Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1348/15.5T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR
FUTURA ADOPÇÃO
RETORNO À FAMÍLIA BIOLÓGICA
Nº do Documento: RP201610111348/15.5T8GDM.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 735, FLS. 168-183)
Área Temática: .
Sumário: I - O superior interesse da criança e do jovem corresponde ao direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade.
II - Definido o estado de adotabilidade da menor, o objetivo nuclear da decisão é alcançar uma nova família que lhe garanta um crescimento harmonioso e um desenvolvimento equilibrado.
III - Porém, atentas as dificuldades de adoção na faixa etária em que se encontra a menor – 11 anos de idade - se decorrido um ano não surgir candidato à adoção deve proceder-se à reavaliação do retorno à família biológica, acautelando o risco da quebra afetiva com a mesma.
IV - Correspondendo ao superior interesse da menor a sua integração numa família, biológica ou adotiva, que lhe proporcione as bases necessárias à formação de uma personalidade sã e compensada, esgotada a possibilidade de adoção, deve privilegiar-se a ligação emocional à família biológica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1348/15.5T8GDM.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Gondomar, instância central, 2ª secção de família e menores, J3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
O Ministério Público intentou o presente processo de promoção e proteção relativamente à menor LB…, nascida em 02-11-2005, filha de C… e D….
Foram juntos aos autos os relatórios sociais.

Na ausência de decisão negociada, foi declarada encerrada a instrução e cumpridas as notificações a que alude o artigo 114.°, n.° 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante designada por “LPCJP”[1].

Apresentadas alegações e prova, realizou-se o debate judicial em observância do formalismo legal e foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Aplicar a B…, nascida a 2/11/2005, natural da freguesia …, Valongo, registada na Conservatória do Registo Civil de Valongo, sob o assento de nascimento n.° …. do ano de 2010, como filha de C… e D…, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção que dura até ser decretada a adopção, sem necessidade de revisão.
Tal medida será executada na Instituição "E…", Santa Casa da Misericórdia …, sito na …, …, …, onde a criança já se encontra.
Nos termos do artigo 62.°-A, n.° 5, da LPCJP, nomeia-se curador provisório da criança o (a) Director (a) da referida Instituição, que exercerá funções até ser decretada a adopção.
Não há lugar a visitas por parte da família biológica.”

Recorreu a menor, representada pelo patrono nomeado, assim concluindo, em síntese, a sua alegação:
1. Por decisão de 6 de setembro de 2010 foi substituída a medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da mãe e a menor passou a viver com a mãe em setembro desse ano.
2. Em 2012 a mãe passou a viver com um companheiro de 19 anos de idade, estava grávida e a menor passou a conviver com essa realidade até 2013, quando foi acolhida na instituição em setembro de 2013, por suspeitas de abuso sexual pelo companheiro da mãe.
3. A mãe não tem conseguido um ambiente familiar estável e seguro, mas mantém ligação afetiva com a filha e recusa qualquer medida que implique a sua perda
4. A menina continua a ter um projeto de vida junto de sua mãe e, por isso, o tribunal deveria ter designado conferência para obtenção de acordo quanto a medida de promoção e proteção adequada, impondo-se a anulação dos atos subsequentes ao encerramento da instrução e designação de conferência para o efeito.
5. Apesar das dificuldades da progenitora, as complicações de uma adoção tardia da menina, a entrar na adolescência, podem ensombrar o seu desenvolvimento harmonioso.
6. A adoção nesta idade obriga a adaptação a novo modelo familiar, novas regras de conduta e, até à adoção, gera sentimentos de perda e necessidade de fazer luto pelo corte com as ligações afetivas significativas.
7. O tribunal não pode deixar de dar por provado que a menor pretende viver com a sua mãe e irmão F….
8. A sentença deve ser revogada e permitir que a menor seja cuidada por sua mãe.

Em resposta o Ministério Público concluiu, em súmula:
1. Não se contesta que a mãe tenha afeto pela filha, mas o percurso da mãe e do pai tem revelado instabilidade e não dá seguridade a um equilibrado desenvolvimento da menor.
2. No primeiro processo de promoção e proteção nem um nem outro reuniu, de forma consistente e duradoura, condições pessoais, económicas e habitacionais para o crescimento da menor.
3. E quando, numa segunda etapa, a mãe parecia reunir condições para acompanhar a menina e ela foi entregue aos seus cuidados, foi a mesma sujeita a abusos sexuais por parte do companheiro daquela.
4. A mãe da criança, no entanto, solidarizou-se com o companheiro e acusou a filha de ter mentido, postura que manteve mesmo depois da sua condenação e que só mudou quando percebeu que a menina seria encaminhada para a adoção.
5. Nem o pai, que está preso, nem os membros da família alargada querem ou têm condições para assumir a sua guarda.
6. Não obstante a menor estar bem integrada no E… e evidenciar um desenvolvimento ajustado à sua faixa etária, necessita de uma família idónea que lhe assegure um desenvolvimento adequado.
7. Reconhecendo as dificuldades no surgimento de candidatos à adoção de crianças da faixa etária da menina, isso não constitui fator impeditivo de que seja tentada essa solução. Pelo que deverá ser confirmado o acórdão recorrido.

O pai da menor, C…, manifestou a sua adesão ao recurso da menor.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

II. A instância é válida e regular, nada havendo que obste ao conhecimento do mérito do recurso.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação (artigo 635º do Código de Processo Civil), impõe-se a apreciação do acerto da medida de promoção e proteção aplicada à menor B…, em concreto a medida de confiança judicial a instituição com vista à adoção.

III. Fundamentação

1. Decisão de facto
Na sua alegação, a recorrente defende que os factos provados devem exarar que a menor pretende residir com a mãe e o irmão F…, por tal resultar dos elementos juntos aos autos. A propósito do seu projeto de vida, está dado por demonstrado que “(…) a B…, após ter expressado a vontade de integrar um contexto familiar alternativo, refere-se às expectativas relativamente a este afirmando que gostaria de ser adotada “desde que não voltasse outra vez para o centro”. Asserção que, à falta de outra menção diretamente relacionada com a colocação junto da mãe, faz intuir que a menina não perspetiva o seu futuro junto da mãe.
Apreciando a prova produzida a respeito dessa matéria, colhem-se os seguintes dados:
1. O relatório social elaborado em 15-07-2015, que relevantemente suportou a decisão de facto, extrata que “Junto da menor foi possível apurar que a mesma gosta de residir na instituição, pareceu-nos bem integrada, junto de pares e adultos. A B… gostava de viver com a mãe e com o irmão, mas não quer ir viver com eles enquanto o G… estiver naquela casa. (…) Gostava de ter uma família nova, o problema era não poder ver o irmão” (…) “Ficou muito triste com a mãe e com a tia, porque não acreditaram nela e mentiram em tribunal, dizendo que a B… era mentirosa”. (fls. 223 a 239).
2. Em 27-10-2015, o relatório elaborado pela pedopsiquiatra que acompanha a menor enuncia que, na consulta de janeiro de 2015, a B… apresentava uma sintomatologia depressiva e inibição, que parecia reativa à sua situação familiar. Quando o companheiro da mãe foi condenado pelo abuso sexual contra si perpetrado, confrontada com a hipótese de a mãe o não deixar, perspetivou a integração numa nova família e de poder sair da instituição. Com o passar dos meses passou a desculpabilizar a mãe pelas ausências, a negar as possibilidades de um novo começo, alegando que a mãe gosta dela e não a deixará ser adotada. Conclui que a criança tem ainda condições de investir em novos pais (fls. 264).
3. Em 22-01-2016, a informação clínica da pedopsiquiatra, refere o grande descontrolo emocional e comportamental em que se encontrava a B…, muito provavelmente em consequência da indefinição em que se encontrava. Após condenação do companheiro da mãe e a postura desta, conseguiu perspetivar que tinha direito a uma nova família.Com o passar do tempo e vendo cada vez mais longínqua essa possibilidade, perante a instabilidade dos contactos com a mãe, a B… desistiu e mostra um comportamento desorganizado (fls. 290).
4. Em 08-04-2016, o relatório de perícia médico-legal atesta que a B… parece evidenciar sinais de instabilidade afetiva e emocional, nomeadamente sinais de angústia e ansiedade, tristeza persistente, baixa autoestima, elevada carência afetiva, traduzida na expressão de querer integrar um núcleo familiar alternativo aos progenitores. Embora tenha manifestado afetos positivos em relação à mãe, também lhe associou sentimentos de rejeição e abandono quando ela lhe revelou ter sido abusada sexualmente por parte do seu companheiro e ela não se ter separado dele. A B… necessita de um contexto familiar alternativo ao dos progenitores e ao institucional (fls. 329 a 332).
5. No debate judicial, em 28-06-2016, as declarações então prestadas pela menor (auditadas por este Tribunal da Relação), conduzidas pela Senhora Juíza de forma exímia, transmitiram os seguintes dados com relevo para a apreciação dos sentimentos da menina:
- a propósito de quem a visita no E… e do decurso das visitas, disse
(é visitada por) “a minha mãe e a minha avó (paterna). Às vezes elas trazem-me coisas Nós tínhamos um jogo para jogar, mas agora já não temos. Falamos a escola e o Centro, o que é que eu faço”.
(a mãe) “Às vezes vai com o meu irmão”.
- instada se, no fim da visita da mãe, gostaria de ir com ela, respondeu Não sei.
- perguntada sobre o que pretenderia para a sua vida, referiu “Eu queria estar com a minha mãe por causa do meu irmão e também queria ter uns pais novos para me sentir mais feliz”.
- e se, antes do nascimento do mano, se sentia bem com a mãe, disse “Sentia”.
- se fosse com a mãe com quem queria viver, expressou “A minha mãe (...) Tinha de viver com o G…, o meu padrasto.
- perguntada se não gosta do padrasto disse: “À primeira sim. Agora não”.
- à pergunta “não gostaste de viver com quem?”, respondeu “Com o G…”.
- instada de como se sentiria mais feliz, responde “Era ir para uns pais novos”.
- e à pergunta direta “era disso que tu gostavas?”, afirmou “Sim”.
- mas quando perguntada “Porque gostavas de ter uma família nova?” disse “Porque já não estava com o G…” (...) “Mas a minha mãe diz que quer viver com ele”.
- instada sobre o que esperas da nova família referiu “Acho que vai ser mais fixe. E vou ter amigos novos”.
- perguntada quando fica triste, disse Às vezes, quando não quero fazer as tarefas e às vezes quando (impercetível)...
- e quando ficas mais feliz, afirmou “Quando vou para Amarante” (uma quinta)
- a respeito dos seus sonhos, depois de longo silêncio, disse “Ir viver para a quinta”.
Da concatenação dos dados recolhidos acerca do projeto de vida que a menina antevê para si inferem-se os seus afetos pela mãe e irmão e o gosto que teria em viver com eles. Porém, a consciência de que a mãe se não quer separar do seu companheiro G…, pessoa com quem, compreensivelmente, não quer voltar a viver, e a mágoa de se encontrar institucionalizada parecem edificar a ideia de “uns pais novos”. Entende-se, por isso, que as informações clínicas e o relatório da perícia médico-legal não podem deixar de ser conjugados com o que a menina verbalizou e com as regras da experiência e da vida, designadamente colhidas no contacto com processos de idêntica natureza. Considera-se, portanto, que os dados recolhidos não facultam a prova de que “a menor pretende residir com a mãe e o irmão F…”, mas também não sustenta a simples afirmação, já dada por demonstrada que “(…) a B…, após ter expressado a vontade de integrar um contexto familiar alternativo, refere-se às expectativas relativamente a este afirmando que gostaria de ser adotada “desde que não voltasse outra vez para o centro”. Porém, como esta proposição está contextualizada com a institucionalização e os seus sentimentos de abandono e rejeição, mantém toda a sua pertinência, ficando inalterada Julga-se, no entanto, que a situação factual revela os sentimentos de ambivalência da menina que, gostando de viver com a sua mãe e o seu irmão, mas rejeitando a presença do padrasto G…, opta por aderir ao projeto de uns pais adotivos, por o reputar como a solução mais “realizável”. Ideia que se adita-a à factualidade provada, expressando-a do seguinte modo:
A menor pretende residir com a mãe e o irmão F… mas, como rejeita a presença do G…, companheiro da mãe, e esta não quer separar-se dele, expressa a vontade de ser adotada”.
2. Factos provados
1. B…, nascida a 2/11/2005, filha de C…, então com 16 anos, e D…, então com 18 anos.
2. A identificada criança foi objeto de um anterior processo de promoção e proteção, atualmente com o n.° 1348/15.5T8GDM-A, iniciado com a aplicação, em 3/01/2006, de uma medida de acolhimento no Centro de Acolhimento temporário "E…", com carácter provisório (fls. 3 e 12 do apenso), posteriormente, aplicada por acordo dos progenitores de 25/01/2006 (fls. 25) e sucessivamente prorrogada, a 10/08/2006 (fls. 64 e ss.), a 18/04/2007 (fls. 139), a 18/01/2008 (fls. 226 e ss.), 6/01/2009 (fls. 297 e ss.), 1/03/2010 (fls. 544), 16/06/2010 (fls. 581 e ss.) até 6/09/2010, altura em que aquela medida foi substituída pela medida de apoio junto da mãe - a quem a criança ficou entregue com o apoio da tia materna, H… (fls. 664 e ss.), sucessivamente prorrogada a 11/01/2011 (fls. 683 e ss.), 11/05/2011 (fls. 696 e ss.), 6/10/2011 (fls. 717 e ss.) até ser declarada cessada com o consequente arquivamento do processo a 21/06/2012 (fls. 746).
3. No âmbito dos autos de regulação das respetivas responsabilidades parentais, a 1/06/2012, foi proferida sentença que fixou a residência da B… junto da mãe (fls. 106 e ss. do apenso C)
4. Os progenitores da criança iniciaram o relacionamento afetivo em Janeiro de 2005.
5. Em Fevereiro, a progenitora ficou desempregada, sem direito a subsídio de desemprego, ficando sem qualquer fonte de rendimentos.
6. Nessa altura foi viver para o concelho de Valongo com a sua própria progenitora com quem, pouco tempo depois, se desentendeu, passando a viver com o companheiro na sua antiga casa em Recarei, tendo engravidado.
7. Após o nascimento da filha, B…, foi viver para casa da avó materna da criança com quem voltou a ter desentendimentos sérios, passando então para casa da bisavó da bebé.
8. O casal instalou-se num quarto situado nuns anexos da casa.
9. Ao tempo do início daquela intervenção, o quarto encontrava-se em más condições de higiene e salubridade.
10. A parte habitada pela bisavó da criança encontrava-se cuidada em termos de higiene mas extremamente fria, sem qualquer sistema de aquecimento.
11. Com a referida bisavó, vivia também um filho seu, de 47 anos de idade, desempregado e com problemas de alcoolismo.
12. Aquando da aplicação daquela medida provisória, devido a uma bronquiolite, a criança encontrava-se internada no Hospital … desde o dia 21/12/2005, o que constituía o segundo internamento devido ao mesmo problema.
13. A família do progenitor caracterizava-se por ser altamente desestruturada, tendo aquele ficado entregue à avó em virtude de a mãe sofrer de debilidade mental e ter tido uma vida muito instável do ponto de vista dos seus relacionamentos afetivos.
14. O progenitor nunca teve sucesso escolar: ficou retido três vezes consecutivas no 5.° ano de escolaridade, tendo mais tarde completado o 6.° ano no ensino recorrente.
15. Sempre foi caracterizado como uma criança/jovem com grande instabilidade emocional.
16. O jovem passava os dias fechado no quarto, saindo à noite e não respeitando minimamente a sua avó.
17. Sempre recusou tomar a medicação prescrita pelo médico de família bem como acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.
18. Das avaliações psicológicas realizadas aos progenitores em Novembro de 2007 resultaram as seguintes conclusões:
• A progenitora apresenta uma personalidade adaptada e com mecanismos de defesa funcional.
• É uma pessoa que demonstra sentimentos de afeto, amor e preocupação pela sua filha.
• Estão presentes sentimentos de proteção em relação à menor, tendo a mãe referido que caso tivesse a filha com ela, não permitiria comportamento desadequado por parte do companheiro.
• Sobre os acontecimentos descritos nos autos, assume uma postura de proteção e de desculpabilização em relação aos acontecimentos passados.
• Apresenta crítica sobre a postura a assumir futuramente com o seu companheiro, caso este reincida no mesmo comportamento.
• A progenitora sente e experiencia circunstâncias que são geradoras de stress, nomeadamente no que se refere aos acontecimentos descritos nos autos e aos problemas psiquiátricos do seu companheiro.
• Estabeleceu com a filha uma vinculação gratificante de acordo com o relatório do centro de acolhimento E….
• Demonstra preocupação e interesse nas necessidades emocionais e afetivas da filha.
• Manifesta desejo em que a filha viva consigo, querendo, no entanto, criar, as infraestruturas necessárias, nomeadamente económicas, para o bem estar da menor.
• A progenitora apresenta alguma imaturidade que se pode traduzir por alguma falta de responsabilidade.
• Este facto, por si só, não coloca em causa o desempenho da sua função enquanto mãe, pois deverá beneficiar de acompanhamento psicológico individual, assim como ao nível de treino de competências, nomeadamente na área parental.
• A supervisão e acompanhamento deverão ser regulares de forma a poder desenvolver uma dinâmica familiar funcional (fls. 160 e ss.).
• Em relação à situação de parentalidade, o progenitor evidencia sentimentos ambivalentes, oscilando entre a vontade de construir uma vida estável com a família (incluindo a filha) e momentos em que reconhece não ter as capacidades psicológicas ou materiais para tal.
• Este funcionamento revela-se, caracteristicamente, imaturo.
• A característica de manifesta imaturidade aliam-se os fatores psicológicos de hostilidade, baixa competência, baixo esforço de realização e fraca autoconsciência, fornecendo um amplo quadro de tendências que sugere uma capacidade diminuída para o correto desempenho das funções e responsabilidades inerentes ao exercício do papel de pai (fls. 217).
19. Elaborado plano de intervenção com vista ao treino de competências parentais, em 23/12/2008, o ISS, em parecer técnico, concluiu que “...os progenitores da menor não estão minimamente motivados para efetuar treino de competências parentais, mesmo sabendo das consequências que daí podem advir. O relacionamento do casal continua pautado por episódios de violência, que já foram presenciados pela B… no dia em que esta está em casa dos pais. A menor está afetada psicologicamente por esta situação e manifesta inequivocamente que tem medo de estar com os pais, sendo nosso parecer que devam ser suspensas as saídas da instituição. Face ao total desinteresse demonstrado pelos progenitores, equacionamos a pertinência da continuidade deste programa de treino de competências parentais, sendo nosso parecer que, e tal como temos vindo a defender em relatórios anteriores, o encaminhamento para adoção é o melhor projeto de vida que se adequa aos interesses da menor em questão... (fls. 293).
20. Dos exames de psicologia forense realizados em Abril de 2009 aos progenitores e à B… resultaram as seguintes conclusões:
• A progenitora evidencia sinais de instabilidade ao nível emocional e afetivo que parecem condicionar a esfera social, pessoal e relacional. Este quadro poderá estar associado a um progressivo desgaste psicológico, decorrente de vivências traumáticas anteriores, circunstâncias de vida adversas que poderão (no seu conjunto) condicionar, na atualidade, o equilíbrio psicológico da progenitora. Os dados resultantes do processo de avaliação sugerem assim que, neste momento, a progenitora necessita da presença de outras pessoas que possam apoiá-la em termos emocionais e instrumentais e de um acompanhamento social e psicológico sistemático. De salientar que, apesar das limitações e condicionalismos discutidos anteriormente, a examinada manifesta uma boa capacidade autocrítica (na medida em que reconhece essas dificuldades), pelo que é de admitir que, com o devido acompanhamento, estas dificuldades possam ser ultrapassadas, permitindo que a Sr.a D… consiga vir, no futuro, a ser mais autónoma (fls. 393 e ss.).
• O progenitor evidencia dificuldades na gestão emocional e resolução de problemas. Perante situações emocionalmente complexas, tende a manifestar comportamentos impulsivos e agressivos. Estas características poderão criar dificuldades no exercício das funções parentais de forma adequada, nomeadamente no seu envolvimento ativo nos cuidados da criança, bem como na proatividade em assegurar as condições básicas para o acolhimento da filha...não estarão reunidas condições para o progenitor desempenhar autonomamente e de forma adequada a função de cuidador (fls. 412 e ss. do apenso B).
• A B… parece evidenciar um desenvolvimento cognitivo e psicomotor globalmente positivo e adaptativo, em tudo congruente com o que é esperado para a sua faixa etária, fase de desenvolvimento e inserção sócio-cultural.
• De acordo com os dados obtidos, o agregado familiar de origem da menor apresenta vários fatores de risco para o seu desenvolvimento integral e salutar, como por exemplo, défices na supervisão parental e na prestação dos cuidados básicos à menor, alegada conflituosidade entre os progenitores, instabilidade laboral de ambos, não colaboração dos progenitores face à intervenção dos técnicos (por exemplo, não comparência no programa de treino de competências que lhe foi sugerido), sendo ainda de admitir que os mesmos apresentarão défices em termos de competências educativas e imaturidade parental. Para além disso, de acordo com as informações obtidas, os progenitores da B… não têm visitado a menor na instituição com a regularidade desejada, além de que as poucas visitas efetuadas parecem não reunir as qualidade desejada, o que, no nosso entender, não possibilita o estabelecimento de uma relação positiva, securizante e gratificante entre estes e a menor. Sublinhamos que a construção de uma relação segura com uma criança é um processo que, através do convívio direto, exige a partilha assídua de momentos geradores de experiências gratificantes com as figuras de vinculação. A qualidade dessas interações permitirá à criança encontrar neste espaço relacional uma figura que exercerá um papel protetor e securizante. Posto isto, com base na avaliação realizada e na prática clínica, somos do parecer que, na atualidade, parecem não estar reunidas as condições necessárias para que a B… seja novamente inserida neste agregado familiar.
• Contudo, não podemos menosprezar a importância que assume a célere resolução do projeto de vida da B…, sobretudo na definição do seu contexto familiar de referência, visto que este é um aspeto fundamental para o incremento de uma maior estabilidade afetiva da criança (fls. 382 e ss.).
21. As sucessivas prorrogações da medida de acolhimento residencial da B… supra elencadas no ponto 2 ficaram a dever-se, no essencial e em síntese, numa primeira fase, apesar de uma evolução positiva da progenitora no que se refere ao envolvimento afetivo e ao interesse pela filha, à necessidade de esclarecer a dinâmica dos progenitores, ambos muito jovens e provindos de famílias disfuncionais, sem apoios de retaguarda.
22. As subsequentes avaliações dos progenitores revelaram que os mesmos mantiveram as disfunções que apresentavam aquando do nascimento da filha; mantendo uma relação afetiva marcada por sucessivas ruturas e reconciliações; passividade e desinteresse por parte do progenitor relativamente à filha, com a qual nunca estabeleceu uma ligação afetiva própria da filiação; jovem com um trajeto de vida desviante com comportamentos de grande impulsividade e agressividade para com a mãe da criança; ausência da família alargada disponível para assumir os cuidados da criança; afastamento do casal da restante família; um e outro progenitor foram crianças sinalizadas ao sistema de proteção de crianças devido às disfunções existentes nas suas famílias de origem; desinteresse dos progenitores pelo treino de competências parentais elaborado de acordo com o plano de intervenção; relacionamento do casal pautado por violência a que a B… chegou a presenciar nas visitas a casa (entretanto suspensas por despacho de Janeiro de 2009 - fls. 323) com consequências perturbadoras do seu estado psíquico e emocional.
23. Entre Fevereiro de 2010 e Junho do mesmo ano, a progenitora esteve numa I…, mantendo-se a B… na Centro de Acolhimento.
24. Inicialmente a utente revelou uma boa adaptação ao funcionamento da I…, denotando, contudo, no decorrer da sua estadia algum desmazelo e manipulação no cumprimento das regras.
25. Apesar de não ter recursos necessários para se autonomizar, revelando imaturidade emocional, social, ineficácia na tomada de decisões e escassez na sua capacidade em resolver problemas de forma construtiva, saiu da I… por sua iniciativa.
26. A partir do momento que ficou empregada, utilizava a instituição para realizar as refeições e para dormir, partilhando muito poucas informações com a equipa técnica acerca do seu projeto de vida.
27. Entretanto cada um dos progenitores iniciou um novo relacionamento.
28. Nesta altura, um e outro progenitor continuavam a manifestar evidentes limitações ao nível do exercício do papel parental.
29. O progenitor mostrava-se incapaz de se identificar com as necessidades emocionais básicas da filha.
30. Havia-se envolvido no consumo de estupefacientes (heroína e cocaína).
31. A progenitora por estar demasiado centrada em si própria, num registo imaturo e com dificuldades expressas em perceber as necessidades emocionais e afetivas da filha, refletindo o seu comportamento instabilidade e dificuldade em priorizar a necessidade básica de estabilidade da filha, continuando a não investir na relação de acordo com os parâmetros desejáveis, e a apresentar graves défices ao nível das suas competências sociais, relacionais e emocionais, comprometedoras do exercício de uma parentalidade plena.
32. Embora tenha conseguido cortar com o relacionamento disfuncional que mantinha apresentava um percurso profissional altamente instável e quando empregada praticava horários de trabalho que não lhe permitiam acompanhar a filha; não tinha habitação própria e encontrava-se centrada em investir em novas amizades e novos relacionamentos afetivos, dispondo de pouca motivação para investir no relacionamento com a filha.
33. O padrão de interação mãe/filha era abaixo das expectativas esperadas, sendo que a progenitora não tinha conseguido alterar a sua forma de estar com a filha após a separação entre o casal; o padrão de vinculação existente não era próprio da filiação, não manifestando a criança especial interesse em estar com a mãe.
34. Quando saiu da casa abrigo, em 23/06/2010, a progenitora foi viver para casa da irmã H… e com o companheiro desta, J…, que se mostraram disponíveis para receber a B…, durante o período de tempo necessário a que aquela se conseguisse autonomizar desde que a mesma contribuísse economicamente para as despesas do agregado dentro das suas possibilidades e não perturbasse o ambiente familiar.
35. A referida H… e o companheiro revelaram-se indisponíveis para se responsabilizarem pela B… ainda que com medida de apoio junto de outro familiar na hipótese de a progenitora não se mostrar capaz.
36. A identificada H…, ao tempo, encontrava-se a trabalhar no Porto, como empregada de limpeza numa casa particular, com um horário de trabalho muito alargado (das 7.30 h às 19.30 h), apresentando-se, por isso, muito limitada no acompanhamento que pudesse dar à B…, mais centrado no fim de semana e, caso a irmã estivesse a trabalhar, como retaguarda.
37. A referida H… foi uma jovem que teve uma infância similar à da mãe da B…, tendo sido alvo de acompanhamento num processo de promoção e proteção, primeiro com medida de acolhimento institucional e mais tarde de autonomia de vida.
38. Foi mãe aos 15 anos e o seu filho esteve acolhido numa família de acolhimento, também no âmbito de um processo de promoção e proteção.
39. Com o relacionamento que estabeleceu com J… encontrou estabilidade tanto ao nível material como ao nível emocional, conseguindo que o filho lhe fosse entregue.
40. À época o progenitor manifestou-se contra o acolhimento da B… e da mãe junto da identificada H….
41. Pelas razões sucintamente supra descritas, o parecer técnico do Centro de Acolhimento E… foi no sentido de que o melhor projeto de vida para a B… era a aplicação da medida prevista no art. 35.°, al. g) da LPCJP (fls. 572 e ss., 590 e ss. e 605 e ss.)
42. A decisão supra mencionada no ponto 2 de 6/09/2010 de substituir a medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da mãe assentou no facto de "a esta jovem mãe, apesar de todas as dificuldades tem vindo a fazer um esforço no sentido de recuperar a filha para junto de si".
43. Mais se acrescentou que "De facto, para além de conforme o refere a perícia psicológica ser perfeitamente capaz de assumir a parentalidade, embora com supervisão e acompanhamento, o certo é que esta jovem conseguiu desvincular-se do progenitor agressor que era o maior fator de desestabilização da criança. Beneficia do apoio da irmã e da avó, nunca deixou de visitar a filha, embora com constrangimento de natureza laboral, trabalha e as explicações por ela apresentadas são perfeitamente plausíveis e justificativas do seu comportamento. Entende-se que esta jovem ainda não teve oportunidade de ter a sua filha consigo e provar que é capaz dela cuidar".
44. A B… voltou então a residir com a progenitora em Setembro de 2010, integrando com a mãe o agregado da irmã da progenitora, H….
45. No início do mês de Dezembro de 2010, a progenitora deixou a casa da H…, mudando-se para casa arrendada com a filha, em virtude de a irmã se ter mudado para uma casa mais pequena.
46. A nova habitação dispunha de um quarto, uma cozinha, casa de banho e duas outras pequenas divisões, uma com função de sala e outra para o quarto da B….
47. A progenitora manteve o trabalho numa frutaria no Porto, com um horário de trabalho muito alargado, de 2.a a Sábado, com folga ao Domingo e a partir de determinada altura também à 2.a feira de tarde.
48. A B… frequentou o Jardim-de-Infância "K…" em Paredes, que se tratava de um estabelecimento privado uma vez que os horários de trabalho da progenitora não se compatibilizavam com os horários praticados pela rede pública pré-escolar.
49. A B… acordava por volta das 6.00 h e ia com a mãe de transporte público para o jardim de Infância, onde chegava por volta das 7.00 h e onde, durante os meses de Setembro e Outubro, permaneceu até às 19.00 h, altura em que a Directora do estabelecimento a levava a casa da bisavó materna, onde a progenitora, ou a tia H…, a recolhia às 21.00 h.
50. A partir de Novembro de 2010 a bisavó da B… disponibilizou-se a receber a criança em casa às 17.30 horas.
51. A B… adaptou-se bem ao seu novo contexto, interagindo muito bem tanto com as outras crianças quer com adultos, sendo assídua e pontual.
52. Para o sucesso da reintegração da B… foi importante o apoio dos bisavós maternos, pois colmataram as dificuldades que existiam devido aos horários alargados de trabalho da progenitora assim como os cuidados básicos da criança, nomeadamente alimentação.
53. Em Abril de 2011 a progenitora deixou de trabalhar na frutaria supra referida sem certeza de novo emprego, ficando numa situação profissional/económica de grande vulnerabilidade, posto que tinha como únicos rendimentos o abono de família da B… e o apoio económico proveniente da intervenção de promoção e proteção.
54. Em Maio de 2011, a progenitora deixou com a filha a habitação em Paredes e voltou a residir com a tia da B…, H…, em …, em apartamento arrendado nesse ocasião, o que justificou com um novo emprego num café em …, L…, das 17.00 h às 2.00 h, e com a separação da irmã do anterior companheiro e a mudança de residência da mesma juntamente com o filho e com o novo companheiro.
55. Por altura dos factos supra descritos em 53 e 54, a B… deixou de frequentar o Jardim de Infância K…, assim como de conviver com a bisavó, ficando aos cuidados da tia, ou do companheiro desta, quando a mãe se encontrava a trabalhar.
56. Houve prestações do referido estabelecimento de ensino que a progenitora não pagou nem, apesar da sensibilização da EMAT, diligenciou pela resolução do problema através da intervenção da DREN.
57. A habitação onde a progenitora passou a viver era constituída por um apartamento Tl, dormindo com a filha na sala.
58. Em Agosto de 2011, a progenitora planeava mudar-se com a filha e com o novo namorado para Vila Nova de Gaia, onde arrendou casa e procurou escola para a B… e trabalho para si, o que não veio a concretizar-se.
59. Em Março de 2012, depois de se desentender com a irmã, a progenitora saiu de casa da mesma.
60. Havia iniciado um novo relacionamento com G…, de 19 anos de idade, empregado de balcão, e estava grávida.
61. Depois de um período a viver em casa dos pais do novo companheiro, em Abril de 2012, a progenitora passou a viver com a filha e com o novo companheiro numa habitação de tipologia 2, onde a B… dispunha de quarto próprio com brinquedos e decoração adequados à sua faixa etária, o que a agradou, o mesmo sucedendo com o nascimento do irmão.
62. O contrato de trabalho da progenitora havia cessado e a mesma iria receber o subsídio de desemprego durante um ano, acrescido de licença de maternidade, do abono de família da B… e abono pré-natal.
63. O companheiro trabalhava num café no Porto, em horário diurno.
64. Por esta altura, a B… frequentava o 1.° ano de escolaridade na Escola …, em ….
65. Tinha aulas durante a tarde, e duas manhãs ocupadas com atividades de apoio curricular.
66. Almoçava diariamente na escola.
67. Apresentou ao longo do ano dificuldades de aprendizagem, principalmente ao nível da leitura e da escrita.
68. Transitou para o 2.° ano de escolaridade mas com conteúdos do 1ano de escolaridade.
69. No âmbito dos presentes autos, a 16/09/2013, com a concordância dos progenitores foi aplicada à B… pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Valongo, a medida de acolhimento residencial a título provisório, por suspeita de abuso sexual de criança por parte do companheiro da progenitora.
70. A referida medida foi sendo sucessivamente prorrogada até Maio de 2014, nesta altura com a duração de 12 meses, acabando a progenitora por retirar o consentimento em Fevereiro de 2015, originando em Março de 2015 a remessa do processo para Tribunal que a 2 de Junho de 2015 aplicou à criança, por acordo dos progenitores, a medida de acolhimento residencial (fls. 108 v., 109, 148, 7 e 184).
71. A intervenção supra referida em 69 foi despoletada no dia 16/09/2016 pela avó paterna, M…, e pela então companheira do progenitor, N..., que na companhia da M… compareceram no Centro de Acolhimento E…, dando conta de que a criança havia confidenciado à segunda que na noite antecedente de Sábado para Domingo (14 para 15 de Setembro), o companheiro da mãe, G…, tinha tido consigo um comportamento, percecionado com sendo de cariz sexual.
72. Ambos os progenitores aceitaram facilmente a medida de acolhimento residencial proposta, referindo o pai, na altura “façam o que puderem pela B…, eu não posso fazer nada” e revelando a mãe descrédito pelo relato da filha e impossibilidade de abandonar o identificado companheiro G…, que viveu consigo pelo menos até ao passado dia 28 de Junho de 2016.
73. Por acórdão proferido no processo crime n.° 1845/13.7TAVLG da l.a Secção Criminal da Comarca do Porto, J12, transitado em julgado a 27/03/2015, o supra identificado G… foi condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 171.°, n.° 1 do CP, em virtude de, em suma, “Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 16/09/2013, numa ocasião em que o arguido seguia, a pé, com a queixosa B…, disse-lhe que ia urinar, o que fez, afastando-se ligeiramente desta e dirigindo-se para uma zona arborizada existente no local. Após, o arguido chamou a B…, tendo-se a mesma deslocado até ao local onde aquele se encontrava, na altura com as calças e roupa interior que trajava ligeiramente descidas. Quando a aludida B… chegou ao local onde se encontrava, o arguido disse-lhe para ela lhe colocar as mãos no seu pénis e para lhe fazer movimentos ascendentes e descendentes, o que a queixosa se recusou fazer. Nessa altura, o arguido agarrou a mão da queixosa B… e colocou-a sobre o seu pénis, fazendo ele tais movimentos. Quando regressavam para casa o arguido disse à queixosa B… para não contar o que tinha acontecido à sua mãe, acrescentando que, se não contasse, lhe daria um doce. Algum tempo depois, em data não concretamente apurada mas também seguramente anterior a 16/09/2013, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho em casa com a queixosa B…, chamou-a quando ela se encontrava na casa de banho. A queixosa dirigiu-se então à sala da habitação onde residiam, e onde o arguido se encontrava, sentado num sofá, vestido, designadamente com uns boxers. Quando ambos estavam na sala de estar da habitação e sentados no aludido sofá, o mesmo arguido, ao mesmo tempo que lhe exibia o seu pénis, pediu à queixosa B… que lhe colocasse as mãos no mesmo e lhe fizesse movimentos para cima e para baixo; A queixosa de imediato recusou a pretensão do arguido, mas este acabou, mais uma vez, por pegar na mão da queixosa e, com ela sobre a sua própria mão, realizar os aludidos movimentos” (fls. 204 e ss.)
74. No âmbito da perícia psicológica realizada à criança do supra identificado processo crime resultou que esta relatou de forma inteligível e espontânea os incidentes em análise. O seu relato caracterizou-se pela forma descritiva e detalhada com que reconstitui os episódios, as localizações, as interações e as reações dos protagonistas envolvidos, tendo sido feito de forma congruente e com linguagem ajustada ao seu desenvolvimento. A B… enquadrou ainda os alegados incidentes nas suas rotinas e atividades quotidianas, referindo de forma factualmente plausível as dinâmicas alegadamente envolvidas pré e pós alegados abusos. Acresce a informação de que não se encontramos no seu relato indicadores (e.g. erros interpretativos, lapsos de memória) que sugiram que este possa estar a ser produzido/inventado pela menor e/ou induzido por terceiros. Registamos também no seu relato dinâmicas características deste tipo de situações, como sejam, a imposição de uma dinâmica de segredo por parte do alegado agressor, ou até mesmo a alegada tentativa de revelação, por parte da menor, junto da mãe e a suposta pressão exercida por aquela para o silêncio por medo que a retirassem novamente do agregado. Acresce ainda que, a nível psicoafectivo, a B… revela sintomatologia compatível com a habitualmente observada em crianças vítimas deste tipo de conduta, nomeadamente: pensamentos intrusivos a respeito dos alegados abusos, associados a sentimentos de tristeza e confusão; medos novos (e.g., de voltar a integrar o mesmo agregado familiar do alegado agressor e de que os supostos abusos possam voltar a repetir-se); marcada necessidade de compreender e atribuir significado aos alegados abusos; ambivalência afetiva face ao alegado agressor.”.
75. Em face da denúncia e posteriormente da condenação supra referida a progenitora assumiu uma postura de acusação e uma sequência de atribuições negativas, como “ela é má, é muito mentirosa, teimosa, só faz asneiras”, apresentando uma atitude de dependência financeira e emocional e um discurso desculpabilizador do companheiro e, centrado nos aspetos negativos da filha.
76. Antes da decisão do processo crime supra mencionado, a progenitora assumia que caso o companheiro fosse condenado o deixava e que se não fosse condenado se confirmariam as suspeitas de que a B… estava a mentir e que portanto não poderia acabar o relacionamento antes de tal decisão.
77. Até 21 de Junho de 2016, a progenitora manifestou-se no sentido de não se separar do companheiro G….
78. Os dias de visita da progenitora à B… no Centro de Acolhimento são à segunda, quarta e sexta-feira, entre as 18.00 e as 19.00 h, comparecendo a mesma de forma irregular, normalmente uma ou duas vezes por semana.
79. Quando não comparece a progenitora avisa previamente o Centro de Acolhimento.
80. As visitas são supervisionadas por um técnico da instituição para evitar que a criança seja questionada, como chegou a suceder por parte da progenitora, sobre a questão dos abusos sexuais de que foi vítima.
81. Ao aproximar-se a hora da visita da progenitora, a B… fica ansiosa, o que não sucede no final, altura em que se despede sem manifestações de tristeza ou intranquilidade.
82. O irmão uterino da B…, filho da progenitora e de G… acompanhou a mãe nas visitas à B… nos dias 15 de Fevereiro, 11 de Março, 16 de Março, 18 de Maio e 23 de Maio de 2016.
83. Espontaneamente, a B… não fala do irmão.
84. Em seis meses, o progenitor contactou uma vez, telefonicamente, com a B….
85. Da avaliação psicológica realizada à progenitora a 18/11/2015 (fls. 300 e ss.) resultou “em termos globais, que a progenitora se apresenta orientada no espaço e no tempo, auto e alopsiquicamente, sem que se verifiquem alterações ao nível da forma e do conteúdo do pensamento”.
86. Relativamente às restantes funções cognitivas, os dados sugerem que a progenitora apresenta resultados normativos e adequados - tendo em conta a idade, escolaridade e meio de inserção sócio-cultural - no que diz respeito às competências de atenção e concentração, às competências mnésicas, às capacidades construtivas e visuo-espacial e às capacidades de abstração.
87. No que diz respeito à expressão emocional, a progenitora durante as sessões realizadas, evidenciou um humor, na sua generalidade eutímico, ou seja, humor normal que inclui as alterações de amplitude habituais do quotidiano, sem grandes e prolongadas variações.
88. Os dados clínicos sugerem que a progenitora evidencia uma visão utilitária das relações, pelo que estas parecem ser geridas tendo em conta as suas necessidades e objetivos.
89. Para além disso, a progenitora tende a não se comover facilmente com o sofrimento dos outros, do que a abordagem que realizou à situação da filha é demonstrativo, como se colhe do facto de, em processo avaliativo, ter referido diretamente que estaria a escolher a estabilidade da sua vida relacional e da relação entre o companheiro e o filho, em detrimento da filha.
90. Relativamente à esfera da parentalidade, a progenitora refere ter vivenciado o nascimento dos filhos com grande satisfação e envolvimento, caracterizando estes momentos como os mais importantes da sua vida, aos quais, por sua vez, associa uma série de expectativas e emoções positivas.
91. Sobre a história de vida dos filhos, foi capaz de relatar as suas aquisições desenvolvimentais, características, gostos, hábitos e rotinas.
92. Relativamente ainda ao exercício da parentalidade, a progenitora expressou claramente que não queria acolher a filha em sua casa se isso significasse a rutura da relação com o companheiro.
93. A progenitora justificou sobretudo esta posição devido ao facto de não acreditar nas alegações de abuso sexual.
94. Desta forma, a progenitora apresenta um projeto de vida no qual a relação com a sua filha não assume um papel central em contrapartida com a impotência que a relação com o companheiro e com o filho nascido desta relação desempenharão.
95. A progenitora evidencia uma posição egocêntrica do plano relacional.
96. Os dados clínicos apontam também que, no plano da parentalidade, a progenitora evidencia um conhecimento adequado sobre a prática e necessidade de cuidados de crianças na idade dos seus filhos.
97. Desta forma, é de admitir que a progenitora demonstra capacidades que lhe permitem garantir os cuidados básicos das crianças.
98. Porém, expressou diretamente que a prioridade, em termos de projeto pessoal, será a manutenção da relação com o companheiro, mesmo que isso implique que a sua filha se mantenha numa instituição de acolhimento.
99. Quanto ao progenitor, em termos globais, a avaliação clínica realizada a 18/11/2015 (fls. 306 e ss.) sugere que o progenitor evidencia resultados normativos e adequados, tendo em conta a idade, escolaridade e meio de inserção sócio-cultural - no que respeita às competências de atenção (capacidade de focar e direcionar os processos cognitivos durante um estado de vigília) e concentração, às competências mnésicas, às capacidades construtivas e visuo-espaciais e capacidade de abstração.
100. Os dados clínicos obtidos parecem indicar que o progenitor evidencia uma baixa tolerância a situações de stress ou efetivamente complexas.
101. Nestas situações, o progenitor parece apresentar uma tendência a manifestar afetos negativos. Para além disso, evidencia uma tendência para o comportamento impulsivo e irrefletido.
102. Nesses momentos, o progenitor poderá ainda manifestar comportamentos agressivos.
103. Durante o processo avaliativo, o progenitor descreveu situações em que terá sido agressivo para com a sua namorada.
104. Este funcionamento psicológico, pelo facto de aumentar a sua vulnerabilidade face às contrariedades do quotidiano, poderá tornar o progenitor numa pessoa bastante dependente dos outros.
105. De acordo com os dados clínicos, o progenitor parece evidenciar uma baixa autodisciplina, isto é, demonstra ter dificuldade de prosseguir com os seus objetivos, muitas vezes, podendo nunca levar os seus projetos até à sua conclusão e desistir.
106. Estas características de personalidade parecem refletir-se, por exemplo, no exercício da parentalidade.
107. O progenitor evidencia possuir várias lacunas relativamente ao conhecimento das necessidades básicas de uma criança da idade da sua filha ao nível da alimentação, da saúde, higiene, acompanhamento médico, estimulação desenvolvimental), das suas rotinas e problemas, bem como demonstra claras dificuldades em adaptar o seu estilo de vida a essas necessidades.
108. Para além disso, o progenitor demonstra dificuldades em manter um contacto e envolvimento afetivo consistente e regular com a filha.
109. De salientar também, a ausência de competências adequadas de gestão emocional e de resolução de problemas, que poderá levantar também dificuldades na realização das tarefas da parentalidade.
110. No plano da parentalidade, acrescentamos ainda que o progenitor não expressou uma vontade clara de participar ativamente nas rotinas e vida da sua filha, apenas referindo vontade para manter alguns contactos com ela.
111. O progenitor não evidencia, do ponto de vista psicológico, características que lhe permitam desempenhar autonomamente e de forma adequada a função de cuidador.
112. Da avaliação psicológica da B… realizada a 17/03/2016 (fls. 329 e ss.), resultou que, e acordo com os dados clínicos, relativamente ao desenvolvimento psicomotor, a B… apresenta resultados situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade e um padrão de crescimento estável.
113. No que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo, as informações recolhidas sugerem que a criança apresenta um nível de recursos adequados para a sua faixa etária.
114. Os dados recolhidos nas entrevistas clínicas sugerem que a criança possui competências eficazes ao nível da aprendizagem, quer em contextos formais quer através da acumulação de experiências resultantes do contacto com a realidade envolvente.
115. Quanto às capacidades mnésicas, os dados clínicos sugerem que a B… apresenta, quer ao nível da memória a curto prazo, quer em termos de memória a longo prazo, as competências adequadas para a sua faixa etária, o que lhe permite a retenção e evocação de conhecimentos e situações.
116. Com base no processo avaliativo efetuado e nos dados clínicos daí decorrentes, é de admitir que a criança apresenta estruturas e processos cognitivos e afetivos que lhe permitem fazer a distinção entre factos reais e imaginados e/ou fantasiados, distinguir criticamente a verdade da mentira, bem como a capacidade de ajuizar situações e compreender normas sociais (inteligência social).
117. De acordo com os dados clínicos obtidos, a B… evidencia sinais de instabilidade afetiva e emocional, nomeadamente sinais de angústia e ansiedade, tristeza persistente e baixa autoestima.
118. A B… revela ainda uma elevada carência afetiva, sobretudo devido à inexistência, ao longo da sua trajetória desenvolvimental, de figuras de vinculação estáveis, gratificantes e securizantes.
119. Esta carência afetiva é traduzida pela expressão clara, por parte da criança, em integrar num núcleo familiar alternativo aos progenitores.
120. Durante o processo avaliativo, a B…, muito embora tenha expressado afetos positivos relativamente à mãe, associa a esta figura importantes sentimentos de rejeição e abandono.
121. A B… expressou claramente sentir-se rejeitada e desprotegida pela mãe, depois de esta não ter acreditado quando ela lhe revelou os alegados abusos sexuais de que foi vítima e, em sequência disto, não se ter separado do companheiro.
122. Relativamente ao progenitor, a B… evidenciou uma representação muito difusa deste, indicando uma falta de contactos regulares e associando este a momentos negativos na sua trajetória desenvolvimental, como é o caso da sua primeira institucionalização.
123. De acordo com os dados clínicos obtidos, a sua integração no centro de acolhimento, em duas ocasiões, tem sido vivenciado pela B… como a expressão de rejeição por parte da família em relação a si.
124. Desta forma, a B…, após ter expressado a vontade de integrar um contexto familiar alternativo, refere-se às expectativas relativamente a este afirmando que gostaria de ser adotada “desde que não voltasse outra vez para o centro”.
125. Do lado materno, a família da B… é constituída, por:
126. O… e P…, bisavós maternos da B…, residentes em …, Paredes, têm a seu cargo uma filha, Q…, que tem esclerose múltipla, o neto S…, e uma outra filha, T….
127. O supra identificado bisavô efetua alguns trabalhos agrícolas e a identificada bisavó executa atividades domésticas em casa de um vizinho.
128. Nunca demonstraram disponibilidade para acolher a B… ou para serem suporte da progenitora.
129. No período em que a B… esteve com a mãe, chegaram a receber aquela, pagando- lhes esta o respetivo serviço.
130. U…, tia avó da B…, foi vítima de violência doméstica durante muitos anos; atualmente está separada e vive em …o; tem dois filhos que estiveram acolhidos no V….
131. W…, tio avô da B…, não tem contactos com a família devido a problemas familiares.
132. X…, tio avô da B…, encontra-se a residir em Espanha e não tem contactos com a família.
133. Y…, tio-avô da B…, está a trabalhar no Luxemburgo e não tem contactos com a família.
134. Q…, tia-avó da B…, tem esclerose múltipla e reside com os bisavós da B… e o seu filho S…; necessita de apoio para as suas atividades diárias.
135. T…, tia avó da B…, não exerce atividade profissional e reside com os bisavós da criança.
136. Z…, avó da B…, é alcoólica e tem problemas associados ao consumo de álcool durante anos; atualmente reside em casa da progenitora da B…, não sendo autónoma nas suas atividades diárias; tem quatro filhos.
137. AB…, tio materno, reside na Alemanha e efetua visitas a Portugal de 2 em 2 anos; tem um filho e apesar de ter conhecimento da situação da B… nunca manifestou desejo de ser suporte.
138. AC…, tia materna, reside em …, Valongo, tem 3 filhos com processos de promoção e proteção a correr termos no Tribunal de Gondomar; é toxicodependente e não cumpre plano de metadona.
139. H…, tia materna, reside em …, tem dois filhos, um de 12 e outro de 4 anos, de relações diferentes.
140. Em Setembro de 2010, com a substituição da medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto da mãe, esta contou com o apoio da referida H… e do companheiro de então.
141. A referida H… adotou uma posição de cumplicidade com a irmã e respetivo companheiro G…, sem sinais de empatia pelas circunstâncias que a B… estava a vivenciar, inclusive no que respeita a uma segunda institucionalização.
142. Nunca viu a sobrinha numa lógica de vítima, antes sublinhou o discurso e comportamento da figura materna, dirigindo desagrado contra os técnicos e contra a própria criança.
143. Reafirmou que a B… era mentirosa, desvalorizando e desculpabilizando o mencionado G…, e encarando com naturalidade a possibilidade de “ela (B…) estivesse a olhar para o G… e que ele lhe tivesse perguntado: Estás a olhar, porquê? Queres mexer?” (referindo-se ao órgão sexual).
144. Mais questionou a imparcialidade dos técnicos que observam as visitas à B… e as orientações veiculadas, nomeadamente a proibição de abordar conteúdos relacionados com o alegado abuso sexual.
145. Não visita a B… desde Fevereiro de 2015.
146. Do lado paterno, a família da B… é constituída por:
147. Avô paterno que reside na zona de Barcelos e não tem qualquer tipo de contacto com a neta e com o filho.
148. AD…, tia avó da B… e madrinha do progenitor, residente em Gondomar, que sempre referiu não estar disponível para acolher a B…; tem conhecimento da situação da criança e nunca a visitou ou solicitou visitas.
149. AE…, bisavó, 82 anos, com quem reside um tio avô da B…, AF…; reside em …; não visita a B… e não tem disponibilidade para a acolher.
150. AF…, reside com a bisavó, tem 58 anos e nunca exerceu qualquer atividade profissional; não tem contactos com a criança.
151. AG…, tio avô da B… a residir em …, Paredes; desempregado dedicando-se à recolha de sucata; tem conhecimento de toda a situação da B… e não tem qualquer contacto com a mesma; consigo vivem os seus filhos e netos.
152. M…, avó paterna, com quem a B… tem uma relação positiva; mantém com a neta contactos descontinuados via telefone e/ou presenciais, considerando que a adoção constitui a melhor opção para a B…; tem consciência das suas limitações decorrentes de um diagnóstico de debilidade intelectual sem precisão; propõe-se a prestar um mero suporte pontual; atualmente vive com a atual companheira do filho, AH…, que já teve dois filhos em acolhimento residencial cujo projeto de vida passou pela adoção.
153. Por acórdão de cúmulo jurídico proferido no Processo n.° 390/11.0GAVLG do extinto Círculo Judicial de Gondomar, o progenitor, em cúmulo jurídico, pela prática de crimes de ofensa à integridade física grave e qualificada; furtos e tráfico de menor gravidade foi condenado na pena única de seis anos e oito meses de prisão efetiva, que se encontra a cumprir desde 30/08/2012, e cujos dois terços serão atingidos em 7/02/2017, os cinco sextos em 18/03/2018 e o termo em 28/04/2019 (fls. 445 e ss.).
154. Na 2.a Secção de Família e Menores da Comarca do Porto, J1 corre termos o processo de regulação das responsabilidades parentais n.° 2301/16.7T8GDM, distribuídos em 13/07/2016, em que é requerente D… e requerido G….
155. A menor pretende residir com a mãe e o irmão F… mas, como rejeita a presença do G…, companheiro da mãe, e esta não quer separar-se dele, expressa a vontade de ser adotada (matéria aditada por esta Relação).
3. Enquadramento jurídico
Estabelece o artigo 1978.º do Código Civil, que o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva, além do mais, do manifesto desinteresse revelado pelos pais relativamente ao filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança [n.º 1, al. e)].
O pressuposto do decretamento da medida é, pois, a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação, estando enumeradas as situações que, independentemente da culpa dos pais, manifestam a inexistência ou a quebra dos vínculos afetivos.
A quebra de afetividade dos pais para com a criança compromete, sem dúvida, o vínculo da filiação. Embora, constitucionalmente, os pais tenham o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, sendo que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artigo 36º, n.os 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa), ele não é um princípio constitucional absoluto. E quando os pais não cumprem os seus deveres fundamentais para com os filhos e não assegurem a necessária proteção e satisfação dos seus direitos, cabe ao Estado a promoção dos direitos e a proteção das crianças em perigo, para garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral (artigos 1º e 3º, nº 1, da LPCJP).
Proteção que nunca é conferida a uma criança quando ela está ao cuidado de quem a não ama. A falta de afetividade coloca em perigo a saúde psíquica e o harmonioso desenvolvimento da criança, o que justifica, sem mais, o corte do vínculo a seus pais. Questão de maior complexidade é a ligação afetiva da criança a seus pais e o alheamento destes. É que a situação transporta grande sofrimento para a criança, mas continua a impor um corte na relação de filiação. As limitações dos pais ao nível da parentalidade comprometerão um equilibrado devir da criança, que sempre sofrerá perturbações no desenvolvimento por se não sentir verdadeiramente amada. A estabilidade afetiva não se compadece com um único polo de atração; impõe retorno e uma ligação emocional de reciprocidade.
Pode afirmar-se que a B… tem laços de afeto com a sua mãe e o seu irmão, F…, nascido do relacionamento da mãe com o companheiro G…. Companheiro que abusou sexualmente da menina, o que determinou a sua institucionalização. Em verdade, uma segunda institucionalização, porque a menina já tinha uma anterior e idêntica experiência.
Não obstante as dificuldades que os afetos e as relações humanas sempre envolvem e a falibilidade dos juízos de prognose, parece seguro que a criança não poderá voltar para o seio da família biológica se a mãe mantiver o relacionamento com o companheiro. E a mãe, em face da denúncia, assumiu uma postura de acusação e uma sequência de atribuições negativas à menina, tais como “ela é má, é muito mentirosa, teimosa, só faz asneiras”, apresentando uma atitude de dependência financeira e emocional e um discurso desculpabilizador do companheiro e, centrado nos aspetos negativos da filha (n.º 75 dos factos provados) e, mesmo mais de um ano depois da condenação judicial do companheiro G…, em 21 de junho de 2016, a progenitora continuou a manifestar-se no sentido de não pretender separar-se do companheiro G… (n.º 77 dos factos provados). Acresce que está ainda demonstrado que, relativamente ainda ao exercício da parentalidade, ela expressou claramente que não queria acolher a filha em sua casa se isso significasse a rutura da relação com o companheiro, justificando-o com o facto de não acreditar nas alegações de abuso sexual. Apresenta, portando, um projeto de vida no qual a sua filha não assume um papel central, dando primazia à sua relação com o companheiro, o que evidencia uma posição egocêntrica do plano relacional. Contudo, no plano da parentalidade, dá mostras de um conhecimento adequado sobre a prática e cuidados necessários a prestar a crianças na idade dos seus filhos, registando-se as suas capacidades para garantir os cuidados básicos das crianças (n.ºs 92 a 96 dos factos provados). Em suma, a mãe da menina, no seu projeto pessoal, deu prioridade à relação com o companheiro, apesar do comportamento que o mesmo assumiu para com a filha que, por via disso, se mantém na instituição de acolhimento (n.º 97 dos factos provados).
É certo ter sido dado conhecimento no processo que a mãe da menor já não vive com o companheiro, o qual se encontra a residir com a mãe, e corre termos um processo de regulação de responsabilidades parentais relativo ao filho comum, o F…. Situação que poderá corresponder a mera encenação, para obstar que a menina seja encaminhada para a adoção. Com efeito, o tribunal a quo deu por indemonstrado que o G…, companheiro da mãe da menina, tenha deixado de viver com ela e que esta não tenha o propósito de manter com ele a vida em comum.
Por força do primado da família biológica, a primeira medida de intervenção do Estado deve ser o apoio às famílias disfuncionais, por forma a que estas alcancem o seu equilíbrio para acolher as suas crianças e jovens. Essa prevalência deixará de justificar-se quando, através de juízo de prognose, formulado com base nos factos conhecidos, se conclua pela impossibilidade de alcançar esse fim com recurso a medida em que o menor continue integrado no seio da sua família, designadamente através de apoio junto dos pais ou de apoio junto de outro familiar. O superior interesse da criança deve ser realizado, se possível, dentro do enquadramento familiar natural, da família biológica e/ou alargada. Portanto, a adoção só poderá ser equacionada depois de esgotada a oportunidade de integração na família biológica ou a impossibilidade de integração satisfatória na família alargada.
Todavia, quando a família não oferece condições bastantes para a criança crescer em solidez e harmonia, então abre-se a porta à adoção, por ser a medida que lhe abre a possibilidade de vir a encontrar uma família idónea que lhe proporcione estabilidade, equilíbrio, educação, perspetivas de um futuro, ou, ao menos, a preserve de uma vida de incertezas quanto a locais de crescimento, ligações emocionais, valores educacionais e cuidados de saúde, impõe-se o corte com a família natural para afastar o perigo e proporcionar-lhe condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral[2]. Portanto, deve privilegiar-se a integração familiar, dar primazia às relações biológicas, mas quando há um mínimo de garantia que as mesmas não sejam perniciosas para a criança, satisfazendo os seus interesses quer em termos afetivos, quer em termos de um harmónico desenvolvimento educacional, sem perigo para a sua vida ou integridade física[3].
A mãe tem competências para o exercício da parentalidade e parece dispor de um suficiente grau de maturidade e consistência para assegurar um sólido projeto de vida a sua filha. Essa situação e a faixa etária em que se situa a B… a completar 11 anos daqui a um mês em condições de normalidade, levaria a que o projeto de vida da menina fosse edificado junto de sua mãe e seu irmão, em salvaguarda da segurança e a afetividade necessárias ao seu são desenvolvimento. Porém, a presença do companheiro, para além do risco de recidiva em idênticos comportamentos, criaria angústias e insegurança que comprometeriam um devir harmonioso da B…. Além disso, hesita-se na afetividade da mãe para com a sua filha quando ela prioriza a sua relação com o companheiro, o abusador sexual da menina, e opta pela sua institucionalização para garantir aquele relacionamento. É, pois, nítido que o superior interesse da criança critério orientador e imperioso em todas as decisões judiciais – impõe que a menina não fique aos cuidados da mãe. E o pai, que se encontra preso em cumprimento de pena, não tem condições para acompanhar a sua filha, embora a B… tenha vivido com o pai até aos três meses de idade. Também a família alargada não quer ou não pode receber a criança; todos os elementos da família materna e paterna têm precariedade económica, crianças sujeitas a processos de promoção e proteção e um distanciamento afetivo e efetivo de toda a história de vida da B…, o que esgota a viabilidade de uma medida de apoio junto de qualquer familiar. Assim, no cotejo da institucionalização com as visitas da mãe, do irmão e da avó paterna e da confiança a instituição com vista à adoção, esta medida poderá encastoar um projeto de vida bem mais consistente e securizante se for encontrada uma família idónea que lhe proporcione estabilidade, equilíbrio, educação, perspetivas de um futuro, ou, ao menos, a afaste de uma vida de incertezas quanto a ligações emocionais, educação e cuidados de saúde.
A aplicação desta medida gera, no entanto, o receio de a idade da menina dificultar a adoção, caso em que não encontrará uma nova família e, ao mesmo tempo, perderá a que tinha. É que a quebra dos contactos da menina com a sua mãe, irmão e avó paterna implicará um corte afetivo que poderá não voltar a reatar-se, ainda que a menor não venha a ser adotada. Aceita-se, como defende a pedopsiquiatra que acompanha a B…, que a mesma, não obstante alegar que a mãe gosta dela e não a deixará ser encaminhada para a adoção, ainda é capaz de investir em novos pais que lhe garantam um crescimento e um futuro equilibrados. Essa opção está ensombrada pelo risco, muito sério, de a criança não ser adotada e de perder a sua família biológica, hipotecando, assim, o seu futuro.
Como se disse, o “superior interesse da criança e do jovem” é o critério prevalecente nas decisões que lhes respeitam e deve ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade”[4]. Porém, definido o estado de adotabilidade da B…, tem de se partir para outra família. Mas se a criança estiver algum tempo à espera da adoção e não se encontrar uma família disponível para a receber, é forçoso procurar encontrar a melhor solução para a menor, ainda que passe por uma reavaliação do retorno à família biológica. No caso, teoricamente, as possibilidades de integração na família biológica nunca estarão esgotadas, pois perdura a esperança de que a mãe, demonstrando empenho em acolher a menor, reúna as condições necessárias para o efeito. Por isso, crê-se que o risco de a menina não encontrar nova família e perder a sua poderá esbater-se com a reavaliação da medida, pelo tribunal que a decretou, se decorrido um ano não houver família candidata à sua adoção. No fundo, trata-se de salvaguardar a escolha do percurso da menor integrada numa família, biológica ou adotiva, que lhe proporcione as bases necessárias à formação de uma personalidade sã e compensada.
Em suma, sendo indiscutido que estão preenchidos os pressupostos gerais das medidas de promoção e proteção e os específicos da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção (artigo 1978.°, n.° 1, d), do Código Civil), confirma-se a decisão recorrida na sua integralidade. Contudo, atendendo à idade da menina e às prováveis dificuldades da sua adoção, se decorrido um ano não houver ainda candidato para o efeito, para evitar que o prolongado corte com a família biológica quebre os laços afetivos e de parentalidade que as unem, impõe-se que o tribunal a quo reavalie a situação da mãe da menor, designadamente para verificar as suas condições de vida sócio-familiares e ausência de relacionamento com o seu companheiro G…, e pondere o eventual reatar da ligação à menor.

Decaindo no recurso, as custas ficam a cargo dos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

IV. Dispositivo
Ante o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida na sua integralidade, mas determinando a reavaliação da situação da mãe da menor, designadamente para verificar as suas condições de vida sócio-familiares e se mantém o relacionamento com o seu companheiro G…, caso decorra um ano sem surgir candidato à adoção da B….

Custas do recurso pelos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Dê-se pagamento dos honorários ao defensor e patrono nomeados.
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Porto, 11 de outubro de 2016.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Aprovada pela lei n.º 147/1999, de 1 de setembro, na redação introduzida pela lei 31/2003, de 22 de agosto, atualmente alterada pela lei n.° 142/2015, de 8 de setembro.
[2] In www.dgsi.pt: Acs. Relação de Lisboa de 10/04/2014, processo 6146/10.OTCLRS.L1; Relação de Guimarães de 24/10/2013, processo 4699/12.7TBGMR.G1.
[3] In www.dgsi.pt: Acórdão da Relação de Lisboa de 29/04/2014, processo 2454/13.6TBVFX.L1-1.
[4] ALMIRO RODRIGUES, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, in Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, pág. 18; in www.dgsi.pt: Ac. R.C. de 10-07-2013, processo 493/10.8TBMGL-A.C1.