Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14/20.4T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: PODER DE GESTÃO PROCESSUAL
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
LIVRANÇA
Nº do Documento: RP2021112214/20.4T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 11/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No exercício dos poderes de gestão processual previstos nos arts. 6º nº1 e 547º do CPC e que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização do processo e do seu andamento, o tribunal, em vista de conhecer do mérito da causa na fase do despacho saneador, pode dispensar a audiência prévia em hipóteses não contempladas no artigo 593º do Código de Processo Civil precedendo audição das partes com indicação das razões por que se entende dever dispensar a realização de tal acto processual.
II – A livrança é um título de crédito em que rege a regra da incorporação da obrigação no título, sendo a titularidade do título que decide da titularidade do crédito ao ponto de valer neste domínio a regra “posse vale título”; por isso, basta-se por si próprio para demonstrar a titularidade do respectivo crédito e a apresentação do mesmo, devidamente datado e preenchido, preenche só por si a exigência de causa de pedir.
III – Ocorrendo alteração de morada de um dos contraentes, ainda que nada a esse propósito se preveja no contrato em que tal dado é indicado, as regras da boa-fé na execução dos contratos (artigo 762º, nº 2 do C. Civil), tratando-se de contrato de natureza duradoura, impõem que o contraente que muda de residência informe a contraparte dessa mudança.
IV – Tendo a livrança todos os requisitos de validade próprios de tal título de crédito e não estando prescrita a obrigação cartular que dela emerge, não pode a mesma ser considerada como mero quirógrafo, e, com base nela, mercê do aval nela prestado, pode o avalista ser directamente demandado pelo respectivo pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº14/20.4T8AGD-A.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Águeda)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Por apenso aos autos de execução comum sob a forma ordinária que “Banco B…, S.A.” move a “C…, Lda”, D… e E…, aquela primeira como subscritora de livranças que ali se identificam e os restantes na qualidade de avalistas de tais livranças, veio esta última executada, sob o nome de E1… (portanto, sem o apelido “”), deduzir oposição por embargos, pedindo a final que seja “absolvida do pedido e da instância”.
Alegou para tal, quanto aos títulos apresentados à execução, que impugna os mesmos por desconhecer o cálculo aritmético a que se chegou para o preenchimento de cada livrança e que sustente e fundamente as quantias reclamadas, por os mesmos terem sido preenchidos sem lhe dar conhecimento do respectivo valor e data de vencimento, o que considera equivaler à falta de apresentação do título a pagamento, e que impugna ainda a sua assinatura, por desconhecer se a assinatura aposta nas livranças é verdadeira.
Alegou ainda:
- que a sociedade subscritora das livranças dadas à execução foi declarada insolvente e que recuperados os camiões e semirreboques vendidos antes de tal declaração, atendendo ao seu valor de mercado, darão para pagar a dívida exequenda;
- a sua ilegitimidade passiva, atendendo a que as livranças exequendas não têm subjacente uma relação causal, tendo sido subscritas pela sociedade “C…, Lda.” em branco e sem que tivesse existido qualquer pacto de preenchimento, sendo por isso de concluir que não há nenhuma relação jurídica entre exequente e executada que permita a execução prosseguir os seus termos;
- que o Exequente deu à execução as livranças sem alegar a relação subjacente e a obrigação a que se reporta o negócio jurídico formal, o que se traduz na ininteligibilidade da causa de pedir e a consequente ineptidão do requerimento executivo;
- que a Embargante não subscreveu as livranças a título pessoal, mas apenas enquanto gerente da sociedade C…, Lda, pelo que não lhe pode ser assacada responsabilidade pessoal pelo seu pagamento;
- que mesmo que assim não se entenda e se possa considerar a Embargante como fiadora da sociedade subscritora da livrança, não poderia a mesma ser demandada sem antes se esgotarem os bens daquela sociedade, já que não prescindiu do benefício da excussão prévia;
- que desconhece ter sido interpelada para proceder ao pagamento da quantia exequenda, pelo que não se encontra obrigada ao seu pagamento;
- que não lhe pode ser assacada a responsabilidade pelo pagamento do imposto de selo respeitante às livranças, atendendo a que não se encontra comprovado nos autos o pagamento do mesmo;
- por fim, alega que o co-executado D… acordou consigo o pagamento integral das dividas existentes da sociedade C…, Lda, pelo que não é responsável pelo pagamento da quantia exequenda.
A Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Na sua contestação, além de, a final, impugnar o demais alegado pela Embargante, alegou, em síntese:
- que os títulos dados à execução titulam montantes em dívida emergentes de dois financiamentos que concedeu à sociedade “C…, Lda.”, através de dois contratos de locação financeira celebrados com esta e com os seus avalistas em 9/5/2018, e que tais títulos encontram-se assinados pela Embargante quer enquanto legal represente da sociedade subscritora quer como avalista, tendo sido as suas assinaturas objecto de reconhecimento por advogado;
- que foi convencionado em cada um dos contratos – nos termos da cláusula vigésima das suas condições gerais e da cláusula décima quarta das suas condições particulares –, para garantia do bom e pontual pagamento e cumprimento das obrigações deles emergentes, a entrega de uma livrança em branco, subscrita por aquela sociedade e avalizada por D… e pela Embargante, livranças essas que a Exequente foi expressamente autorizada a preencher nos termos previstos naquela cláusula vigésima;
- dado o incumprimento definitivo por parte da sociedade “C…, Lda.”, a Exequente resolveu os contratos de locação financeira em 25 de Fevereiro de 2019, através de cartas enviadas aos executados;
- dado o não pagamento dos valores em dívida pelos executados, a Exequente procedeu ao preenchimento das livranças de acordo com a autorização expressa que lhe foi concedida, quer pela sociedade subscritora, quer pelos avalistas, preenchimento esse que foi comunicado quer à sociedade subscritora, quer aos seus avalistas, nomeadamente à Embargante;
- a obrigação assumida pela Embargante resulta dos próprios títulos dados à execução por via do aval que prestou em cada uma das livranças, tem natureza autónoma (art. 32º da LULL) e sendo a responsabilidade do avalista solidária com os demais subscritores da livrança nos termos do art. 47º da LULL não goza o mesmo do benefício da excussão prévia.
Notificada da contestação e dos documentos juntos mediante expediente electrónico elaborado em 12/10/2020, pela Embargante não foi tomada qualquer posição.
Em 5/11/2020, pela Sra. Juíza foi proferido seguinte despacho:
Atendendo a que o estado dos autos nos permite conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 593/1, 591/1 alínea d). 595/1, alínea b) e 597/1, alínea b) do Código de Processo Civil, e tendo presente o dever de gestão processual e o princípio de adequação formal previstos nos artigos 6/1 e 547 do Código de Processo Civil, ouçam-se as partes em 10 dias, quanto à dispensa da realização de audiência prévia e a prolação de saneador sentença.
Notifique.

Na sequência da notificação de tal despacho, a Embargante, por requerimento de 11/11/2020, disse o seguinte:
E1…, Executada nos autos do processo à margem identificada, vem requerer a realização da audiência prévia”.
Por sua vez, a Embargada, por requerimento de 16/11/2020, disse “nada ter a opor à dispensa de realização de audiência prévia e do conhecimento imediato do mérito da causa”.

De seguida, a 7/12/2020, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.
De tal sentença veio a Embargante interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
………………………………
………………………………
………………………………

A Embargada apresentou alegações de resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da nulidade processual decorrente da dispensa da audiência prévia (conclusões 3 a 30);
b) – da inconstitucionalidade da alínea c) do nº1 do art. 703º do CPC (conclusões 31 a 47);
c) – da ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir, por este não vir acompanhado de qualquer documento comprovativo da relação subjacente nem nele estarem devidamente expostos os factos referentes à causa de pedir (conclusões 48 a 75);
d) – da falta de interpelação da Embargante relativamente à resolução dos contratos (conclusões 76 a 101);
e) – do preenchimento abusivo da livrança (concussões 102 e 103);
f) – da consideração das livranças como meros quirógrafos, enquadrando-se a Embargante como fiadora com direito ao benefício da excussão prévia (conclusões 104 a 110).
**
II – Fundamentação

Dos factos
É a seguinte a matéria de facto provada exarada na decisão recorrida que não foi impugnada pela recorrente (embora corrigindo-se a mesma no que respeita ao conteúdo das cartas referidas nas alíneas J) e K)):
A)
Foram dadas à execução as livranças, cujos originais se encontram juntos aos autos principais.
B)
A livrança com o nº……………… tem aposto como local de emissão Porto, como data de emissão 01.05.2019, o valor de 29.224,50€, a data de vencimento de 05.03.2019, encontrando-se subscrita por C…, Lda.
C)
No verso da livrança e a seguir à expressão “Dou o meu aval à subscritora”, encontra-se aposta a assinatura da ora embargante.
D)
A referida livrança tem aposta a cláusula “sem despesas”.
E)
A livrança com o nº……………… tem aposto como local de emissão Porto, como data de emissão 01.03.2019, o valor de 34.226,54€, a data de vencimento de 05.03.2019, encontrando-se subscrita por C…, Lda.
F)
No verso da livrança e a seguir à expressão “Dou o meu aval à subscritora”, encontra-se aposta a assinatura da ora embargante.
G)
Subjacente à emissão de cada uma das livranças, encontram-se dois contratos de locação financeira mobiliária, celebrados em 09.05.2018 entre o banco exequente, na qualidade de locador, a sociedade “C…, Lda na qualidade de locatária e os executados na qualidade de avalistas.
