Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
589/14.7TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20160407589/14.7TTVNG.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º237, FLS.347-350)
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.
II - A alínea a) do nº 5 do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais ao estabelecer o factor de bonificação de 1.5 para as vítimas de acidente de trabalho com idade igual ou superior a 50 anos não padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 589/14.7TTVNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, na qual é sinistrado / autor B… e R. a Companhia de Seguros C…, S.A., que correu os seus termos na Comarca de Aveiro - Santa Maria da Feira –Inst. Central - 4ª Sec. Trabalho – J2, realizada a tentativa de conciliação não foi possível alcançar o acordo entre as partes em razão da seguradora não ter concordado com a desvalorização de 10,35% arbitrada pelo Sr. perito médico.
No prazo previsto no n.º 1 do artigo 119º do Código de Processo do Trabalho, a ré apresentou requerimento a solicitar a realização de exame por junta médica, dando assim início à fase contenciosa.
O tribunal a quo designou dia para a realização de exame por junta médica.
Reunida a junta médica, os Senhores peritos foram de parecer unânime que o sinistrado se encontra clinicamente curado, mas afectado de uma incapacidade permanente e parcial de 7,41%, referindo como lesões decorrentes do acidente dos autos as descritas a fls. 81 e 82.
I.2 Subsequentemente o tribunal a quo proferiu sentença, nos termos previstos no art.º 140.º n.º1, do CPT, com o conteúdo seguinte:
As questões a decidir nos presentes autos prendem-se com o grau de incapacidade de que o sinistrado ficou afectado e, consequentemente, o montante da pensão a que tem direito.
Atentas as sequelas de que o sinistrado é portador, mostra-se correcto o seu enquadramento no ponto 14.2.2.1 b) e 12.1.2 a) do capítulo I da Tabela Nacional de Incapacidades. Assim sendo e considerando a extensão de tais sequelas, julga-se adequado o coeficiente de 7,41% atribuído na perícia por junta médica, o qual já beneficia do fator de bonificação 1,5, tendo ainda os peritos atendido ao facto de, à data da Junta Médica, ter ocorrido novo acidente de trabalho com atingimento na mesma área corporal, cfr. resulta de fls.81.
Considerando que o sinistrado auferia uma retribuição anual de € 6.790,00, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 8.º, 21.º, 47.º n.º 1 al. c), 48.º n.º 3 al. c), 50.º n.º 2, 71.º e 75.º n.º 1, todos da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, é-lhe devido, por força da IPP de 7,41% (já com aplicação do fator de bonificação 1.5 de que é portador e ponderação do acidente posteriormente ocorrido), o capital de remição de uma pensão anual de € 352,20 desde 19.07.2014 (dia seguinte ao da alta clínica).
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A quantia reclamada a título de transportes é devida por força do disposto nos artigos 25º/f) e 39.º, ambos da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro.
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Por todo o exposto, fixo a IPP de que padece o sinistrado em consequência do acidente dos autos em 7,41 % e, em consequência, condeno a Seguradora a pagar ao sinistrado:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 352,20, devida desde 19.07.2014, acrescida de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento;
- a quantia de € 30,00 a título de transportes;
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Custas pela ré (artigo 527º do CPC).
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Valor da acção/o do capital de remição: € 4.431,09 (artigo 120.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro).
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Registe e notifique.
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Após trânsito, proceda ao cálculo do capital de remição (art. 148.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, aplicável ex vi art. 149.º do mesmo diploma)».
I.3 Inconformada com a sentença a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
I. A atribuição de uma bonificação de 1,5% prevista na segunda parte da alínea a) do nº 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais apenas em função da idade revela-se claramente inconstitucional porque violadora do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.
II. Tal diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, porque automática e mecânica, revela-se desprovida de justificação razoável segundo critérios objectivos ou de razoabilidade.
III. Nem mesmo se compreendendo o porquê de se atribuir tal diferenciação aos 50 anos e não em qualquer outra idade, tudo levando, necessariamente, e em situações concretas, a diferenciações de tratamento em situações manifestamente semelhantes.
IV. Considerando-se a inconstitucionalidade da norma em causa, não deverá a mesma ser aplicada por este tribunal, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra, não aplicando o referido factor de bonificação, atribua ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 4,94%.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida conforme atrás concluído e absolvendo-se a recorrente do pedido, com o que se fará.
I.4 O Recorrido A., representado pelo Ministério Público, veio apresentar contra alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes:
1ª O artº 13º da Constituição da República Portuguesa prevê que:
“1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
2ª O que a norma constitucional em causa proíbe é assim o tratamento diferenciado de situações iguais.
3ª Porém, no caso em apreço, manifestamente isso não acontece. Com efeito, no que concerne às lesões/sequelas de um acidente de trabalho é diferente ter mais ou menos de 50 anos. A forma como o organismo se regenera, consegue combater as debilidades, responde à dor, etc., é totalmente diferente consoante a idade do sinistrado.
4ª É evidente que essas diferenças não são significativas entre quem tem 49 anos e 360 dias e entre quem tem 50 anos e um dia, por exemplo. Mas o limite tem que ser traçado em algum lado. A nossa legislação nacional encontra-se cheia de situações dessas. Um jovem de 15 anos e 360 dias terá uma maturidade muito inferior à de um jovem de 16 anos e um dia? Até pode ter mais, dependendo das personalidades em causa. No entanto, será inconstitucional a norma do artº 19 do Código Penal, quando prevê que: “Os menores de 16 anos são inimputáveis”? Ou a norma que apenas permite o exercício do direito de voto aos maiores de 18 anos? Ou tantas outras normas que fazem depender da idade determinados direitos ou deveres? Manifestamente, parece-nos que não. E não se pode andar a avaliar caso a caso se existe uma maior maturidade, consciência cívica, etc. O critério legal é aquele.
5ª Situação diversa seria se a idade não tivesse qualquer influência na resposta do organismo às lesões/sequelas de um acidente, neste caso de trabalho. Aí sim, poderíamos eventualmente falar de uma violação do princípio da igualdade.
6ª Porém, é ponto assente que essa variação existe na situação em apreço. Não é a mesma coisa um trabalhador com 30 anos perder 10% da força no seu braço direito ou isso acontecer a alguém com 55 anos. A capacidade de compensação dos organismos é diferente. A resposta que é dada é diferente. O rendimento laboral é diverso.
7ª E foi precisamente por assim entender que o legislador consagrou a norma em causa. Não há aqui um tratamento diferenciado de situações iguais precisamente porque as situações não são iguais. A resposta do corpo humano a uma lesão varia consoante a idade da pessoa.
8ª E, assim sendo, a fronteira tinha que ser traçada em algum sítio. É evidente que se pode perguntar porquê os 50 e não os 45 ou os 55 anos. Mas isso é uma mera opção legislativa, sem qualquer infracção ao princípio constitucional em causa.
9ª Por tudo o exposto, afigura-se-nos que a norma em causa não traduz nenhuma violação do princípio da igualdade previsto no artº 13 da Constituição da República Portuguesa e que, como tal, não assiste razão à recorrente.
Pelo exposto, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura e, por isso, deve ser mantida nos seus precisos termos.
I.5 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada pela recorrente para apreciação consiste em saber se a “atribuição de uma bonificação de 1,5% prevista na segunda parte da alínea a) do nº 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais apenas em função da idade revela-se claramente inconstitucional porque violadora do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP” [Conclusão 1).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são exclusivamente os que constam no relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».
Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
O ponto controvertido consta do n.º5, onde consta, no que aqui interessa, o seguinte:
[5] Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
Deste número 5 das Instruções Gerais da TNI, resulta que a atribuição do factor de bonificação 1.5, ocorre em três situações distintas:
i) “Se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, expressão que suscitou a necessidade de intervenção do STJ, para no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho [disponível em www.dgsi.pt], fixar que a mesma deve ser interpretada no sentido de se referir “(..) às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.
ii) Se a vitima “tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, sendo a idade do sinistrado que impõe a bonificação, quando esta não tenha ocorrido pelos motivos previstos na 1.ª parte daquela norma.
iii) Quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [al. b)], sendo que não será atribuída caso a vitima já beneficie da bonificação com um dos fundamentos da alínea anterior, isto é, funciona de forma subsidiária em relação à mesma.
Aqui cabe-nos debruçar apenas sobre a segunda causa de atribuição da bonificação, que atende à idade da vítima: quando tiver 50 ou mais anos.
O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para indivíduo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos.
Entenda-se que ao usarmos a expressão envelhecimento estamos a referirmo-nos ao processo que ocorre durante todo o curso da vida do ser humano, iniciando-se com o nascimento e terminando com a morte, processo que provoca nos indivíduos modificações de ordem biológica, funcional, bioquímica, psicológica e social. Em suma, um processo biológico progressivo e natural, caracterizado pela diminuição das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional.
Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação que disponível e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas, que após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade.
A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade.
É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vitima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional.
A talhe de foice, não é despiciendo assinalar que Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro - regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção (art.º 1.º) -, ao impor ao empregador o dever de realizar “(..) exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo” [art.º 108.º/1], faz uma clara distinção em função da idade dos trabalhadores, nomeadamente, tais exames devem ser realizados com a periodicidade bianual para a generalidade dos trabalhadores, mas diferentemente, já devem ser “anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos” [n.º3, al. a), do mesmo artigo].
Portanto, salvo o devido respeito, compreende-se bem quais as razões que estão na base da atribuição da bonificação estabelecida na alínea a), do n.º5, das instruções gerais da TNI para as vítimas de acidente de trabalho que tenham 50 ou mais anos.
Mas será que, como pretende a recorrente seguradora, a aplicação deste normativo deveria ter sido rejeitada pelo tribunal a quo, por conduzir a um resultado que consubstancia a violação do princípio da igualdade?
O juízo de constitucionalidade sobre determinada norma na aplicação de um litígio incide sobre o resultado da sua aplicação em concreto. O Tribunal pode e deve recusar a aplicação de normas quando, perante um caso concreto, conclua que a sua aplicação conduz a um resultado que põe em causa, violando, o “disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” [art.º 204.º da CRP].
É consabido que o Tribunal Constitucional tem sucessivamente afirmado que o princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, exige, num primeiro passo, que seja dado tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais.
Pronunciando-se a esse propósito com expressivo desenvolvimento, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003 [Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003], escreve-se, para além do mais, o seguinte:
-«(..)
O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão nº 563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
“[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
1.1.-O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social'.
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da ‘atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)’ (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
(..)».
Em suma, como se observa no citado acórdão, o princípio da igualdade postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.
A posição sustentada pela recorrente reconduz-se a dois argumentos: a diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, porque automática e mecânica, revela-se desprovida de justificação razoável segundo critérios objectivos ou de razoabilidade (conclusão II); e, que nem se compreende o porquê de se atribuir tal diferenciação aos 50 anos e não em qualquer outra idade, tudo levando, necessariamente, e em situações concretas, a diferenciações de tratamento em situações manifestamente semelhantes (conclusão III).
Cremos que as razões que avançámos para explicar as razões subjacentes à norma são suficientemente elucidativas, evidenciando a inconsistência daquela argumentação.
Contrariamente ao que sugere o recorrente, o legislador entendeu justificar-se essa diferenciação a partir da idade de 50 ou mais anos por razões concretas e objectivas, conhecidas à luz da ciência médica, que justificam a atribuição do factor de bonificação 1.5. Repete-se, fê-lo na consideração de que em termos gerais e abstractos, a vitima de acidente de trabalho que tenha 50 ou mais anos de idade e fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida (que não teria se a sua idade fosse inferior), como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional.
Note-se que a recorrente nem tão pouco avança com qualquer argumento concreto de ordem científica para invalidar essa consideração. Significa isso, pois, que nem sequer cuidou de indagar sobre quais as razões que levaram o legislador a consagrar aquela solução, para então procurar por em causa a validade das mesmas através de uma argumentação sustentada em argumentos com base científica e lógicos. Simplesmente entende que a idade, nomeadamente, de 50 ou mais anos, é para este efeito um factor absolutamente indiferente.
Portanto, atentas as razões que estão subjacentes a esta solução legal, não pode de todo falar-se na alegada “diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais”. São realidades distintas e, logo, justifica-se que igualmente se lhes dê tratamento desigual.
Conclui-se pois, que alínea a) do nº 5 do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais ao estabelecer o factor de bonificação de 1.5 para as vítimas de acidente de trabalho com idade igual ou superior a 50 anos não padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.
Por último, refira-se que neste mesmo sentido pronunciou-se esta Relação e Secção nos recentes acórdãos de 1 de Fevereiro de 2016 [processo n.º 377/14.0TTOAZ.P1, Desembargador Rui Penha] e de 29 de Fevereiro de 2016 [processo n.º 140/15.1T8MTS.P1, Desembargador António José Ascensão Ramos], sendo que neste último interveio o aqui relator, ali na qualidade de adjunto.
Por conseguinte, improcede o recurso, não merecendo censura a sentença recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.

Porto, 7 de Abril de 2016
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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SUMÁRIO
1. O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.
2. A alínea a) do nº 5 do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais ao estabelecer o factor de bonificação de 1.5 para as vítimas de acidente de trabalho com idade igual ou superior a 50 anos não padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.

Jerónimo Freitas