurar soluções alternativas e a propor à empresa uma recolocação. Por outro lado, também se entenderia a postura da recorrente se existisse efetivamente um plano de formação organizado e planeado com vista a possíveis recolocações dentro de funções mais necessárias para a empresa mas o que resulta dos factos não é isso mas antes que a recorrente não propôs qualquer formação aos trabalhadores, pelos vistos nem a legalmente obrigatória, tendo apenas uma trabalhadora recebido uma formação profissional, o que não consideramos relevante pois a obrigação de formação profissional existe independentemente da situação destes trabalhadores, não se podendo afirmar que constitua um plano de formação adequado a preparar uma efetiva recolocação. Então, daqui retiramos que a colocação dos trabalhadores em causa numa unidade de transição não foi acompanhada de qualquer ato concreto destinado a uma efetiva recolocação dos trabalhadores, qualquer esforço ativo da recorrente no sentido da sua recolocação e, por isso, constituindo os trabalhadores um custo para a empresa pois recebem exatamente a mesma retribuição sem prestarem qualquer trabalho, só podemos concluir que a única intenção da recorrente é que os trabalhadores acabem por aceitar a saída da empresa pois, embora não haja evidência de uma pressão nesse sentido [que acreditamos não ser feita por parte dos funcionários dos recursos humanos da recorrente], a verdade é que a transferência dos trabalhadores para uma sala sem funções apenas foi acompanhada de contactos, ainda que só dois, destinados a saber se os trabalhadores estão disponíveis para saírem da empresa mediante compensação pois na realidade esta é a única forma que pode permitir a recorrente alcançar o seu objetivo de redução de custos. Daqui resulta claramente que existe uma atuação contrária à boa-fé e não justificada que configura uma situação de violação do direito/dever à/de ocupação efetiva e, por conseguinte, está preenchido, em nosso entendimento, o tipo contra-ordenacional tal como resulta da decisão administrativa».
Para sustentar a sua discordância a recorrente começa por invocar que a situação de inactividade dos trabalhadores não lhe pode ser imputável, nem sequer a título de negligência, dado estar provado que sofre uma restruturação empresarial desde 2015 e não existem funções para os trabalhadores em causa na área de ..., não podendo imputar-se-lhe “qualquer obstaculização dos trabalhadores em apreço em desenvolverem as suas actividades”. Sustenta-se nos factos provados seguintes:
– uuuu) “A recorrente está, desde 2015, mais concretamente desde a entrada de um novo acionista, a implementar um processo de restruturação interna da sua organização com vista à redução de custos operacionais”;
- vvvv) – “Esta organização empresarial tem conduzido à concentração geográfica das suas operações, sobretudo nas maiores cidades do país, designadamente Lisboa, Porto e Coimbra e, por força disso, em algumas zonas geográficas como em ..., não existem tantas possibilidades de atribuição de novas funções como sucede nos centros de Lisboa, Porto e Coimbra;”.
Refere de seguida, que “a actividade anteriormente desenvolvida pelos trabalhadores em apreço deixou de se mostrar essencial, e na ótica empresarial de internalização e optimização dos recursos humanos internos da Recorrente, aqueles trabalhadores passaram para a Unidade de Suporte, que mais não é que uma “bolsa” de trabalhadores disponíveis para desenvolverem funções compatíveis com as suas competências e categoria profissional, assim que surjam naquela zona geográfica”, mas que “devido à centralização geográfica das suas operações em Lisboa, Porto e Coimbra, não têm surgido oportunidades de colocação dos trabalhadores em apreço”, tendo sido dispensados do seu dever de assiduidade (facto bbbbb). Apenas a trabalhadora C... estaria a gozar essa dispensa, não estando os outros por opção própria.
Com base nestas considerações, alega que “a motivação subjacente à ausência de atribuição de funções se trata da restruturação empresarial que a Recorrente se encontra a desenvolver, no âmbito do seu direito constitucional de liberdade de iniciativa económica das empresas (art. 61.º, n.º 1, da CRP), procurando apoio nas posições doutrinárias que cita.
