Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1576/11.2TBVCD-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR BASE
Nº do Documento: RP201606201576/11.2TBVCD-I.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 628, FLS.193-196)
Área Temática: .
Sumário: A venda por negociação particular subsequente à frustração de venda por propostas em carta fechada não está sujeita a qualquer valor mínimo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO Nº 1576/11.2TBVCD-I.P1

I- No Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, 1º Juízo Cível, actualmente na Comarca do Porto, Porto, Instância Central, 1ª Secção de Execução, J-3 inconformada com o despacho proferido com a referência 6153645 que deferiu a aceitação de proposta de aquisição formulada pelo exequente do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 90.000 euros nos autos de Execução Comum em que é Exequente o Banco de B…, SA, veio a Executada C…, com o beneficio de protecção jurídica concedido nestes autos, interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido com referência 6153645 que deferiu a aceitação de proposta de aquisição formulada pelo exequente do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 90.000 euros, ou seja, por valor inferior a 85% do valor base daquele mesmo bem e sem a concordância da executada, ora recorrente.
2. O valor base do bem imóvel em causa nos autos foi fixado, primeiramente em € 151.071,42 e, posteriormente, em € 136.920,00.
3. A proposta de aquisição daquele imóvel apresentada pelo exequente é de € 90.000,00.
4. A aqui recorrente, em sede própria, declarou não aceitar essa proposta de aquisição apresentada pelo exequente porque o valor oferecido (€ 90.000,00) era inferior a 85% do valor do bem penhorado.
5. Ora, como decorre do disposto no actual n.º 2 do art. 816 do CPC, o valor da venda é igual a 85% do valor base do bem, o que, no caso dos autos, corresponde ao valor de € 116.382,00.
6. De acordo com essa disposição legal (n.º 2 do art. 816 do CPC), aplicável à proposta apresentada nestes autos pelo exequente, por força do disposto no n.º 3 do artigo 799 do CPC, o preço oferecido pelo exequente não pode ser inferior à referida quantia de € 116.382,00 ou seja, 85% do valor base daquele mesmo bem.
7. Ao deferir a adjudicação do bem imóvel penhorado nos autos, o qual constitui a casa de habitação da executada, ao exequente, já em fase de venda por negociação particular e por valor inferior a 85% do valor daquele bem, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 799 n.º 3 e 816 n.º 2 ambos do CPC, não tendo feito a correcta interpretação e aplicação ao caso dos autos.
Conclui pedindo que o despacho recorrida seja revogado.

II – O recorrido ofereceu contra alegações formulando as seguintes conclusões:
1. É entendimento do Recorrido, salvo o devido respeito por diverso entendimento, que a sentença recorrida não é alvo de qualquer reparo, na medida em que se encontra alicerçado na matéria fáctica carreada para os autos e nas normas legais aplicáveis.
2. O Banco executou uma dívida com garantia real (Hipotecas) tendo penhorado o imóvel objecto das referidas garantias, propriedade dos Executados: Prédio Urbano, sito no lugar da … n.º …, descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 454 e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 930.
3. O imóvel em causa foi penhorado e após notificação nos termos do anterior 886.º-A do CPC (actual art.º 812.º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho), foi atribuído ao imóvel o valor base de € 151.071,42 a que correspondia um valor mínimo de venda de € 105.700,00.
4. O imóvel foi à venda judicial mediante abertura de propostas em carta fechada em 08.05.2012 não tendo sido apresentadas quaisquer propostas, nem surgido qualquer interessado.
5. A venda passou, desde a referida data, a processar-se na modalidade de venda mediante negociação particular.
6. Em 22.11.2012 dada a ausência de propostas recebidas Encarregado de Venda nomeado nos autos, o Banco apresentou nos termos do art.º 904 e 905.º do CPC (atuais artigos n.º 832.º e 833.º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho) uma proposta de aquisição para o imóvel em causa no valor de € 90.000,00 a qual foi rejeitada pela Executada.
7. A venda por negociação particular manteve-se durante quase um ano e meio sem que tenham surgido quaisquer propostas superiores à proposta apresentada pelo Banco, contribuindo para um avolumar da dívida dos Executados e para um contínuo desvalorizar do imóvel ínsito ao decurso do tempo.
8. Em 24-04.2014 através do Despacho n.º 6153645, a MM.ª Juíza a quo decidiu aceitar a proposta apresentada pelo Banco.
9. A MM.ª Juíza a quo remeteu bem para os fundamentos de facto e de direito relatados pela Ilustre Agente de Execução no relatório apresentado em fls. 173 e 208, aderindo na íntegra aos mesmos.
10. O imóvel em causa esteve, ao todo, em negociação particular durante mais de dois anos sem que tenham sido apresentadas propostas superiores à apresentada pelo Banco.
11. Face a conjuntura económica do país e da contínua e famigerada crise do sector imobiliária, e uma vez que o valor da proposta obedece ao seu valor de mercado do imóvel ando bem a MM.ª Juíza a quo ao aceitar a proposta do Banco.
12. A proposta apresentada pelo Banco foi uma Proposta de Aquisição nos termos do art.º 904 e 905.º do CPC (atuais artigos n.º 832.º e 833.º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho),
13. E não Adjudicação do imóvel nos termos do art.º 799.º e seguintes do CPC.
14. Nesta sequência, a proposta apresentada pelo Banco e a consequente aceitação por parte da MM.ª Juíza a quo não violou nenhuma disposição legal, designadamente os invocados pela Recorrente - art.º 779.º n.º 3 e art.º 812.º n.º 2 do CPC, nem qualquer outra norma legal.
15. Assim, não merece censura o Despacho n.º 6153645 devendo ser integralmente mantida a decisão tomada pela Mma.ª Juiz a quo.
Conclui pedindo que seja mantido o despacho recorrido e negado provimento ao recurso.