H)
A cláusula geral Décima Sétima dos contratos de locação financeira subjacentes às livranças, com a epígrafe Incumprimento Contratual Resolução do Contrato tem o seguinte teor:
“1 – Sem prejuízo dos restantes direitos previstos na lei em caso de incumprimento ou mora do locatário e dos restantes casos de resolução e caducidade fixados no presente contrato, este poderá ser resolvido por iniciativa do locador, em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do locatário, se este, uma vez interpelado para cumprir, por carta registada expedida pelo locador, não o fizer no prazo máximo de oito dias a contar da data da referida interpelação.
2 – O presente contrato poderá ainda ser resolvido, mediante simples comunicação do locador ao locatário, nos seguintes casos:
a) Dissolução ou liquidação do locatário;
b) Se se verificarem os pressupostos da declaração de insolvência ou de recuperação de empresa do locatário;
c) Venda judicial de bens do locatário;
d) Cessão do estabelecimento comercial ou industrial onde o equipamento se encontra instalado e afeta a sua utilização, ou no caso de suspensão da atividade do locatário por período de três meses;
e) Se se verificar a prestação de declarações incorretas, prestadas pelo locatário ao locador com vista à celebração do presente contrato;
f) Alteração significativa do quadro legal no qual se baseou a concessão de financiamento;
g) Incumprimento das suas obrigações fiscais e perante a Segurança Social por parte do locatário, desde que não regularizadas;
h) Se o locatário se constituir em mora relativamente às suas obrigações de pagamento de rendas, ou incumprir qualquer obrigação assumida ao abrigo do presente contrato, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie:
i) Se o locatário não comunicar de imediato ao locador todo e qualquer evento que possa vir a prejudicar ou impedir o cumprimento pontual e atempado de qualquer das obrigações emergentes do presente contrato ou que possam constituir causa de resolução do mesmo, nos termos da presente cláusula;
j) Se se verificar qualquer situação de incumprimento e/ou exigibilidade antecipada de qualquer obrigação pecuniária decorrente de quaisquer outros contratos celebrados com pelo locatário com o locador ou com outras instituições de crédito ou sociedades financeiras, nacionais ou estrangeiras;
k) Se o locatário for executado judicialmente de forma que possa comprometer o cumprimento de alguma das obrigações assumidas ao abrigo do presente contrato:
l) Se se verificar (i) uma alteração na composição do capital social ou estrutura acionista do locatário; ou (ii) a criação de quaisquer ónus sobre quaisquer ações representativas do capital social do locatário, sem autorização prévia do locador;
m) Se o locatário não comunicar ao locador, sempre que este lhe solicite:
i. Informação de caráter económico-financeiro relativa à sua situação;
ii. Comprovativos do pagamento das contribuições à Segurança Social.
3. Em qualquer dos referidos casos de resolução, o locatário fica obrigado a:
a) restituir o equipamento ao locador no lugar e prazo por este indicado, em bom estado de conservação e funcionamento, correndo os encargos e risco da operação de restituição, nomeadamente o seguro, por conta do locatário. Caso não restitua o equipamento, o locador terá direito, pela mora, e por cada período ou fração por que esta perdure, a uma quantia igual à última renda vencida:
b) pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas da taxa de mora prevista, bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução;
c) a título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância igual a vinte por cento da soma das rendas vincendas com o valor residual, acrescida de uma sobretaxa de três por cento.
4. Em alternativa ao direito de resolução previsto na presente cláusula e, em caso de incumprimento pelo locatário, de qualquer uma das obrigações contratuais, o locador poderá optar por exigir o cumprimento integral antecipado do presente contrato, exercendo todos os seus direitos de crédito sobre o locatário, os quais se considerarão vencidos no momento da verificação do incumprimento, sendo conferido ao locador o direito de exigir, ao locatário, em relação às obrigações vencidas e não pagas, juros de mora à taxa de juro aplicável nos termos das Condições Particulares, acrescida de uma sobretaxa de três por cento.
5. Se a resolução foi devida a sinistro, observar-se-á o disposto na Cláusula Décima Quinta, supra.”
I)
A Cláusula Vigésima das condições particulares dos contratos, denominadas de “Livrança”, prevê o seguinte:
“20.1. Em garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato, designadamente de pagamento de quaisquer rendas, descobertos em conta eventualmente gerados na conta de depósitos à ordem associada ao presente contrato, indeminizações, de pagamento de juros de mora, impostos, despesas e despesas judiciais e extrajudiciais em que o Banco possa incorrer para ressarcimento do seu crédito sobre o Locatário, o Segundo Outorgante entrega ao Banco uma livrança por si subscrita e avalizada por D… e E….