Alega ainda que da matéria provada não resulta que o seu comportamento tenha representado uma violação grave e grosseira dos direitos dos trabalhadores e/ou que tenha implicado algum prejuízo para estes resultando da matéria de facto provada exactamente o contrário, pois que em ccccc) resulta que “Nenhum dos trabalhadores perdeu qualquer retribuição.”.
Defende, também que inexistem evidências da existência de conduta consubstanciadora de má-fé do empregador ao manter o trabalhador desocupado durante um dado período de tempo, por entender que se demonstrou que procedeu a diversas tentativas de os recolocar, ainda que sem êxito.
E, com base nesta ordem de considerações, conclui sustentando que “perante os factos provados haveria de se ter considerado inexistir violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 129.º do C.T., porquanto, ficou provado que a ora Recorrente nunca obstou a que os trabalhadores prestassem a sua actividade profissional, pelo contrário, encetou esforços contínuos de procura de actividade compatível, o que se tem demonstrado difícil face à localização geográfica daqueles trabalhadores”.
Conforme pode constatar-se pela fundamentação da sentença recorrida na parte acima transcrita, a recorrente também quanto a este ponto praticamente reproduz a argumentação que usou na impugnação judicial da decisão administrativa. O Tribunal a quo debruçou-se sobre as questões suscitadas pela recorrente e, no nosso entender, bem e com aprofundada e criteriosa fundamentação que acolhemos. Nesse pressuposto, se bem que nos cumpra justificar esta posição, procuraremos evitar entrar em repetições inúteis.
Na esteira do estatuído na alínea b) do artigo 122º do CT/2003, resulta do nº 1, alínea b), do artigo 129º do Código do Trabalho de 2009, que é proibido ao empregador “obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho”, consagrando, de forma expressa e clara, o direito à ocupação efectiva do trabalhador.
Assim não acontecia na vigência do Decreto-Lei n.º 49408, de 24-11-1969, usualmente designado por LCT, dado não estar expressamente afirmado esse direito do trabalhador.
No entanto, como se afirma no Ac. do STJ de 13-07-2011 [Proc.º 05/08.0TTSNT.L1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt] apesar desta lacuna da lei, a jurisprudência e a doutrina foram-no admitindo de forma generalizada, como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, princípios constitucionais que estão consignados nos art.º 58.º, nº 1 (todos têm direito ao trabalho) e 59.º, nº 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a sua realização pessoal). Elucida o citado aresto o seguinte:
- «Assim e na falta de lei expressa, arrancava-se daqui para o reconhecimento da existência dum direito de ocupação efectiva do trabalhador e a que estava vinculada a entidade patronal.
Efectivamente, enquanto o direito ao trabalho tem em vista, fundamentalmente, o direito à ocupação de um posto de trabalho, o direito à ocupação efectiva reporta-se a um momento posterior, na medida em que o que está em causa é a própria realização pessoal do trabalhador através do trabalho.
Por isso, entendia-se que o trabalhador tinha direito à ocupação efectiva do seu posto de trabalho, como manifestação do direito ao trabalho, com o consequente dever do empregador de o ocupar, não o deixando improdutivo, estando em causa portanto, interesses morais do trabalhador, que tem direito à sua realização pessoal por via do trabalho, pois a sua inactividade traduzia-se na sua desvalorização pessoal, principalmente se revestir carácter prolongado.
Por isso, sendo o trabalho um meio de realização pessoal e tendo em conta que deve ser respeitada a dignidade da pessoa do trabalhador, para a entidade empregadora surge um verdadeiro dever de ocupação efectiva que se traduz num dever de diligência de o conservar condignamente ocupado[3]
Efectivamente, constituindo o direito ao trabalho o primeiro dos direitos económicos, sociais e culturais, era neste que a doutrina laboralística se estribava para reconhecer ao trabalhador o direito a exercer efectivamente a actividade para que fora contratado e ao desempenho das funções correspondentes à categoria profissional acordada, incluindo-se, assim, no âmbito deste direito a proibição de manutenção arbitrária do trabalhador numa inactividade funcional ou na situação da sua suspensão injustificada[4].
Concluímos portanto que, no domínio da LCT e apesar de falta de consagração expressa deste direito do trabalhador, a doutrina e a jurisprudência já o reconheciam, não sendo contudo pacífica a sua fundamentação naquele preceito constitucional.
(..)
Nesta linha também a jurisprudência vinha reconhecendo ao trabalhador este direito, apesar da falta de texto legal que o consagrasse expressamente, vendo-se neste sentido TC, 31/5/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º/43; 10/7/96, DR, II série de 18/12/96; STJ, 14/X787, AD 313/138; de 25/1/88, BMJ 373º/446; 13/1/93, CJS 220/1; de 22/9/93, CJS, 269/2; RE, 8/11/94, CJ 300/5; Porto, 17/X/94, CJ 253/4; LX, 11/1/95, CJ169/1.
Assim sendo, mesmo sem expressa consagração legal, era unanimemente reconhecido ao trabalhador o direito à ocupação efectiva, violando este direito a empresa que, sem razão justificativa, deixa aquele inactivo, conforme doutrina resultante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/93 (acima referido) e mais recentemente dos acórdãos de 7/5/2009, recurso nº 156/09 – 4ª secção (Pinto Hespanhol) e de 4/11/2009, recurso nº 250/07.9TTGRD.C1.S1-4ª secção (Sousa Peixoto), in www.dgsi.pt.».
A violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador, com a protecção deste, nos termos que a lei consagra na alínea b), do nº 1, do art.º 129º, do Código do Trabalho de 2009, pressupõe que exista por parte do empregador comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho. Não se trata, pois, de um direito absoluto do trabalhador, podendo existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas, caso em que recai sobre o empregador o ónus da prova do circunstancialismo em que se fundamenta (art.ºs 762.º e 342.º1, do CC).
Como se sublinha no Acórdão do STJ de 31-05-2016 [proc.º 715/13.0TTLSB.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt] “Ponto é que, essa falta de ocupação efectiva, com a consequente inactividade do trabalhador, parta do empregador sem qualquer razão justificativa. Não assim quando, v.g., o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador por razões económicas, disciplinares, ou outras».
Em suma, pressupondo a violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador que exista por parte do empregador comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho, para que se consubstancie a violação desse direito é necessário que se verifique uma injustificada desocupação do trabalhador determinada pelo empregador.
Nas palavras ilustrativas de Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 299], a questão coloca-se no plano da exigibilidade: “não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que se esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (por razões económicas, disciplinares ou outras).
Pode asseverar-se que este é o entendimento unânime quer da doutrina - designadamente a que a recorrente invoca e cuidou de trazer às conclusões, bem como a citada pelo Tribunal a quo - quer da jurisprudência, bem assim que é consensual a ideia de que a licitude da conduta do empregador quando coloque o trabalhador numa situação de inactividade deve ser aferida à luz da boa-fé, princípio geral de direito com consagração legal no art.º 126º do CT.
Revertendo ao caso, decorre dos factos que a recorrente colocou os trabalhadores D..., E..., F... e C... na designada “Unidade de Suporte”, tendo justificado perante a ACT que os mesmos “foram afetos ao departamento Unidade de Suporte (USP) a 6 (F... e D...), a 29 de março (C...) e a 13 de julho de 2017 (E...). Este departamento integra todos os trabalhadores que estão temporariamente sem funções e tem por objetivo proceder à sua respetiva colocação nas áreas de negócio da Empresa onde atualmente existam necessidades de trabalho efetivas”.