A Sr.ª Juiz admitiu o recurso.

II – Os factos

1. Ao imóvel penhorado nos autos foi atribuído o valor base de € 151.071,42 a que correspondia um valor mínimo de venda de € 105.700,00.
2. O imóvel foi à venda judicial mediante abertura de propostas em carta fechada em 08.05.2012 não tendo sido apresentadas quaisquer propostas, nem surgido qualquer interessado.
3. A partir desta data tentou-se a venda mediante negociação particular.
4. Em 22.11.2012 dada a ausência de propostas recebidas, o Banco apresentou uma proposta de aquisição para o imóvel em causa no valor de € 90.000,00 a qual foi rejeitada pela Executada.
5. A venda por negociação particular manteve-se durante quase um ano e meio sem que tenham surgido quaisquer propostas superiores à proposta apresentada pelo Banco.
6. A fls. 42 verso consta um Requerimento da ora Recorrente, a solicitar que se informasse a Sr.ª Agente de Execução de que não podia aceitar a proposta apresentada pelo exequente de aquisição do imóvel penhorado por 90.000 euros, que seria manifestamente insuficiente, ordenando-se novas diligências para obtenção de propostas de compra do imóvel penhorado pelo valor correspondente a pelo menos 85% do valor base.
7. Veio o Exequente a fls. 69 verso apresentar um requerimento no qual informa que o Agente de execução tinha comunicado a ausência de propostas de valor superior, sendo certo que a venda por negociação particular decorre desde Maio de 2012, pelo que requer que a proposta de aquisição seja aceite.
8. Por despacho de 22-01-2014, foi determinada a alienação do imóvel pelo valor da proposta referida.
9. A ora Recorrente veio novamente reiterar a sua posição afirmando não aceitar o preço proposto.
10. Por despacho de 11-02-2014 foi dito «nada a adiantar ao já decidido».
11. Posteriormente, foi proferido o despacho de 24-04-2014, ora recorrido, do seguinte teor: «Concordando, na íntegra, com as razões de facto e de direito relatadas no relatório da Sr.ª AE, considerando a conjuntura económica do país, e a necessidade de impulso dos presentes autos, defere-se a aceitação da única proposta de aquisição formulada».

III- DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil (impõe-se referir que a Recorrente não formula verdadeiras conclusões que individualizem questões concretas).
A questão concreta que nos vem colocada é apenas uma, a saber:
A decisão recorrida podia ou não ter autorizado a venda do imóvel penhorado pelo valor oferecido (inferior a 85% do valor base)?
Vejamos
No Código de Processo Cível está prevista a Adjudicação de bens penhorados pelo Exequente.
Assim, dispõe o artigo 799.º n.º 1 que «O exequente pode pretender que lhe sejam adjudicados bens penhorados, não compreendidos nos artigos 830.º e 831.º, para pagamento, total ou parcial, do crédito».
E, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo «cabe ao agente de execução fazer a adjudicação; mas, se à data do requerimento já estiver anunciada a venda por propostas em carta fechada, esta não se susta e a pretensão só é considerada se não houver pretendentes que ofereçam preço superior».
No capítulo relativo à Venda mediante propostas em carta fechada estatui o artigo 816.º n.º 2 que «O valor a anunciar para a venda é igual a 85 % do valor base dos bens».
Finalmente, o artigo 832.º, que regula os Casos em que se procede à venda por negociação particular, dispõe que «A venda é feita por negociação particular:
a) Quando o exequente propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo executado e demais credores;
b) Quando o executado propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo exequente e demais credores;
c) Quando haja urgência na realização da venda, reconhecida pelo juiz;
d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite;
e) ;
f) ;
g) .»
A questão que se coloca no presente recurso resume-se em saber se um determinado bem (imóvel) que se encontra penhorado numa execução pode ou não ser vendido (ou adjudicado) por um valor inferior a 85% do valor base desse bem.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa e, nesse sentido desde já se afirma que nenhuma censura nos merece o despacho recorrido.
Como resulta da factualidade provada a venda por propostas em carta fechada frustrou-se pelo que nada obstava a que o imóvel fosse vendido por meio de negociação particular por valor inferior a 85% do fixado nos termos do artigo 816 n.º 2 do Código de Processo Civil.
Na verdade, se o artigo 816.º n.º 2 estatui que «O valor a anunciar para a venda é igual a 85 % do valor base dos bens», tal normativo apenas se impõe para a venda por propostas em carta fechada e não para a venda por meio de negociação particular.
Nesta modalidade de venda, venda por meio de negociação particular, aquele valor apenas deve ser tido como referência e não como limite que se impõe em definitivo.
Significa isto que a venda por negociação particular subsequente à frustração da venda por propostas em carta fechada não deverá estar sujeita a qualquer valor mínimo, podendo o imóvel ser vendido ao interessado (incluindo os credores, no caso o Banco Exequente) que apresentar a proposta de valor mais elevado.
Aliás, nem se compreenderia que assim não fosse, pois que de outro modo se não houvesse interessados pelo valor «igual a 85 % do valor base dos bens» nunca o bem seria vendido e nunca o credor poderia obter o pagamento (ainda que parcial) do seu crédito.
E também não é razoável que se espere eternamente durante anos que a conjectura do mercado melhore, os preços subam e apareça um comprador que ofereça mais.
Acresce que se impõe afirmar que estamos perante uma proposta de compra pelo Credor (Banco Exequente) e não de Adjudicação como pretende afirmar a Executada.
Pensamos que esta é a posição unânime da Jurisprudência não obstante as decisões citadas pela Recorrente que se referem a situações de facto diversas.
No sentido que defendemos podemos ver o recente Acórdão desta Relação de 17 de Maio do corrente ano proferido no Proc. Nº 6863/10.4YYPRT, no qual se escreveu nada obsta a que o imóvel seja agora vendido por meio de negociação particular por valor inferior a 85% do fixado termos do artigo 886°-A, do Código de Processo Civil, na redacção então vigente [a qualquer interessado] incluindo os credores (…)”.
….. No caso da venda por propostas em carta fechada, o valor mínimo por que pode ser vendido o bem é de 85% desse valor base. Evoluindo a venda para a modalidade de venda por negociação particular, este valor de referência mantém-se. Isso não significa, no entanto, que o bem penhorado não possa ser vendido por valor inferior. O que implica é que, em tal hipótese, a venda, se não merecer o acordo de todos os interessados (exequente, executados e credores com garantia real, como definido no art. 812º) deverá ser controlada pelo juiz, observado o necessário contraditório. É o que propõe Lebre de Freitas (“C.P.C. Anotado”, Vol. III, p. 602): “se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução corresponde ao valor do mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda (…) lhe cabesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (…) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base”.

Não vemos, porém, que a lei impeça o juiz de, frustrada a venda por propostas em carta fechada, fixar o valor mínimo da venda a levar a efeito por negociação particular abaixo daquele valor base do bem que a lei estipula para a venda por propostas em carta fechada.
Dizemos mais: tal venda por valor inferior àquele, para se poder concretizar, deve ter o “aval” ou autorização do juiz. Ou seja: não só não vemos obstáculo a que se fixe esse valor inferior, como cremos mesmo que a venda não pode ter lugar por valor inferior aos 85% a que se refere o artº 816º/2 CPC sem que o juiz dê expressa autorização para tal. É que só desta forma se logrará garantir a defesa dos interesses de todos os interessados, designadamente dos executados e demais credores.”
Esta solução é sistematicamente aplicada pelos tribunais (entre muitos outros, cfr. TRL, ac. de 6/11/2013, proc. nº 30888/09.3T2SNT.L1-8; TRC, de 16/12/2015, proc. nº 2650/08.8TBCLD-B.C1, ambos em dgsi.pt)».
Assim, o despacho recorrido que deferiu a aceitação de proposta de aquisição formulada pelo exequente do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 90.000 euros, ou seja, por valor inferior a 85% do valor base daquele mesmo bem e sem a concordância da executada, ora recorrente nenhuma censura merece.
Apesar de o valor base do bem imóvel em causa nos autos ter sido fixado, primeiramente em € 151.071,42 e, posteriormente, em € 136.920,00, de a Executada ter declarado que não aceitava a proposta de compra por 90.000,00 euros, nada impedia o Sr. Juiz de aceitar essa proposta e ordenar a venda por aquele preço.
Em suma e em conclusão, podemos afirmar que a venda por negociação particular subsequente à frustração da venda por propostas em carta fechada não deverá estar sujeita a qualquer valor mínimo, podendo o imóvel ser vendido ao interessado (incluindo os credores, no caso o Banco Exequente) que apresentar a proposta de valor mais elevado, pelo que se impõe a improcedência das conclusões da Recorrente e consequentemente do recurso.

IV - Decisão
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 2016/06/20
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
António Eleutério