Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1025/20.5T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO DE JUROS VINCENDOS
Nº do Documento: RP202206211025/20.5T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Aos juros vincendos emergentes duma sentença transitada em julgado, fundamento da ação executiva, aplica-se o regime prescricional de curto prazo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 311.º, n.º 2 e 310.º, al. d, do CCivil, uma vez que assim o impõe a razão de ser da prescrição quinquenal: “evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas”.
II – Numa ação executiva em que a citação só deve ocorrer depois da penhora de bens do executado, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias da data de instauração da execução, nos termos do preceituado no art. 323.º, n.º 2, do CCivil (citação ficta), ainda que o exequente não solicite expressamente a citação prévia do executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 1025/20.5T8LOU-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada - Juiz 2

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA, por apenso ao processo de execução que BB lhe moveu, veio deduzir oposição mediante embargos de executado, invocando, para além da extinção da obrigação exequenda, por pagamento da quantia em que foi condenado, a prescrição dos juros reclamados, pugnando ainda pela condenação do Exequente como litigante de má-fé.
2.
O Exequente/Embargado contestou, refutando o alegado pagamento e pugnando pela improcedência dos embargos.
3.
Foi prolatado despacho saneador que julgou válida e regular a instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.
4.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Pelo exposto, e nos termos de facto e direito supra referidos, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determino a prossecução da execução de que estes autos são apensos.
Custas a cargo do embargante.]
5.
Não se conformando com o decidido pela 1.ª instância, o embargante interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
A) Não se conforma o recorrente com a decisão do Tribunal “a quo” na parte que julgou improcedente a alegada exceção da prescrição dos juros.
B) No requerimento executivo que deu origem aos autos principais de execução, o Exequente peticionou a quantia de € 20.813,52 a título de juros de mora desde 6/04/2000 até à data da entrada da execução sobre o valor de €11.504,75.
C) O executado foi citado para a execução a 19/05/2021.
D) Nos embargos de executado invocou, para além do mais, que os juros estavam prescritos, nos termos do disposto no artigo 310.º al. d) do C. Civil, e por isso o exequente só poderia exigir juros a partir do dia 6 de abril de 2016, isto é referente aos últimos cinco anos.
E) Contudo, o tribunal, na decisão recorrida, sustenta que os juros vincendos, porque emergem duma sentença transitada em julgado, prescrevem no prazo de 20 anos nos termos do artigo 311.º n.º 1 do C.Civil, pelo decidiu que são devidos a contar da data do trânsito em julgado da sentença.
F) Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo a sentença recorrida violou o correto entendimento dos citados preceitos legais.
G) O art. 310º encurta, a título excepcional, o prazo de prescrição.
H) Por sua vez o art. 311º C.Civil abre uma exceção à exceção do art. 310º ao sujeitar, no que concerne às prescrições de curto prazo, ao prazo ordinário de prescrição os direitos reconhecidos por sentença passada em julgado ou por outro título executivo.
I) Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu esta questão trata-se de direitos já constituídos em relação aos quais surgiu posteriormente controvérsia e que, por sentença passada em julgado foram reconhecidos, ou que passaram a constar de um título com força executiva.
J) No presente caso, com o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal recorrido confunde entre a existência, em concreto, de um título executivo, a sentença e a suficiência desse título para fundamentar uma execução.
K) O nº 2 do art. 311º do C.Civil determina que “Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.”
L) Resulta assim do texto da lei e da análise que sobre o mesmo é feita pela doutrina e pela jurisprudência que, em relação aos créditos vincendos, posteriores ao trânsito em julgado da sentença que declarou o direito e ordenou ao cumprimento da obrigação, aplica-se o prazo mais curto de prescrição, pois trata-se de créditos que não são ainda devidos, não beneficiando o credor do prazo prescricional ordinário, antes do prazo mais curto que lhe for concretamente aplicável.
M) No caso em apreço, estão peticionados os juros vencidos o dia 6 de abril de 2000 até à data da entrada da execução e ainda os que se vencerem.
N) Ora, aplicando os princípios, acima expostos, ao caso em apreço, os juros vincendos estão prescritos desde o dia 6 de abril de 2000 e os últimos cinco anos contados desde a citação do executado.
O) O crédito dos juros peticionados está prescrito quanto a todos os juros vencidos para além dos cinco anos que precedem a citação do executado/embargante, ou seja quanto ao montante de € 17591,26.
P) Na douta sentença recorrida o Meritíssimo Senhor Juiz a quo errou na interpretação do n.º 1 do artº 311, e deixou de aplicar, como se lhe impunha, o n.º 2 do mesmo artº e também os artº 310º d) e 323º, todos do Código Civil.
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Pediu a alteração da decisão recorrida, julgando-se procedente a invocada prescrição, com o consequente não prosseguimento da execução quanto ao montante de 17.591,26€, a título de juros respeitantes ao período de 06.04.2000 a 06.04.2016.
6.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II.
OBJETO DO RECURSO
Considerando as conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), o que importa decidir nesta instância de recurso circunscreve-se à questão da prescrição parcial da obrigação exequenda correspondente a juros de mora.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
O Tribunal de que vem o recurso julgou provada a seguinte factualidade:
1.1.1 – A presente execução tem como título executivo a sentença exequenda de 10.10.2001, confirmada por acórdão do TRP transitado em julgado em 25.02.2002, na qual foi o executado condenado ao pagamento ao exequente da quantia de 2.306.498$00 (dois milhões trezentos e seis mil quatrocentos e noventa e oito escudos), acrescida de juros de mora, a contar da data de 6 de abril de 2000, e até seu efetivo pagamento, proferida nos autos do Proc. 3442/19.4T8PNF cujo integral conteúdo aqui se dá por reproduzido.
1.2.
Com relevância para a decisão, e com base nos elementos documentais que integram o processo principal de execução, acrescentamos aos factos provados:
1.2.1 – A execução deu entrada em juízo em 18.03.2020 e o executado foi citado para os respetivos termos em 19.05.2021.
1.3.
Factos não provados
A – O executado procedeu ao pagamento da quantia a que foi condenado em data ulterior à sentença.
2.
OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
Segundo dispõe o art. 298.º, n.º 1, do CCivil, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
Nas palavras de ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, “a prescrição é um instituto que se funda num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. Invocada com êxito, a prescrição determinará a paralisação de direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legítima, durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Confere-se, assim, ao beneficiário da prescrição, o poder ou faculdade de recusar, de modo lícito, a realização da prestação devida (cf. n.º 1 do artigo 304.º – tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito)”[1].
Para além do prazo ordinário de vinte anos, estabelecido no art. 309.º CCivil, a lei prevê prazos especiais de prescrição mais curtos, designadamente o prazo de cinco anos, nos casos elencados no art. 310.º.
Nas situações do art. 310.º estão em causa direitos que têm, em geral, por objeto, prestações periódicas, valendo o prazo para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[2].
É sabido que o fundamento da prescrição de curto prazo reside na ideia de evitar que se torne excessivamente pesada a prestação do devedor, culminando na ruína deste, pela acumulação das prestações periódicas.
Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito possa ser exercido (art. 306.º, n.º 1).
A prescrição suspende-se e interrompe-se nos termos dos respetivos regimes previstos, respetivamente, no art. 318.º e segs. e no art. 323.º e segs.
No que concerne à interrupção, pode ser promovida pelo titular do direito, nos termos do art. 323.º: “1 – A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2 – Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3 – A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4 – É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
Nos termos do art. 326.º: “1 – A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte. 2 – A nova prescrição está sujeita está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no art. 311.º”.
2.2.
No caso dos autos, sendo incontroverso que o título dado à execução é uma sentença judicial, o objeto da dissensão entre o Tribunal a quo e o Apelante, na questão da prescrição de juros, resume-se no seguinte:
a) O Tribunal de que vem o recurso considerou para o efeito o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, por via do que dispõe o n.º 1 do art. 311.º do CCivil[3] – “O direito para cuja prescrição, bem como só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo” –, rejeitando a aplicação ao caso da norma do n.º 2 do mesmo artigo – “Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prestação continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.
b) Por sua vez, o Apelante defende a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, por via das disposições conjugadas dos arts. 310.º, al. d) – “Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos” – e 311.º, n.º 2.
Julgamos que a razão não pode deixar de estar do lado do Apelante.
Com efeito, entre as “prestações ainda não devidas”, para efeitos de aplicação do cit. art. 311.º, n.º 2, contam-se naturalmente todas as prestações vincendas, nomeadamente juros de mora vincendos[4].
Ou, voltando às palavras de ANA FILIPA MORAIS ANTUNES[5], “estando em causa uma sentença de condenação in futurum, é necessário distinguir duas hipóteses. No caso de a sentença condenar em prestações ainda não constituídas (v. g., juros vincendos), o prazo prescricional aplicável é o previsto no art. 310.º do C.C., isto é, o prazo de cinco anos, uma vez que assim o impõe a razão de ser da prescrição quinquenal (evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas). É esta a solução expressa no n.º 2 do art. 311.º, que ressalva da aplicação do artigo as prestações ainda não devidas”.
Tendo a ação sido instaurada em 18.03.2020, impõe-se considerar interrompido o prazo prescricional cinco dias depois, ou seja, em 23.03.2020, por via do disposto no art. 323.º, n.º 2, do CCivil, e não com a efetiva citação do executado, conforme defendido por este[6].
Assim, sem necessidade de outras considerações, deve o recurso proceder, embora parcialmente, julgando-se prescritos os juros peticionados desde a data da sentença exequenda até 23.03.2015, com a consequente extinção da execução nessa parte.
IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidimos alterar a decisão recorrida, no sentido de que os juros peticionados na execução se encontram prescritos desde a data da sentença dada à execução até 23.03.2015, com a consequente e correspondente extinção da execução.
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As custas do recurso e dos embargos são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil e 1.º do RCProcessuais).
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Porto, 21 de junho de 2022
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença
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[1] Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, Coimbra Editora, 2008, p. 16.
[2] Idem, p. 79.
[3] São deste Código todas as normas doravante citadas sem menção diversa.
[4] Neste sentido: PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 281; Ac. STJ de 12.11.1996 (CARDONA FERREIRA), CJ/Supremo IV (1996), 3, 97-98; Ac. STJ de 22.11.2007 (ALBANO SOBRINHO), proc. 07B3799, acessível em www.dgsi.pt; Ac. RG de 21.06.2018 (ESPINHEIRA BALTAR), proc. 1176/16.0T8CHV-B.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Ob. cit., pp. 88-89.
[6] Cf. Ac. Tribunal Constitucional n.º 286/2020, relatado por MARIANA CANOTILHO no processo n.º 506/19, 2.ª Secção,
acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200286.html?impressao=1.