Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
682/10.5TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RP20141030682/10.5TVPRT.P1
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A norma de que a segunda perícia era, em regra, colegial já admitia excepções (artº 490º, alínea b), do anterior CPC).
II – Actualmente, a segunda perícia só é colegial se a primeira o tiver sido (artº 488º, alínea b), do novo CPC).
III - No regime anterior, a primeira só podia sê-lo, quando:
-a sua requisição, pelo tribunal, a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado se revelasse impossível ou inconveniente; e
-oficiosamente assim o juiz a determinasse (por ela se revestir de especial complexidade ou exigir conhecimento de matérias distintas); ou
-alguma das partes assim a requeresse.
IV - No regime actual, exige-se também que a acção tenha valor superior a metade do da alçada da Relação (artº 468º, nº 5, CPC).
V - Devendo a perícia médico-legal ser requisitada ao INMLCF e por este realizada, a segunda só poderá ser colegial se, além do mais, faltar alternativa e o juiz a determinar fundamentadamente (artº 21º, nº 4, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 682/10.5TVPRT.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 192)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

Numa acção declarativa ordinária, pendente na ex-3ª Vara Cível da Comarca do Porto, em que é Autora B… e Ré a Companhia de Seguros C…, SA, esta, dizendo-se inconformada com despacho que, apesar de lhe deferir requerimento para realização de 2ª perícia a cometeu a perito único do INML, veio apelar, formulando as seguintes conclusões:

“1. A ora recorrente não se conforma com o despacho de fls. …, o qual, deferindo realização de segunda perícia médico-legal requerida pela recorrente na pessoa da recorrida, indeferiu o pedido de que a mesma fosse efectuada em moldes colegiais e com intervenção de peritos indicados pelas partes.
2. A perícia colegial requerida nos presentes autos, apesar de ser médica, não é de clínica médico-legal e forense;
3. Não se verifica, no caso dos autos, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis.
4. Assim, a recorrente considera ser não ser aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004.
5. O nº 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 prevê a inaplicabilidade do nº 1 desse mesmo preceito “aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente”;
6. O artigo 468º n.º 1 alínea b) do CPC estabelece que “A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:..b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos nos artigos 475.º e 476.º, n.º 1, requerer a realização de perícia colegial”, cabendo, nesse caso, ao tribunal indicar um perito e a cada uma das partes outro (cfr artigo 468º n.º 3 do mesmo diploma);
7. As citadas normas do Código de Processo Civil, constituem um dos “normativos legais” a que alude o n.º 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 e que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.
8. Será, pois, no disposto no artigo 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do CPC, que se encontrará fundamento para a admissão da segunda perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (ou GML) e os dois restantes por cada uma das partes.
9. A alínea b) do artigo 488º do CPC visa regular os moldes em que será realizada a segunda perícia quando a primeira tiver sido colegial, mas nada estabelece para as situações em que o primeiro exame tenha sido singular;
10. Tal norma visa impedir, tão só, que a segunda perícia seja realizada por um só perito se a primeira tiver sido colegial, assim atribuindo às partes, no segundo exame, as mesmas garantias de defesa de que gozou no primeiro;
11. Tal norma não impede – até porque nela não se prevê essa hipótese – que a segunda perícia seja colegial se a primeira tiver sido singular;
12. A realização da segunda perícia em moldes colegais mostra-se, no caso, imprescindível, pelas vantagens que acarreta na descoberta da verdade material;
13. A unanimidade dos três peritos (um deles indicado pelo GML) quanto a uma determinada conclusão desse relatório pericial, ressalvando, claro, as situações de erro técnico (muito menos provável de ocorrer com a intervenção de três peritos), constituiria uma absoluta certeza por parte do Tribunal de que a situação médica a examinar foi bem avaliada e não oferece qualquer dúvida, nem mesmo para a parte que, eventualmente, pudesse ser menos favorecida com tal conclusão.
14. Mesmo nas situações em que essa unanimidade não se verificasse, a intervenção de três peritos seria útil para que o Juiz, na qualidade de perito dos peritos, se pudesse aperceber das diferentes perspectivas que a mesma situação médica pode merecer, podendo formar a sua convicção de uma forma mais sustentada ou até aprofundar as matérias em que se verificasse essa divergência, de forma a apreciar a eventual justificação para a ausência de unanimidade nas respostas.
15. A eventual discordância de um perito quanto às conclusões obtidas pelos demais, se fundada em razões sólidas, seria decisiva para que o Tribunal pudesse evitar uma decisão baseada em pressupostos inexactos.
16. Do mesmo passo, a presença e discussão entre os peritos, no decurso do próprio exame, dessas eventuais diferenças de perspectiva poderia ser suficiente para evitar conclusões erradas e ser conducente à pretendida unanimidade.
17. Sem se colocar em causa a idoneidade dos peritos do INML, o exame já realizado reflectirá a perspectiva uniforme desta instituição quanto à situação médica da autora, não sendo de esperar relevantes alterações numa segunda perícia feita por outros médicos do mesmo Instituto de Medicina Legal;
18. Tendo a recorrente discordado do resultado do exame médico, foram também postas em causa, precisamente, as metodologias que ao mesmo levaram, as quais se deve presumir terem sido seguidas pelo perito, como também o seriam por quaisquer outros nomeados pelo mesmo Instituto para intervenção na segunda perícia.
19. O processo conhece já a perspectiva do INML relativamente a esta situação médica e à valorização que deve merecer do ponto de vista médico-legal.
20. Essa perspectiva dificilmente será alterada se se pedir a um perito da mesma instituição que avalie a situação médico-legal da A.
21. Assim, salvo melhor opinião, o processo não carece de uma repetição do primeiro exame, mas antes de um novo elemento de prova que uma segunda perícia colegial, com a intervenção de três peritos, dois deles nomeados pelas partes, poderia trazer.
22. Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva forçadamente limitada ou insuficiente da realidade relevante.
23. Bem pelo contrário, o objectivo último do legislador é o de garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise.
24. Estando ao alcance do Tribunal ordenar uma diligência que garantirá essa maior amplitude na análise e, portanto, propiciará uma mais acertada constatação e avaliação dos factos médicos carecidos de prova, não vemos como possível que se possa rejeitar a sua realização nos moldes propostos.
25. Atendendo ao relevante contributo que a discussão da questão médica a apurar por três peritos poderia trazer ao processo, será se convocar ainda a regra do artigo 547.º do CPC, como forma de admitir a perícia em moldes colegais, com intervenção de peritos das partes, o que expressamente se requer.
26. A douta decisão sob censura violou as regras dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do CPC e 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, ordenando-se, assim, a realização de segunda perícia médica na pessoa da autora, em moldes colegiais, com três peritos, um deles indicado pelo Tribunal e dois outros pelas partes, como é de inteira e liminar JUSTIÇA!”

Nas contra-alegações, a autora concluiu pela improcedência o recurso.
Este foi admitido por despacho de 07-07-2014 (fls. 70) como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Sendo as conclusões que definem o thema decidendum e balizam os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC) –, no caso, a única questão a decidir consiste em saber se e em que termos, numa acção para efectivação de responsabilidade civil por danos, tendo sido ordenada segunda perícia médico-legal, esta deve ser colegial.

III. FUNDAMENTAÇÃO
Além dos relatados, há que considerar mais os seguintes, resultantes dos autos:
1. A presente acção visa efectivar a responsabilidade civil extracontratual ou por factos ilícitos, emergente de um acidente de viação, reclamando a autora o direito de ser indemnizada pelos danos em consequência dele sofridos.
2. Tem o valor de 44.475,76€.
3. Em 19-12-2012, foi realizado exame pericial de clínica forense para avaliação do dano corporal em direito civil no Gabinete Médico-Legal da Guarda do Instituto Nacional de Medicina Legal e elaborado o correspondente Relatório com data de 30-08-2013.

4. Na sequência, a apelante solicitou que o respectivo Perito esclarecesse:

a) em que concretos dados clínicos se baseou para, no item “Perturbações Persistentes de Humor”, ter fixado um défice de 8 pontos, uma vez que não está descrita nenhuma patologia psiquiátrica;
b) quais as concretas limitações observadas na pessoa da autora durante o exame objectivo quanto aos itens “limitação da flexão plantar”, “rigidez da flexão dorsal” e “equinismo ou pé talo irreversível”;
c) a razão de ter considerado haver “repercussão permanente na actividade sexual”; e
d) quais os dados concretos que justificam a admissão da existência de dano futuro.

5. Na sequência da resposta escrita a tal pedido, em 28-01-2014 (fls. 24), veio a apelante, insatisfeita – por não concordar com a justificação quanto à questão da citada alínea a) entendendo que não existe a descrita patologia do foro psiquiátrico que, por referência à Tabela, justifique a pontuação atribuída ao respectivo item; com a aplicação, por analogia, do código …… às queixas álgicas apresentadas pela autora e respectivo valor de défice; com a manutenção, no relatório, da afirmação referida em c), devido à falta de indicação de alterações que a justifiquem; e com a explicação dada para o dano referido em d) – requerer a segunda perícia “com vista ao apuramento exacto das sequelas de que a mesma padece em consequência do acidente dos autos”, indicando o seu próprio Perito Médico.

6. Em resposta, a autora contestou a necessidade, utilidade e legalidade da segunda perícia e, subsidiariamente, defendeu que nunca ela poderá ser realizada por colégio de peritos e, mesmo sendo deferida a singular, deve realizar-se no Gabinete Médico-Legal da Guarda do Instituto Nacional de Medicina Legal, sem participação do primeiro perito.

7. Por despacho de 06-05-2014, foi deferida a realização de uma segunda perícia por si requerida, mas determinou-se nele que, “contudo será realizada no INML da Beira Interior Norte de forma singular por novo perito a indicar nos termos legais por este Instituto, já que se não entende in casu justificado afastar a regra geral da realização de perícia singular, dado o grau de especialização dos médicos peritos deste Instituto – vide artºs 568º nº 1 do CPC (ora 467º, nº 1, do NCPC) e artigo 21º da Lei 45/2004 de 19/08 para a qual remete o nº 3 do citado artigo 568º do CPC (ora nº 3 do citado artº 467º) e ainda sobre a realização de segunda perícia e regras à mesma aplicáveis Ac. RP de 13/12/2012” (fls. 37).

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – dos factos que constituem o objecto do processo, bem entendido, e que, fundamentando o direito que o autor invoca, a este compete provar (artigos 341º e 342º, nº 1, CC).

Entre os diversos meios para tal previstos, conta-se a pericial, que, conforme artº 388º, CC, “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem”.
A prova pericial, segundo Manuel de Andrade, “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras da experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas. (…) É característica da prova por arbitramento a percepção de factos presentes (verificação material), acompanhada normalmente da sua apreciação, em regra sendo ainda necessário que estas operações ou algumas delas requeiram conhecimentos especiais (percepção ou apreciação técnica)”.[1]
No dizer de Vaz Serra[2], “este meio de prova não deve ter lugar quando a percepção e apreciação dos factos não suponham conhecimentos especiais, isto é, excedentes os da cultura ou experiência comuns. Se os factos, na sua averiguação e apreciação, não supuserem tais conhecimentos, não se justifica o recurso a peritos, que, por definição, são pessoas com conhecimentos especiais. (…) Quando os factos não suponham conhecimentos especiais e dispensem, portanto a intervenção de peritos (…), excluir-se-ia, pois, a legitimidade de recurso a este meio de prova”.
Ensinava Antunes Varela que a “nota típica” da prova pericial “consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta” e que “Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a percepção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desse conhecimento.”[3]

O anterior artº 568º, nºs 1 e 2, do CPC, tal como os nºs 1 e 2, do artº 467º, do actual, estabelecem, sobre quem realiza a perícia:

-prioritariamente, que ela incumbe a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado;[4]
-alternativamente, no caso de tal não ser possível ou conveniente, a um único perito.

E, sobre o modo de os designar, que:

-naquela hipótese, o tribunal limita-se a requisitá-la à respectiva entidade[5];
-nesta, o juiz, sem prejuízo de acordo ou ponderando sugestões das partes, nomeia uma pessoa, de reconhecida idoneidade e competência.

No entanto, o nº 3 do mesmo artigo[6], cometia especialmente a realização das perícias médico-legais aos serviços médico-legais ou aos peritos médicos contratados, “nos termos previstos no diploma que as regulamenta”.

Em 2003, foi acrescentado[7] o novo nº 4, dispondo que, quanto às restantes perícias – as cometidas pelo nº 1 a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, entenda-se –, podem ser realizadas por entidade por estes contratada, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objecto da causa nem ligação com as partes.

O artº 569º era composto por quatro números e rezava assim:

“1 - A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:
a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas;
b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos nos artigos 577º e 578º, nº 1, requerer a realização de perícia colegial.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segunda parte do nº 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro.
3 - As partes que pretendam usar a faculdade prevista na alínea b) do nº 1 devem indicar logo os respectivos peritos, salvo se, alegando dificuldade justificada, pedirem a prorrogação do prazo para a indicação.
4 - Se houver mais de um autor ou mais de um réu e ocorrer divergência entre eles na escolha do respectivo perito, prevalece a designação da maioria; não chegando a formar-se maioria, a nomeação devolve-se ao juiz”.

Tal normativo manteve-se incólume no novo artº 468º.

Todavia, além da modificação da sua epígrafe, que de “Perícia colegial” passou a “Perícia colegial e singular”, foi-lhe acrescentado um novo nº 5, com a seguinte redacção:

5. Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é realizada por um único perito, aplicando-se o disposto no artº 467º.

Portanto, onde, antes, era admissível a perícia colegial, passou agora a sê-lo somente nas acções de valor superior a 15.000€.

O anterior artº 590º, versando sobre o regime da segunda perícia, dispunha que esta se rege pelas disposições aplicáveis à primeira, ressalvando, além do mais, que ela, em regra,[8] será colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles.

Porém, a correspondente alínea b), do actual artº 488º, passou a ressalvar que “Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela.
*
Ora, à luz do anterior Código, em face da regra constante do então artº 568º, nº 1, que cometia a realização das perícias médico-legais aos serviços médico-legais ou aos peritos médicos contratados, “nos termos previstos no diploma que as regulamenta”, e deixava ao tribunal apenas a tarefa de as requisitar, discutia-se, quer em relação à primeira quer em relação à segunda, se elas podiam ser colegiais ou tinham de ser singulares.

Com efeito, argumentava-se, o segmento final do citado nº 1, do artº 568º, ao referir “sem prejuízo do disposto no artigo seguinte” – o 569º, alusivo à perícia colegial (oficiosamente determinada pelo juiz ou requerida por alguma das partes), ao número de peritos e ao modo de os nomear – apenas se relacionava com a hipótese de não ser possível ou conveniente a realização da perícia por entidade oficial e de, portanto, a nomeação impender sobre o juiz.

Tratando-se, pois, de qualquer perícia a requisitar a estabelecimento oficial apropriado, a colegial não se apresentaria como alternativa, às partes e ao juiz. Só o seria no caso de a sua realização pela entidade oficial não ser possível ou conveniente e a nomeação se tornar, então, incumbência do juiz.

Além disso, no caso particular de perícias médico-legais, devendo elas ser realizadas pelo respectivo serviço (no caso, INMLCF) nos termos previstos no diploma que o regulamenta, a hipótese de serem colegiais sempre depende deste.

Como foi dito no Acórdão desta Relação, de 04-02-2010 (e repetido noutros), “…a expressão «…sem prejuízo do disposto no artigo seguinte» que consta na parte final do nº 1 do art. 568º, não se reporta a tudo o que está disposto no nº 1, mas apenas à 2ª parte (aquela onde se refere que a perícia é efectuada por um único perito nomeado pelo juiz).
Ou seja, a perícia colegial a que alude o art. 569º apenas é possível nos casos em que a perícia não deva ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, já que, sendo este o caso, o tribunal limita-se a requisitar a sua realização sem qualquer interferência no que diz respeito aos concretos peritos que a vão realizar e que, naturalmente, serão designados de acordo com as regras legais ou regulamentares do estabelecimento, laboratório ou serviço a quem a perícia foi requisitada.
Com efeito, afigura-se-nos evidente que, sendo a perícia requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, o juiz e as partes não têm a possibilidade de indicar peritos para a sua realização e, por conseguinte, não tem aplicação o disposto no art. 569º.
Uma vez requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, a perícia é feita por peritos do próprio estabelecimento ou serviço ou é feita por entidades que, para o efeito, sejam contratadas pelo estabelecimento ou serviço a quem a perícia foi requisitada (568º, nº 4), sem que o juiz ou as partes tenham a faculdade de indicar os peritos concretos que a deverão realizar.
Conclui-se, em face do exposto, que o disposto no art. 569º não é aplicável às perícias que devam ser requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, ficando a sua aplicação reservada para as perícias que, não devendo ser requisitadas naqueles termos, são efectuadas por um perito nomeado pelo juiz (regra estabelecida na 2ª parte do nº 1 do art. 568º) ou em moldes colegiais, nos termos previstos no citado art. 569º.
Todavia, como já referiu e como resulta do disposto no art. 568º, nº 1, a perícia só deverá ser efectuada nesses termos se não for possível ou conveniente a sua requisição a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado.
Tratando-se de uma perícia médico-legal – como acontece no caso dos autos – é evidente que é possível e conveniente a sua requisição ao serviço oficial apropriado, dispondo expressamente o nº 3 do citado art. 568º, que tais perícias são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.”[9]

De resto, acrescenta-se no aresto, “o citado nº 3 está em perfeita concordância com o disposto no nº 1 onde se institui, como regra, que a perícia deve ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, só devendo ser efectuada noutros termos quando tal não seja possível ou conveniente (caso em que será efectuada por um perito nomeado pelo juiz ou em moldes colegiais, nos termos do art. 569º).
O citado nº 3 tem dois objectivos: concretizar os serviços que são apropriados para realizar as perícias médico-legais (os serviços médico-legais ou os peritos médicos contratados) e determinar os termos em que devem ser realizadas (nos termos previstos no diploma que as regulamenta), distinguindo e tratando, autonomamente, as perícias médico-legais das demais perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial que, poderão ser realizadas nos termos previstos no nº 4.
É certo, pois, perante o exposto, que a perícia médico-legal deve ser requisitada ao serviço oficial apropriado (em conformidade com a primeira parte do nº 1 do art. 568º), devendo ser realizada pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no nº 3 da mesma disposição legal, sendo, por isso, inaplicável o disposto no art. 569º.
Não sendo aplicável o citado art. 569º, a possibilidade de realização de perícia colegial terá que ser apreciada em face das normas que regulamentam as perícias médico-legais e para as quais remete, expressamente, o citado art. 568º nº 3.”

Particularmente em relação à segunda perícia, entendia-se que a colegialidade regra estabelecida na alínea b), do artº 590º, também não abrangia as médico-legais e, por isso, não se aplicava à realização destas, mas antes as regras legais próprias, designadamente a Lei 45/2004, de 19 de Agosto.

Este diploma estabeleceu o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, cometeu a respectiva realização, obrigatoriamente, aos médicos do Instituto[10], atribuindo-lhe a possibilidade de, em certos casos, as atribuir a entidades terceiras (públicas ou privadas), outros médicos, serviço universitário ou de saúde (público ou privado), sempre por si contratados ou indicados, e, por isso, os competentes – artºs 2º e 27º.

O artº 3º, nº 1, adoptou a regra de que a autoridade judicial se limita a ordenar, por despacho, a perícia e a requisitá-la ao Instituto e, o artº 5º, determinou que as perícias são realizadas pelos peritos designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços e pelos médicos contratados da Lista (nas comarcas fora da área de actuação das delegações e dos gabinetes médico-legais).

Os nºs 4 e 5 consagraram a regra de que, no exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos especialistas em medicina legal gozam de autonomia e responsabilidade própria, pelas perícias, relatórios e pareceres por si realizados, sem prejuízo das formas e métodos em vigor normalizados pelo Instituto.

No capítulo dos exames e perícias do âmbito da clínica médico-legal e forense, o artigo 21º, quanto à sua realização, estabelece, no nº 1, a regra de que intervém um médico perito (dois, nos exames sexuais, se necessário); salvaguarda, no nº 3, que tal disposição “não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente”; e, em todo o caso, preconiza, no nº 4, que “dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.”

O artigo seguinte aponta, como local de realização de exames e perícias singulares, as instalações do próprio Instituto, salvaguardando a possibilidade de se realizarem nas do tribunal as juntas médicas, quando devam ser presididas por juiz, nos termos aí referidos.

O legislador cometeu, assim, ao Instituto um certo domínio e prevalência na matéria, sem dúvida.[11]

Em face deste quadro, vingou e predomina[12] o entendimento de que “as perícias são, em princípio, singulares, sendo que as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.”[13]

Ora, parece-nos claro que o Código privilegia a realização da perícia, qualquer que seja o seu objecto, pelas instituições oficiais apropriadas.[14] O juiz limita-se, no caso de a decidir oficiosamente ou deferir a requerimento da parte, a fixar o seu objecto, a designar essa entidade, a requisitar-lha e a indicar-lhe o prazo de apresentação do relatório (artºs 476, nº 2, e 478, nº 2, actuais). Por isso, a designação do serviço ou perito (um ou mais) que, dentro da instituição requisitada, a há-de levar a cabo; a definição do tempo, do lugar e do modo para a sua execução (por exemplo, exames, inspecções ou outras averiguações); a definição dos meios necessários); tal como das demais regras organizativas e formais adequadas para bom desempenho da tarefa e para elaboração e apresentação do relatório, competem àquela (de acordo com os nºs 3 e 4 do artº 467º e respectivos regimes orgânicos e estatutários).

Só quando tal realização não seja possível ou conveniente[15], é que a nomeação é deferida ao juiz, depois de ouvidas as partes, para tal devendo ter em conta o critério de idoneidade e competência. Neste caso, além de fixar o objecto da perícia e de nomear o perito (ou peritos), compete ao juiz tomar-lhe o compromisso de honra (salvo se for funcionário público e intervier no exercício das suas funções), designar a data e local para o começo da diligência, assistir à inspecção quando tal considere necessário, decidir o que no acto as partes lhe requeiram, autorizar o que o perito solicitar e, enfim, fixar prazo para apresentação de relatório, se tal logo não tiver lugar (artºs 479º, 478º, nº 1, 480º, nº 2, 481º e 483º, CPC novo).

No que concerne às perícias médico-legais, o nº 3, do artº 467º, determina mesmo que elas são realizadas pelos serviços ou médicos respectivos, o que, em conjugação com o regime traçado na citada Lei 45/2004, lhes confere praticamente a exclusividade em tal matéria.

Além desta orientação, já era clara a intenção legislativa de privilegiar a perícia singular em detrimento da colectiva. De excepção[16], aquela passou a ser regra, só havendo lugar a esta, na primeira, no caso de se verificarem as específicas condições para tal previstas, e, mesmo na segunda, não se excluindo, como já se disse, excepções à colegialidade (anteriores artºs 469º e 590º, alínea b).

Esta preocupação de agilizar, simplificar e economizar tornou-se ainda mais ingente e clara no Código actual, ao excluir, quanto à primeira, a possibilidade de perícia colegial nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (caso em que é realizada por um só perito, “aplicando-se o disposto no artº 467º”), e ao limitá-la drasticamente na segunda – hipótese em que só é admitida se a anterior já assim o tiver sido (artºs 468º, nº 5, e 488º, alínea b).

Independentemente, portanto, de a primeira perícia forense poder ou não ser colegial e das condições necessárias para a tal haver lugar[17], patenteia-se, no que diz respeito à segunda, uma evolução nítida que não só pretende clarificar e facilitar a articulação com as entidades oficiais requisitadas como também aproximar e melhor compatibilizar o regime do processo civil com o da organização médico-legal.

Ao reduzir-se a possibilidade de perícia colegial, atende-se precisamente a um forte argumento, de natureza jurídica, científica e também de inspiração orgânica, invocável em defesa da singular: como e com que utilidade realizar perícias colectivas envolvendo o Instituto, sobretudo preconizando-se a intervenção nestas de peritos indicados pelas partes?

Tal tendência vem ao encontro, favorece e, por isso, dá força à jurisprudência dominante, baseada no artº 21º, da Lei 45/2004, segundo a qual as perícias colegiais (ainda) previstas no Código de Processo Civil ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

Com efeito, o seu nº 1, como regra (especial e imperativa), estabelece que, nos exames e perícias de clínica médico-legal e forense, está excluída a colegialidade, sendo realizados por um único perito (salvo se, como no caso de autópsias, outras normas legais dispuserem diferentemente); e, o nº 4, sem as proibir mas querendo evitá-las, apela ao dever de dar primazia às singulares, contendo uma explicação justificativa para tal: o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais – desígnio e objectivo que, legalmente consagrados e pelo novo Código respeitados e reafirmados, de algum modo secundarizam o entendimento contrário de que “a abordagem técnico científica das questões (médico-legais) controvertidas, efectuada por 3 peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material”[18].

Tudo visto, considerando que, em todo o caso, face às dificuldades interpretativas e ponderosos interesses nesta matéria frequentemente divergentes, a lei atribui ao juiz a “última palavra” e que, ao dá-la, aquela preocupação pode perfeitamente, no domínio do processo civil, ser ponderada e atendida ao fundamentar-se, em vista da necessidade, conveniência e adequação, a prevista “falta de alternativa” (nº 4, do artº 21º), não vemos motivos para divergir da referida jurisprudência dominante.

Afinal de contas, o legislador está a um passo de retomar a antiga disposição segundo a qual, nos exames efectuados por estabelecimentos oficiais, não era admissível segundo arbitramento.[19]

Por isso, e porque, na concreta situação em apreço, a apelante não alega estar-se – nem se vê que se esteja face às questões suscitadas em relação à primeira perícia e aos objectivos da segunda – ante falta de alternativa a implicar a fundamentada determinação da perícia colegial e por que o tribunal recorrido devesse ter enveredado, o despacho parece de manter.

Não colhe o argumento de que, no caso, se trata de um exame médico e não de clínica médico-legal forense. Trata-se de perícia que, em linha com a natureza e finalidades de tal meio de prova, implica a observação, recolha e descrição de lesões e sequelas mas também a sua avaliação (não automática nem matemática) e necessárias conclusões, mormente à luz da Tabela legal, carentes de juízo técnico-pericial de índole clínica para que não bastam conhecimentos de medicina mas também se exige alguma formação jurídica adequada ao desempenho cabal da função, sendo certo que, para efeitos de aplicação do regime da Lei 45/2004, não se encontra distinção e esta trata uniformemente os “exames e perícias”[20]

Apesar de se estar em acção cível destinada a exercitar direitos disponíveis e até renunciáveis, o certo é que as regras de produção das provas integram direito adjectivo e, por isso, realizam interesses públicos do Estado na conformação do processo, estando na disponibilidade deste regular os aspectos relativos à obtenção da prova pericial, designadamente quanto a quem e como deve ela ser realizada, em função dos interesses que elege como relevantes e que não se confinam à saúde pública ou outros similares, como sugere a apelante.

É óbvio que a Lei 45/2004, visto o disposto nos seus artºs 1º, 3º e 21º (como já antes o Decreto-Lei 387-C/87), se aplica à perícia em causa, não significando a remissão feita no nº 3 deste último a exclusão das perícias ordenadas em processo civil e a salvaguarda do regime previsto no artº 468º do Código, disso antes sendo sintomática a compatibilização preconizada no nº 4.

Não cremos que do âmbito de aplicação do novo artº 488º, alínea b), estejam excluídos os casos em que a primeira perícia tenha sido singular e apenas que tal norma se deva interpretar como destinada a garantir que, na segunda, não há diminuição de meios de defesa. Diferentemente, onde antes se estabelecia que, “em regra”, a perícia seria colegial, prevê-se agora, face à redução das hipóteses em que na primeira ela será permitida, por força do novo nº 5, do artº 468º, que só nestas é garantida, por coerência, a composição colectiva, mas ainda assim com o mesmo número de peritos.

Manifestamente, tendo sido realizada em singular a primeira perícia, sê-lo-á também a segunda, em conformidade com as disposições aplicáveis àquela, a cuja intenção preside a ideia de limitar a colegial a casos muito excepcionais.

Conquanto, em tese, se admita que a perícia colectiva pode aportar mais e melhores contributos, resultantes de diferentes perspectivas, para a descoberta da verdade, o certo é que a busca desta, que não é absoluta nem por meios ilimitados, cinge-se às regras traçadas pelo legislador e é aí, ao tomar as inerentes opções político-legislativas, que tal objectivo é ponderado e implementado, não cabendo ao intérprete e aplicador ultrapassá-las, a menos que estivessem em causa – e não estão – princípios ou regras fundamentais. Não é correcta a ideia de que, na composição colectiva, um perito, se indicado pela parte, exprime no acto a sua “confiança”, muito menos, que a “represente”. O perito emite consciencioso juízo pericial autónomo, independente e responsável. Por isso, qualquer expectativa de que, por tal via, a parte possa conseguir fazer eco e melhor defender ou até fazer reflectir nos resultados a sua perspectiva e interesses próprios, que não os da verdade material e da justiça com que os peritos se comprometem no seu múnus, não serve, em princípio, de critério para decidir se e quando há lugar a perícia colectiva.

O possível e desejável aporte que os diversos peritos do colégio poderão levar ao resultado da perícia colectiva nada tem a ver com a referida expressão. Muito dependendo do caso concreto e, portanto, do que objectivamente se pretende com a segunda perícia, o apelo a diferentes perspectivas e modos de entender a realidade como justificação para a composição plural e diversificada do colégio de peritos deve partir de especial fundamentação, sempre por referência ao espírito da lei processual (claramente preferente das perícias singulares) e em harmonia com o regime das perícias médico-legais (de igual sentido), que evidencie as insuficiências, inexactidões e constrangimentos de outro modo insuperáveis.

O receio da “perspectiva uniforme” do INMLCF não tem, à partida, razão de ser. Com efeito, a obrigação de respeitar normas, modelos e métodos internamente nele em vigor e recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica, podendo tornar-se condicionante, não afasta nem belisca sequer a autonomia e responsabilidade próprias ínsitas à perícia e que deve nortear o exame, a formulação e emissão do juízo pericial e elaboração do respectivo relatório conclusivo[21]. De resto, se a uniformidade cultivada no Instituto se situar ao nível da excelência e do mais avançado conhecimento científico no domínio da medicina legal, dificilmente outras perspectivas pretensamente concorrentes se revelarão úteis e justificativas de recurso, com tal fundamento, ao colégio[22], cabendo sempre à parte interessada na perícia colectiva demonstrar, em concreto, a razão por que, no caso, esta é necessária e imprescindível.

A segunda perícia não é um novo elemento de prova. A sua razão e fins previstos no artº 487º, não suportam tal consideração, nem servem de critério para a composição da peritagem.

Não se trata aqui de limitar ou restringir provas, mas de observar as regras pelo legislador traçadas para as obter, não podendo estas ser ultrapassadas.

Por último, o apelo ao princípio da adequação formal previsto no artº 547º, não logra, no caso, qualquer justificação concreta.

Enfim, como com razão salienta a apelada, a apelante limita-se a, em termos abstractos, formais e conclusivos, defender a tese da colegialidade nas segundas perícias médico-legais. Não questiona, directa e fundamentadamente, o entendimento expresso no despacho recorrido segundo o qual, no caso, não se justifica o afastamento da regra geral da realização da perícia em singular dado o grau de especialização dos médicos peritos do Instituto. Não aponta nem se vêem, repete-se, concretas razões emergentes do objecto da perícia, das questões suscitadas e determinantes da segunda, que devessem ter levado o juiz a considerar fundamentadamente não haver alternativa e, por isso, a determinar ser necessária e conveniente a sua realização nos moldes pretendidos.

Improcedem, pois, as conclusões da apelante, não se notando violação, pelo despacho recorrido, de qualquer das disposições legais apontadas.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 30-10-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
_____________
[1] Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 262 e 263.
[2] Provas, Direito Probatório Material, in BMJ nº 112, páginas 151 e seguintes.
[3] Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista, C. Editora, páginas 576 e 588.
[4] Concretizou-se, com a reforma de 1995, a ideia, provinda do artº 578º, nº 2, de que a nomeação pelo juiz, na falta de acordo, devia recair “num funcionário especializado”.
[5] O artº 580º, nº 2, tal como agora o 478º, nº 2, dispõem precisamente que, quando se trate de exames a efectuar em institutos ou estabelecimentos oficiais, o juiz requisita ao director daquele a realização da perícia, indicando-lhe o respectivo objecto e o prazo de apresentação do relatório pericial.
[6] Introduzido pela Reforma de 1995 e na sequência da reorganização médico-legal do país operada pelo Decreto-Lei nº 387-C/87, de 29 de Dezembro, que, como se colhe dos seus artºs 1º, nº 1, 27º e 35º, estabeleceu uma espécie de reserva de competência aos médicos dos quadros do IML ou dos por este nomeados para os exames periciais de medicina legal, mormente os destinados a determinar e avaliar o dano nos foros cível, penal e do trabalho.
[7] Pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março.
[8] O que, como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra, de 15-11-2011 (Desemb. Artur Dias), inculca, com segurança, que ela poderá ser, excepcionalmente, singular, sendo excepção possível e justificada, certamente, o caso de segunda perícia médico-legal.
[9] Acórdão da Relação do Porto, de 04-02-2010 (Desemb. Maria Catarina).
[10] O Decreto-Lei 166/2012, de 31 de Julho, aprovou a Orgânica do INMLCF, IP.
[11] Cfr. artºs 9º e 11º, da Portaria nº 19/2013, de 21 de Janeiro (Estatutos do INMLCF), sobre a atribuição de competência para exames e perícias, e o Regulamento Interno publicado no DR, 2ª série, nº 89, de 7-05-2010, sobre articulação com as autoridades judiciárias para a realização de exames e perícias.
[12] Divergentes encontrámos o Acórdão desta Relação de 07-10-2013 (relatado pelo Desemb. Caimoto Jácome), que, declarou poder aceitar-se a tese contrária, de que apontou como exemplo o Acórdão da RP de 13-12-2012 mas, no caso concreto, e baseando-se apenas no espírito do regime traçados nos artºs 589º a 591º, sem discutir o do Decreto-Lei 45/2004, decidiu haver lugar à colegial Os demais aqui indicados pela apelante ou não se conseguem localizar ou não tratam exactamente da questão (como acontece no de 10/7/2013, por nós relatado no processo 1554/07.6TBOVR-A.P1, que não teve por objecto decidir, nem decidiu, se há ou não lugar a perícia colegial, mas, apenas, que, tendo ela sido ordenada e não se discutindo tal decisão, quais os que deviam ser nomeados).
[13] Acórdão citado nas duas anteriores transcrições. Na mesma linha, e especificamente quanto à composição singular ou colegial em caso de segunda perícia, decidiram, os Acórdãos desta Relação do Porto, de 13-12-2012 (Desemb. Amaral Ferreira), da Relação de Coimbra, de 10-07-2007 e 15-11-2011 (respectivamente relatados pelos Desemb. Regina Rosa e Artur Dias) e da Relação de Guimarães, de 21-09-2010, 8-5-2012, 23-4-2013, 27-2-2014, 3-7-2014 e 11-9-2014 (relatados, respectivamente, pelos Desemb. Rosa Tching, Catarina Gonçalves, Manuela Fialho, Edgar Gouveia Valente, Helena Melo e Isabel Rocha).
[14] Vem de antigamente a preferência por funcionários públicos e, portanto, a ideia de oficialidade.
[15] No caso de perícia médico-legal, dificilmente se concebe uma situação em que seja impossível ou inconveniente requisitá-la ao serviço oficial, dada a organização médico-legal instituída por todo o País, e os seus reconhecidos níveis de competência técnico-científica, credibilidade, eficiência e prestígio. Contudo, nos demais casos, uma das situações poderá ser a prevista no nº 3, do artº 478º.
[16] No regime anterior a 1995, a regra era, para a primeira perícia, a colegialidade, intervindo um só perito se o arbitramento fosse ordenado oficiosamente e a questão de facto fosse de grande simplicidade.
[17] Possibilidade que, como se viu, se prende com o modo de interpretar e conjugar as normas dos artºs 467º, nº 1, e 468º, na hipótese de perícia requisitada a instituição oficial e, nas médico-legais, especialmente com o regime decorrente da Lei 45/2004, mas cuja discussão agora ficou confinada às acções de valor superior a metade da alçada da Relação.
[18] Acórdão desta Relação de 07-10-2013, já citado, contrário à jurisprudência dominante.
[19] Artº 609º, nº 3, do Código, anteriormente à Reforma de 1995.
[20] Sintomaticamente, dos artºs 9º e 11º, da Portaria nº 19/2013, de 21 de Janeiro, que aprovou os Estatutos do INML, decorre que ao seu Serviço de Clínica Forense como aos Gabinetes Médico-Legais compete a realização perícias e exames em pessoas para descrição e avaliação dos danos provocados na integridade psicofísica, nos diversos domínios do direito, designadamente no âmbito do direito penal, civil e do trabalho, nas comarcas do âmbito territorial de actuação da delegação.
[21] Como resulta do seu próprio Regulamento (DR, 2ª série, nº 89, de 7-5-2010, páginas 24724 e seguintes), o INML procede à realização dos exames e perícias em estreita articulação com as autoridades judiciárias que os solicitam, em conformidade com as legis artis e com as normas, os modelos e as metodologias periciais nele em vigor, nos termos do artº 5º, da Lei 45/2004.
[22] Recorde-se que, de acordo coma Lei Orgânica do INMLCF, IP, este tem por missão assegurar a prestação de serviços periciais médico-legais e forenses, a coordenação científica da actividade no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses, bem como a promoção da formação e da investigação neste domínio, superintendendo e orientando a actividade dos serviços médico-legais e dos profissionais contratados para o exercício de funções periciais, competindo-lhe cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de administração da justiça, realizando os exames e as perícias médico-legais e forenses que lhe forem solicitadas, nos termos da lei (artº 3º, nºs 1 e 2).