Convém precisar que apesar da colocação formal dos trabalhadores na denominada Unidade de Suporte ter ocorrido formalmente naquelas datas, o certo é que a informação de que deixariam de exercer funções foi-lhes feita anteriormente, nomeadamente:
i) À trabalhadora D... e ao trabalhador F..., em 17 de Janeiro de 2017;
ii) Ao trabalhador E..., em dia não apurado de Março de 2017;
iii) À trabalhadora C..., em meados de Fevereiro de 2017.
Quando lhes foi comunicado que iriam deixar de lhes serem atribuídas funções, foi-lhes também referido que tal decisão se devia à necessidade de reduzir pessoal em razão da reestruturação da empresa.
À trabalhadora D... e ao trabalhador E..., foi-lhes ainda dito que os critérios para serem selecionados foram, respectivamente, os seguintes: o absentismo no ano anterior (absentismo que se deveu a um enfarte de miocárdio que sofreu, tendo estado internada); a idade (tinha 61 anos) e também por já ter sido chamado duas vezes para negociar a rescisão do contrato de trabalho, o que não aceitou.
A denominada Unidade de Suporte “funciona como um centro de transição, destinado à afectação temporária de trabalhadores que a recorrente colocou em situação de mobilidade ou alteração funcional até serem recolocados ou saírem da empresa” (facto xxxx).
Em termos práticos, essa unidade consiste numa sala com cerca de 5x4 metros de dimensão, duas janelas e um sistema de ar condicionado avariado, que os trabalhadores nunca viram funcionar (quando vieram para aquela sala já o ar condicionado não funcionava). A sala estava dotada de quatro secretárias, com uma cadeira cada e armários. E cada trabalhador dispunha de computador e telefone fixo.
Certo é, porém, que nenhum destes trabalhadores teve qualquer função atribuída ou sequer desempenhou qualquer tarefa laboral após ter sido colocado na Unidade de Suporte. Nenhum dos quatro trabalhadores tinha sequer qualquer documento de trabalho na secretária.
Situação que se mantinha idêntica quando foi realizada a segunda visita inspectiva, em 27 de Julho de 2017.
Acresce que também nunca foi referido a qualquer destes trabalhadores a eventual possibilidade de no futuro vir a ser recolocado para exercer determinadas e concretas funções.
De resto, já depois do levantamento dos autos de notícia, mais precisamente, “Desde 4 de Dezembro de 2017, quanto à trabalhadora D..., e desde 16 de Janeiro de 2018, quanto aos demais trabalhadores, a recorrente dispensou-os do cumprimento do dever de assiduidade, o que apenas foi aceite parcialmente pela trabalhadora C... que continua a deslocar-se à empresa todos os dias mas com isenção de picagem e cumprimento do horário completo” (facto bbbbb).
A todos estes trabalhadores, quando foram informados de que iam deixar de lhes ser atribuídas funções, foi-lhes também proposto a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, contra o pagamento de indemnizações em determinados montantes.
A recorrente justifica o facto de manter estes trabalhadores nesta situação de desocupação invocando um processo de reestruturação interna da sua organização, iniciado em 2015, com vista à redução de custos operacionais.
Provou-se que a recorrente tem efectivamente em curso um processo de reestruturação interna (facto uuuu), bem assim que essa “reorganização empresarial tem conduzido à concentração geográfica das suas operações, sobretudo nas maiores cidades do país, designadamente Lisboa, Porto e Coimbra e, por força disso, em algumas zonas geográficas como em ..., não existem tantas possibilidades de atribuição de novas funções como sucede nos centros de Lisboa, Porto e Coimbra” (facto uuuu).
Contudo, como bem decidiu o Tribunal a quo na sentença recorrida, essa reestruturação em curso e as vicissitudes que possa implicar, designadamente, reduzindo as possibilidades de atribuição de novas funções fora das cidades em que a recorrente concentrou as suas operações, não justificam a situação de absoluta desocupação em que colocou aqueles 4 trabalhadores, tanto mais que decidira retirar-lhes as funções atribuídas com antecedência reportada às datas acima mencionadas.
Sublinha-se, ainda, que nenhuma prova há sequer para permitir à recorrente ter uma base factual minimamente sólida para demonstrar, como vem afirmar, que “a actividade anteriormente desenvolvida pelos trabalhadores em apreço deixou de se mostrar essencial, e na ótica empresarial de internalização e optimização dos recursos humanos internos da Recorrente, aqueles trabalhadores passaram para a Unidade de Suporte, que mais não é que uma “bolsa” de trabalhadores disponíveis para desenvolverem funções compatíveis com as suas competências e categoria profissional, assim que surjam naquela zona geográfica”, mas que “devido à centralização geográfica das suas operações em Lisboa, Porto e Coimbra, não têm surgido oportunidades de colocação dos trabalhadores em apreço”.
Melhor precisando, não basta a recorrente ter referido aos trabalhadores que eram necessário reduzir as funções nos serviços que desempenhavam e que tal se devia a uma restruturação organizacional em curso, para se ter por certo que na realidade havia um excesso de recursos humanos para tais funções motivado por alterações na organização da estrutura funcional e produtiva. Antes era necessário dispor de factos concretos, a serem alegados e demonstrados pela recorrente, que permitissem concluir que efectivamente os postos de trabalho preenchidos por estes trabalhadores se revelaram desnecessários e, logo, excedentários, sendo isso o resultado de determinadas políticas de gestão, reorganização e reestruturação do modelo organizacional.
Por outro lado, não se vê também como pode vir a recorrente afirmar que a Unidade de Suporte “mais não é que uma “bolsa” de trabalhadores disponíveis para desenvolverem funções compatíveis com as suas competências e categoria profissional, assim que surjam naquela zona geográfica” mas que “devido à centralização geográfica das suas operações em Lisboa, Porto e Coimbra, não têm surgido oportunidades de colocação dos trabalhadores em apreço”, quando nunca lhes foi referida sequer qualquer possibilidade concreta de colocação em funções compatíveis com as suas categorias e competências, nem tão pouco nos autos foi feita a mínima prova disso ou sequer da alegada falta de oportunidades.
Nesse quadro, a colocação destes trabalhadores na Unidade de Suporte sem a atribuição de qualquer função não é mais do que o incumprimento do dever de ocupação efectiva, por parte do empregador, que não pode considerar-se justificado com a mera invocação de um processo de reestruturação em termos genéricos, de onde terá resultado que a “a actividade anteriormente desenvolvida pelos trabalhadores em apreço deixou de se mostrar essencial, e na ótica empresarial de internalização e optimização dos recursos humanos internos da Recorrente”.
Acresce, que se a recorrente tem em curso um processo de reestruturação da organização produtiva que alegadamente implicou a necessidade de reduzir postos de trabalho, em concreto estes 4, então poderia operar a cessação dos contratos de trabalho, caso considerasse que razões objectivas de ordem estrutural determinaram a supressão de postos de trabalho sem que fosse possível atribuir aos trabalhadores em causa quaisquer outros cargos compatíveis com a sua categoria profissional, recorrendo ao despedimento por extinção de posto de trabalho [art.ºs 367.º e 359.º n.º 2 al. b), do CT/09. O não exercício dessa faculdade tem pressuposta a ideia de que a recorrente empregadora poderia encontrar a breve trecho um posto de trabalho adequado para cada um dos trabalhadores inactivos, o que sempre implicava a observância do dever de lhes atribuir uma ocupação efectiva e, desde logo, que estivesse traçado um quadro preciso de onde decorresse uma séria expectativa da recolocação em novas funções.
Ora, não é isso, diremos mesmo, manifestamente, o que decorre dos factos.
Daí que não tenha também validade o argumento da recorrente sustentado no apelo “ao seu direito constitucional de liberdade de iniciativa económica das empresas (art. 61.º, n.º 1, da CRP”). Dito por outras palavras, prevenindo a necessidade das entidades empregadoras reduzirem postos de trabalho por razões objectivas, entre elas no âmbito de um processo de reestruturação da organização produtiva que implique a necessidade de reduzir postos de trabalho, a lei assegura ao empregador a possibilidade de extinguir postos de trabalho, através do recurso ao despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho - consoante o número de trabalhadores envolvidos – desde que estejam verificados determinados pressupostos. Mas a decisão de recorrer ao procedimento adequado, cuja licitude depende da verificação dos necessários pressupostos, está exclusivamente na disponibilidade do empregador. Se o empregador não usa os instrumentos legais que tem ao seu dispor, não pode depois vir alegar estar a ser-lhe coartado o “seu direito constitucional de liberdade de iniciativa económica das empresas (art. 61.º, n.º 1, da CRP”.
Mais, também não minimiza a culpa da empregadora no incumprimento da sua obrigação de garantir o direito dos trabalhadores à ocupação efectiva, o facto de lhes ter proposto a cessação dos contratos por mútuo acordo. Era uma solução com cobertura na lei para a cessação dos contratos de trabalho (art.º 349.º CT), mas que depende sempre do interesse e concordância do trabalhador. Portanto, se essa solução não se revelou viável, a alternativa para resolver o problema não pode passar por colocar os trabalhadores numa situação de total inactividade, deixando prolongar a situação sem qualquer iniciativa para recolocar os trabalhadores ou, não sendo tal viável no âmbito da nova estrutura da organização produtiva definida pela reestruturação, fazer uso dos instrumentos legais para fazer cessar os respectivos contratos de trabalho.
Mais, contrariamente ao que pretende sustentar a recorrente, o facto de ter dispensado os trabalhadores de cumprirem o dever de assiduidade e de não estarem prejudicados na obtenção do seu rendimento mensal não é de todo relevante para minimizar sua culpa, pois, como observa Monteiro Fernandes, “[A] inactividade forçada (embora remunerada) constitui, em regra, um factor de desvalorização pessoal e profissional para o trabalhador” [Op. cit. p.294].
De resto, no que concerne ao pagamento da retribuição, permita-se-nos a expressão, estamos perante um não argumento. Com efeito, nenhuma base legal permitia à recorrente empregadora eximir-se ao cumprimento da sua obrigação de pagar pontualmente a retribuição como contrapartida da disponibilidade dos trabalhadores.
Conclui-se, pois, que no rigor das coisas, os factos revelam uma situação de deliberada marginalização destes trabalhadores, colocados como excedentários numa sala, em total inactividade e sem qualquer perspectiva real de serem recolocados em novo posto de trabalho. Se a houvesse o propósito sério de atribuição de novas funções, ou teriam sido recolocados a curto prazo ou estaria já prevista essa possibilidade no âmbito do invocado processo de reestruturação organizacional.
Ora, recorrendo de novo às palavras de Monteiro Fernandes, «[A] marginalização do trabalhador na organização da empresa, a colocação dele “na prateleira” – sem razões objectivas de natureza técnica ou funcional -, sendo acções ao alcance dos poderes de organização do empregador, reconduzem-se à ideia de “oposição” que está traduzida na formulação do art.º 129.º» [Op. cit. p.299].
Como se disse, podendo existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas, cabe ao empregador o ónus da prova do circunstancialismo em que se fundamenta. No caso, a observância do dever que recai sobre a Ré de garantir a ocupação efectiva destes trabalhadores implicava que esta tivesse alegado e demonstrado os factos necessários para evidenciar uma actuação diligente da sua parte, com o propósito sério de lhes assegurar funções condignas. Só assim ficaria demonstrada uma conduta conforme aos ditames da boa-fé no cumprimento da relação laboral.
Pelas razões que se deixaram, resta concluir que a Ré não cumpriu esse ónus. Assim, forçosamente improcede também esta linha de argumentação.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 9 e Tabela III do RCP].

Porto, 7 de Janeiro de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes