Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1694/16.0T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO
Nº do Documento: RP201712141694/16.0T8VLG.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º266, FLS.203-216)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito.
II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
III - A inscrição do A. como praticante desportivo amador não é impeditiva da existência de um contrato de trabalho entre aquele e o clube para o qual presta a sua atividade de futebolista.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1694/16.0T8VLG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1023)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe:
a) Os créditos salariais em atraso no valor de €200,00;
b) Os créditos resultantes da falta de pagamento dos subsídios de férias e retribuição de férias no montante de €645,46;
c) Os respetivos subsídios de Natal de 2015 e 2016, no valor de €700,00;
d) € 2.400,00 a titulo de Indemnização por despedimento ilícito.
Para tanto, e em resumo, alega que foi admitido ao serviço da ré em 01 de Julho de 2015, através de contrato de trabalho, para exercer as funções de jogador de futebol, com o horário de trabalho que refere, e mediante o pagamento mensal da retribuição líquida mensal de €600,00, sendo que a Ré, em 10.02.2016 e de forma verbal, o despediu.

A Ré contestou para, em suma, impugnar toda a essencial factualidade em que o autor pretende basear a alegada relação laboral, negando nomeadamente que tenha acordado pagar-lhe qualquer retribuição, mas sim, como recompensa pelo esforço, tendo-lhe pago deslocações, almoços, jantares e/ou ajudas de custo que viesse a realizar, que o vínculo do autor com o Clube foi como jogador amador, tendo procedido à sua dispensa de forma legítima.

O A. respondeu concluindo no sentido de que a relação mantida com a Ré consubstancia um contrato de trabalho.

Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da seleção da matéria de facto, fixado o valor da ação em €5.000,01 e realizada a audiência de julgamento (ata de fçs. 33 a 35), foi proferida sentença, que inclui a decisão da matéria de facto e que julgou “parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €1.800,00 (mil e oitocentos euros) a título de indemnização bem como, respeitante aos demais créditos reclamados, a quantia de €1.175,00 (mil cento e setenta e cinco euros).”.

Inconformada, veio a Ré recorrer tendo formulado as seguintes conclusões:
“a) Perante a matéria factual que resultou demonstrada nos presentes autos, e dirimindo a questão principal objecto dos mesmos – despedimento do A., e qualificação da relação jurídica existente entre as partes – considerou o Meritíssimo Tribunal “a quo” que o contrato celebrado e, necessariamente, a relação jurídica emergente da respectiva execução – configura, não uma relação de prestação de serviços como alega o Apelante, mas sim uma relação jurídica qualificável como uma relação jurídico-laboral.
b) Porém, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, o Apelante não se pode conformar com o entendimento vertido na douta decisão aqui recorrida, na medida em que a mesma opera, desde logo, uma errada apreciação da prova produzida, e bem assim uma desadequada subsunção jurídica dos factos, redundando na errada aplicação do Direito.
c) São duas as questões objeto do presente recurso e que se submetem a douta sindicância deste Venerando Tribunal da Relação, a saber:
a. Erro de julgamento quanto aos factos vertidos nos artigos 16.º, 20.º e 23.º da contestação (matéria de facto dada como não provada) e, ainda, quanto aos factos vertidos nos pontos 5 e 6 da matéria de facto dada como provada;
b. A qualificação jurídica do contrato celebrado entre o A./Apelante e a R./Apelada como verdadeiro contrato de prestação de serviços e consequente inexistência de qualquer despedimento ilícito da parte da R./Apelante em relação ao A./Apelado.
d) Quanto ao ponto 5. da matéria de facto considerada provada pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”, com máximo respeito por melhor entendimento, andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” ao considerar provado que o Apelado recebia mensalmente a quantia de 600,00€.
e) E uma vez que tal não ficou provado face ao depoimento prestado pelas testemunhas arroladas.
f) A realidade dos factos é a de que o Apelado não juntou aos autos qualquer documento que fizesse prova de qual o valor que era efetivamente pago, conforme depoimento da testemunha D… (registo digital 20170215161131_14742351_2871597, minuto 05:55 a 6:15; minuto 05:39 a 5:45) e da testemunha E… (registo digital 20170215154639_14742351_2871597 minuto 11:30 a 12:04; Minuto 13:44 a 13:57).
g) Já que nenhuma das testemunhas conseguiu concretizar com o mínimo de certeza qual o valor que o A. efetivamente recebia.
h) Isto na medida em que quer o pagamento, quer o valor a pagar eram abordados isoladamente com cada atleta, do mesmo modo era realizado o pagamento, não havendo conhecimento direto quanto a esta matéria por parte de todos os atletas do clube.
i) Aliás o ponto 5 da matéria dada como provada esta em clara contradição com o ponto 7 da matéria dada como provada, já que se deu como provado que existia a previsão de aplicação de multas pecuniárias, das duas uma, ou nunca ouve a aplicação do referido regulamento ou o mesmo nunca existiu, a crer que o A. sempre recebeu o mesmo valor.
