Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8663/12.8TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE EM GARAGEM
SEGURO DE GARAGISTA
RESPONSABILIDADE DO FGA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RP201410208663/12.8TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na vigência do DL 522/85, de 31-12, um acidente de viação imputável a mecânico de uma empresa exploradora de uma oficina de automóveis, com veículo de cliente que ali se encontre entregue, inexistindo seguro de garagista, é o FGA responsável pela indemnização dos danos causados, apesar de o proprietário desse veículo ser titular de seguro relativamente aos danos provocados pelo mesmo.
II – Para que a legitimidade passiva esteja assegurada é necessário que ao lado do FGA estejam, ainda, na posição de RR. a proprietária da oficina e o mecânico causador do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 8663/12.8TBVNG-A.P1
Apelação 910/14
TRP – 5ª Secção

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I RELATÓRIO

1 –
B… intentou a presente ação declarativa com processo ordinário contra
C…, D…, LDA, e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento ao A. da quantia de € 136.327,12 e juros a partir da citação, para o que alegou, em síntese:
no dia 26-10-2006, o A., que no exercício das suas funções de perito de automóveis, estava nas instalações da 2ª Ré, foi atropelado pelo veículo automóvel ..-..-XM, pertencente a E…, que o havia entregue à 2ª Ré para reparação, sendo conduzido, na ocasião do acidente, por C…, funcionário dessa Ré, que o pretendia introduzir na oficina;
este atropelamento é exclusivamente imputável à atuação do condutor;
dele tendo resultado danos diversos para o A.;
a 2ª Ré não tinha a sua responsabilidade civil decorrente de acidentes causados por veículos que lhe estivessem entregues para reparação transferida para qualquer seguradora.
2 -
O FGA contestou, alegando a prescrição, que a 2ª Ré era detentora de um seguro de responsabilidade civil geral celebrado com a F…, SA, e que o proprietário do veículo tinha transferido para a G…, Companhia de Seguros, SA, a sua responsabilidade civil emergente do seu veículo automóvel;
Alegou, ainda, que tendo em consideração o disposto no artigo 21º, 5, do DL 522/85, de 31-12, assumiu a sua obrigação de proceder à regularização extrajudicial do presente sinistro, proposta que não foi aceite pelo ora A., por inércia deste;
Mais alegou que, entretanto, intentou contra os dois primeiros RR. uma ação de reembolso, que terminou com absolvição do pedido pelo facto de ter sido julgado que o ora A. não terá sofrido as lesões que alega ter sofrido; e que, face a esta decisão judicial, o FGA comunicou ao mandatário do A. C… que alterou a sua decisão de aceitar a regularização do acidente de viação em apreço;
Tendo, por outro lado, alegado que tendo havido recurso à via judicial, deixa de ter aplicação o disposto no citado artigo 21º, 5.
Concluiu pela procedência da alegada exceção e, sem conceder, pela sua absolvição do pedido.
3 –
A D…, LDA, e C… também contestaram, alegando que, à data do acidente, a 2ª Ré tinha seguro de responsabilidade civil válido efetuado junto da Confiança e que o R. C…, funcionário daquela, estava a atuar sob as ordens e direção da Contestante, além de que o veículo também estava coberta por seguro de responsabilidade civil automóvel, pelo que é manifesta a ilegitimidade dos RR.
4 –
O A. respondeu, alegando que ocorreu a interrupção da prescrição em consequência que, com essa finalidade, foram levadas a cabo as respetivas notificações judiciais avulsas, e alegou, novamente, que os RR. têm legitimidade para esta ação.
5 –
Dispensada a Audiência Preliminar, foi proferido Saneador em que, sendo os RR. D…, LDA, e C… julgados sem legitimidade para esta ação, foram absolvidos da instância.
6 –
Desta Decisão apelou o A., tendo concluído, em resumo:
que o seguro do veículo “não funciona”, uma vez que o acidente em causa ocorreu quando o XM estava na oficina da Ré para ser reparado e no momento em que era conduzido pelo seu funcionário, o ora R. C…, uma vez que aquela não possuía seguro de garagista;
o seguro da 2ª Ré é de exploração, do qual estão excluídos os acidentes de viação;
para garantir a legitimidade do Fundo é necessária a presença na lide dos demais RR.;
o próprio FGA, em carta enviada ao mandatário do A. já reconheceu a sua obrigação.
7 –
O FGA também apelou daquele Despacho, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
“O FGA não pode ser responsabilizado perante o lesado, desacompanhado de outros responsáveis civis, apenas com o fundamento de extrajudicialmente ter assumido a reparação do sinistro;
O regime do artigo 458º do CC não pode ser aplicado ao FGA com desconsideração do disposto, em termos imperativos, nos artigos 21º e 29º, n.º 6 do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro;
Uma carta do FGA dirigida a um lesado em fase extrajudicial, em que o FGA se propõe pagar uma certa indemnização, não pode ser interpretada com o sentido de o FGA assumir isoladamente a responsabilidade do sinistro.
Sem conceder,
O FGA revogou perante o lesado a primitiva comunicação em que assumiu pagar-lhe uma certa indemnização ilidindo a presunção que poderia resultar do artigo 458º do CC e da sua primeira missiva;
O tribunal deveria ampliar a base instrutória ou a matéria assente, considerando o alegado nos artigos 32º e 33º da contestação do FGA;
O FGA não pode ser condenado isoladamente a ressarcir um lesado em acidente de viação quando o responsável é conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz;
Mantendo-se o FGA na instância, ainda que erradamente, não podiam os seus co-réus ser absolvidos da instância;
Ou o tribunal absolve todos os réus da instância com o fundamento de existirem seguros válidos e eficazes que tutelam o lesado, ou o tribunal mantém o FGA e os seus co-réus na instância;
Ao não interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 458º e 236º do CC e os artigos 21º e 29º, n.º 6 do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
8 –
Os RR. D… e C… contra-alegaram, tendo concluído, em resumo:
o automóvel de cuja circulação resultou o sinistro tinha seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e a D…, Ldª, tinha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil de pessoa coletiva, pelo que não têm legitimidade para serem demandados nesta ação.

II FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Por razões de economia processual, damos aqui por reproduzidos todos os factos constantes do Relatório supra.
Temos de acrescentar, face ao doc. de fls. 91:
G…, Companhia de Seguros, SA, comunicou a 1-8-2007, ao mandatário do ora A., que era seu entendimento ser a apólice R. C. Geral, da D… a funcionar, uma vez que a viatura, apesar de segura na G…, se encontrar à guarda daquela oficina para revisão, quando do seu manuseamento por um seu funcionário ocorreu o atropelamento do A. e
Do artigo 3º, 1, b), das Condições Gerais da Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil celebrado entre H… e a Ré D…, LDA, está excluída a responsabilidade decorrente de acidente de viação provocado por veículo que, nos termos da legislação em vigor, seja obrigado a seguro – doc. a fls. 127.

DE DIREITO

Questões essenciais a equacionar e decidir:
Alguma das duas mencionadas apólices cobre os danos em causa;
No caso afirmativo, qual;
Se nenhuma cobre, quem tem legitimidade passiva para esta ação;
Se será necessário, em qualquer caso, acrescentar à matéria de facto selecionada o alegado pelo FGA em 32º e 33º da sua contestação.

Tendo o acidente ocorrido em 26-10-2006, é aplicável o DL 522/85, de 31-12.
De acordo com o disposto no artigo 2º, 3, desse DL, era obrigatória, para os garagistas, a celebração de contrato de seguro que cobrisse a sua responsabilidade civil em que incorressem na utilização de veículos, por virtude das suas funções e no âmbito da sua atividade profissional.
Atividade que consiste, além do mais, na reparação, desempanagem e controlo do bom funcionamento de veículos.
Assim como também existia essa obrigatoriedade de seguro para o proprietário do veículo, por força do n.º 1 daquele artigo, obrigação que estava cumprida.
Tendo em atenção que o inerente risco à utilização dos veículos que lhes foram confiados para reparação se encontra excluído do contrato de responsabilidade civil geral, por força do artigo 3º, 1, b), das respetivas cláusulas gerais, temos de concluir pela inexistência de seguro de garagista por parte da Ré.
Como já foi decidido pelo STJ, ac. de 21-4-2009, em www.dgsi.pt, quando da entrega de um veículo na oficina para reparação, a sua direção efetiva transfere-se do proprietário para o garagista durante o período de trabalhos e fases prévias de diagnóstico ou de teste final e o empregado da oficina que o conduz nessa fase, para diagnóstico, revisão e reparação ou teste final, fá-lo na qualidade de comissário do garagista.
E, se esse condutor, empregado do dono da oficina, atua com culpa e dessa atuação resultam danos para um terceiro, são solidariamente responsáveis o garagista e o condutor, nos termos do artigo 503º, 1 e 3, do CC.
Por outro lado, considerando a posição do R. C… em relação a essa Ré, há que concluir que estava a atuar como seu comissário, quando conduzia o veículo atropelante.
Daí que não exista responsabilidade do proprietário – por não resultar nem do artigo 500.º nem do artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil – mas da2ª Ré, solidariamente com o 3.º Réu.
A ausência de seguro por parte da Ré torna o Fundo de Garantia Automóvel, face ao disposto nos artigos 21º, 1, e 23º do DL 522/85, garante da indemnização.
E, por força do disposto no artigo 29º, 6, do DL 522/85, teria de ser esta ação intentada contra o FGA e o responsável civil ou responsáveis, sob pena de ilegitimidade.
Do que resulta que a legitimidade do FGA só está assegurada se, simultaneamente com ele, estiverem nos autos como RR. C… e D…, LDA, que não deviam ter sido absolvidos da instância.

É o seguinte o alegado naqueles artigos da Contestação do FGA:
32º - Entretanto, e nesse hiato de tempo, o aqui Contestante promoveu uma ação de reembolso contra os ora primeiro e segundo

Réus, a qual veio a terminar com a absolvição do pedido destes pelo facto de o tribunal ter entendido que o ora Autor não terá sofrido as lesões corporais que alega ter sofrido – cfr. Sentença proferida pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, Proc. n.º 3880/11.0TBVNG, cuja cópia ora se anexa como doc. 2.
33º - Em face dessa decisão judicial, o ora contestante comunicou ao mandatário do aqui Autor que alterou a sua decisão de aceitar a regularização do acidente de viação.

Ora, estes factos são relevantes para a solução jurídica da questão se equacionarmos a hipótese de assunção inicial da obrigação de reparar pelo FGA, pelo que deviam ter sido selecionados quando da fase do saneador e como assentes ou integrando a B.I. conforme os elementos existentes no processo (atente-se que este recurso é em separado, sem que dele constem todos os elementos do processo principal).

III DECISÃO

Por tudo o que exposto fica, julgando procedente a Apelação, acordamos em revogar a decisão de absolvição da instância dos RR. C… e D…, LDA, determinando o prosseguimento dos autos contra estes dois RR., anulando-se, no necessário todos os atos posteriores a essa decisão e que não intervieram; e determinamos a seleção dos factos que constam daqueles artigos 32º e 33º nos termos acima referidos.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 2014-10-20
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
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SUMÁRIO –
I - Na vigência do DL 522/85, de 31-12, um acidente de viação imputável a mecânico de uma empresa exploradora de uma oficina de automóveis, com veículo de cliente que ali se encontre entregue, inexistindo seguro de garagista, é o FGA responsável pela indemnização dos danos causados, apesar de o proprietário desse veículo ser titular de seguro relativamente aos danos provocados pelo mesmo.
II – Para que a legitimidade passiva esteja assegurada é necessário que ao lado do FGA estejam, ainda, na posição de RR. a proprietária da oficina e o mecânico causador do acidente.

Soares de Oliveira