20.2. Esta livrança, devidamente subscrita e avalizada encontra-se em branco, podendo ser livremente preenchida pelo Banco, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que seja titular por força do presente contrato (designadamente de pagamento de quaisquer rendas, descobertos em conta eventualmente gerados na conta de depósitos à ordem associada ao presente contrato, indemnizações, de pagamento de juros, juros de mora, impostos, despesas e despesas judiciais e extrajudiciais em que o Banco possa incorrer para ressarcimento do seu crédito sobre o Locatário), a fim de que possam ser exercidos todos os direitos que para o Banco emergem desse título de crédito.
20.3. Os avalistas referidos no número 20.1 acima, possuem perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo Locatário ao abrigo do presente contrato enquanto subscritor da livrança em branco, documento relativamente ao qual dão o seu total acordo, sem exceções ou restrições de tipo algum, autorizando o preenchimento da livrança nos termos do número 20.2 acima e assumindo, nos mesmos termos do Segundo Outorgante, o pagamento da mesma.
J)
Em 25 de fevereiro de 2019, o banco exequente dirigiu carta registada à ora embargante para a seguinte morada: Rua …, …, ….-… …, com o seguinte teor:
“Assunto: Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº…./../….
(…)
Vimos, pela presente, informar V. Exa. que o Contrato de Locação Financeira identificado em epígrafe foi por nós declarado resolvido, tendo em conta o incumprimento definitivo em que se constituiu o locatário C…, Lda.
Em consequência da resolução do referido Contrato, o valor total da dívida ao Banco B…, SA, ascende, na presente data a EUR 29.190,35, assim discriminado:
. rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respetivos juros de mora e outras despesas e encargos emergentes do contrato, no valor total de EUR 4.198,67;
. indemnização correspondente a 20% da soma do valor das rendas vincendas com o valor residual dos bens locados, prevista na Cláusula 17ª das “Condições Gerais” do Contrato de Locação Financeira no valor de EUR 24.991,68;
Assim, em virtude de V. Exa. se ter constituído garante do cumprimento das obrigações assumidas pelo locatário, resultantes do Contrato de Locação Financeira identificado em epígrafe, avalizando a livrança subscrita pelo mesmo, vimos interpela-lo para que proceda ao pagamento imediato dos valores supra mencionados, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos.
Será ainda da responsabilidade de V. Exa. o pagamento de todos os encargos que o Banco venha a suportar ou que sejam devidos por força do contrato e/ou da sua resolução.
Findo o prazo ora estabelecido, recorreremos, sem mais delongas, às vias judiciais que a situação de incumprimento impuser.
(…)”
K)
Na mesma data, enviou carta registada à ora embargante, na morada referida em J) com o seguinte teor:
“Assunto: Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº…./../….
(…)
Vimos, pela presente, informar V. Exa. que o Contrato de Locação Financeira identificado em epígrafe foi por nós declarado resolvido, tendo em conta o incumprimento definitivo em que se constituiu o locatário C…, Lda.
Em consequência da resolução do referido Contrato, o valor total da dívida ao Banco B…, SA, ascende, na presente data a EUR 34.186,54, assim discriminado:
. rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respetivos juros de mora e outras despesas e encargos emergentes do contrato, no valor total de EUR 10.169,51;
. indemnização correspondente a 20% da soma do valor das rendas vincendas com o valor residual dos bens locados, prevista na Cláusula 17ª das “Condições Gerais” do Contrato de Locação Financeira no valor de EUR 24.017,03;
Assim, em virtude de V. Exa. se ter constituído garante do cumprimento das obrigações assumidas pelo locatário, resultantes do Contrato de Locação Financeira identificado em epígrafe, avalizando a livrança subscrita pelo mesmo, vimos interpela-lo para que proceda ao pagamento imediato dos valores supra mencionados, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos.
Será ainda da responsabilidade de V. Exa. o pagamento de todos os encargos que o Banco venha a suportar ou que sejam devidos por força do contrato e/ou da sua resolução.
Findo o prazo estabelecido, recorreremos, sem mais delongas, às vias judiciais que a situação de incumprimento impuser.
(…)”
L)
No dia 1 de março de 2019, o banco exequente enviou nova carta registada para a embargante, para a morada referida em J), dizendo o seguinte:
“Assunto: Preenchimento da livrança”
(…)
Não obstante os nossos pedidos, V. Exa. não procedeu à regularização dos valores em dívida no montante de € 29.224,50, relativos ao valor decorrente da resolução no contrato de locação financeira mobiliária nº…./../…., celebrado em 09.05.2018, como C…, Lda. no valor de € 102.562,02 (…) junto da nossa instituição de crédito.
Tais valores, como sabe estão titulados pela livrança em nosso poder, avalizada por V. Exa. para garantia do montante referido, cujo pagamento será efetuado até ao dia 5 de março de 2019, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até àquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução.
(…)”
M)
Na mesma data, o banco exequente enviou nova carta registada para a embargante, para a morada referida em J), dizendo o seguinte:
“Assunto: Preenchimento da livrança”
(…)
Não obstante os nossos pedidos, V. Exa. não procedeu à regularização dos valores em dívida no montante de €34.226,54, relativos ao valor decorrente da resolução no contrato de locação financeira mobiliária nº…./../…., celebrado em 09.05.2018, como C…, Lda. no valor de € 98.562,02 (…) junto da nossa instituição de crédito.
Tais valores, como sabe estão titulados pela livrança em nosso poder, avalizada por V. Exa. para garantia do montante referido, cujo pagamento será efetuado até ao dia 5 de março de 2019, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até àquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução.
(…)”
*
A tal matéria de facto é ainda de acrescentar o seguinte dado, que se retira do texto dos contratos constantes de fls. 50 a 58 e 61-v a 70 dos presentes autos (arts. 663º nº2 e 607º nº4 do CPC):
- a embargante e o executado D… figuram nos contratos referidos em G) como terceiros outorgantes e avalistas, constando ali como morada da embargante a Rua …, .., ….-… ….
*
Do direito

Questão enunciada sob a alínea a).
A recorrente considera ocorrer nulidade processual decorrente da dispensa de realização da audiência prévia, em virtude de tal dispensa não ser legalmente admissível sempre que o despacho saneador se destine ao conhecimento do mérito da causa.
Analisemos.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 593º do Código de Processo Civil, “[n]as acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no nº 1 do artigo 591º.
Desta previsão legal retira-se que a dispensa de audiência prévia apenas está legalmente prevista para os casos em que, não obstante o que se decida em sede de despacho saneador, a acção deva prosseguir, o que afasta a possibilidade de dispensa de audiência prévia nos casos em que seja por força da procedência de excepções dilatórias ou peremptórias, seja por improcedência total do ou dos pedidos, a acção finde na fase do despacho saneador.
Já nos casos de improcedência total ou parcial de excepções dilatórias ou peremptórias ou de improcedência parcial do ou dos pedidos, nada obstará à dispensa da audiência prévia, pois nessas eventualidades sempre a acção deverá prosseguir.
No caso dos autos, a decisão de dispensa da realização da audiência prévia foi proferida no próprio saneador-sentença sob recurso – depois do relatório de tal peça e antes de nela se entrar na análise do mérito da causa, diz-se ali que “(…) atendendo aos atendendo aos deveres de gestão processual - artigo 6 do Código de Processo Civil e adequação formal – artigo 547 do mesmo diploma legal, considerando que as questões debatidas nos autos já se encontram amplamente discutidas em sede de articulados, com referências doutrinárias e jurisprudências e considerando ainda que a realização da audiência prévia prender-se-ia apenas com a realização da tentativa de conciliação (sendo certo que até à data nenhuma das partes demonstrou qualquer intenção de celebração de acordo e o mesmo poderá sempre ocorrer em qualquer fase do processo de execução a que os presentes autos correm por apenso) e com a produção de alegações de direito, não se justifica nem é razoável, encontrando-se o país em situação de estado de emergência, sem previsão de data final à vista, proceder à sua realização” – e foi precedida do despacho supra referido no relatório deste acórdão, proferido em 5/11/2020, em que se afirmava que o estado dos autos permitia conhecer do mérito da causa e, invocando-se aquele dever de gestão processual e aquele princípio de adequação formal e respectivos preceitos legais que os previam, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à dispensa da audiência prévia e quanto à prolação de saneador-sentença.
Notificadas de tal despacho, veio a embargante, sem aduzir qualquer fundamento (conforme se vê da transcrição do seu requerimento efectuada supra), requerer a realização daquela diligência, ao passo que a embargada veio dizer nada ter a opor à sua dispensa.
Importa assim aferir se a dispensa de realização da audiência prévia, após contraditório das partes, pode fundamentar-se no exercício dos poderes de gestão processual (art. 6º, nº 1 do CPC) e no princípio da adequação formal (art. 547º do CPC).
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 6º do CPC, “[c]umpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 547º do CPC, “[o] juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Na linha de jurisprudência que cremos dominante, admitimos que no exercício dos poderes de gestão processual que se acabam de referir e que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização do processo e do seu andamento, o tribunal, em vista de conhecer do mérito da causa na fase do despacho saneador, possa dispensar a audiência prévia em hipóteses não contempladas no artigo 593º do Código de Processo Civil precedendo audição das partes com indicação das razões por que se entende dever dispensar a realização de tal acto processual [neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 5/5/2015 proferido no proc. nº 1386/13.2TBALQ.L1 (rel. Desembargadora Cristina Coelho), o Acórdão da Relação do Porto de 24/9/2015 proferido no proc. nº128/14.0T8PVZ.P1 (rel. Desembargadora Judite Pires), o Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/2018 proferido no proc. nº 4711/18-6T8LRS-A.L1-2 (rel. Desembargador Rijo Ferreira), o Acórdão da Relação de Lisboa de 22/3/2018 proferido no proc. nº1920/14.0YYLSB-A.L1.6 (rel. Teresa Soares) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 3/3/2020 proferido no processo nº1628/18.8T8CBR-A.C1 (rel. Desembargadora Maria Catarina)].
No caso vertente, alega a recorrente que “novos factos e novos documentos foram apresentados com a resposta da recorrida aos embargos da executada” e que com a dispensa da audiência prévia ficou coarctada a possibilidade de ser debatido em tal sede “a forma do reconhecimento de tais documentos, o seu conteúdo, assim como o facto de uma livrança conter uma assinatura enquanto os dizeres no verso da mesma conter duas assinaturas, o que distintamente acontece com a outra livrança” (conclusões 5 a 7).
Mas tal argumentação não procede.
Na verdade, além de a embargante já ter alegado o que bem entendeu na petição inicial de embargos sobre o requerimento executivo, sobre as livranças e sobre a sua vinculação em termos da sua responsabilidade pelo respectivo pagamento, há que referir que a mesma, notificada da contestação e documentos juntos com tal articulado (designadamente, os contratos de locação que estão na base da subscrição das livranças), não tomou qualquer posição sobre tais documentos, os quais, por isso, aceitou.
Além disso, notificada para os termos daquele despacho de 5/11/2020, a embargante, como já se referiu, veio singelamente requerer a realização daquela diligência sem aduzir qualquer fundamento para tal (designadamente, por exemplo, e como bem frisou a recorrida nas suas contra-alegações, não invocou nem identificou qualquer excepção que pudesse ter sido invocada pela embargada relativamente à qual pretendesse responder ou tomar posição no início da audiência prévia nem identificou qualquer questão de facto que no seu entender obstaculizasse o conhecimento imediato do mérito da acção).
Assim, há que, na linha do entendimento do tribunal recorrido supra transcrito, considerar que as questões debatidas nos autos já se encontravam amplamente discutidas em sede de articulados, de facto e de direito (incluindo com variadas referências doutrinárias e jurisprudenciais), e que, nesse conspecto, prendendo-se a audiência prévia apenas com a realização da tentativa de conciliação e com a produção de alegações de direito [alíneas a) e b) do nº1 do art. 591º do CPC], e que, além de tal tentativa de conciliação não ser obrigatória [é o que decorre da remissão da alínea a) do nº1 do art. 591º para os “termos do art. 594º”, pois a previsão deste diz apenas que “pode ter lugar” tal tentativa], a celebração de eventual acordo sempre poderá ocorrer em qualquer fase do processo de execução a que os presentes autos correm por apenso, fazia todo o sentido, ao abrigo daqueles poderes de gestão processual, dispensar tal audiência.
Deste modo, a decisão que dispensou a audiência prévia para conhecimento imediato do mérito da causa na fase do despacho saneador, porque proferida no exercício daqueles poderes e precedida de audição das partes com indicações sucinta das razões por que se justificava tal procedimento, não enferma de qualquer ilegalidade, devendo confirmar-se.
Como tal, improcede tal questão recursória.

Questão enunciada sob a alínea b).
A recorrente, tanto quanto se entende do seu raciocínio, defende a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº1 do art. 703º do CPC, por nela não se exigir o que refere como “termos de autenticação” dos títulos de crédito ali previstos e que, por isso, tal norma “viola o Princípio da segurança jurídica, o Princípio da protecção da confiança, adequação e proporcionalidade” (conclusões 31 e 32).
Nessa linha, aduz que “O Termo de Autenticação conduz a um formalismo rigoroso para que as pessoas a que se vinculam sintam a importância do mesmo acto, assim como se consciencializem do conteúdo do documento a que se vinculam e legais consequências” (conclusão 37).
Mas não pode ser-lhe reconhecida razão.
Prevê-se naquele preceito do CPC que “À execução apenas podem servir de base:… c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Os títulos de crédito que ali se prevê são os que a lei qualifica e trata como tais – as letras, as livranças e os cheques – e aos quais exige certos requisitos formais, todos eles exigindo a assinatura de quem neles figura como obrigado para serem vinculativos e todos estando sujeitos, desde a sua formação até aos termos em que vinculam quem neles é interveniente ab initio e quem os recebe por via da sua livre circulação, à tutela dos regimes jurídicos previstos na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e na Lei Uniforme relativa aos Cheques.
A tutela jurídica que qualquer de tais regimes legais prevê – e note-se que tais regimes constam de convenções internacionais nas quais figuram como partes muitos outros países além do nosso (foram ambas aprovadas para ratificação por Portugal pelo Decreto nº23721, de 29 de Março de 1934, estando em vigor, como direito interno, desde 8 de Setembro do mesmo ano) –, mais do que qualquer “termo de autenticação” que pudesse ser aposto em qualquer de tais títulos ou com que os mesmos pudessem ser complementados, acautela de forma completa e, podemos dizer, exaustiva, tudo o que se refere à constituição, modificação e extinção das relações jurídicas deles emergentes e as suas variadas vicissitudes.