Assim, cotejados os depoimentos supra transcritos, impunha-se dar como provado, o seguinte: 5 – “Mediante o pagamento de uma quantia mensal líquida.”
j) Salvo o devido respeito, não podemos aceitar o conteúdo do ponto 6 da matéria dada como provada.
k) De facto as competições oficiais, como o próprio nome indica não são fixadas pela Apelante mas fim pelos organismos oficiais, sendo a Apelante completamente alheia a esse agendamento.
l) Pelo que a obrigação de comparência prende-se com a possibilidade do Apelado jogar, executar o seu contrato de prestação de serviços, e não por qualquer imposição da Apelante.
m) Sendo que é o próprio Apelado que refere que não havia um horário fixo, o treino tanto podia começar às 07:00 como às 07:5, como às 07:30, como podia ser pedido para os atletas lá estarem pelas 06H00 (registo digital 20170215151053_14742351_2871597, minuto 11:48)
n) Do mesmo modo que o treino podia terminar mais cedo ou prolongar-se.
o) Pelo que o ponto 6 da matéria dada como provada deveria ser retirado e ser considerado como não provado.
p) Por outro lado, não podemos deixar de salientar face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, factos que foram salientados pelas testemunhas que claramente comprovam a existência de um contrato de prestação de serviços.
q) De facto não podemos deixa de salientar que é no mínimo caricato que o A.. revindique a existência de um contrato de trabalho mas refere expressamente que era um atleta amador, que tinha um trabalho e que passado uma época deixava de existir o referido vínculo.
r) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, perante a prova produzida, verifica-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” incorreu em verdadeiro erro de julgamento, pois não teve em devida conta, na prolação da decisão de facto, o que foi carreado aos autos nos respectivos articulados e documentação anexa, assim como não atentou no depoimento prestado pelas testemunhas arroladas.
s) Nessa medida, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que, fazendo jus à prova produzida, altere a decisão de facto quanto aos aludidos pontos, e tal como propugnado nas presentes alegações.
t) No CT/2009, no art. 12.º, também está consagrada uma presunção de contrato de trabalho:
“Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
u) Contudo nenhuma das alíneas supra mencionadas tem aplicação neste caso concreto.
v) O Apelado realizava a sua actividade em outros campos não pertencentes ao Apelante, por determinação das organizações oficiais, participando em jogos agendados pelas referidas organizações, sendo o Apelante alheia a essas determinações;
w) Nem todos os instrumentos de trabalho utilizados pertenciam ao beneficiário da atividade, designadamente as chuteiras as quais eram do Apelando (ponto 9 da matéria dada como provada).
x) Não existia uma hora de início ou términos dos treinos, conforme já amplamente alegado.
y) Não foi feita prova de “se paga” [sic] ao Apelado de qualquer quantia (fixa ou variável) e o Apelado nunca desempenhou funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da Apelante.
z) Pelo que nunca se poderia aplicar o artigo 12.º do Código do Trabalho, não tendo sido feita prova da existência de um contrato de trabalho mas sim de um verdadeiro contrato de prestação de serviços.
aa) Nunca tendo sido provada a aplicação de qualquer sanção disciplinar sob a forma de multa pecuniária, apenas resultando da matéria dada como provada que existia um regulamento mas não ficou provado que o referido regulamento era aplicado, nem tão pouco foi o mesmo documento junto aos autos.
bb) Isto na medida em que o que na realidade o Apelado celebrou com a Apelante foi um verdadeiro contrato de prestação de serviços.
cc) O A. foi admitido para exercer e efetivamente exerceu a atividade de atleta amador, executando essa mesma atividade nos locais onde decorriam os jogos agendados pelos organismos oficiais;
dd) O A. tinha, efetivamente, de estar presente no local, dos treinos pois, considerando a atividade em causa, essa seria a única forma em que poderia cumprir a atividade para a qual estava contratado;
ee) O A. jogou na Apelante como atleta amador (ponto 3 da matéria dada como provada), assumindo essa qualidade e como atleta amador não recebia qualquer quantia a título de salário mas sim a titulo de ajudas de custo, como decorre da Legislação afeta à Associação de Futebol do Porto)
ff) Cumulava a sua carreira de atleta amador com um contrato de trabalho para uma entidade terceira.
gg) Nunca auferiu qualquer valor a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
hh) Nunca revindicou ter um contrato de trabalho.
ii) Não existia qualquer sujeição do A. à disciplina da R.;
jj) O A. não consegue provar a existência de subordinação jurídica, que tanto lhe aclamaria, porque teria de o fazer através da alegação e prova de factos que no modelo prático em que o conceito de subordinação em estado puro se traduz a ela andam associados.
kk) Isto porque na realidade entre as partes nunca existiu um contrato de trabalho mas sim um verdadeiro contrato de prestação de serviços.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, (…)”.

O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão da matéria de facto e pela improcedência do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
Foi a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“1 – A Ré é uma associação desportiva, filiada na Associação de Futebol do Porto e que integra competições desportivas amadoras da mesma Associação, estando esta inserida na Federação Portuguesa de Futebol. (dos artigos 1.º da PI e 9.º da contestação)
2 - Em Julho de 2015, o Autor foi contratado pela Ré para exercer funções de jogador de futebol na sua equipa sénior e representá-la na época desportiva de 2015/2016, que decorreria, pelo menos, até ao final do mês Maio de 2016. (do artigo 2.º da PI)
3 - O Autor assinou toda a documentação que a Ré lhe facultou, inclusive a ficha de inscrição na Associação de Futebol do Porto como atleta amador, que o habilitava a representar a Ré nas competições em que a mesma se encontrava inscrita. (dos artigo 3.º da PI e 13.º da contestação)
4 - O Autor comprometeu-se a comparecer nos dias e às horas que fossem pela ré marcados/marcadas, na sede de Ré, para treinar e representá-la nos jogos oficiais desde o dia 01 de Julho de 2015 até 30 de Junho de 2016. (do artigo 4.º da PI)
5 - Mediante o pagamento de uma quantia mensal líquida de €600,00 (Seiscentos Euros). (do artigo 5.º da PI)
6 – Aquando do início da referida época desportiva a ré estabeleceu o seguinte horário, que o autor cumpriu:
a) Segunda-feira e de Quarta-feira a Sexta-feira, o Autor tinha treinos das 19:15 horas às 21 horas;
b) Domingo tinha que comparecer, no campo, à hora marcada pela Ré para seguidamente a representar nas competições oficiais em que se encontrava inscrita.
c) Tendo folga à Terça-feira e Sábado. (do artigo 6.º da PI, e parte do artigo 7.º)
7 - A Ré tinha afixado nas suas instalações um documento escrito denominado de regulamento, que previa, nomeadamente, multas pecuniárias pelos atrasos dos jogadores aos treinos e aos jogos. (do artigo 7.º da PI)
8 - A Ré, em dia não concretamente apurado mas situado em meados do mês de Fevereiro de 2016, comunicou Autor que não contava mais com ele. (dos artigos 9.º e 10.º da PI e do art. 17.º da contestação)
9 - Era a Ré que fornecia ao Autor o equipamento e acessórios necessários ao desempenho das suas funções, com excepção das chuteiras. (do artigo 24.º da PI)
10 – O autor nunca procedeu ao levantamento da “carta de dispensa”. (do art. 19.º da contestação)
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente não se provou, da contestação, o alegado nos artigos 16.º, 20.º e 23.º.”.
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III. Fundamentação
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas no recurso pela Recorrente:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a relação existente entre as partes não consubstancia um contrato de trabalho e, por consequência, se inexistiu o despedimento.
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Nas conclusões do recurso, refere a Recorrente pretender impugnar a decisão da matéria de facto constante dos arts. 16, 20 e 23 da contestação e 5 e 6 dos factos dados como provados.

2.1. Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, bem como o sentido das respostas que pretende. Tal indicação consubstancia a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto, ou seja, delimita o que se pretende com o recurso: qual a discordância do Recorrente em relação ao que foi decidido e o que pretende que seja decidido.
Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.
Já quanto à fundamentação dessa impugnação, designadamente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”. [sublinhado nosso].

No caso, a Recorrente, no que se reporta à impugnação aduzida quanto aos nºs 5 e 6 dos factos provados deu cumprimento aos mencionados requisitos, pois que, para além da indicação desses concretos pontos que impugna, indicou também o sentido das respostas pretendidas, bem como os meios de prova em que se sustenta, dando ainda cumprimento ao nº 2, al. a), do mencionado art. 640º, pelo que, nesta parte, admite-se a impugnação e dela se conhecerá.
Contudo, já o mesmo não ocorre quanto aos arts. 16, 20 e 23 da contestação, que foram dados como não provados.
Com efeito, e quanto a estes, a Recorrente apenas deu cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. a), mas não deu cumprimento a qualquer outro dos demais requisitos. Seja nas conclusões, seja nas alegações, a Recorrente não indicou o sentido das respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas, assim como não indicou qualquer meio de prova a sustentar a impugnação, assim incumprindo os requisitos mencionados nas als. b) e c) do nº 1 do citado preceito. Deste modo, e quanto a tais pontos da decisão da matéria de facto - arts. 16, 20 e 23 da contestação – rejeita-se a impugnação aduzida.

2.2. Quanto à impugnação do nº 5 dos factos provados, é o seguinte o teor do mesmo: “5 - Mediante o pagamento de uma quantia mensal líquida de €600,00 (Seiscentos Euros). (do artigo 5.º da PI)”, pretendendo a Recorrente que a resposta seja a seguinte: “5 – “Mediante o pagamento de uma quantia mensal líquida.”.
Sustenta a alteração nos depoimentos das testemunhas D… e E… e diz ainda que a resposta dada está em contradição com o nº 7 dos factos provados.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se o seguinte:
“(…)
Quanto à demais matéria de facto considerada provada, cumpre assinalar que salvo aspectos que reputamos de pormenor, os depoimentos foram – e particularmente os das testemunhas, olhados no seu conjunto, sem embargo de se deixar desde já expresso que bem mais abrangentes, e por isso mais esclarecedores, os das duas primeiras testemunhas – e na parte em que efectivamente incidiram sobre matéria comum, essencialmente concordantes, não se descortinando qualquer discrepância de monta que cumpra assinalar, e mesmo harmonizando-se tais depoimentos com as declarações de parte prestadas pelo autor, consignando-se que todas as testemunhas revelaram conhecimento acerca da factualidade em questão, as duas primeiras testemunhas, E… e D…, também foram jogadores do Clube aqui réu na época desportiva 2015/2016 (e sendo que o E…, como declarou, saído na mesma altura e nas mesmas circunstâncias que o autor), e a testemunha F… é mulher do autor por isso sabendo da sua relação profissional com a ré.
(…)
Relativamente à matéria respeitante à constituição e desenvolvimento da relação que se estabeleceu entre o autor e a ré – v.g. admissão do autor pela ré e respectivas condições; art.s 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 24.º da petição inicial -, consigna-se que quer a testemunha E… quer a testemunha D… referiram que nas «negociações» que ocorriam entre os jogadores e a direcção do Clube o importante, no caso deles como dos outros jogadores, também do autor, era o “acordo monetário”, e que apenas eram discutidos valores, começando a ré por oferecer valores mais baixos mas chegando a valores que “satisfaziam” as pretensões dos jogadores, sendo que nessas negociações nunca se falou em tais valores serem pagos a título de ajudas de custo ou algo do género, nem nunca foi sequer equacionada a compensação de quaisquer despesas que os jogadores pudessem suportar por via da actividade que se obrigavam a prestar à ré, como nunca lhes foi exigido qualquer comprovativo de despesa (sendo que quando iam jogar fora iam no autocarro do Clube), e sabendo eles, por conversas que na altura mantinham e até porque recebiam todos na mesma altura, que a quantia mensal que a ré acordou pagar ao autor foi de €600,00, confirmando também a existência de horário para os treinos, estabelecido pela ré e que tinham, eles como o autor, de cumprir, treinos que eram efectuados no campo do clube, e bem assim a existência de um regulamento escrito, afixado no balneário, e que previa nomeadamente multas por atrasos quer aos treinos quer aos jogos, como outrossim disseram que o equipamento era todo fornecido pela ré, à excepção das chuteiras.
(…)”.

Procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, a saber: pelo A., em declarações de parte, e pelas testemunhas arroladas por este, E… (que jogou com o A. na Ré na época 2015/2016), D… (que jogou com o A. na Ré na época 2015/2016) e F…, esposa do A. De referir que a Ré tinha arrolado duas testemunhas, uma das quais, tendo comparecido à audiência de julgamento, foi todavia prescindida pela Ré e, a outra, que era a apresentar, não compareceu.
E, ouvida a referida prova, desde já se dirá que se mostra correta a resposta dada ao nº 5 dos factos provados, bem como a respetiva fundamentação com a qual se concorda, estando em consonância com a prova produzida.
O A., nas declarações de parte, referiu auferir €600,00 por mês, quantia que era sempre igual e que havia sido acordada com a Ré; E… referiu que o A. auferia €600,00 por mês, que as retribuições do plantel variavam de jogador para jogador conforme o que era acordado, que ela, testemunha auferia mensalmente €400,00 e que, no dia do pagamento, eram chamados ao primeiro andar, onde lhes era paga a retribuição em dinheiro; D… referiu que ela, testemunha, auferia €450,00, que achava que o A. auferia €600,00 e que, no dia do pagamento, eram chamados ao primeiro andar, onde lhes era paga a retribuição em dinheiro; F…, mulher do A., referiu que este auferia todos os meses €600,00, que o dinheiro vinha num envelope com o logotipo da Ré, envelope esse, com o dinheiro, que o A. lhe entregava.
O facto de o pagamento pela Ré não ser feito em conjunto a todos não impede que as testemunhas D… e E… soubessem, ou pudessem saber, quanto auferia o A. e, por outro lado, a testemunha F…, para além do A., foi perentória no sentido de que o A. auferia o montante que €600,00. Salienta-se ainda que a Ré não fez, sequer, qualquer contraprova, seja testemunhal, seja documental, de que o montante pago mensalmente não fosse o de €600,00.
Quanto à alegada contradição com o nº 7 dos factos provados, deste consta o seguinte: “7 - A Ré tinha afixado nas suas instalações um documento escrito denominado de regulamento, que previa, nomeadamente, multas pecuniárias pelos atrasos dos jogadores aos treinos e aos jogos. (do artigo 7.º da PI)”.
Não conseguimos descortinar qualquer contradição entre os nºs 5 e 7 dos factos provados, contradição essa que, manifestamente, não tem qualquer fundamento. Uma coisa é a retribuição mensal acordada e auferida pelo A. e outra são as eventuais penalizações que pudessem ser aplicadas, designadamente por atrasos dos jogadores aos treinos e jogos. Para além de que não se provou, sequer, qualquer atraso do A. e/ou a aplicação, ao mesmo, de qualquer penalização, o que aliás nem a Recorrente havia sequer alegado.
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação aduzida à matéria de facto.

2.3. Quanto ao nº 6 dos factos provados é o seguinte o teor do mesmo:
“6 – Aquando do início da referida época desportiva a ré estabeleceu o seguinte horário, que o autor cumpriu:
a) Segunda-feira e de Quarta-feira a Sexta-feira, o Autor tinha treinos das 19:15 horas às 21 horas;
b) Domingo tinha que comparecer, no campo, à hora marcada pela Ré para seguidamente a representar nas competições oficiais em que se encontrava inscrita.
c) Tendo folga à Terça-feira e Sábado. (do artigo 6.º da PI, e parte do artigo 7.º)”.
Pretende a Recorrente que esse nº 6 seja dado como não provado, o que sustenta no depoimento do A.
No que se reporta à fundamentação da decisão da matéria de facto aduzida pela 1ª instância já acima a deixámos consignada, com a qual se está de acordo, sendo que a impugnação deduzida pela Recorrente é incompreensível dada a sua manifesta falta de fundamento.
O horário mencionado no nº 6 dos factos provados é corroborado pelas testemunhas E… e D…. E o A. também o corroborou, não se entendendo como pretende a Recorrente fundamentar a impugnação no excerto que transcreve e que é o seguinte:
“Minuto 11:48
Juiz: E esses treinos era compatível com o seu outro trabalho?
A.:Era sim senhor, treinávamos mais ou menos às 7, 7:15. Eles pediam para estar lá atempadamente, quem tinha tratamento médico
Juiz: Diga?
A.: Eu treinava por volta das 7, 7:15, em princípio, se houve atrasos 7:30 aquilo que normalmente acontece e (…), pediam era que quem tivesse de fazer tratamentos tinha que estar uma hora antes no campo, para poder fazer esse tratamento para depois estar a horas para depois poder treinar.
Minuto 12:45
Juiz: Mas olhe havia um horário fixo para os treinos ou não
A: 7:15.
Juiz: 7:15?
A.: Depois consoante os atrasos (…)
Juiz: e havia… era um período previamente estipulado havia .. 7:15 até x horas ? ou era como o treinador achasse ?
A.: Havia hora para o início do treino
Juiz: Sim
A.: Para acabar se o treino tivesse que se prolongar mais um bocadinho não havia hora fixa para acabar … eu lembro me de chegar a casa por volta das 10, 10 e tal … se o treino se estende-se por mais um bocado…”.
Havia efetivamente um horário para começar os treinos, sendo que às 7h15 os jogadores deveriam estar prontos para o efeito (se tivessem que efetuar tratamento prévio o horário de chegada deveria ser mais cedo), assim como havia um período de tempo de treino que, como também referiu o A., era de 1h30, 2h00, podendo por vezes prolongar-se um pouco mais. E, como é óbvio, não é a circunstância de, no interesse da Ré, os treinos se poderem prolongar um pouco mais que faz com que deixe de existir um horário para os mesmos, assim como não é o facto de, alguma vez, poderem começar 5, 10 ou 15 minutos mais tarde ou, até mesmo, 30 minutos, que faz com que não houvesse um horário estipulado pela Ré, para os treinos. Como disse o A., e bem assim as testemunhas D… e E…, de acordo com o regulamento interno da Ré, existiam até penalizações/multas, para quem chegasse atrasado (conforme referiu o A. 1 minuto de atraso era penalizado com 50 cêntimos, mais de 2 minutos com o dobro e, se fosse aos domingos, dia de jogo, a penalização para atrasos na concentração dos jogadores “dobrava”).
Improcede, assim e também nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.
3. Se a relação existente entre as partes não consubstancia um contrato de trabalho e, por consequência, se inexistiu o despedimento
Na sentença recorrida considerou-se que a relação mantida entre as partes consubstancia um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços, do que discorda a Recorrente reafirmando a tese desta figura contratual – contrato de prestação de serviços -, alegando para tanto e em síntese que: não se verificam os pressupostos previstos no art. 12º do CT72009, pelo que não poderia ser aplicada esta norma; o A. foi admitido para exercer e exerceu a sua atividade como atleta amador, executando-a nos locais onde decorriam os jogos agendados pelos organismos oficiais, tendo que estar presente nos treinos pois que era a única forma de poder cumprir a atividade para que foi contratado; como atleta amador que era não recebia retribuição, mas sim a título de ajudas de custo, cumulando a sua carreira de atleta com outra atividade profissional para terceiro; não auferiu qualquer retribuição a título de férias, nem de subsídios de férias e de Natal; nunca havia reivindicado ter um contrato de trabalho e não tinha subordinação jurídica.
Atentas as conclusões formuladas pela Recorrente, em causa no recurso está apenas a questão de saber se a relação mantida entre as partes consubstancia um contrato de prestação de serviços, como defendido pela Recorrente (e, em caso afirmativo, da consequente inexistência do despedimento), ou se configura um contrato de trabalho como defendido na sentença recorrida, bem como pelo Recorrido.
3.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Questão fundamental a que importa dar resposta: entre o autor e a aqui ré foi celebrado, e vigorou, um contrato de trabalho?
Dispõe o artigo 11.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”.
Tal é a noção que, com algumas cambiantes, de contrato de trabalho também nos dá o Código Civil, que, todavia, não alude ao trabalho ser prestado no âmbito de organização do empregador e, por outro lado, refere expressamente que o trabalho é prestado sob a direcção da pessoa (individual ou colectiva) que proporciona o emprego (cf. art. 1152.º CC).
Também não difere muito da citada noção de contrato de trabalho, que consta do actual (e aqui aplicável) CT, aquela que foi acolhida no art. 10.º do CT/2003, que estabelecia “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.
Assim, de substancial, na redacção do art. 11.º que consta no CT actualmente em vigor surpreende-se que agora a «subordinação jurídica» passa a estar enquadrada pela organização da pessoa a quem é prestada a actividade.
No entanto, como discorre a Prof.ª Maria do Rosário Palma Ramalho, e a propósito da (nova) redacção do art. 11.º do CT e da noção de contrato de trabalho aí vertida, “no que se refere à supressão das referências tradicionais ao elemento da direcção do empregador, tal supressão não significa, quanto a nós, a dispensa do elemento da subordinação jurídica como elemento essencial do contrato de trabalho, com as inerentes dúvidas sobre a extensão do regime laboral ao trabalho autónomo. É que, como decorre da norma, mantém-se expressamente a referência à «autoridade» do empregador na delimitação do negócio laboral.
Ora, como já tivemos ocasião de demonstrar noutra sede, a posição de autoridade do empregador no contrato de trabalho inclui não apenas uma componente de direcção (que não carece assim de ser expressamente referida) como também uma componente disciplinar; e, com frequência, não é a componente directiva da autoridade do empregador que permite resolver dúvidas de qualificação do contrato, porque o poder directivo pode estar diluído, não ser exercido ou mesmo ser atribuído a terceiros sem que o contrato se descaracterize, e ainda porque tal poder também existe noutros contratos envolvendo a prestação de um trabalho ou de um serviço, dependendo assim a sua aptidão qualificativa do acompanhamento pelo poder disciplinar.” in Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas, Cadernos do CEJ, Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção legal e Método Indiciário, pág.s 45 e 46, no sítio do CEJ na internet.
No CT/2009, no art. 12.º, também está consagrada uma presunção de contrato de trabalho:
Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
(Também o CT/2003, inovando, estabelecia, no correspondente artigo, uma “presunção de contrato de trabalho, tendo-lhe sido dada uma nova redacção pela Lei 9/06, de 20/3, mas, por inaplicáveis ao caso tais preceitos, não importa agora especificar o então prescrito).
Ora, nos termos do art. 350.º, n.º 1, do CC, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz”.
Ora, e reportando ao caso dos autos, diremos que a autora logrou provar factos que, de forma evidente, integram e preenchem a mencionada presunção, pois que estão verificadas as «características» expressamente previstas no art. 12.º do CT nas alíneas b) – cf. ponto 9 da lista dos factos provados – c) – cf. pontos 4 e 6 da referida lista – d) – cf. ponto 5 da mesma lista – e mesmo, já por abundância (pois aquelas circunstâncias são já suficientes para fazer funcionar a presunção em causa), a prevista na al. a) – cf. também ponto 4 da lista dos factos provados.
Como assim, só não procederá a pretensão do autor quanto à qualificação do contrato se a ré lograr provar factos susceptíveis de elidir aquela presunção, demonstrando a ré – positivamente – que o contrato celebrado foi outro que não de trabalho.
“(…) por via da referida presunção de laboralidade e verificados que sejam os pressupostos de base de atuação da mesa [cuja prova compete ao trabalhador ou, em tais acções, ao MP], caberá ao alegado empregador a prova do contrário [art. 350.º, n.º 2, do Cód. Civil], não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.” – Ac. do TRP de 26.09.2016, Proc. 40/16.8T8PNF.P1 (in Boletim de Sumários de Jurisprudência da Relação do Porto n.º 51, no sítio da internet do TRP).
Com o devido respeito por diverso entendimento, a ré não provou factos que infirmem que entre ela e o autor foi celebrado, e vigorou, um verdadeiro contrato de trabalho.
Aliás, e independentemente dessa conclusão, como resulta da acima exposta noção de contrato de trabalho, é consabido, e tem sido reiteradamente afirmado pelos nossos Tribunais Superiores, o contrato de trabalho tem como elemento distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou (consequentemente, a subordinação jurídica reconduz-se ao dever de obediência do trabalhador, no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixados pelo empregador), e contrato de trabalho que, assim, se apreende, determina, através de um conjunto de indícios – assumindo cada um deles um valor relativo, pelo que o juízo a fazer deve ser de globalidade face à situação concreta apurada – como sejam a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem – cfr Ac. do STJ de 13/09/2006, de que foi Relatora A Sr.ª Conselheira Maria Laura Leonardo, in www.gde.mj.pt/jstj, Proc. 06S891 (apesar de o douto acórdão não se reportar ao actual CT, afigura-se que a doutrina naquele expendida permanece inteiramente válida face à similitude das correspondentes no Código actual).
Sucede, sopesados a essa luz os factos dados como provados, particularmente, desses factos estar o autor adstrito à direcção da ré, v.g. quanto ao horário de trabalho a observar, e o dever de observar as regras estipuladas pela ré, sujeitando-se ao regulamento da mesma -, também por esta via (subsunção da pertinente factualidade à noção legal) se encontra demonstrado que o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho.
Contra o que se vem de dizer de nada vale, salvo melhor opinião, o que alega a ré no que tange, em suma, à incompatibilidade do estatuto do autor de atleta amador com a sua pretensão ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho com a ré.
Concordamos antes, diga-se, com o expendido pelo autor em 25.º e 26.º da petição inicial, citando João Leal Amado, de que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sob o status Juslaboral, e de que no que toca, aliás, a comportamentos dos atletas que constituam actos de indisciplina que tenham a ver com a sua preparação – faltas aos treinos, pouco empenho no trabalho, não acatamento das instruções dos técnicos -, não compete às Federações mas aos Clubes o exercício de poderes disciplinares.
Desde logo esta última afirmação resulta, a nosso ver, clara, da conjugação do prescrito nos artigos 52.º e 54.º do DL 248-B/2008 de 31.12, que contém o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva (alterado pelo DL 93/2014 de 23.6, vigente à data dos factos), estabelecendo o art. 54.º/1 que “No âmbito desportivo, o poder disciplinar das federações desportivas exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário, nos termos do respetivo regime disciplinar”, bem como do estipulado no art. 6.º/1 do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (disponível no respectivo sítio da internet), que prevê: “O regime disciplinar desportivo é independente da responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional.
(…)”.
Estamos, no essencial, de acordo com as considerações transcritas, sendo que, no caso e tendo em conta os nºs 4, 5, 6 e 9 dos factos provados, se encontram preenchidos quatro dos cinco pressupostos previstos no art. 12º, nº 1, do CT/2009, quais sejam os constantes das suas als. a), b), c) e d), sendo que, atualmente e conforme uniformemente entendido, não são todos eles de verificação cumulativa, bastando a verificação de, pelo menos, dois, para que a presunção atue.
Dispõe o art. 350º do Cód. Civil que: “1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, (…)”.
Ora, a referida presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é naturalmente mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
E a Recorrente não fez prova de facto ou factos que, conjugadamente, contrariem a referida presunção legal, sendo que para tanto não basta, manifestamente, o facto de o A. não ter recebido os subsídios de férias e de Natal, facto este que tem que ser apreciado com a parcimónia devida uma vez que, podendo embora em determinadas circunstâncias apontar no sentido da inexistência de vínculo laboral, poderá todavia consubstanciar incumprimento contratual.
E à qualificação do contrato como contrato de trabalho também não obsta a inscrição do A. como praticante desportivo amador, sendo que, no caso, o A. auferia uma retribuição mensal como contrapartida da atividade que prestava para a Ré e não tendo esta feita prova de que a quantia paga mais não constituísse do que ajudas de custo destinadas a suportar despesas tidas pelo A., que aliás nem foram alegadas.
Mas e ainda a este propósito, chama-se à colação o Acórdão desta Relação de 08.01.2007, Proc. 0612342, in www.dgsi.pt, aresto esse citado e transcrito na sentença recorrida e que também aqui se transcreve:
“(…)E, nesta sede, releva a matéria assente, no sentido de que o contrato é de qualificar como de trabalho – o A. integra a equipa de futebol da R., onde participa, o local de trabalho é o campo de jogos do clube empregador, os instrumentos de trabalho – equipamentos, bolas, toalhas, fatos de treino – pertencem à entidade empregadora, o A. tem horário para cumprir, obedece à equipa técnica, recebe retribuição em função do tempo – ao mês – e está sujeito a regulamento interno. Os elementos de sentido contrário, que a R. pretende que existiam, não se provaram, como claramente resulta da matéria de facto assente e da decisão da 1.ª questão: provou-se que o A. auferia mensalmente a retribuição de €400,00, que havia horário e convocatórias para os jogos, multas para as infracções disciplinares e que a actividade era prestada inserida em equipa.
Daí que não possa ser feita a qualificação do contrato dos autos como contrato de prestação de serviços.
E não se diga que sendo o A. um jogador amador[7] de futebol e a jogar em equipa de clube amador, a qualificação jurídica do contrato dos autos tenha de ser efectuada como contrato de prestação de serviços.
Na verdade, está hoje adquirido que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente - de o jogador se encontrar inscrito como amador ou como profissional na Federação Portuguesa de Futebol e, in casu também, na Associação de Futebol do Porto, - de o clube participar em competições – estatuto jurídico-desportivo – amadoras ou profissionais, - bem como da forma jurídica do clube: associação sem fim lucrativo, sociedade anónima desportiva, associação com vocação desportiva ou outra, relevando apenas – tanto para efeitos laborais [Lei n.º 28/98, de 26 de Junho], como para efeitos comunitários [Tratado de Roma][8] – a circunstância de – estatuto jurídico-laboral – entre as partes existir um vínculo jurídico pelo qual o praticante desportivo preste a sua actividade de jogador ao clube, mediante subordinação jurídica e mediante subordinação económica, independentemente do montante da retribuição ser diminuto ou de grande valor. Daí que o qualificativo do jogador, do clube ou das competições em que ambos participam, de amador, em nada afecta a qualificação jurídica do contrato[9] que efectivamente as partes celebraram e executaram, sendo destarte irrelevante o nomen juris nele aposto[10]. Na verdade, é ponto assente entre nós, como na Espanha, França ou Alemanha que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sobre o status juslaboral[11].
Por isso, apesar da sensibilidade desportiva[12] que o caso demanda, concluímos que o contrato existente entre as partes é um contrato de trabalho, pelo que não sendo de prestação de serviços, improcedem as restantes conclusões da apelação.”.
Deste modo, improcedendo a impugnação da decisão da matéria de facto e tendo em conta as demais considerações acima expostas, improcedem as conclusões do recurso, sendo que a questão da inexistência do despedimento passava pela procedência da questão relativa à qualificação do contrato como contrato de prestação de serviços.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
***
Porto, 14.12.2017
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas