Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3744/06.0TBVLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
VENDA DE IMÓVEL
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP202103083744/06.0TBVLG-B.P1
Data do Acordão: 03/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No processo executivo e quanto à venda judicial de imóvel penhorado, resultam do regime consagrado no artigo 6º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2020, de 29.05, as seguintes regras:
1ª Por princípio, a realização da venda não é suspensa, mesmo que respeite a casa de morada de família;
2ª No entanto, a realização da venda deve ser suspensa (i) se o executado o requerer e (ii) demonstrar que a realização da venda importa em prejuízo para a sua subsistência.
3ª A venda não deve ser suspensa, mesmo logrando o executado fazer prova daquele prejuízo, se o exequente, por seu turno, demonstrar que a não realização da venda importa em grave prejuízo para a sua subsistência ou lhe causa um dano irreparável.
II - Para aferir se a realização da venda importa em prejuízo para a subsistência do executado deve o Juiz fazer uma avaliação casuística e ponderada que leve em consideração os rendimentos do executado, a composição do seu agregado familiar, as suas despesas essenciais em alimentação, vestuário e saúde e, ainda, o valor da renda mensal que o mesmo terá que suportar para obter o arrendamento de um locado para a habitação do seu agregado familiar.
III - Mostrando-se suficientemente definida a causa de pedir invocada pelo requerente em sustento da sua pretensão, mas sendo a alegação deficiente por se mostrar vaga e conclusiva, à luz do princípio que resulta do artigo 590º, n.º 4, do CPC, deve o Juiz, previamente à decisão de mérito, convidar a parte a corrigir a sua alegação, não lhe sendo lícito decretar a improcedência de tal pretensão por ausência de alegação de factos concretos que a parte poderia ter alegado se o juiz não tivesse omitido o cumprimento daquele poder-dever de convite ao aperfeiçoamento.
IV - Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 de 1.02, à luz do preceituado no seu artigo 6º-B, n.º 6, alínea b), todos os actos a praticar em sede de processo executivo devem ser suspensos, incluindo a venda de bens penhorados, com excepção apenas dos (i) pagamentos a realizar em favor do exequente e (ii) daqueles cuja não realização resulte para o exequente prejuízo grave à sua subsistência ou um prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia comprovação por meio de decisão judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO - Processo n.º 3744/0.6TBVLG-B.P1
Juízo de Execução do Porto – J2
Relator: Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Des. Pedro Damião e Cunha
2ª Juíza Adjunta: Des.ª Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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I. RELATÓRIO:
1. Nos autos de execução para pagamento de quantia certa que “B…, SA” move contra C… e D…, mediante requerimento de 6.10.2020 vieram os executados requerer, ao abrigo do preceituado no artigo 2º da Lei n.º 16/2020, de 29.03, que aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, o n.º 7 do respectivo artigo 6º-A, a suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos.
Para tanto invocaram os executados, por um lado, que o imóvel em causa constitui casa de morada de família dos executados e, ainda, que a venda do aludido imóvel é susceptível de causar prejuízo à sua subsistência, pois que, atentos os rendimentos auferidos pelo executado C… e os actuais valores de mercado de arrendamento não lhe é possível arrendar outro imóvel para residirem.

2. A exequente opôs-se a tal pretensão, invocando que a venda do imóvel, em face dos rendimentos do casal, não põe em crise a sua subsistência e, ademais, esse pretenso prejuízo só ocorrerá com a entrega do imóvel (após a realização da venda) e não com a venda propriamente dita.
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3. A 3.11.2020 foi proferido despacho que indeferiu a pretensão dos executados por falta de fundamento legal, pois que, segundo o sustentado no despacho judicial, à luz do regime aplicável aos presentes autos, a suspensão dos actos executivos se mostra restringida apenas à entrega judicial de casa de morada de família e não, portanto, à sua venda judicial em sede de processo executivo.
Mais, ainda, se considerou de qualquer modo que a venda do imóvel, face aos rendimentos auferidos pelo executado marido (cerca de 1. 400, 00 €, 14 vezes por ano), não é susceptível de causar prejuízo à subsistência dos executados.
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4. Inconformados, vieram os executados interpor recurso deste despacho, em cujo âmbito ofereceram alegações e aduziram, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
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5. Não foram oferecidas contra-alegações.
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6. Observados os vistos legais, cabe decidir.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
Como resulta das conclusões do recurso – que, como é pacífico, delimitam o objecto da actividade jurisdicional do tribunal ad quem – a questão a dirimir é apenas a de saber se deveria ter sido decretada a suspensão da venda do imóvel penhorado nos presentes autos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos relevantes para a decisão do litígio são os que resultam do relatório que antecede.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Como resulta dos autos o requerimento deduzido pelos executados no sentido da suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos foi deduzido a 6.10.2020 e a respectiva decisão foi proferida a 3.11.2020.
Importa, assim, em primeiro lugar, atentas as sucessivas alterações legislativas emergentes do actual estado de pandemia, definir a Lei em vigor à data da decisão ora posta em crise.
Nesta matéria, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, previa, na sua redacção originária, no artigo 7º, n.º 10, a suspensão apenas das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, pudesse ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.
A posterior Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, manteve a previsão do anterior n.º 10 daquele artigo 7º (passando, no entanto, essa previsão para o n.º 11 desse mesmo artigo), mas aditou, ainda, ao seu n.º 6 uma nova alínea - alínea b) -, onde se previa a suspensão de quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus actos preparatórios, excepção feita àqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse cuja verificação ficava dependente de prévia decisão judicial.
Portanto, no contexto da Lei n.º 4-A/2020, a regra era a de todos os actos a praticar em sede de processo executivo ficariam suspensos, nomeadamente a venda de imóveis penhorados.
Como assim, a realização da venda em processo executivo apenas poderia ocorrer se, mediante prévia decisão judicial, fosse reconhecido que a sua não realização importava em grave prejuízo para subsistência do exequente ou era susceptível de lhe causar um dano irreparável.
Neste enquadramento, por princípio, ficavam os executados acautelados quanto ao prosseguimento da venda de imóvel penhorado de sua pertença, pois que, apenas naquelas circunstâncias excepcionais, se admitia a realização da venda, circunstâncias essas que teriam que ser invocadas no processo pelo exequente e reconhecidas em decisão a proferir previamente.
As subsequentes Leis n.º 4-B/2020, de 6 de Abril e n.º 14/2020, de 9 de Maio, mantiveram esta solução, pois que os normativos antes referidos não foram objecto de qualquer alteração nestes outros diplomas legais.
Posteriormente, no entanto, a Lei n.º 16/2020, de 29.05, manteve a solução antes prevista no n.º 11 do artigo 7º (passando, no entanto, esse normativo, na redacção introduzida por este novo diploma, para a alínea c), do n.º 6, do artigo 6º-A), mas alterou o regime atinente à realização da venda em processo executivo, aditando no seu artigo 6º-A, n.ºs 6, alínea b) e 7, as seguintes normas: “
6- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
(…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;”
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
Estas normas foram, depois, mantidas não obstante as alterações legislativas subsequentes, concretamente, com a Lei n.º 28/2020, de 28 de Julho, a Lei n.º 58-A/2020, de 30 de Setembro, a Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro e, ainda, mais recentemente, com a Lei n.º 1-A/2021, de 13 de Janeiro.
Neste enquadramento, à data da decisão ora recorrida, relevava o citado artigo 6º-A, n.º 6 al. b) e n.º 7, na redacção introduzida pela citada Lei n.º 16/2020, de 29.05, que se mantinha então em vigor.
Tendo isto por assente, no que diz respeito à alínea b) do n.º 6 do citado artigo 6º-A concordamos com o decidido no despacho recorrido, pois que, como do mesmo decorre em termos que julgamos claros, a suspensão refere-se apenas às diligências de entrega judicial de imóvel que constitua casa de morada de família, ou seja, da casa onde se situa, de forma regular, o centro da vida pessoal, familiar e social dos membros do agregado familiar do executado.
Destarte, no caso em apreço, não estando em causa a entrega do imóvel, mas a sua venda a hipótese não integra a previsão normativa da alínea b) do citado n.º 6 do artigo 6º-A, sendo certo que o legislador não podia deixar de conhecer a diferença entre a diligência de venda e a diligência de entrega propriamente dita e, portanto, neste pressuposto, apenas previu a suspensão da entrega do imóvel que constituísse casa de morada de família e não a suspensão da sua venda.
Não se ignora, naturalmente, nesta matéria, que, após a realização da venda, o executado estará obrigado a proceder à entrega do imóvel alienado, podendo, pois, o adquirente, em caso de não cumprimento voluntário, exigir coercivamente, pelos meios judiciais, a entrega daquele, nos termos previstos no artigo 828º, do CPC (na própria execução) ou mediante execução autónoma para entrega de coisa certa, fundada no título de transmissão ali obtido.
Porém, será só nesse momento posterior (da diligência para entrega subsequente à venda) que a situação cairá no âmbito da previsão do citado artigo 6º-A, n.º 6, alínea b) e em que poderá, pois, o executado, ao abrigo de tal normativo, requerer a suspensão da entrega (e não da venda anterior).
Portanto, como se referiu, nenhuma divergência nos suscita o despacho recorrido quando nele se defende que não era aplicável ao caso a previsão do citado artigo 6º-A, n.º 6 alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2020.
Mas, aqui já em desacordo com o sentido decisório contido no despacho recorrido, nada na lei prevê que a suspensão da instância executiva seja restrita apenas e só à hipótese de entrega judicial de imóvel que constitua casa de morada de família, como no mesmo se invoca para decidir pelo indeferimento da suspensão da venda.
De facto, como se assinalou, o n.º 7 do mesmo artigo 6º-A da Lei n.º 1-A/2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2020, de 29.05, prevê, ainda, a suspensão dos actos a realizar em sede de processo executivo referentes a vendas de imóveis quando esses actos sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado (a invocar por este no processo) e desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável.
Por conseguinte, perante este novo regime emergente da Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao contrário do que sucedia no regime da Lei n.º 1-A/2020, com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, se a venda em processo executivo deixava, por princípio, de ficar suspensa, ainda assim, ficava expressamente aberta a possibilidade de o executado requerer essa suspensão, alegando e demonstrando que a sua realização importava em prejuízo à sua subsistência, podendo, no entanto, em sentido contrário, o exequente demonstrar que essa suspensão causava grave prejuízo à sua subsistência ou um dano irreparável, caso este em que a venda sempre deveria ter lugar.
Como assim, em nosso julgamento, três regras essenciais é possível extrair do regime emergente do citado artigo 6º-A, n.º 7, na redacção da Lei n.º 16/2020, de 29.05., em vigor à data da decisão recorrida:
1ª Como princípio geral, a venda em processo executivo não fica suspensa, mesmo que respeite a imóvel que constitua casa de morada de família;
2ª Todavia, a venda deve ser suspensa (i) se o executado o requerer no processo e (ii) demonstrar que a realização da venda importa em prejuízo para a sua subsistência.
3ª A suspensão da venda não deve ser decretada, mesmo logrando o executado fazer prova de prejuízo para a sua subsistência, se o exequente, por seu turno, alegar e demonstrar que a suspensão da venda importa em grave prejuízo para a sua subsistência ou lhe causa um dano irreparável.
Dito isto, a questão que se coloca no recurso é, em termos essenciais, a de saber se o executado logrou demonstrar que a venda do imóvel em causa importa em prejuízo para a sua subsistência, sendo certo que tratando-se o exequente de entidade bancária (B…) dotada da necessária robustez financeira a não realização da venda de um imóvel não coloca, naturalmente, em perigo a sua subsistência, nem é susceptível de lhe causar um dano irreparável, uma vez que o imóvel, não obstante a suspensão da venda, permanece penhorado à ordem da execução e, portanto, mostra-se garantida a satisfação do crédito exequendo, ainda que mais tardiamente. Aliás, nesta sede, diga-se, a exequente nada alegou no sentido de invocar esta contra-excepção quanto à pretensão suspensiva da venda deduzida pelo executado.
Neste preciso âmbito, como resulta do despacho recorrido, nele o Sr. Juiz propendeu para o entendimento de que, auferindo o executado marido uma pensão de reforma de cerca de € 1.400,00 líquidos (14 vezes por ano), a venda do imóvel (mesmo sendo a casa de morada de família) não importava em prejuízo para a sua subsistência, acompanhando, pois, nesta parte, a oposição adoptada pela exequente, para quem a venda (e subsequente entrega) do imóvel em causa causaria, por certo, prejuízo aos executados (atenta a necessidade de obter, em termos de arrendamento, outro local para habitação, pagando uma despesa que antes não tinham que efectuar), mas não um prejuízo à sua subsistência, atentos os rendimentos que auferem.
Vejamos.
Em primeiro lugar, é de referir que a venda do imóvel onde habita o executado (e o respectivo agregado familiar) importa sempre num prejuízo, na medida em que se, por um lado, com a venda o mesmo solve (total ou parcialmente) o débito exequendo, por outro, tem necessariamente que arcar com uma nova despesa que antes não tinha, seja a renda de uma outra habitação, seja a prestação de um eventual crédito para aquisição de outra.
Mas este efeito inevitável da venda executiva não basta para que a mesma seja suspensa, pois que se bastasse o legislador tinha, sabendo (como é de presumir – artigo 9º, n.º 3, do Cód. Civil) da realidade que se acabou de expor, previsto a suspensão, pura e simples, da venda executiva do imóvel que constitua habitação do executado ou casa de morada de família e o certo é que não o previu; pelo contrário, como já antes se referiu, à luz do regime que emerge da Lei n.º 1-A/2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2020, por princípio, a instância executiva não é suspensa e, portanto, a venda executiva também não o é, salvo apenas nos casos específicos previstos na lei, nomeadamente que da venda decorra um prejuízo para subsistência do executado.
Neste conspecto, e como já antes se salientou, a suspensão da venda de imóvel onde habite o executado ou que constitua casa de morada de família depende, a título excepcional, em primeira linha, de o executado o requerer (não sendo, pois, de funcionamento automático ou de conhecimento oficioso) e, em segunda linha, da alegação e demonstração de factos concretos a partir dos quais possa o julgador concluir pela existência de um prejuízo para a sua subsistência.
Todavia, permanece a questão: o que é prejuízo para a subsistência do executado, sendo certo que, como se viu, não basta um “ simples “ prejuízo?
A subsistência, em termos económicos, há-de, em nosso ver, corresponder àquele valor mínimo que permita ao executado e ao seu agregado familiar (aqueles que com ele vivem e que de si dependem economicamente) ocorrer às despesas com a habitação, a alimentação, o vestuário e a saúde, pois que a capacidade para a realização de tais despesas é, segundo os padrões sócio - culturais actualmente vigentes, essencial à subsistência condigna de qualquer cidadão.
Com efeito, se o mesmo não tiver ao seu dispor um rendimento que lhe permita suportar aquelas despesas, será de concluir, em nosso ver, que está posta em causa a sua subsistência e, portanto, nessa hipótese existe uma afectação negativa ou prejuízo para a subsistência do executado e dos membros do agregado familiar que dele dependem.
Mas para aquilatar deste prejuízo, em nosso ver e salvo o devido respeito por opinião em contrário, não basta apelar-se, como sucede no despacho recorrido, apenas ao valor do rendimento mensal auferido pelo executado e à circunstância de o mesmo ser, em abstracto, superior ao salário mínimo nacional.
Nesta perspectiva, segundo julgamos, na actual situação de pandemia e de grave crise económica e social, o propósito do legislador não foi apenas o de salvaguardar/proteger aqueles que auferem o equivalente ao salário mínimo nacional (ou menos do que este valor), - fruto da cessação ou redução da actividade económica - mas todos os que, fruto da actual situação económica e social, podem, num contexto particularmente difícil, ver a sua subsistência afectada por actos de cobrança judicial de créditos, nomeadamente, como ora sucede, através da venda do imóvel onde habitam, com a consequente obrigatoriedade de suportarem uma acrescida despesa, que é, como bem se sabe, sempre significativa e, muitas vezes, a maior despesa dentro do orçamento pessoal/familiar.
Só assim não será, como também já se referiu, se a não realização da venda importar grave prejuízo para a subsistência do exequente ou lhe causar dano irreparável, o que é difícil de antever quando está em causa uma execução instaurada por entidade bancária, como é o caso dos presentes autos. Aliás, como já se referiu, a exequente nem invocou matéria fáctica atinente a esta matéria e, portanto, esta questão não se nos coloca.
Prosseguindo, nesta perspectiva, pode o rendimento mensal ser superior ao valor do salário mínimo nacional e, ainda assim, a circunstância de o executado ter de procurar uma outra habitação, com o consequente pagamento da respectiva renda, comprometer ou prejudicar a sua subsistência, isto é, comprometer a realização das referidas despesas essenciais com alimentação, vestuário e saúde, dependendo esse factor, sobretudo, da composição do seu agregado familiar e do valor global daquelas outras despesas mensais que o mesmo tem, em condições normais, que suportar.
Portanto, segundo cremos, para aquilatar sobre a afectação da subsistência do executado, será sempre necessário, sobretudo estando em causa a habitação do executado ou a casa de morada de família, numa análise cuidada, ponderada e casuística confrontar o seu rendimento com o valor de todas despesas mensais acima referidas (do executado e do seu agregado familiar, para o que relevam os membros desse agregado, a sua idade, o seu estado de saúde, os seus rendimentos e a sua eventual actividade profissional), nelas incluindo, naturalmente, o valor da renda para arrendamento de uma habitação, segundo os valores correntes de mercado.
Aqui chegados, e tendo em vista a solução do caso concreto, verifica-se que os executados no seu requerimento invocaram, ainda que de forma manifestamente vaga e conclusiva, que a venda do imóvel é susceptível de causar prejuízo à sua subsistência, pois que vivem apenas do rendimento (pensão) do executado marido, não lhes sendo possível, assim, arrendar outro locado para residirem, dado o valor dos preços do mercado de arrendamento.
Por conseguinte, repete-se, ainda que de forma genérica e conclusiva, os executados não deixaram de invocar o seu agregado familiar, ainda que sem indicarem os membros de tal agregado familiar, a sua idade e a sua actividade profissional, não deixaram de invocar o rendimento disponível (a pensão de reforma do executado que suportará todas as despesas do agregado familiar que, aparentemente, será composto de duas pessoas já com alguma idade), ainda que sem indicarem o seu valor mensal e, ainda, não deixaram de referir que esse rendimento não é o bastante para suportarem a despesa da renda de outro locado para sua habitação, ainda que sem indicarem qual o valor mensal da renda, segundo o mercado de arrendamento, para um locado que satisfaça as suas necessidades de habitação.
Dito de outra forma, os executados não deixaram de indicar no seu requerimento a causa de pedir que sustenta a pretensão por si deduzida quanto à suspensão da venda do imóvel, mas fizeram-no, como aliás, também se reconhece no despacho recorrido, de forma deficiente, em termos conclusivos, sem concretizarem/especificarem os factos concretos que a constituem, omitindo, nomeadamente, os elementos de facto antes referidos e que, em nosso ver, são, de todo, indispensáveis ao juízo ponderado que o Tribunal terá que fazer quanto ao eventual preenchimento da hipótese “ prejuízo para a subsistência do executado “ e para um eventual acolhimento da suspensão da venda do imóvel em causa.
Porém sendo assim, com o devido respeito, não pode o julgador decidir-se pela improcedência da pretensão deduzida invocando, para tanto, como é o caso, que os executados não alegaram factos concretos para demonstrar o alegado prejuízo para a sua subsistência decorrente da venda do imóvel, pois que, à luz do princípio geral da colaboração (artigo 7º, n.º 2, do CPC) e, em particular, da regra geral que emerge do preceituado no actual artigo 590º, n.º 4, do CPC (que procura evitar decisões formais em detrimento de decisões de fundo), tem o mesmo julgador o “poder vinculado”, isto é, não discricionário, de, previamente ao conhecimento de mérito, permitir à parte concretizar a matéria de facto que alegou nos autos, ainda que de forma deficiente.
Com efeito, como vem sendo sucessivamente salientado pela doutrina [1] e pela jurisprudência [2], nas hipóteses em que a causa de pedir se mostra suficientemente definida pela parte interessada, não sendo, pois, caso de ineptidão por falta de causa de pedir, nem de improcedência por falta de alegação de algum elemento essencial, mas a alegação da causa de pedir se revela, em algum segmento, vaga, ambígua, duvidosa ou conclusiva, tem o juiz que endereçar à parte convite de aperfeiçoamento do seu articulado/requerimento, especificando a matéria de facto que, tendo sido alegada de forma conclusiva, imprecisa ou equívoca, carece de ser explicitada e/ou concretizada para efeitos decisórios.

Destarte, não pode o Tribunal, em nosso ver, sem lançar mão desse prévio convite à parte no sentido da correcção do seu requerimento, decidir-se pela improcedência da pretensão por falta de alegação dos factos concretos que a parte não alegou, mas sempre poderia ter alegado – em concretização do antes alegado de forma vaga e/ou conclusiva – se o juiz tivesse dado cumprimento àquele seu poder-dever funcional.
Por conseguinte, em nosso julgamento, tudo concorre no sentido de que o despacho recorrido não é de manter, pois que se impunha o cumprimento pelo Tribunal daquele poder-dever antes assinalado, mediante prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento dos executados e, em função dessa alegação concretizadora efectuada pelos mesmos na sequência de tal despacho, a prolação de posterior decisão sobre a verificação ou não de uma situação de prejuízo para a subsistência dos executados decorrente da venda judicial do imóvel em causa e para efeitos de decretamento ou não da suspensão da venda, à luz do preceituado no artigo 6º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, na redacção introduzida pela citada Lei n.º 16/2020, de 29.05.
Significa isto, em função do exposto, por um lado, que o despacho que indeferiu a suspensão da venda teria que ser revogado e os autos deveriam prosseguir os seus termos tendo em vista a prolação de nova e posterior decisão sobre a pretensão dos executados quanto à suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos, precedida de despacho de convite ao executados para concretização ou esclarecimento da sua deficiente alegação.
Todavia, sendo assim, avulta que, fruto do mais recente agravamento da situação sanitária decorrente da pandemia da doença Covid-19, entrou, entretanto, em vigor (a 2.02.2021), a mais recente Lei n.º 4-B/2021, de 1.02., lei que no seu artigo 6º-B, n.º 6, alínea b), prevê o seguinte:
São também suspensos:
(…) b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda de bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque um prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
Portanto, em função do expressamente consignado neste novo diploma legal, que repristinou, quase na íntegra o regime da Lei n.º 4-A/2020, acima citada, quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo, incluindo, naturalmente, a venda a ali ter lugar, ficam suspensos, apenas se admitindo a realização de dois tipos de actos:
(i) pagamentos ao exequente com o produto da venda (já) consumada;
(ii) actos, cuja não realização, cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou lhe cause um prejuízo irreparável, prejuízo que há-de ser invocado no processo pelo exequente e reconhecido em prévia decisão judicial.
Ora, perante este normativo, resultando da anterior fundamentação deste acórdão que a venda do imóvel penhorado nos autos não é de manter, atento o pedido de suspensão da mesma, pedido este que deveria ser, nos termos também acima expostos, de novo reapreciado e decidido, tal significa que os autos têm de regressar à fase prévia à decisão de venda do mesmo imóvel e, logicamente, por força da, entretanto ocorrida, entrada em vigor do citado artigo 6º-B, n.º 6, alínea b), da Lei n.º 4-B/2021, devem os presentes autos de execução ser agora declarados suspensos (e, por maioria de razão, a própria venda do imóvel em causa) e até que venha a ocorrer a alteração desta última Lei, que assume confessado caracter transitório, fazendo-os, ulteriormente, prosseguir em função do regime que vier a resultar da opção legislativa subsequente àquela Lei n.º 4-B/2021.
Procede, assim, neste outro sentido e face a esta última alteração legal, a apelação, com a consequente suspensão da venda do imóvel em causa.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido (que indeferiu a suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos), despacho este que deve ser substituído por outro que declare por ora suspensa a instância executiva (e a realização da venda do imóvel penhorado), nos termos do preceituado no artigo 6º-B/, n.º 6, alínea b), da Lei n.º 4-B/2021, de 1.02.
Revogada ou alterada esta última Lei, os autos de execução deverão prosseguir em conformidade com o que vier a ficar consignado nesse novo e subsequente regime.
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Sem custas, dado que não existe parte vencida no recurso - artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 8.03.2021
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] FRANCISCO FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 182-184, J. LEBRE de FREITAS, “CPC Anotado”, 2º Volume, 3ª edição, pág. 634-636 e PAULO PIMENTA, “Processo Civil Declarativo”, 2015, pág. 216-221.
[2] Vide, por todos, AC RP de 3.12.2020, relator Sr.ª Juíza Desembargadora JUDITE PIRES, AC RP de 15.05.2020, relator Sr. Juiz Desembargador MIGUEL BALDAIA de MORAIS, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.