Além disso, aquela pretendida exigência de autenticação seria até pouco compatível com a necessidade de facilitar a essencial função circulante dos títulos de créditos e de assegurar o comércio jurídico com base nos mesmos.
Por outro lado, não se vislumbra que da falta daquela pretendida autenticação em relação àqueles títulos resulte a violação de qualquer preceito constitucional.
De resto, e como também bem o faz notar a recorrida nas suas contra-alegações, a recorrente limita-se a invocar a inconstitucionalidade da aludida norma e a alegar que a mesma “viola o Princípio da segurança jurídica, o Princípio da protecção da confiança, adequação e proporcionalidade” sem sequer indicar uma qualquer norma constitucional que, alegadamente, seja violada.
Como tal, improcede tal questão recursória.

Questão enunciada sob a alínea c).
A recorrente suscita a ineptidão do requerimento inicial em virtude de este não vir acompanhado de qualquer documento comprovativo da relação subjacente nem nele estarem devidamente expostos os factos referentes à causa de pedir.
Na decisão recorrida, a propósito desta questão escreveu-se o seguinte:
No caso dos autos, o título executivo é uma livrança, título cambiário este que está sujeito a uma disciplina jurídica especial, a qual reflete a preocupação de defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pela necessidade de facilitar a circulação dos títulos de crédito.
Tal especialidade sintetiza-se nos seguintes princípios:
- Incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade);
- Literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspeção do título);
- Abstração da obrigação (a livrança é independente da “causa debendi”);
- Independência recíproca das obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que a lei incorpora não se comunica às demais.);
- Autonomia do direito ao portador (o portador é considerado credor originário).
Por outro lado, prescreve o artigo 703/1, alínea c) do Código de Processo Civil que “À execução apenas podem servir de base os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.”
Ora, conforme claramente resulta deste normativo legal, a obrigação de alegar a relação jurídica subjacente por parte do exequente, só existe quando a livrança é dada à execução enquanto quirógrafo, por exemplo, quando se encontra prescrita a relação cambiária, e não quando é dada à execução enquanto título de crédito cambiário válido, como é o caso dos autos.
Posto isto, estava a exequente, nos termos supra expostos, dispensado de alegar a relação jurídica subjacente, sendo válidas as livranças dadas à enquanto título executivo.
Apreciemos.
De acordo com o disposto na alínea e) do nº 1, do artigo 724º do Código de Processo Civil, no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges.
No caso dos autos, os títulos exequendos são duas livranças, sendo que, como é sabido, a livrança é um título de crédito em que rege a regra da incorporação da obrigação no título, sendo a titularidade do título que decide da titularidade do crédito ao ponto de valer neste domínio a regra “posse vale título” [a este propósito, vide Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra 1975, de A. Ferrer Correia, com a colaboração dos licenciados Paulo M. Sendim, J. M. Sampaio Cabral, António A. Caeiro e M. Ângela Coelho, páginas 39 e 40 e págs. 98 a 101].
Por isso, cada um de tais títulos exequendos basta-se a si próprio para demonstrar a titularidade do respectivo crédito. Como neste exacto sentido refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 197, na execução de títulos de crédito a causa de pedir é “a aquisição na esfera do requerente de um direito a uma prestação mediante o saque ou emissão do título, mas sem que ele tenha de indicar a que relação subjacente corresponde esse direito” e “[p]or isso, a apresentação do título de crédito, devidamente datado e preenchido, preenche só por si a exigência de causa de pedir, pois certifica por si mesma o facto do saque ou da emissão”.
Assim, ao contrário do que sustenta a recorrente e como justamente se entendeu na decisão recorrida, não se verifica qualquer ineptidão do requerimento executivo, não tendo a exequente que alegar a relação subjacente a qualquer dos títulos exequendos.
Como tal, improcede esta questão recursória.

Questão enunciada sob a alínea d).
A recorrente defende que não foi interpelada da resolução dos contratos levada a cabo pela embargada.
Argumenta no sentido daquela não interpelação que as cartas enviadas pela embargada para si o foram para uma morada que não estava convencionada contratualmente e que, por outro lado, não existia obrigação da sua parte em comunicar àquela novas moradas.
Analisemos.
Como se deu conta supra em sede de alinhamento da matéria de facto provada, a embargante figura nos contratos referidos em G) como terceira outorgante e avalista, constando ali (logo no terceiro parágrafo da página inicial dos mesmos) como sua morada a Rua dos Emigrantes, 22, 3840-326 Ponte de Vagos.
Portanto, ao contrário do que a recorrente parece pretender, aquela morada é a que estava convencionada contratualmente, sendo pois natural que tenha sido para ela que foram pela embargada enviadas as cartas referidas sob as alíneas J), K), L) e M), a comunicar a resolução dos contratos pelo motivo ali referido (alíneas J e K) e a comunicar o preenchimento das livranças (alíneas L e M).
Aliás, como resulta dos autos de execução, foi naquela mesma morada que a embargante foi citada para os termos da mesma e em data até bem posterior às daquelas cartas (conforme carta para citação expedida em 5/2/2020 e remetida para tal morada e respectivo A/R assinado em 12/2/2020 junto aos autos em 24/2/2020; por outro lado, nesse seguimento, a embargante, ali executada, deu ali entrada a 13/2/2020 de requerimento a requerer a junção aos autos de documento comprovativo de ter requerido protecção jurídica e em que expressamente assume ter sido citada, o que só podia ter ocorrido por aquela via).
Cumpre ainda referir que a embargante nada alegou no sentido de uma sua qualquer comunicação de alteração de morada à embargada, nem dos documentos juntos aos autos nada resulta nesse mesmo sentido.
Note-se que a morada do contraente é um dado de óbvia relevância para o bom cumprimento contratual de um contrato de natureza duradoura.
Por outro lado, ocorrendo alteração nesse dado de facto, ainda que nada a esse propósito se preveja no contrato em que o mesmo é indicado, as regras da boa-fé na execução dos contratos (artigo 762º, nº 2 do C. Civil), tratando-se de contrato de natureza duradoura, impõem que o contraente que muda de residência informe a contraparte dessa mudança (seguimos aqui entendimento já sufragado no acórdão deste mesmo Tribunal da Relação proferido no processo nº 404/20.2T8AGD-A.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Carlos Gil e que subscrevemos como adjunto).
Como tal, sendo de considerar que aquelas cartas foram enviadas para a morada constante do contrato, que tal morada era a única que a embargada dispunha, que foi inclusivamente em tal morada que a embargante, enquanto executada, foi citada, e que não se apurou qualquer comunicação de alteração de morada pela embargante à embargada, é de concluir que, a não terem sido recebidas tais cartas (o que até se desconhece, pois mostram-se juntos com o requerimento executivo os talões de registo de tais cartas e não foi apurada qualquer devolução das mesmas), só por culpa da embargante tal terá acontecido e, como tal, ao abrigo do disposto no art. 224º nº2 do C.Civil, há que considerar eficazes as comunicações que através delas foram feitas.
Pelo exposto, improcede também esta questão recursória.

Questão enunciada sob a alínea e).
A recorrente, como se vê das conclusões 102 e 103, entende que da inexistência de interpelação por si alegada decorre que as livranças não poderiam ter sido preenchidas e, por isso, conclui que ocorreu o seu preenchimento abusivo.
Tendo-se concluído, como se viu no tratamento da questão que antecede, que não corre aquela inexistência de interpelação [pois consideram-se eficazes as comunicações que através das cartas referidas sob as alíneas J), K), L) e M) foram feitas pela embargada à embargante], resulta desde logo óbvia a falta do fundamento invocado para aquele preenchimento abusivo.
Assim, improcede logo por tal via esta questão recursória.

Questão enunciada sob a alínea f).
A recorrente, com base na falta de entrega dos contratos de locação financeira mobiliária aquando da entrega do requerimento executivo, defende que as livranças exequendas sejam considerados meros quirógrafos e, nessa decorrência, que há que a considerar como fiadora com direito ao benefício da excussão prévia (conclusões 104 a 110).
Mas não pode ser-lhe reconhecida qualquer razão.
Como resulta do que já se disse aquando do tratamento da questão enunciada sob a alínea c), os títulos dados à execução são livranças, bastando-se cada um de tais títulos exequendos por si próprio para demonstrar a titularidade do respectivo crédito.
Como deles se verifica, tais livranças têm todos os requisitos que a lei exige no art. 75º da LULL e consta delas o aval dado à sua subscritora por parte da embargante, como também previsto nos arts. 30º e 31º ex vi da parte final do art. 77º daquela mesma lei, sendo que por força dele o avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e responde solidariamente com os demais subscritores para com o portador, tendo este o direito de accionar todos eles, individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem pela qual se obrigaram (arts. 32º e 47º da LULL, também ex vi do seu art. 77º).
Por outro lado, tais livranças, considerando as datas de vencimento das mesmas, não se mostram prescritas (arts. 70º e 77º da LULL).
Assim, as livranças em causa têm todos os requisitos de validade próprios de tal título de crédito e não estão prescritas as obrigações cartulares que delas emergem, não podendo por isso ser consideradas como meros quirógrafos de obrigação, e, com base nas mesmas, mercê do aval nelas prestado pela embargante, podia esta ser directamente demandada pelo respectivo pagamento sem que a embargada tivesse que aguardar pelo que quer que fosse.
Como tal, improcede também esta questão recursória.
Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663º nº7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
**
III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custa pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
***
Porto, 22/11/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim