Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17/14.8THPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS CONDOMINIAIS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP2017071217/14.8THPRT.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC DE VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 778, FLS.160-166)
Área Temática: .
Sumário: I - As despesas condominiais constituem uma obrigação propter rem, que decorre do estatuto de um direito real mas, no plano dogmático, tem a natureza de verdadeira obrigações.
II - Por tal razão, verificados os respetivos pressupostos, os condóminos estão legitimados a recusar o seu pagamento pela invocação da exceção de não cumprimento.
III - A exceptio pode verificar-se mesmo quando há prazos diferentes para as prestações, mas não pode ser oposta pelo contraente que deve cumprir em primeiro lugar.
IV - Como as obrigações impostas aos condóminos demandados deveriam ser liquidadas até ao dia 30 do primeiro mês do trimestre a que respeitam e foram interpelados para cumprir através de carta registada datada de 02/12/2013 e as obrigações do Condomínio relativas às obras pretendidas pelos Réus só surgem no momento em que a assembleia de condóminos sobre elas delibera, incumbia aos Réus cumprir em primeiro lugar, pelo que lhes é vedado opor a exceptio ao Autores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 17/14.8THPRT
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Porto, instância local, secção cível - J1
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
1.1. O “Condomínio B…”, representado pela empresa “C… - Administração e Gestão de Condomínio, Lda.”, com sede na Rua …, nº .., ….-… Porto, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra D… e E…, residentes na Rua …, N.º .., …, ….-… Porto, pedindo a sua condenação em:
a) O montante de €1.924,08 (Mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da presente ação até efetivo e integral pagamento;
b) Nas prestações trimestrais vincendas a partir do mês de janeiro de 2014, inclusive, à razão de €161,12 e de €16,11 do Fundo de Reserva para a fração “DX”, de €3,91 e de €0,39 do Fundo de Reserva para a fração “AZ”, sem prejuízo dos eventuais aumentos que venham a ser deliberados em Assembleia-Geral para o ano de 2014 e anos seguintes, nos termos do disposto no artigo 472º, n.º 1 do C. P. Civil com todas as demais consequências.
Alegaram que os Réus são os proprietários de duas frações autónomas, designadas pelas letras “AZ” e "DX”, correspondentes a uma habitação e lugar de garagem, pelo que estão obrigados a pagar os seguintes montantes:
a) Fração AZ:
4 prestações trimestrais do Orçamento valor de €3,91 cada, de acordo com o orçamento de 2013;
4 prestações trimestrais para Fundo de Reserva, no valor de €0,39 cada, de acordo com o orçamento de 2013.
b) Fração DX:
4 prestações trimestrais do Orçamento valor de €161,12 cada, de acordo com o orçamento de 2013;
4 prestações trimestrais para Fundo de Reserva, no valor de €16,11 cada, de acordo com o orçamento de 2013. Porém, existem débitos referentes às quotizações do condomínio das citadas frações, a saber:
a) Fracão AZ:
3 prestações trimestrais do orçamento, no valor de €3,91 cada, perfazendo no total €11,73 de acordo com o orçamento de 2011;
3 prestações trimestrais do Fundo de Reserva, no valor de €0,39 cada, perfazendo no total de €1,17, de acordo com o orçamento de 2011;
9 prestações mensais, no valor de €2,53 cada uma, perfazendo no total €22,77, referente à quota extra do ano de 2013;
€3,56, referente a multa pelo atraso no cumprimento, nos termos do artigo 34º do regulamento do condomínio. Total: € 39,23.
b) Fração DX:
3 prestações trimestrais do orçamento, no valor de €161,12 cada, perfazendo no total €483,36 de acordo com o orçamento de 2013;
3 prestações trimestrais do Fundo de Reserva, no valor de €16,11 cada, perfazendo no total de €48,33, de acordo com o orçamento de 2013;
9 prestações mensais, no valor de €94,04 cada uma, perfazendo no total €846,36, referente à quota extra do ano de 2013;
€137,80, referente a multa pelo atraso no cumprimento, nos termos do artigo 34º do regulamento do condomínio. Total: €1.515,85. Tais valores totalizam até à presente data o montante global de €1.555,08. As importâncias a pagar por cada condómino devem ser liquidadas até ao dia 30 do primeiro mês do trimestre a que respeitam. Os honorários do mandatário que subscreve a presente ação quantificam-se em €369,00, IVA incluído e devem ainda ser levadas em conta as prestações trimestrais vincendas à razão de €161,12 e de € 16,11 do Fundo de Reserva para a fração “DX”, de €3,91 e de €0,39 do Fundo de Reserva para a fração “AZ”, sem prejuízo dos eventuais aumentos deliberados em Assembleia-Geral para o ano de 2012 e anos seguintes.

1.2. Contestaram os Réus, excecionando a deficiente impermeabilização e fissuração do edifício em apreço, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, pelo que a sua fração DX, correspondente a uma habitação no 2º andar direito apresenta sérios e graves problemas de humidade. Por isso, entendem que seria manifestamente injusto e imoral que fossem “obrigados”, nas circunstâncias alegadas, a participar nas despesas de um condomínio, por uma normal utilização que eles próprios não podem fazer, e tudo isto com simples “fundamento” no pressuposto formal de serem titulares de frações no prédio, mas aceitam pagar essas prestações logo que a administração e o condomínio repare a fachada do imóvel, o interior da sua fração e pague a indemnização que lhes é devida, pelos prejuízos sofridos. Pugnaram pela improcedência da ação e deduziram reconvenção, pedindo a condenação do Autor a:
a) proceder à reparação da totalidade das fachadas do prédio em apreço nestes autos e identificado no ponto 2º do petitório e realização das obras de impermeabilização das mesmas, num prazo necessariamente curto – 6 meses afigura-se mais do que suficiente para a mencionada reparação (o valor do reclamado e o orçamento apresentado apenas contempla a reparação das fissuras que afetam diretamente a sua fração mas todas as fachadas do prédio têm que ser intervencionadas;
b) pagar-lhes a quantia de €20.784,00, dos quais €3.284,00, pelos danos patrimoniais sofridos e €17.500,00, a título de danos morais, acrescida dos juros moratórios que, à taxa legal, se vençam desde a citação e até integral e efetivo vencimento, dando-se por compensados na exata medida em que coincidam, os montantes em que ambas as partes venham a ser condenadas.

1.3. Realizada a audiência final e reafirmada a validade e regularidade da instância, foi pronunciada sentença com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, decido:
a) julgar, parcialmente, procedente, por provada, a presente ação e, em conformidade, condeno os RR., D… e E…, a pagar ao A., “Condomínio B…”, a quantia a quantia de 1.515,85 euros (mil, quinhentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de prestações de condomínio e multas pelo atraso, vencidas e ainda no pagamento das prestações de condomínio vincendas, a partir da data da instauração da presente ação, enquanto mantiverem a qualidade de proprietários da fração, identificada nos autos, acrescida de juros moratórios, às correspondentes taxas civis em vigor, respetivamente sobre o capital em débito, contados desde a data da citação e até integral pagamento (arts. 805, nº1, 806, 559 todos do C.C. e Portarias em vigor).
b) No mais, vão os RR. absolvidos do pedido.
c) Julgo improcedente, por não provado, o pedido reconvencional formulado pelos demandados contra o A. e, em consequência, absolvo-o do pedido reconvencional.”

1.4. Inconformada, a Ré E… apelou da sentença, sendo o recurso admitido com efeito suspensivo. Concluiu a sua alegação do seguinte modo:
A) Entende a Apelante que a Sentença agora em recurso é nula, uma vez que não está sequer fundamentada, em termos do direito aplicável, para justificar o indeferimento da pretensão da Reconvinte, quanto ao pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados, quando está concretizado, nos factos assentes, o nexo causal entre os danos sofridos e a falta de impermeabilização da fachada do prédio;
B) Nos termos do disposto no art. 607º, nº 3 do C.P.C., o juiz está obrigado a indicar os factos que considera provados “e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”;
C) De acordo ainda com o estatuído no art. 615º, nº 1 al. b) do C.P.C., a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de direito que justifiquem a decisão;
D) Nos autos em apreço, quanto ao pedido reconvencional, a douta sentença agora em recurso refere: “Em primeiro lugar, não obstante o tribunal ser sensível ao estado de saúde da Ré, ao seu agravamento e a todos os prejuízos que suportou, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, afirme-se que se entende que os demandados não têm direito ao seu ressarcimento.”.
E) De seguida a sentença explica, de forma extremamente telegráfica, de uma única página e apenas com meras conclusões e convicções da Meritíssima Juiz, sem que seja dada qualquer justificação, em termos de Direito, para explicar o porquê de, apesar dos muitos danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela inércia do Autor, a Ré não possa reclamar esses prejuízos.
F) Entende a Recorrente que a sentença é igualmente nula, uma vez que os fundamentos estão em oposição com a decisão e porque ocorrem ambiguidades ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível.
G) De acordo com os factos considerados provados, está estabelecido o nexo causal entre os danos provocados no interior do apartamento da Reconvinte e a deficiente impermeabilização e fissuração do edifício do prédio;
H) Veja-se, nomeadamente, o ponto 7º dos factos provados “Desde 2007, devido à deficiente impermeabilização e fissuração do edifício em apreço nestes autos, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, a fração DX, pertencente ao RR., correspondente a uma habitação no 2º andar direito, do imóvel, supra descrito em 3, apresenta os seguintes problemas: (…)”.
I) Sem fundamentar minimamente do ponto de vista jurídico, a decisão a quo limita-se a concluir e a estabelecer um novo nexo causal, segundo o qual, uma vez que os RR. não pagaram as prestações ao condomínio impossibilitaram com esse comportamento a realização das obras.
J) É no mínimo curiosa esta conclusão, uma vez que nem decorre de nenhum dos pontos da matéria assente nem sequer foi alegada pelo Autor (basta ler a réplica)…
K) Pelo que, para além da falta de fundamentação em termos jurídicos, a sentença é claramente ambígua e obscura, aliada à clara contradição entre a matéria assente e as conclusões vertidas, tornando a decisão ininteligível!!!
L) Essa ambiguidade em termos de conclusões, continua quando é dito que os Réus não aprovaram a realização das obras e, independentemente do motivo, “estes deveriam ter marcado uma reunião extraordinária e decidir o que se lhes afigurasse por conveniente sobre o assunto”.
M) Em primeiro lugar as frações “AZ” e “DX”, pertencentes à ora Recorrente, representam apenas uma permilagem de 0,5 e 18,6, respetivamente, num prédio enorme, com centenas de frações, conforme certidão predial junta aos presentes autos, pelo que é por demais claro e evidente que a causa dos danos nada tem a ver com o voto contra da Recorrente, não tendo esta tido qualquer possibilidade de convocar uma reunião extraordinária, atendendo à percentagem de 25% exigida pela lei, para que tal sucedesse.
N) Note-se que, aparentemente, é no mínimo estranho o facto de a Apelante (o seu ex-marido) ter votado contra, a 31/05/2011, a realização de obras, atendendo a que já se queixava desde 2007 dos problemas dai decorrentes.
O) A explicação para tal facto decorre do mencionado no ponto 36º da matéria assente e que é do conhecimento do Tribunal.
P) Tratava-se de um orçamento extenso, complexo e em relação ao qual foram suscitadas questões técnicas sobre a sua viabilidade e que motivou o voto contra não só da Recorrente, mas da maioria dos condóminos.
Q) Pelo atrás exposto, entende a Recorrente que a Sentença em apreço viola o disposto nos artigos 607º nº 3 e 615º, nº 1 al. b) e c), ambos do C.P.C..
R) Por outro lado, verifica-se uma clara omissão de pronúncia do Tribunal, sobre questões que devia apreciar, designadamente, as alíneas a) e c) do pedido reconvencional;
S) Conforme o estatuído no art. 608º, nº 2, do C.P.C., “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.
T) De acordo ainda com o estatuído no art. 615º, nº 1 al. d) do C.P.C., a sentença é igualmente nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
U) Nada é dito na sentença de que se recorre, quanto às alíneas a) e c) do pedido reconvencional, isto é, quanto ao pedido de condenação do condomínio na reparação da totalidade das fachadas do prédio e na realização da impermeabilização das mesmas, num prazo necessariamente curto, bem como, quanto ao pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, caso esse prazo que venha a ser fixado pelo tribunal, não seja cumprido.
V) Afigura-se, pois, que a sentença sob recurso viola o disposto nos arts. 608, nº 2 e 615º, nº 1 al. d), amos do C.P.C. e, como tal, está ferida de nulidade.
W) Verifica-se igualmente, no entendimento da Recorrente, a nulidade/irregularidade decorrente da alteração do objeto da ação, em sede de sentença;
X) Em sede de saneador, o objeto do litigio definido foi “da obrigação dos Réus pagarem as prestações de condomínio, da excepção de não cumprimento e dos danos.”.
Y) Já na sentença, surge plasmado um novo objeto, no qual, a questão dos danos, definidos no saneador, relativamente ao objeto da ação, desapareceu e são agora substituídos pela questão da prescrição do direito dos Réus.
Z) Entre esses “danos” figurava a questão dos danos nas fachadas do prédio e a necessidade de reparação dos mesmos.
AA) Infringindo-se, assim, o disposto nos artigos 3º nº.3, 6º nº.1 e 596º, nº 1, todos do C.P.C., em desrespeito pelos princípios do contraditório e da justa composição do litigio, do Estado de Direito Democrático e da Tutela Jurisdicional Efetiva (artºs 2º e 20º da CRP).
BB) Entende também a Recorrente que, perante os factos assentes, esta pode recusar o pagamento da sua contribuição para as despesas comuns, enquanto o condomínio não proceder à reparação dos defeitos das partes comuns, que impedem a normal utilização das frações desse condomínio.
CC) A sentença agora em recuso é manifestamente leonina, isto é, concede direitos apenas a uma das partes e deveres apenas à outra;
DD) Note-se que mesmo após a ação instaurada pela administração do condomínio em 2012 e depois de a Recorrente ter pago toda a dívida que tinha para com o condomínio, nem aí foram efetuadas quaisquer obras...
EE) De acordo com o estatuído no art. 1420, nº 1 do C.C., “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
FF) Verifica-se pois, uma relação que não se pode dissociar, por um lado a Recorrente é proprietária das próprias frações e, juntamente com os demais condóminos é dona, em comunhão, das zonas comuns do prédio, não podendo ser cindidos esses dois direitos, não podendo ser alienados separadamente, nem é lícito à Recorrente renunciar à parte comum, como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (ut art. 1420º, nº 2 do C.C.).
GG) A exigência da comparticipação da Recorrente para as despesas do condomínio ou quando esta pretende que o condomínio proceda à reparação e impermeabilização das fachadas do prédio, que provocam a falta de condições de habitabilidade e a têm impedido, bem como aos seus filhos, de fazer um uso normal da sua casa (cfr ponto 16º dos factos provados), estamos perante obrigações “propter rem” isto é, em ambos os casos estamos perante direitos e obrigações inerentes, não a um qualquer contrato, mas decorrentes do facto de a Recorrente ser titular de um direito real.
HH) Sendo que essas obrigações reais são verdadeiras relações obrigacionais, nesse sentido, a doutrina (vide M. Henrique Mesquita in Obrigações Reais e Ónus Reais, pág., 102 e 103 ou Rui Pinto Duarte, in Curso de Direitos Reais, pág. 21) e a jurisprudência são unanimes.
II) A própria lei não distingue a obrigação, consoante a sua fonte (ut art. 397º do C. C.).
JJ) Ainda segundo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, supramencionado em sede de alegações, o referido instituto mais não é do uma manifestação do principio fundamental em Direito, da boa-fé “segundo o qual quem viola uma obrigação não pode, sem abuso, exigir o cumprimento de uma outra que em relação àquela está em nexo de reciprocidade”.
KK) No caso sub judice, se é certo que a Recorrente não procede ao pagamento das despesas do condomínio também é certo e foi considerado provado que a falta de reparação e impermeabilização das fachadas do prédio, que são partes comuns do prédio, provocam a falta de condições de habitabilidade e têm impedido a Recorrente, bem como aos seus filhos, de fazer um uso normal da sua casa e prejuízos elevados, quer de natureza patrimonial quer de natureza não patrimonial (cfr, entre outros, os pontos 8º, 16º, 29º dos factos provados).
LL) Desta forma, podem os Réus legitimamente recusar o pagamento do condomínio, não sendo igualmente devida qualquer penalidade pelo atraso no pagamento, conforme Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, votado por unanimidade, acima identificado.
MM) Pelo que, a sentença em apreço viola o disposto nos artigos 428º do C. C. e 607º, nº 3, ao fazer uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso concreto e aos factos dados como provados.
NN) Sempre se dirá que, o facto de a Ré não ter efetuado o pagamento das restações em dívida ao condomínio, não é fator impeditivo de vir reclamar nestes autos, o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos no interior da fração e dos danos patrimoniais causados, tudo isto decorrente da falta de impermeabilização da fachada do prédio em apreço.
OO) Na sentença de que agora se recorre, de acordo com os factos considerados provados, está estabelecido o nexo causal entre os danos provocados no interior do apartamento da Reconvinte e a deficiente impermeabilização e fissuração do edifício do prédio.
PP) Veja-se, nomeadamente, o ponto 7º dos factos provados “Desde 2007, devido à deficiente impermeabilização e fissuração do edifício em apreço nestes autos, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, a fração DX, pertencente aos RR., correspondente a uma habitação no 2º andar direito, do imóvel, supra descrito em 3, apresenta os seguintes problemas: (…)”.
QQ) Com um prejuízo comprovado, no valor de €1.845,00 (ponto 8º da matéria assente).
RR) Foi igualmente estabelecido o nexo causal entre as infiltrações pela fachada do prédio e danos ocorridos no seu interior, com uma máquina de lavar roupa, com um prejuízo de €439,00 (ponto 26º da matéria assente) e reparações diversas em termos de reparações diversas, com um prejuízo de €1.000,00 (ponto 29º da matéria assente).
SS) Como é evidente, a necessidade de proceder à reparação, também ela peticionada em sede de reconvenção, de todas as fachadas do imóvel resulta dos danos, de toda a matéria assente e da resposta afirmativa da senhora perita ao quesito 3º, segundo o qual “De um modo geral, verifica-se uma deficiente impermeabilização e fissuração do edifício em apreço nestes autos, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, impondo-se uma intervenção urgente nas fachadas do imóvel?”.
TT) Para além dos danos patrimoniais, impõe-se igualmente a condenação do condomínio, pelos muitos e elevados danos não patrimoniais sofridos e amplamente constatáveis na abundante matéria de facto assente, nomeadamente, nos pontos 7º (mais de 10 anos decorridos…); 9º (medo decorrente do risco de incêndio verificado pela empresa contratada pela Recorrida); 11º (desde 2007, que a administração do condomínio tinha conhecimento dos factos); 14º (o facto de a Recorrente viver com duas filhas e um filho menor); 15º (o estado de saúde da Recorrente, agravado pelo estado da habitação); 16º (a falta de condições de habitabilidade do Lar da Recorrente); 17º a 23º (a vergonha, a impossibilidade de dar um uso normal à casa, a vergonha, o frio, a humidade, o mau odor, o facto de não poderem conviver com familiares e amigos); 30º (medo de incêndio e o temor pela vida do casal e dos filhos); 31º a 33º, etc, etc.
UU) Tendo sido peticionado o pagamento de uma indemnização, pelos vários danos morais sofridos, no montante de €17.500,00, correspondente a meros €2.500,00, por cada ano decorrido desde 2017 e até à dedução do pedido reconvencional, o que se afigura justo, atendendo aos danos alegados e integralmente provados, ao facto de se tratar da Casa de Morada de Família e ao muito tempo decorrido.
VV) Embora a administração do condomínio tivesse conhecimento do problema logo em 2007, só passados vários anos é que diligenciou por obter um orçamento o qual, por sua vez, só foi aprovado em inícios de 2015, o que retardou a realização das obras e determinou mais infiltrações e naturalmente mais prejuízos na fração do Apelante.
WW) A obrigação do condomínio de reparar os danos causados em fração autónoma, por infiltração de água através de uma parte comum, decorre do dever geral de agir expresso no art. 483º e do dever de vigilância enunciado no art. 493º, n.º 1, ambos do C.C. (nesta última disposição estabelece-se ainda uma presunção de culpa).
XX) Ora, resulta do provado que, com exceção dos Réus, os quais, atempadamente, comunicaram as infiltrações e solicitaram a reparação das fachadas do edifício, a administração do condomínio (inicialmente e durante vários anos) e os demais condóminos negligenciaram a obrigação de manterem as partes comuns sem vícios causadores de danos, ao não aprovarem em tempo oportuno o respetivo orçamento de obras, o que inviabilizou a execução atempada destas, de onde decorreram danos para a fração da Recorrente.
YY) A sentença agora em recurso, não condenou o Recorrido no pagamento de uma indemnização à Recorrente, como devia, pelos prejuízos causados, nem na reparação das fachadas do prédio, em prazo necessariamente curto, nem, finalmente, na fixação de sanção pecuniária compulsória (ut art. 829-A, nº 1, do C.C.), tudo isto requerido em sede de reconvenção.
ZZ) Pelo que, a sentença em apreço viola o disposto nos artigos art. 483º, art. 493º, n.º 1, art. 829-A, nº 1, art. 1430, n.º 1, art. 1431º, n.º 1 e art. 1436 al f), todos estes do Código Civil e 607º, nº 3 do C.P.C., ao fazer uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso concreto e aos factos dados como provados.”

Na resposta, rematou o Autor:
“1 – A Recorrente tenta apresentar a sua versão dos factos, socorrendo-se da transcrição de trechos da douta sentença posta em crise que mais lhe convieram no sentido de sustentar a sua tese e querendo formar outra convicção.
2 – Salvo o devido respeito, não poderá improceder a alegada nulidade da sentença, pois nenhum preceito legal foi violado e a jurisprudência que a Apelante invoca nas suas alegações não têm aplicabilidade “in casu”.
3 - A Apelante pretende ocultar o livre apreciação da prova do Tribunal “a quo” quanto à prova testemunhal produzida, sendo de realçar que já anteriormente em processo instaurado pelo ora Apelado já tinha improcedido de igual modo tal excepção e pelos mesmos argumentos.
4 - A Apelante não conseguiu demonstrar que a Administração do condomínio não cumpriu a sua obrigação da realização das obras, pois conforme se encontra devidamente fundamentado na douta sentença ora posta em crise, a não realização de tais obras também se deveu à conduta da Apelante e seu marido que votaram contra a aprovação do orçamento com vista à realização as mesmas obras discutidas nos autos e actualmente em curso.
5 - Sem prescindir se diga uma vez mais que a Apelante só demanda o condomínio em avultados danos patrimoniais e não patrimoniais quando este lhe peticiona judicialmente os constantes valores dando a sensação de querer “enriquecer” ao peticionar €2.500,00 de danos morais por cada ano de atraso desde o ano de 2018!! Pois, repita-se, só os peticiona quando é demandada judicialmente pelo Apelado.
6 - Pretende demonstrar ainda a Apelante que as obras só foram aprovadas após a apresentação da contestação. Ora salvo o devido respeito, trata-se sim de uma coincidência; e mesmo apesar de assim ter ocorrido, os Réus não compareceram na dita assembleia.
7 - Não pode colher ainda a tese defendida pela Apelante que o Apelado nunca realizou obras quando sabe que sempre se realizaram diversas obras de melhoria na conservação e manutenção das partes comuns, aliás tudo comprovado nas várias actas juntas aos autos.
8 - O que não se chegou a realizar foram as obras pretendidas pela Apelante, mas conforme se alegou na sentença, tal se deveu à falta de quórum, ou reprovação pelos Réus e/ou ainda pela falta de liquidez.
9 – A Apelante não pode alegar que a sentença é nula na medida em que alega que nunca foi invocado a falta de liquidez, pois foi por diversas vezes referido em Audiência de Julgamento através da produção de prova e sendo de relevar que na data da instauração da acção o montante em dívida das suas fracções era de €1.400,00 aproximado e no final da Audiência de discussão de Julgamento (decorridos quase 3 anos), o valor em dívida era bem mais elevado (quase €7.000,00).
10 – A alegação de que a Apelante que tem o direito de recusar o pagamento das prestações condominiais enquanto o Apelado não realizar as obras não pode proceder tal alegação, pois não ficou sequer demonstrado que tivesse havido interpelação ao Apelado nesse sentido, pedindo a convocação de uma Assembleia Extraordinária e ainda tivesse lançado mão dos meios judiciais ao dispor, o que nunca o fez, conforme decidido na sentença posta em crise.
11 - Terá pois de improceder uma vez mais a alegada excepção do não cumprimento invocada, pois ficou demonstrado que já no ano de 2011 que os Réus votaram contra a realização das obras que constantemente reclamam o que pode configurar o instituto do “venire contra factum proprium”.
12 - Da análise e ponderação a efectuar pela Relação, não pode constituir um novo Julgamento como parece pretender a Apelante.
13 - Na verdade, o Tribunal da Relação não pode ir à procura de uma nova convicção (a pretendida pela Apelante), mas procurar antes saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na sua fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante, entre outras, da gravação da prova por si e conjugadas com as regras da experiência comum e demais provas existentes nos autos e que “in casu” foram as suficientes que estiveram na base da formação da convicção da Meritíssima Juíza;
14 – Nesse seguimento, deve improceder a alegada nulidade da sentença recorrida invocada pela Apelante, pois foi feita plena e correcta aplicação do Direito aos factos, julgando correctamente procedente a excepção de não cumprimento, não existindo qualquer violação dos preceitos legais, nomeadamente o disposto no artigo 615º, n.º 1 al. b), c) e d), do Código Processo Civil… negando total provimento ao recurso.”
2. Questões solvendas
Sendo a matéria recursiva delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente [(artigos 608º, 634º/5 e 639º do Código de Processo civil, doravante “CPC”], cabe apreciar:
2.1. Nulidades da sentença;
2.2. Da exceção de não cumprimento;
2.3. Indemnização;
2.4. Da prescrição do direito invocado pelos Réus.
3. Fundamentação
3.1. De facto
3.1.1. A representante do Autor é uma sociedade cuja atividade compreende a administração e gestão de propriedades, bens e direitos imobiliários, direitos de propriedade, de compropriedade, de propriedade horizontal e de usufruto.
3.1.2. Mediante deliberação da Assembleia de Condóminos de 16.01.13 do prédio em propriedade horizontal, sito na Rua …., n.º .. e Rua …, n.ºs , .., .., .., .., .. e .., freguesia …, no Porto, a representante do Autor foi eleita administradora do referido imóvel (cfr. ata n.º 55 da Assembleia de Condóminos junta aos autos, a fls. 9 ss., aqui dada por inteiramente reproduzida).
3.1.3. Os Réus são donos de duas frações autónomas, designadas pelas letras “AZ” e "DX”, correspondentes a uma habitação e a um lugar de garagem, com acesso pela Rua … (cfr. doc. n.º 2., junto aos autos, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.4. Enquanto proprietários das supra descritas frações, cabe aos Réus o pagamento dos seguintes montantes:
a) Fracção AZ:
1. 4 prestações trimestrais do Orçamento, no valor de €3,91 cada, de acordo com o orçamento de 2013;
2. 4 prestações trimestrais para Fundo de Reserva, no valor de €0,39 cada, de acordo com o orçamento de 2013.
b) Fracção DX:
1. 4 prestações trimestrais do Orçamento, no valor de €161,12 cada, de acordo com o orçamento de 2013;
2. 4 prestações trimestrais para Fundo de Reserva, no valor de €16,11 cada, de acordo com o orçamento de 2013.
5. Os RR. não pagaram as quotizações do condomínio da citada fração, designadamente quanto à:
a) Fração AZ:
1.3 prestações trimestrais do orçamento, no valor de €3,91 cada,
perfazendo no total €11,73 de acordo com o orçamento de 2011;
2. 3 prestações trimestrais do Fundo de Reserva, no valor de €0,39 cada, perfazendo no total de €1,17, de acordo com o orçamento de 2011;
3. 9 prestações mensais, no valor de €2,53 cada uma, perfazendo no total €22,77, referente à quota extra do ano de 2013;
4. €3,56, referente a multa pelo atraso no cumprimento, nos termos do artigo 34º do regulamento do condomínio.
Tudo no total: €39,23.
b) Fração DX:
1. 3 prestações trimestrais do orçamento, no valor de €161,12 cada, perfazendo no total €483,36 de acordo com o orçamento de 2013;
2. 3 prestações trimestrais do Fundo de Reserva, no valor de €16,11 cada, perfazendo no total de €48,33, de acordo com o orçamento de 2013;
3. 9 prestações mensais, no valor de €94,04 cada uma, perfazendo no total €846,36, referente à quota extra do ano de 2013;
4. €137,80, referente a multa pelo atraso no cumprimento, nos termos do artigo 34º do regulamento do condomínio.
No total: €1.515,85 (cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i.).
3.1.6. As importâncias a pagar por cada condómino devem ser liquidadas até ao dia 30 do primeiro mês do trimestre a que respeitam.
3.1.7. A Administração de condomínio, através de carta registada, datada de 2/1272013, interpelou o R. para proceder ao pagamento da quantia em débito (cfr. doc. junto a fls. 54 vº e 55, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.8. Os RR., atualmente e desde 30 de Maio de 2013, encontram-se divorciados, permanecendo a Ré mulher a habitar a casa e vivendo o Réu marido na Rua …, …, …. Porto (cfr. doc 1, junto com a contestação, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.9. Desde 2007, devido à deficiente impermeabilização e fissuração do edifício em apreço nestes autos, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, a fração DX, pertencente aos RR., correspondente a uma habitação no 2º andar direito, do imóvel, supra descrito em 3, apresenta os seguintes problemas:
9.1. Fissuras
1. Na sala existe uma entrada de humidade na parede da sala voltada a poente, junto ao pavimento, que se deve a uma fissura exterior, que não se consegue ver do exterior, mas que existe com toda certeza sob o revestimento cerâmico - deve ser reparada e a impermeabilização da parede de fachada refeita numa faixa de, pelo menos, 50 cm de largura ao longo da fissura.
2. Na sala, na face interior da parede de fachada voltada a poente mas agora numa zona superior, existem mais duas fissuras que se encontram secas, existem só ao nível do revestimento interior e por essa razão são de resolução mais fácil.
3. Na lavandaria, na parede exterior de fachada voltada a sul, sobre o vão envidraçado (padieira) existe uma fissura a todo o comprimento do vão, essa sim visível da rua, esta deve ser reparada e a impermeabilização da fachada deve ser refeita numa faixa de 50 cm de largura ao longo da fissura.
9.2. Vedações
1. As vedações entre a caixilharia da lavandaria e a fachada precisam de ser substituídas porque as existentes estão velhas e deixam passar a água das chuvas.
9.3. Pinturas
1. A parede de fachada voltada a poente e a sul, nas zonas onde as fissuras serão reparadas, após secagem, deverão ser pintadas com tinta impermeabilizante igual à existente na restante fachada cobrindo toda a zona de reparação numa largura não inferior a 50 cm. Para a reparação exterior foi contabilizada a montagem e desmontagem de andaimes.
2. Depois das reparações exteriores e após secagem completa da parede de fachada, o teto interior da lavandaria deve ser limpo, raspado e o seral refeito nas zonas onde se encontre degradado. Por fim todo o teto deve ser pintado com tinta apropriada a zonas húmidas.
3. Depois das reparações exteriores e após secagem completa da parede de fachada, as paredes interiores da sala devem ser limpas, raspado o seral e refeito nas zonas onde se encontre degradado e todas as paredes da sala devem ser pintadas para evitar superfícies de diferentes tonalidades no mesmo compartimento.
9.4. Infra-estruturas elétricas
1. Após as reparações na fachada e secagem completa das paredes interiores, deve ser removida a cabelagem existente na sala e lavandaria, deve-se proceder ao enfiamento de cabelagem nova e substituição de 3 tomadas.
3.1.9. Para reparação dos problemas, identificados em 8, considerando custos de materiais e mão-de-obra correntes, será necessária a realização de obras, cujo valor ascende ao montante de €1.500,00 + IVA à taxa legal em vigor – atualmente no valor total de 1.845,00 (cfr. doc. junto com a contestação, sob o nº 2, aqui dado por inteiramente reproduzido).
10. Embora esses problemas sejam comuns a várias frações do imóvel, é urgente a reparação dessas patologias, no caso da fração dos RR., uma vez que tem afetado, ao longo dos anos, a instalação elétrica da fração, tendo provocado reiteradamente “curto-circuitos”, danificando vários equipamento elétricos, tapetes e soalho da sala, existindo um real risco de incêndio, “em caso de existir alguma fuga de gás ou algo do género que possa gerar combustão que possa despoletar um incêndio via curto-circuito eletrónico” (cfr. relatório elaborado pela sociedade F…, Lda, a pedido da administração do condomínio, datado de 19 de Novembro de 2012, junto aos autos, a fls. 92 a 98, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.11. Desde o início, em 2007, que os RR. deram conhecimento de tais factos, à administração do condomínio (cfr. docs. juntos sob os nºs 4 a 6, aqui tidos por inteiramente reproduzidos).
3.1.12. Esta questão da necessidade de obras no edifício e em particular na fração dos RR.. foi suscitada e discutida na Assembleia do Condomínio realizada a 21/11/2012 e constante da Ata 54, onde foi apresentado o referido orçamento, apresentado pela F…, a qual vistoriou a fração dos RR. (doc. junto aos autos a fls. 79 vº a 80, aqui dado por integralmente reproduzido).
3.1.13.É expressamente referido na aludida ata, que:
-“ só posteriormente à reparação da fachada “se poderia resolver as causas das infiltrações, de nada valendo reparar os interiores se as infiltrações se mantiverem”. -“que o respectivo condómino deveria desde já acautelar o risco referido, ainda que remoto, desconectando as tomadas danificadas pelas infiltrações”?…
14. Perante esta situação, os RR. informaram que não iriam continuar a pagar as contribuições devidas.
3.1.14. Atualmente e após o divórcio, a Ré mulher vive na habitação, na companhia das suas duas filhas e de um filho menor.
3.1.15. A Ré padece de doença auto-imune (espondiloartropatia), a qual é agravada por permanecer em locais com humidade.
16. Devido à humidade no interior da habitação e falta de condições de habitabilidade da mesma, tem sido notório um agravamento do estado de saúde da Ré, nomeadamente, aumento da dor lombar inflamatória, desde 2007, com agravamento progressivo ao longo dos anos, progredindo com atingimento dorsal e cervical (cfr. doc. 8 junto aos autos e aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.17. O imóvel situa-se numa zona nobre desta cidade (Antas) e os RR. São ambos professores (cfr. doc. 9º e 10º, juntos aos autos, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
3.1.18. Antes destes problemas começarem a surgir, era frequente os RR. realizarem no imóvel festas de Natal, aniversários, conviverem com familiares e amigos (cfr. docs 11º e 12º, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos).
3.1.19. Com o aparecimento dos problemas supra mencionados, por uma questão de vergonha, pelo estado em que estava o imóvel, tudo isso terminou, deixando de conviver no seu lar.
3.1.20. A Ré vê-se obrigada a substituir constantemente os tapetes na sala, pois a humidade é tal que estes se degradam muito mais rapidamente do que o normal.
3.1.21. O lar dos RR. (atualmente, depois do divórcio, apenas da Ré e seus filhos) deixou de ser um local confortável, como era até 2007, passando a ser um local desconfortável, húmido, frio e com mau odor, em particular nos períodos de Inverno, devido à humidade:
3.1.22. Na marquise, para além dos problemas causados na máquina de lavar roupa, os RR. deixaram de poder fazer um normal uso da mesma, pois para além da intensa queda de água (em dias de chuva) e da humidade, começaram a desprender-se pedaços do teto, sujando e danificando tudo quanto aí se encontrasse (cfr. doc 1, aqui tido por inteiramente reproduzido).
3.1.23. Passaram a ter que pedir a familiares e à vizinha (Drª Aurélia Dâmaso), para lavar e brunir a roupa do agregado familiar com alguma frequência, sempre que a máquina de lavar a roupa ou a de secar avariam.
3.1.24. Por todos estes motivos os RR. recusaram pagar e contribuir para as despesas de um condomínio.
3.1.25. Em 2012, o ora A., instaurou ação nos Julgados de Paz do Porto, contra os ora RR., com vista à cobrança das prestações alegadamente em dívida ao condomínio, a qual correu seus termos com o número 263/2012 (cfr. doc. junto a fls. 84 vº 87 vº, aqui tida por inteiramente reproduzida).
3.1.26. Em 2009, devido às mencionadas infiltrações na marquise, os RR. adquiriram uma nova máquina de lavar roupa, tendo despendido a quantia de €439,00, para substituir uma outra máquina, comprada pouco tempo antes, avariada por causa da entrada de água na marquise (cfr. doc. junto sob o nº 15,
aqui dado inteiramente por reproduzido).
3.1.27. Os tacos da sala de jantar levantaram devido à humidade, obrigando os RR. à reparação dos mesmos.
3.1.28. Devido à presença constante dessa humidade na marquise, a máquina de lavar roupa avaria com muito mais frequência.
3.1.29. Devido aos factos referidos em 26 a 29 os RR. suportaram um prejuízo de 1.000 euros.
3.1.30.Os RR. sentem medo, pela simples possibilidade de um curto-circuito poder originar um incêndio, temendo pela sua vida e dos seus filhos.
3.1.31. Os RR. sentem vergonha pelo estado em que se encontra o seu lar, há já sete anos, não podendo usufruir da sua casa, na companhia de seus familiares e amigos, em momentos especiais, como são os aniversários, o Natal, a Páscoa.
3.1.32.Os RR. sofrem por verem os seus próprios filhos impedidos de convidarem os amigos para irem a sua casa.
3.1.33. A Ré sofre pelo desconforto e agravamento do seu estado de saúde, decorrente da sua, já difícil, doença e pelo facto de não terem uma perspetiva de quando a situação descrita terminará.
3.1.34. Por diversas vezes, ao longo dos anos, o A. admitiu proceder à reparação dos danos nos interiores das frações, provenientes das partes comuns, o que levou a que os RR. não tivessem instaurado uma ação para esse efeito, devido à expectativa na realização das obras da fachada (cfr. docs. juntos a fls. 141 e 142, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
35. Dou por inteiramente reproduzido o teor da ata nº 50, da assembleia de condóminos, datada de 31/05/2011, junta a fls. 143/144 a 158, através da qual se verifica que os RR. reprovaram a realização de obras de reabilitação do edifício.
3.1.36. A aludida não aprovação das obras por parte da Ré, deveu-se ao facto de apenas terem sido facultados os respetivos orçamentos para análise, na própria assembleia, o que impossibilitou a sua análise cuidadosa.
3.1.37. Dou por inteiramente reproduzido o doc. junto a fls. 167, a convocar reunião extraordinária de condóminos para 14/12/2011, através da qual se verifica que não fazia parte da ordem de trabalhos a impermeabilização das fachadas 8cfr. doc. junto a fls. 167, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3.1.38. Dou por integralmente reproduzido o teor dos demais documentos juntos aos autos, a fls. 283 vº ss.
4. De direito
4.1. Nulidades da sentença
4.1.1. Alega a apelante que a sentença recorrida é nula porque não está “fundamentada, em termos do direito aplicável, para justificar o indeferimento da pretensão da Reconvinte, quanto ao pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados, quando está concretizado, nos factos assentes, o nexo causal entre os danos sofridos e a falta de impermeabilização da fachada do prédio”. Com efeito, determina o artigo 615º/1, b) do CPC que a sentença é nula quando, além do mais, “[N]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
Consabido que as decisões dos tribunais devem se fundamentadas (artigos 205º/1 da Constituição da República Portuguesa), o ordenamento jusprocessual civil comina a falta de fundamentação com a nulidade. Porém, a fundamentação, pertinente à legitimação intrínseca da decisão judicial e ao necessário esclarecimento daqueles a quem a decisão se dirige sobre as razões do acolhimento ou rejeição das suas pretensões, não devendo, em princípio, remeter para as razões afirmadas pelas partes, não exige que se aduzam todos os fundamentos possíveis de certa solução ou que se discuta cada uma das razões que a parte traz ao processo para acolher ou afastar a solução que propõe. Não importa que se aprecie cada argumento ou razão invocada, mas apenas que se indique a razão (ou as razões) que serve(m) de fundamento à decisão, de modo a que o seu destinatário fique conhecedor dos motivos da mesma. Por isso, a sentença incorre nessa nulidade quando seja completa a falta de fundamentação e já não quando esta seja diminuta ou deficiente[1].
Destarte, na apreciação das questões que são colocadas não tem a decisão de esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes; decidem-se as questões e não as razões. Não é o laconismo da decisão que se pode censurar mas a completa a ausência de fundamentação, ou seja, essa nulidade só ocorre no caso de falta absoluta de justificação do julgado e não quando este seja incompleto ou deficiente.
Trata-se também de um vício formal da sentença que determina a sua nulidade, mas apenas quando há falta absoluta de motivação, sendo insuscetível de ser integrado tal vício pela errada ou insuficiente fundamentação, que não afeta o valor legal da sentença[2].
A sentença sindicada, no que respeita ao pedido de atribuição de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais padecidos pelos Réus, explica os elementos que a levaram a afastar tal direito. Aduz que os Réus não aprovaram a realização das obras que o Condomínio pretendia levar a cabo, pelo que se o tribunal o condenasse estaria a ditar decisão injusta, na medida em que estaria a obrigar os condóminos ao pagamento de obras que não foram aprovadas. E conclui “que os demandados apenas se devem queixar do seu comportamento e do dos condóminos que tiveram igual atitude”. E clarifica que, doutra forma, estar-se-ia “a premiar” os condóminos “relapsos” que não pagam, não aprovam as obras e vêm exigir o pagamento dos danos resultantes da falta de obras! O que no modesto entendimento deste tribunal seria absolutamente injusto e desprovido de fundamento legal. Situação diferente seria se os RR. tivessem pago as suas obrigações, quotas, tivessem aprovado as obras e o condomínio decidisse não as realizar, mas já estamos em sede de conjeturas e de meras considerações, irrelevantes para estes autos”.
Está visto que o antecedente extrato da sentença exibe as razões da decisão e, portanto, não podem os réus deixar de ter percebido a motivação do tribunal para denegação do seu pedido indemnizatório. O julgador concretizou, como deve, os factos provados em que se baseia a sentença e a razão ou as razões jurídicas que apoiam a solução por si adotada, sem que a mesma padeça do vício de falta de fundamentação (artigo 607º/3 do CPC). Na sua essência, o que a apelante discorda é da decisão tomada, o que se reconduz a erro de julgamento a apreciar em sede de aplicação do direito aos factos provados, mas que não aporta a nulidade da sentença, que verte justificação bastante para a improcedência da reconvenção.

4.1.2. A recorrente atribui também à sentença a nulidade decorrente de os fundamentos estarem em oposição com a decisão e apresentar ambiguidade ou obscuridade que a tornam ininteligível. Aduz, para tanto, que está estabelecido o nexo causal entre os danos provocados no interior do seu apartamento e a deficiente impermeabilização e fissuração do edifício do prédio. Apesar disso, o tribunal a quo limita-se a afirmar que os RR. Não pagaram as prestações ao condomínio e impossibilitaram com esse comportamento a realização das obras. Conclusão que, na sua ótica, não decorre da matéria de facto assente nem foi alegada pelo Autor.
Efetivamente, a sentença é afetada de nulidade quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a tornem ininteligível [artigo 615º/1, c), do CPC]. A alegação da apelante não concretiza em que medida é que a conclusão extraída pelo tribunal contradiz os factos assentes, porque a mera prova do nexo causal do facto praticado pelo Condomínio e os danos verificados na sua fração não aporta, necessariamente, a obrigação de indemnizar. Esta exige outros pressupostos e, mesmo verificados todos os requisitos, pode ser afastada por causa de exclusão da ilicitude ou de causa justificativa do facto danoso[3]. Ademais o juízo conclusivo extraído pela sentença não precisa de ser articulado pelas partes, mas a alegação do recorrente poderá reconduzir-se a erro de julgamento e não à sinalizada nulidade. Para isso o julgador teria de seguir determinada linha de raciocínio, apontando para uma determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica nem com o erro na sua interpretação; quando o juiz entende que os factos apurados conduzem a uma certa solução jurídica e a parte defende que a consequência jurídica é outra patenteia-se um erro de julgamento e não uma oposição geradora de nulidade[4].
Esta parece ser a situação configurada pela apelante, ao sustentar que a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano deveriam conduzir, ao contrário do sentenciado, à procedência da sua pretensão indemnizatória. Tanto mais que contesta igualmente o juízo extraído pelo tribunal recorrido quanto à necessidade de ter tido lugar uma reunião extraordinária para decidir a questão das obras e opõe argumentos ligados ao reduzido peso que a sua votação teria no resultado final. Vale por dizer que a recorrente procura desmontar as consequências jurídicas extraídas pela sentença e pugna por solução que lhe seja favorável, ou seja, alveja a decisão recorrida de erro de julgamento.

4.1.3. E a recorrente baliza uma outra nulidade, a derivada de uma “uma clara omissão de pronúncia do Tribunal” por não ter apreciado os pedidos das alíneas a) e c) do pedido reconvencional.
Segundo o disposto no artigo 615º/1, d) do CPC, a sentença é nula se deixa de conhecer de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever de decisão das questões submetidas pelas partes à sua apreciação, prescrito no artigo 608º/2 do mesmo diploma, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras[5].
A nulidade sob destaque reverte na sanção imanente à violação daquela norma processual, mas uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito. E as questões que devem ser apreciadas são os pontos de facto e/ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os relativos ao pedido, à causa de pedir e às exceções[6]. E todas essas questões se encontram resolvidas mas, na opinião da apelante, mal decididas, o que redunda na apreciação jurídica das razões apresentadas pela recorrente em sede de enquadramento jurídico da factualidade apurada. Vale por dizer que a recorrente qualifica o vício da sentença como “nulidade” quando, em verdade, lhe assaca erro de julgamento. De todo o modo, da arguida nulidade não padece.

4.14. A recorrente destaca ainda a “nulidade/irregularidade decorrente da alteração do objeto da ação, em sede de sentença”, referindo que, no saneador, o objeto do litígio foi confinado à “obrigação dos Réus pagarem as prestações de condomínio, da excepção de não cumprimento e dos danos” e, na sentença, surge um novo objeto centrado na prescrição do seu direito.
O pedido formulado na ação corresponde à condenação dos Réus no pagamento das despesas de condomínio em dívida e multas devidas pelo retardamento verificado, tendo os demandados expressado a sua aceitação dos valores em dívida, embora opondo que eles não são devidos e, deduzindo, em reconvenção, formulam o pedido de condenação do Condomínio no valor dos danos por si sofridos nas suas frações devido às infiltrações provenientes das partes comuns do edifício.
Vista a sentença, verificamos que a mesma conclui pela obrigação dos condóminos demandados pagarem os valores peticionados pelo Condomínio, uma vez que não foram impugnadas as deliberações que aprovaram a contribuição dos condóminos para as despesas comuns, aqui solicitada aos Réus. Donde tenha concluído que é devido o valor peticionado perlo Condomínio, tal como os juros. Não vemos, portanto, que a sentença se tenha afastado do objeto da ação, porque a condenação corresponde exatamente ao pedido formulado pelo Autor, não se percebendo em que medida é que o objeto da ação foi alterado pela prescrição aflorada, que nem sequer foi conhecida, por se considerar estar em causa matéria cujo conhecimento ficou prejudicado pela improcedência do pedido reconvencional. De todo o modo, basta atentar que, na réplica, respondendo ao pedido reconvencional, o Autor excecionou a prescrição do direito invocado pelos Réus, o que torna ininteligível a posição assumida na apelação. Mesmo não estando em causa matéria de oficioso conhecimento, ao ser excecionada a prescrição do direito exercitado pelos Réus em via reconvencional, não poderia o tribunal a quo deixar de ser pronunciar sobre tal exceção, sob pena de omissão de pronúncia. Ainda assim, fê-lo na breve referência de que a improcedência da reconvenção prejudicou a apreciação da matéria excetiva que lhe foi oposta. Donde a patente falta de razão na apontada alteração do objeto da ação, que se manteve incólume, e da arguida nulidade/irregularidade.
Ante o exposto, não padece a decisão recorrida das assinaladas nulidades.
4.2. Subsunção jurídica
4.2.1. Exceção de não cumprimento
No caso sub judice, se é certo que a Recorrente não procede ao pagamento das despesas do condomínio também é certo e foi considerado provado que a falta de reparação e impermeabilização das fachadas do prédio, que são partes comuns, provocam a falta de condições de habitabilidade e têm impedido a Recorrente, bem como aos seus filhos, de fazer um uso normal da sua fração habitacional e os correspondentes prejuízos, quer de natureza patrimonial quer de índole não patrimonial. Este quadro, na perspetiva dos Réus, legitima-os a recusar o pagamento das despesas de condomínio e respetivas penalidades pelo atraso no pagamento, alegação que a sentença recorrida parece ter enquadrado na exceção de não cumprimento do contrato, que julgou improcedente por não estarem em causa relações contratuais, pois a obrigação de pagamento das prestações de condomínio é uma obrigação legal, propter rem.
Esta qualificação da obrigação dos Réus é inquestionável. A propriedade horizontal, regime jurídico a que estão submetidas as frações dos Réus, desdobra-se em dois interesses, muitas vezes, conflituantes: o interesse respeitante às partes comuns, devido à partilha do gozo comum desses mesmos bens, e o interesse autónomo, individual e exclusivo relativo à fração. Por isso, nas relações entre si, os condóminos estão sujeitos, quer quanto às frações quer quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (artigo 1422º do Código Civil). Os condóminos participam no direitito sobre a coisa comum, exercendo em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e separadamente participam nas vantagens e encargos da coisa na proporção das suas quotas (artigo 1405º/1 do Código Civil). Por isso, devem os condóminos contribuir na proporção das respetivas quotas para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagar os serviços de interesse comum na proporção do valor das suas frações, sem prejuízo de as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum poderem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação (artigo 1424º/1 e 2 do Código Civil).
No caso, ante a ausência de comprovação de diversa estipulação do regulamento do condomínio, cabe aos Réus, como condóminos suportar as despesas com a fruição e conservação das partes comuns do edifício proporcionalmente ao valor das suas frações na relação com o valor total do prédio, segundo a pré-fixação do título constitutivo de propriedade horizontal. Os Réus aceitam o valor liquidado a tal respeito, embora declinem as penalidades pelo atraso no cumprimento, mas não lhes assiste razão, porque as multas pelo atraso no cumprimento dos seus encargos condominiais estão regulamentarmente (artigos 34º e 37º do Regulamento Interno do Condomínio). Questão diversa é a de saber se os Réus podem paralisar a exigência do pagamento de tais despesas opondo a exceção de não cumprimento, porque a obrigação do condómino concorrer para os encargos de fruição e conservação do prédio constitui uma obrigação propter rem, tal como decidiu a sentença sindicada.
As obrigações reais são definidas como vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa titular de um direito real fica adstrita para com outra à realização de uma determinada prestação. São obrigações que dimanam do estatuto de um jus in re, que “compreendem os casos em que ao titular de um ‘ius in re’ sejam exigíveis comportamentos de conteúdo positivo (prestações de ‘dare’ ou de ‘facere’) que se integrem numa relação obrigacional; ou comportamentos de abstenção que correspondem a meras restrições ao conteúdo de soberania”[7].
A obrigação propter rem decorre do estatuto de um direito real, mas corresponde apenas a obrigações de conteúdo positivo que, no plano dogmático, têm a natureza de verdadeiras obrigações, de relações jurídicas perfeitamente distintas dos direitos reais, que lhes estão estreitamente ligadas. Apesar deste enquadramento conceitual, a doutrina propende a subordinar as obrigações propter rem ao princípio do numerus clausus ou da taxatividade[8]. É que, ao contrário das relações obrigacionais tout court, que podem ser livremente estabelecidas pelos particulares, nas obrigações reais não lhes é permitido criar obrigações que vinculem terceiros sem o seu consentimento. As obrigações propter rem acompanham sempre o direito real a que se encontram ligadas e, embora não importem a constituição de um direito real ou a modelação do seu conteúdo, há uma tal conexão que leva a defender a taxatividade que domina os direitos reais. As situações jurídicas propter rem são inerentes à coisa e acompanham-na quando ela se transmite e extinguem-se quando ela se extingue, numa inerência que não lhe confere natureza real, mas que são acessórias à titularidade de um direito real e, portanto, ao menos mediatamente, inerentes a uma coisa[9]. Em verdade, de uma obrigação propter rem decorrem para os subadquirentes efeitos e o devedor determina-se pela titularidade da coisa, a significar que fazem parte do conteúdo do ius in re e que estão submetidas ao princípio da taxatividade, existindo apenas nos casos previstos na lei.
Recentrados no estatuto jurídico da propriedade horizontal, que aqui nos ocupa, e tendo presente que a obrigação propter rem, no caso de origem legal, só surge quando verificados os respetivos pressupostos, ou seja quando ocorra um ato translativo do direito real antes do cumprimento[10]. Existe uma communis opinio no sentido de que a obrigação propter rem se transmite para o subadquirente, porque, como dissemos, é uma obrigação conexa ou acessória do direito real, e deve acompanhar o correspondente direito. Assim, se os Réus vendessem as suas frações, os encargos em dívida acompanhariam o direito real de propriedade e a dívida poderia recair sobre o adquirente (esta solução não é unívoca). É do estatuto da propriedade horizontal que deriva a necessária contribuição do condómino para as despesas de conservação das partes comuns do edifício, pelo que, em princípio, acompanham as frações transmitidas.
A exigência da comparticipação nas despesas do condomínio é, como exposto, uma obrigação propter rem, pois o respetivo sujeito passivo está vinculado não por via de um contrato, mas por ser titular de um determinado direito real. Frequentemente qualificadas como obrigações reais ambulatórias, não é fácil estabelecer uma delimitação rigorosa entre as obrigações reais ambulatórias e as não ambulatórias, o que legitima a prevalência de uma solução casuística. Todavia, são tidas como ambulatórias as obrigações reais de facere, que imponham ao devedor a prática de atos materiais sobre a coisa que constitui objeto do direito real, e não ambulatórias as restantes, as obrigações de dare[11]. É em torno desta qualificação que se discute se a transmissão do direito real exonera o transmitente do dever de prestar, passando a ser responsável o adquirente. Questão que aqui não nos ocupa, mas são estas características das obrigações propter rem que serviram de fundamento à decisão recorrida para excluir a sua oponibilidade ao Condomínio para efeitos da operatividade da exceção de não cumprimento, embora os Réus não tenham invocado expressamente essa exceção, antes tendo deduzido pedido reconvencional consubstanciado na realização das obras necessárias à eliminação dos danos causados na sua fração AZ e na indemnização pelos danos padecidos, com compensação dos valores peticionados.
De todo o modo, o quadro factual por eles alegado na contestação reconduz-se a tal enquadramento jurídico, que foi reiterado em sede de alegação recursiva, agora de forma explícita, afirmando: “Entende também a Recorrente que, perante os factos assentes, esta pode recusar o pagamento da sua contribuição para as despesas comuns, enquanto o condomínio não proceder à reparação dos defeitos das partes comuns, que impedem a normal utilização das frações desse condomínio.”
Donde a pertinência da reapreciação recursiva dessa questão.
A obrigação de pagamento das despesas com partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal constitui uma típica obrigação propter rem, posição uniformemente assumida pela doutrina citada e pela jurisprudência[12]. As obrigações propter rem, como referimos, são imanentes à coisa, mas não perdem o seu carácter obrigacional. Logo, o punctum crucis da decisão desta questão excetiva reside na pesquisa da natureza obrigacional desse vínculo do condómino. Enquanto uns definem a obrigação propter rem como aquela cujo sujeito passivo o devedor é determinado não pessoalmente (intuito personae), mas realmente, isto é, é determinado por ser titular de um qualquer direito real sobre a coisa[13], outros enfatizam o aspeto obrigacional e o seu cariz autónomo, embora o sujeito passivo seja determinado mediatamente: “é devedor quem for titular de certo direito real”[14].
A exceção de não cumprimento, a que alude o artigo 428º do Código Civil, está definida nos seguintes termos: “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. É a exceptio non adimpleti contractus, que pressupõe a existência de um contrato com prestações correspetivas ou correlativas, isto é, interdependentes, em que uma é o motivo determinante da outra, como nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Por via da exceção de não cumprimento do contrato qualquer das partes de uma relação sinalagmática pode recusar o cumprimento da sua prestação enquanto a contraparte não cumprir a sua.
O nosso ordenamento civilista disciplina o instituto no âmbito dos contratos, o que se compreende por serem os contratos bilaterais o seu campo de eleição. “Contudo, isto não significa que não se possa ir mais além, aproveitando todas as suas potencialidades, tanto no campo civilístico como noutros domínios jurídicos, em face das realidades sociais e económicas contemporâneas. Tenha-se presente, de resto, que o sinalagmatismo que está na base da exceptio diz mais propriamente respeito às obrigações com essa característica de reciprocidade do que aos contratos de onde derivam”[15]. Portanto, não obstante a inserção sistemática do instituto no regime dos contratos, ele é aplicável às obrigações em geral, se verificados os pressupostos respetivos e mesmo nos casos em que, por força da lei, se cria entre as partes uma relação análoga à proveniente do contrato bilateral.[16]
No caso, os Réus pretendem paralisar o direito do Autor às suas prestações condominiais pelo não cumprimento da realização de obras a que está adstrito e cuja falta lhe causa danos. Apesar da natureza de obrigação propter rem da prestação dos Réus, ela não perde o carácter obrigacional, de direito de crédito, pelo que aderimos à convocação da exceção de não cumprimento. As obrigações reais são verdadeiras relações obrigacionais; fazem parte do conteúdo do jus in re, mas este é suscetível de englobar momentos obrigacionais. Trata-se “de um conceito menos puro ou menos linear do que o de obrigação (…) Estruturalmente, é de verdadeiras obrigações que se trata, ou seja, de vínculos jurídicos em virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita a realizar uma prestação em benefício de outra”[17]. Portanto, fundando a natureza obrigacional da prestação dos Réus a invocação da exceção de não cumprimento, ao contrário do afirmado pela sentença recorrida, prevalecentemente, tudo estará em saber se os deveres em consideração estão ou não sinalagmaticamente unidos para a erigir.
A exceção de não cumprimento aparece fundamentalmente como um afloramento de um princípio de boa fé, segundo o qual quem viola uma obrigação não pode, sem abuso, exigir o cumprimento de uma outra que, em relação àquela, está em nexo de reciprocidade. E aqui parece-nos que o sinalagma dimana da funcionalidade e da reciprocidade das obrigações, porque se o Autor pode exigir aos Réus a sua prestação – despesas de condomínio – também estes podem exigir àquele a sua prestação – a efetivação das obras que afastem os danos por si evocados; prestações que lhe são impostas por força da própria lei, embora contra a vontade das partes, numa situação análoga à proveniente do contrato bilateral. Donde nos pareça que os condóminos podem recusar o pagamento da sua contribuição para as despesas comuns enquanto o Condomínio não proceder à reparação dos vícios verificados em partes comuns que vem impossibilitando o condómino de utilizar devidamente as suas frações, sendo que o sinalagma funcional reside no facto da contribuição para as despesas condominiais ter em vista a conservação das partes comuns[18].
De acordo com a enunciação normativa do predito artigo 428º, a exceptio non adiplentim contractus só ocorre se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento, mas a doutrina e jurisprudência têm entendido, sem divergências, que a exceptio pode verificar-se mesmo quando há prazos diferentes para as prestações, mas só pode ser invocada pelo contraente cuja prestação deve ser efetuada depois da do outro, ou seja, não pode ser oposta pelo que deve cumprir em primeiro lugar[19].
Assim, importa indagar quando se constituíram os Réus, proprietários das frações, na obrigação de comparticipar nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
As obrigações impostas aos condóminos demandados deveriam ser liquidadas até ao dia 30 do primeiro mês do trimestre a que respeitam, sendo que a Administração do Condomínio, através de carta registada, datada de 02/12/2013, os interpelou para proceder ao pagamento da quantia em débito (n.ºs 6 e 7 dos fundamentos de facto).
Por seu turno, as obrigações relativas às obras pretendidas pelos Réus surgem, nos termos do disposto pelo artigo 1424º do Código Civil, no momento em que a assembleia de condóminos sobre elas delibera. Ora, embora estando juntos aos autos orçamentos que se referem às obras em causa, não está comprovada deliberação no sentido da sua realização. Ao invés, da ata n.º 54, de 28-11-2012 (fls. 79 a 80,) antes resulta que não foi aprovada a realização das obras e foi deliberado recolher orçamento para a impermeabilização da cobertura do edifício, por ser essa a intervenção tida por necessária. Vale por dizer que cabia aos Réus cumprir em primeiro lugar e, nessa medida, é-lhe vedado opor a exceção de não cumprimento ao Condomínio, que só poderá cumprir depois de deliberado pela assembleia de condóminos, o que nem sequer resulta comprovado. É certo estar comprovado que, desde 2007, os Réus deram conhecimento dos factos à Administração do Condomínio (n.º 10 dos fundamentos de facto), mas a realização das obras, salvo se estiverem em causa reparações indispensáveis e urgentes, têm de ser deliberadas pela assembleia de condóminos, não cabendo nas funções gerais do administrador do condomínio os correspondentes poderes (artigos 1427º, 1430º/1 e 1436º do Código Civil). Assim, é patente não haver ainda incumprimento do Autor quanto à realização das obras, ou, pelo menos, nada está demonstrado a tal respeito. No entanto, está provado que, por diversas vezes, ao longo dos anos, o Autor admitiu proceder à reparação dos danos nos interiores das frações, provenientes das partes comuns, o que levou a que os Réus não tivessem instaurado uma ação para esse efeito, devido à expectativa na realização das obras da fachada. Mesmo não tendo o Autor poderes de decisão sobre a matéria, essa conduta é violadora da boa fé, tido como um princípio fundamental do Direito das Obrigações e que protege o respeito pelos valores ético-jurídicos e visa corrigir os desequilíbrios das relações jurídicas na perspetiva de realização da justiça social.
Como também está demonstrado que só depois da assembleia de condóminos de 21-11-2012, na qual foi apresentado um orçamento para reparação da fração dos Réus e na qual foi deliberado que só posteriormente à reparação da fachada “se poderia resolver as causas das infiltrações, de nada valendo reparar os interiores se as infiltrações se mantiverem” e que “o respectivo condómino deveria desde já acautelar o risco referido (de incêndio), ainda que remoto, desconectando as tomadas danificadas pelas infiltrações” é que os Réus informaram que não iriam continuar a pagar as contribuições devidas (n.ºs 11 a 13 da fundamentação de facto).
Este quadro denota a violação do princípio da boa fé por parte do Autor, pois não agiu de forma correta, honesta, leal e ética, fazendo promessas que não poderia cumprir. Só que a realização das obras apenas poderá efetivar-se após deliberação da assembleia de condóminos e, nessa medida, não lhe é imputável qualquer incumprimento, não podendo os Réus, por essa via, recusar o cumprimento da sua prestação.
Como não procede o pedido de condenação do Autor na realização das obras, decaem os Réus também no pedido do seu sancionamento em sanção pecuniária compulsória.

4.2.2. Indemnização
Decerto cientes disso, por via reconvencional, formulam os Réus a condenação do Autor na “reparação da totalidade das fachadas” e a “realização das obras de impermeabilização das mesmas, num prazo necessariamente curto – 6 meses”, pedido que não pode proceder. Ao Administrador do Condomínio cabe executar as deliberações da Assembleia, mas a esta cabe o poder exclusivo de usar o seu poder discricionário expresso na vontade coletiva dos condóminos que, votando, formam a deliberação. Daí que não caiba ao tribunal definir o interesse dos condóminos num assunto que compete à assembleia deliberar, apenas lhe compete declarar nula ou anular a deliberação impugnada e, mesmo no âmbito da sindicância da legalidade da deliberação, é-lhe vedado apreciar o mérito da deliberação ou substituir-se à assembleia na sua modificação[20].
Porém, o facto de os Réus não terem efetuado o pagamento das prestações em dívida ao Condomínio não os impede de reclamar o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos no interior da fração e danos de índole não patrimonial. É que cabe ao condomínio, no fundo ao conjunto dos condóminos, reparar os danos produzidos numa fração autónoma e provenientes de uma parte comum, sendo até convocável a presunção de culpa a que alude o artigo 493º do Código Civil para os danos causados por coisas. A norma estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de uma coisa, móvel ou imóvel[21]. Neste âmbito, provaram os Réus que foi a deficiente impermeabilização e fissuração do edifício, mormente das fachadas voltadas a sul e ponte, que causou os danos sofridos pela sua fração autónoma DX (n.º 8 – o indicado em segundo lugar – dos factos provados). De facto, nos termos do artigo 1421º/1, a), do Código Civil, estando a origem dos prejuízos dos réus na ausência de vigilância e de manutenção de fachadas, como partes comuns do edifício incumbia ao Autor proceder à sua vigilância e assegurar a sua manutenção, por forma a evitar a ocorrência de quaisquer danos. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350º/1 do Código Civil)”. O Condomínio não observou esses deveres de cuidado e zelo, em que se traduzem a vigilância, que são prévios à ocorrência do dano, visando obstar a sua produção, emergindo o resultado, precisamente, do processo causal que teve o seu início nessa omissão[22]. Ao contrário, não provou o condomínio, como lhe competia, quaisquer factos que poderiam excluir a correspondente responsabilidade, demonstrando que não houve culpa da sua parte ou que os danos sempre se teriam produzido ainda que não houvesse culpa (artigo 493º/1 do Código Civil). Seria esta prova que, como matéria excetiva, impediria a responsabilização do Autor, onerado com tal prova (artigo 342º/2 do Código Civil).
Aliás, a reparação de uma anomalia de uma fração autónoma, causada pela deficiente manutenção de uma parte comum, tem a natureza de uma obrigação propter rem, em que o respetivo sujeito passivo está vinculado por ser titular de um direito real. A relação creditória propter rem prescinde da noção de culpa, quanto à prova do direito real e dos atos que o ofendem, mas não prescinde dessa mesma culpa quanto à existência de danos e direito a indemnização[23].
Estando em causa uma responsabilidade delitual, são pressupostos da obrigação de indemnizar a prática de facto ilícito (a ilicitude decorre da violação do direito de propriedade dos Réus), a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[24]. Verificados os respetivos pressupostos, incumbe ao Autor indemnizar os prejuízos sofridos pelos Réus, todos especificados nos factos provados, a saber: 1.845,00 para reparação das humidades e problemas elétricos verificados na sua fração; 439,00 na substituição da máquina de lavar roupa; e 1.000,00 euros devido às avarias da máquina de lavar roupa e ao levantamento dos tacos da sala de jantar (n.os 3.1.9, 3.1.26 e 3.1.29 dos factos provados).
Está ainda demonstrado que a Ré padece de doença auto-imune (espondiloartropatia), agravada por permanecer em locais com humidade, o que lhe tem causado aumento da dor lombar inflamatória, com agravamento progressivo. O aparecimento dos problemas na fração levou a que o lar se tornasse desconfortável, húmido, frio e com mau odor, em particular nos períodos de Inverno, devido à humidade, o que fez com que deixasse de receber familiares e amigos. Os problemas elétricos originados pela humidade e a possibilidade de um curto-circuito originar um incêndio, fá-la temer pela sua vida e dos seus filhos (n.os 3.1.16 a 3.1.23 e 3.1.30 a 3.1.33 dos fundamentos de facto).
É pacífica a ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial, exigindo-se apenas que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artigo 496º do Código Civil), sendo a gravidade apreciada objetivamente, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto. O acervo factual apurado gerou danos na saúde da Ré, traz desconforto aos Réus e impede-os de receber visitas e familiares, o que assume gravidade bastante para merecer a tutela do direito[25].
A este pedido opõe o Autor a prescrição do direito de indemnizar relativamente aos danos que ocorreram há mais de três anos por referência à propositura da ação, em 20-01-2014. Como o pedido emerge de responsabilidade civil extracontratual, é convocado o prazo especial de prescrição, fixado no artigo 498º do Código Civil, de três anos. Tendo em conta que os Réus formularam o seu pedido indemnizatório por cada ano de ocupação da fração nas condições expostas, estão atingidas pela prescrição as formulações anteriores a 20-01-2011. Nessa medida, sopesados os factos, reputamos adequado arbitrar aos Réus o montante global de 5.000,00, que temos por razoável.
A atitude de os Réus não terem aprovado as obras nas fachadas é também ela reveladora de falta de boa fé, desde logo, por serem eles os interessados diretos na sua realização. Donde se não perceba o seu comportamento, o qual, sendo censurável, não afasta a nosso ver, a responsabilidade do condomínio pelos danos que lhe foram causados. É que as obras só poderão obstar aos danos futuros, mas não esbatem todos os prejuízos já sofridos e indemnizáveis nos sobreditos termos.
Sobre os valores indemnizatórios acrescem juros de mora: desde a data da citação quanto ao valor relativo aos danos de índole patrimonial e desde a data da sentença relativamente aos de natureza não patrimonial, valorada por referência à presente data.
Os Réus pedem a operatividade da compensação, a qual é admissível quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, sendo admissível a extinção das respetivas obrigações, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas realizarem as suas prestações ou pela dedução à maior prestação da prestação devida pela outra parte (artigo 847° do Código Civil). São pressupostos da compensação: a existência de créditos recíprocos; a fungibilidade das coisas objeto das prestações e identidade do seu género e qualidade; a existência, validade e exigibilidade do crédito do declarante e a existência, validade e possibilidade de cumprimento do crédito do declaratário.
Não estando em causa créditos legalmente não compensáveis (artigo 853° do Código Civil), como ocorrem os indicados requisitos pode operar a compensação. A tal não obsta a natureza propter rem da obrigação dos Réus, pois “nada impede que o devedor propter rem a faça valer perante o credor”[26].

Regime de custas: as custas da reconvenção e da apelação são suportadas por ambas as partes na proporção do decaimento (artigo 527º/1 do CPC).
5. Dispositivo
Na defluência do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em revogar parcialmente a sentença recorrida e, por conseguinte, em julgar:
- parcialmente procedente a reconvenção e condenar o Condomínio B… a pagar aos Réus, D… e E…, a quantia de 8.284,00 euros (oito mil duzentos e oitenta e quatro euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, à qual acrescem juros de mora desde a citação sobre o valor arbitrado quanto aos primeiros e desde esta data sobre a quantia fixada quanto aos segundos, no mais absolvendo o Autor do pedido reconvencional;
- mantendo-se a sentença proferida pelo tribunal a quo no que respeita à condenação dos Réus quanto às despesas de condomínio e penalidades, operando a compensação, fica o Autor condenado a pagar aos Réus o excedente.
As custas da reconvenção e as da apelação são suportadas por ambas as partes em função do vencimento.
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Porto, 12 de julho de 2017.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires, (vencido, porquanto entendo que o tribunal, sendo as obras de reparação e impermeabilização, da fachada do prédio indispensáveis e urgentes, deveria ter ordenado a sua realização.)
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[1] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág.194.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed. revista e atualizada, págs. 687/688.
[3] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4.ª ed., pág. 368.
[4] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 704.
[5] Antunes Varela, ibidem, pág. 690; e Rodrigues Bastos, ibidem, pág. 247.
[6] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, ibidem, pág. 704.
[7] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coleção teses, Almedina, 1990, pág. 265.
[8] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 282.
[9] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 4ª ed. refundida, pág. 230.
[10] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 315.
[11] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 299.
[12] In www.dgis.pt: Acs. do STJ de 02-03-2010, processo 5662/07.5YYPRT-A.S1; 14-09-2010, processo 4955/07.6TVLSB; RL de 19-01-2016, processo 507/09.4TCFUN.L1-7; 02-02-2006, processo 364/2006-6; 08-05-2008, processo 1824/2008-8; RP 02-05-2016, processo 1896/14.4T8VNG.P1; 07-07-2016, processo 5741/13.0YYPRT-A.P1
[13] A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais. Lisboa, Lex-Edições Jurídicas, 1993, pág. 367.
[14] José Alberto R. L. González, Direitos Reais: Introdução, Lisboa: SPB Editores e Livreiros, 1993, pág. 204.
[15] M. J. Almeida Costa, in RLJ ano 119º, pág. 143.
[16] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista e atualizada, pág.407.
[17] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, págs. 102 e 103; no mesmo sentido, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, pág. 21.
[18] In www.dgsi.pt: Ac. RL de 08-05-2008, processo 1824/2008-8.
[19] Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, pág. 405; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, pág. 331; Almeida Costa, ibidem, pág. 143.
[20] Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, pág. 254; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, Volume III, 2.ª ed. revista e atualizada, pág. 449.
[21] Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, Volume I, ibidem, pág. 495; in www.dgsi.pt: Ac. RL de 09-06-2009, processo 232/07.0TBSXL.L1-7.
[22] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 18-10-2010, processo 5166/06.3TBVNG.P1.
[23] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 310.
[24] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 4ª ed., 452.
[25] In www.dgsi.pt: Ac. RC 18-03-2014, processo 1566/11.5TBVIS.C1 (em sentido similar).
[26] Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 357.