Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
344/14.4T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
RELAÇÃO SUBJACENTE
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP20160530344/14.4T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 05/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 626, FLS.394-412)
Área Temática: .
Sumário: I - O título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em embargos que venha a deduzir à acção executiva, sendo que, quer se considere os embargos como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, certo é que os embargos consubstanciam o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção.
II - Sendo a livrança, para além de título de crédito, uma promessa pura e simples de pagar uma determinada quantia, está o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, cabendo aos executados que apresentam os embargos à execução o ónus de alegação e prova de qualquer circunstância que infirme a relação fundamental.
III - O preenchimento abusivo do título em branco constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cabendo ao executado que apresenta os embargos à execução o ónus de alegação e prova de tal circunstância, sendo que para o exequente basta a não demonstração de que o pacto de preenchimento foi incumprido.
IV - Não poderá ser questionada a admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações de recurso, os quais sustentam a questão objecto do mesmo, qual seja, as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização, apresentado pela embargante/executada, quanto ao crédito reclamado na execução a que os embargos de executado estão apensos, quanto mais não seja pela circunstância de se impor ao Tribunal de recurso o conhecimento oficioso de uma ocorrência retratada no apresentado documento, cuja apreciação e respectiva consequência, determinará o destino da demanda.
V - Uma vez levado a cabo a comunicação, pelo requerente, ao tribunal competente de que é sua intenção iniciar as negociações tendentes à sua recuperação em Processo Especial de Revitalização, impõe-se, não só prolatar despacho a nomear administrador judicial provisório, mas também determinar, neste mesmo momento, que fica impedida a instauração de qualquer acção que possa atingir o património do devedor/requerente, a par de que, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, ficam suspensas, quanto ao devedor/requerente, as acções em curso com idêntica finalidade, reconhecendo-se, assim, como imperativo, o decretamento desta suspensão da instância.
VI - A instauração do Processo Especial de Revitalização, com aprovação do plano de revitalização da subscritora da livrança exequenda, conquanto determine a suspensão da execução a que os embargos de executados estão apensos, não é invocável pelos respectivos avalistas contra quem a exequente/credora, portadora legitima daquele título executivo, instaurou a execução a que os embargos de executado estão apensos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 344/14.4T8MAI-A.P1‏
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (156)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal da Comarca do Porto – Instância Central da Maia - 2ª Secção de Execução - J2
Apelantes/B…, Lda., C… e D…
Apelada/E…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Central da Maia - 2ª Secção de Execução - J2 – B…, Lda., C… e D…, executados nos autos principais em que é exequente E…, deduziram embargos de executado, pedindo que se declare parcialmente ferida de falsidade da obrigação escrita na livrança, no que respeita às datas de emissão e vencimento e ao montante inscrito no preenchimento contra as condições acordadas com os executados; se declare suspensa a execução; se absolvam os executados do pedido formulado na execução.
Articularam, com utilidade, que as obrigações que a livrança dada à execução se destinava a garantir se reportam a um contrato que não foi objecto de resolução, tendo sido alterado por efeito de um contrato adicional que modificou as suas condições originárias, passando os executados a estar obrigados ao pagamento de rendas e juros apenas a partir de 5 de Janeiro de 2015, a par de que a data de vencimento da livrança seria a de vencimento do contrato, e a data de emissão da livrança não respeita o adicional do contrato, tendo sido preenchida numa ocasião em que tal preenchimento se encontra vedado pelo teor do contrato celebrado, sendo a obrigação inexigível.
Recebidos os embargos veio a embargada deduzir contestação, invocando que o preenchimento da livrança respeita a convenção de preenchimento celebrada com os executados, sendo a data de emissão correspondente à data de celebração do contrato.
Findos que se encontram os articulados, uma vez assente que a complexidade da causa e as questões concretamente colocadas não justificam o agendamento de audiência prévia, tendo sido conferido às partes o direito de contraditório em relação ao propósito manifestado pelo tribunal de imediato conhecimento do mérito da causa, foi dispensada a realização da aludida diligência.
O tribunal “a quo” ao ter entendido que o estado dos autos autoriza o imediato conhecimento do mérito da causa, proferiu saneador/sentença no qual julgou improcedente, por não provada, os presentes Embargos de executado, e, em consequência, ordenou que a execução prossiga os seus regulares termos, com custas pelos executados/embargantes/B…, Lda., C… e D….

É contra esta decisão que os Embargantes/B…, Lda., C… e D…, se insurgem formulando as seguintes conclusões:
I. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada apreciação da prova documental como na aplicação de direito ao caso dos autos.
II. Toda a factualidade dos autos, com efeito, os recorrentes na sua dedução de embargos alegaram, em síntese, que:
A livrança dada à execução destinava-se a garantir a favor da exequente, com aval dos executados, as obrigações assumidas pelos executados no contrato de locação financeira em que a executada “B…, Lda.”. (sociedade de que os executados C… e D… são os únicos sócio) assumiu a posição de locatária e a exequente a posição de locadora - documento n.º 1 que se juntou com os embargos).
Nesse contrato, no n.º 10.1 da sua Cláusula-Décima das Condições Particulares, os executados autorizaram a exequente a preencher essa livrança, em caso de incumprimento das obrigações assumidas pela locatária, de acordo com as seguintes regras:
Em caso de resolução do contrato, pelo montante determinado nos termos das alíneas do n.º 5 da Cláusula 15° das Condições Gerais, acrescido do montante a descoberto eventualmente gerado na conta D. O. associada ao presente contrato, por força do pagamento de prémios de seguro devidos pela locatária.
Em caso de opção pela exigência de ressarcimento dos direitos de crédito da locadora, pelo montante determinado nos termos do n.º 7 da Cláusula 15ª das Condições Gerais, acrescido do montante a descoberto eventualmente gerado pela conta D. O. associada ao contrato de locação financeira, por força do pagamento de prémios de seguro devidos pela locatária.
A livrança é domiciliada no Porto e é pagável no 30º dia da data do vencimento do contrato, conforme o disposto, acordado e contratado e constante do n.º 10.2 da Cláusula 10ª dos Condições Particulares do contrato.
A executada C… e o executado D…, declararam nesse contrato (n.º 10.4 da Cláusula 10ª das Condições Particulares) acordar na prestação do aval nas condições e para o efeito previsto no contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento de livrança nos termos dessa cláusula.
O contrato de locação financeira poderia ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer dos obrigações do locatário se este, interpelado para cumprir, o não fizer no prazo de 60 dias a contar da referida interpelação - n.º 2 da Cláusula 15ª do Contrato de Locação Financeira.
A resolução do contrato será comunicada à outra parte por carta registada com aviso de receção - n.º 3 da Cláusula 15ª do contrato.
Nem exequente nem executados resolveram o contrato de locação financeira, nem, a exequente alguma vez invocou junto dos executados a perda do interesse contratual na manutenção do contrato.
Pelo contrário, em 29 de Janeiro de 2014, acordaram fazer um Adicional (quarto) a esse contrato - documento n.º 2 que se juntou com a dedução embargos).
Assim, por esse quarto contrato Adicional, foi declarado e contratado pela exequente e executados, o seguinte:
Os contraentes acordam um período de carência de capital nas rendas durante o período de 12 meses, a contar de 05/01/2014 (Cláusula 1ª desse Adicional).
Que o prazo contratual seria de 300 meses (n.º 3.1 da Cláusula 3ª). Que o nº. de rendas seria de 288 (nº 4.1 da Cláusula 4ª).
Que o montante de 12 rendas, a partir de 05/01/2014, seria de €2.590,66 (nº 4.4 da Cláusula 4ª).
Que o montante das demais rendas (266 rendas subsequentes) seria de €3.590,66 (nº. 4.4 da Cláusula 4ª).
Em tudo mais, mantém-se o convencionado no citado Contrato de Locação Financeira celebrado em 05/03/2012 (Cláusula 4ª).
Aceitar o estipulado na Cláusula 10ª das Condições Particulares do Contrato, autorizando a E… (a exequente), em caso de incumprimento, a preencher a referida livrança nas condições estipuladas na mesma cláusula.
Manter o seu aval na dita livrança, para todos os efeitos, condições e termos do contrato celebrado em 05/03/2012 e do presente Adicional, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança nos termos do número anterior.
Nos termos do n.° 10.2 da Cláusula 10ª do aludido contrato de locação financeira e da Cláusula 5ª do Adicional a esse contrato, a livrança era pagável no 30° dia contado da data do vencimento do contrato.
Nos termos da Cláusula 2ª, o contrato de locação começa a produzir efeitos na data da assinatura do contrato, ou seja, em 05 de Março de 2012, e é celebrado pelo prazo fixado na Cláusula 3ª das Condições Particulares, isto é, decorridos 180 meses da sua celebração.
O contrato de locação teve o seu início em 05/03/2012, pelo que, tendo em atenção o referido no artigo anterior desta petição/posição, o vencimento do mesmo seria em 06/03/2027.
Contudo, tal vencimento veio a ser alterado pelo Adicional ao contrato, celebrado em 29 de Janeiro de 2014.
Nesse Adicional, foi alterado o vencimento do contrato, fixado na Cláusula 3ª das Condições Particulares do Contrato de Locação, passando o prazo do contrato a valer até 06/03/2037, já que, nos termos dessa cláusula, o prazo do contrato passou a ser de 300 meses, contados a partir de 05/03/2012.
Como já se referiu, o acordado entre o exequente e os executados, quanto à exigibilidade do montante que viesse a ser inscrito pela exequente nos termos do contrato, a livrança seria pagável, ou seja, o seu pagamento vencer-se-ia no 30º dia da data do vencimento do contrato, isto é, em 05/03/2037 (n.º 10.2 da Cláusula 5ª do Adicional ao Contrato de Locação Financeira e alíneas a) e b) da Cláusula 5ª do Adicional a esse contrato).
Foi acordado pela exequente e pelos executados, no Adicional ao Contrato de Locação Financeira, um período de carência de capital e rendas durante o período de 12 meses, a contar de 05/01/2014 (Cláusula 1ª do Adicional).
Deste modo, os executados só estariam obrigados a pagar rendas e juros vencidos a partir de 05 de Janeiro de 2015.
Apesar disso, a executada B…, Lda. depositou na sua conta n.º .........-. do Balcão n.º … da exequente, sito em F…, os seguintes quantitativos para pagamento de prestações do contrato de locação financeira nº. ……………:
Em 21/03/2014 a quantia de €2.723,24.
Em 10/04/2014 a quantia de €2.733,94.
Em 03/06/2014 a quantia de €2.733,94.
Em 09/07/2014 a quantia de €2.733,94.
Em 25/07/2014 a quantia de €2. 733,94.
Em 03/09/2014 a quantia de €2.733,94.
Em 08/10/2014 a quantia de €2.733,94,
Tudo conforme os documentos n.º 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 que se juntaram com os embargos.
A exequente preencheu a livrança dada à execução inserindo nela declarações divergentes do ajustado entre esta e os executados, ou seja, a exequente preencheu a livrança, que lhe foi entregue em branco pelos executados apenas com as suas assinaturas, escreveu a data de emissão e do seu vencimento contra o que havia acordado com os executados.
Com efeito, como já se referiu, a data do vencimento da livrança seria a do vencimento do Contrato de Locação, ou seja, 05/03/2037, colocando, em vez desta data, como data de vencimento, a data de 13/06/2014.
De igual modo, a exequente, ao preencher a livrança, escreveu como data de emissão a data de 05/03/2012.
Contudo, na Cláusula 5ª do Adicional ao Contrato de Locação Financeira, foi acordado entre exequente e executados, aceitar o estipulado na Cláusula 10ª das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira, na qual os executados autorizavam a exequente a preencher as livranças nas condições estipuladas nessa mesma cláusula e a manter o seu aval na dita livrança, nas condições e termos do contrato celebrado em 05/03/2012 e do presente Adicional, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança, nos termos do número anterior, ou seja, em caso de incumprimento e nas condições estipuladas na referida Cláusula 10ª.
Por isso, não se compreende que a exequente tenha escrito na livrança que a data de emissão era a data de 05/03/2012, já que no Adicional de 29 de Janeiro de 2014, os executados deram consentimento à exequente para o preenchimento da livrança, ou seja, passados cerca de 2 anos sobre a data de emissão da livrança.
O que desse facto terá obrigatoriamente de concluir, é que a 29 de Janeiro de 2014, data em que foi acordado e elaborado o Adicional ao contrato, a data da emissão e vencimento da livrança dada à execução, já haviam sido escritas pela exequente, isto ao contrário do que haviam acordado, pois que, como já se referiu, a exequente só estava autorizada a preencher essa livrança em caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos executados (nº. 10.1 da Cláusula 10ª das Condições Particulares do contrato de Locação Financeira e Cláusula 30ª do Adicional ao contrato).
Em 05/03/2012, data escrita pela exequente como sendo a data da emissão da livrança dada à execução, ainda não poderia haver preenchimento da mesma pela exequente, dado que isso era data do início do contrato, também não podendo haver qualquer incumprimento das obrigações assumidas pelos executados.
Do mesmo modo, também foi abusivamente preenchida e contra o acordado entre as partes, no Contrato de Locação Financeira e no Adicional ao mesmo, que a exequente escreveu na livrança como data de vencimento a data de 13/06/2014, visto que nesta data não havia ainda decorrido o prazo do Contrato que terminaria em 05/03/2037.
III. Foram levados novos factos aos autos:
A douta sentença proferida omitiu pronúncia sobre os novos factos levados ao processo sem qualquer decisão judicial.
A executada. B…, apresentou-se ao PER - Plano Especial Revitalização, (cfr. doc. n.º 1 a 24 com estas alegações).
A reclamação de créditos apresentada ao Exmo. Administrador Provisório da Insolvência ao PER por parte da aqui exequente foi o “mesmo titulo” e valor em divida por parte da executada B…, (cfr. doc. n.º 25 a 32, com estas alegacões).
Após deliberação e votação por parte dos credores, foi o mesmo aprovado e homologado judicialmente. (cfr. doc. n.º 33 a 42, com estas alegações).
Acresce também que, a exequente no concernente ao mesmo contrato de locação, contudo, com outro titulo a escritura notarial, pedindo a entrega e posse da quinta, através de uma Providencia Cautelar, decidido judicialmente pela suspensão da mesma até deliberação dos credores sobre o PER.
IV. Nestes autos consta como FACTOS PROVADOS:
O exequente é o E… - ALINEA A);
A mesma é legítima possuidora de uma livrança nº. ……………… na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05 e data de vencimento de 2014/06/13 no valor de 222.959,90 (cfr. doc. de fls. 11 dos autos principais) - ALÍNEA B);
A subscrição da referida livrança destinou-se a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-.. (cfr. doc. nº. 1 - fls 16 e ss dos autos principais) - ALÍNEA D);
V. E, dos FACTOS NÃO PROVADOS com relevância para a boa decisão:
Da RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS enviada ao Exmo. Administrador Provisório Insolvência dado como provado no processo PER conta o seguinte:
O exequente é o E… - ARTIGO 1º;
A RECLAMANTE é legítima possuidora de uma livrança nº. ……………… na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05 e data de vencimento de 2014/06/13 no valor de 222.959,90 euros, ARTIGO 2°;
A subscrição da referida livrança destinou-se a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., ARTIGO 5°. (cfr. doc. nº. 25 a 32. com estas alegacões).
O exequente é o E… - ALÍNEA A);
A mesma é legítima possuidora de uma livrança nº. ……………… na qual se encontro aposta a data de emissão 2012/03/05 e data de vencimento de 2014/06/13 no valor de 222.959,90 (cfr. doc. de fls. 11 dos autos principais) - ALÍNEA B);
A subscrição da referida livrança destinou-se a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., (cfr. doc. nº. 1 - fls 16 e ss dos autos principais) - ALÍNEA- D);
VI. Dos FACTOS NÃO PROVADOS com relevância para a boa decisão:
Da RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS enviada ao Exmo. Administrador Provisório Insolvência dado como provado no processo PER conta o seguinte:
O exequente é o E… - ARTIGO 1º;
A RECLAMANTE é legítima possuidora de uma livrança nº. ……………… na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05 e data de vencimento de 2014/06/13 no valor de 222.959,90 euros, ARTIGO 2°;
A subscrição da referida livrança destinou-se a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., ARTIGO 5°, (cfr. doc. nº. 25 a 32, com estas alegações)
VII. São temas do presente recurso:
- Da falta de fundamento para a resolução contratual;
- Do preenchimento abusivo da livrança e;
- Plano Especial de Revitalização (Aprovado pelos Credores);
VIII. Sobre a resolução contratual a mesma não se verificou. Vejamos.
Como o ultimo aditamento ao contrato de locação a 04 de Janeiro de 2014 ficou contratualmente aceite que, a promitente e aqui executada/recorrente B…, tinha um ano de carência; O contrato de locação reiniciava as suas “prestações” a 05 de Janeiro de 2015. Deu-se com PROVADO que a executada mesmo assim, durante o ano de 2014 efetuou pagamentos referente ao contrato de locação nº. ………….-.. Em 21/03/2014 a quantia de €2.723,24. Em 10/04/2014 a quantia de €2.733,94. Em 03/06/2014 a quantia de €2.733.94. Em 09/07/2014 a quantia de €2.733,94. Em 25/07/2014 a quantia de €2.733.94. Em 03/09/2014 a quantia de €2.733.94. Em 08/10/2014 a quantia de €2.733,94, Tudo conforme os documentos e FACTOS PROVADOS - ALÍNEA J). Foi aposta a data na livrança entregue em branco à exequente/recorrida de 2014-06-13, - FACTOS PROVADOS - ALÍNEA B) Conforme FACTOS PROVADOS o contrato celebrado entre a locadora e locatária não foi, até ao momento, objeto de resolução, (cfr. doc. de fls. 92 e 93 e 9° do requerimento inicial) - ALÍNEA K).
IX. Não se deu a resolução contratual. o contrato celebrado entre locadora e locatária não foi, até ao momento, objeto de resolução.
X. Com efeito, não podia a exequente preencher a livrança em branco e dar à execução em que a mesma serve de título executivo.
XI. Assim, a exigência da data da emissão de uma livrança destina-se a determinar, através do título cambiário, a capacidade do subscritor no momento da emissão.
XII. Quem emite uma letra incompleta ou em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos.
XIII. Sendo fixada pela exequente a data vencimento aposta na livrança, quando se não deu a resolução contratual, tal facto determina a nulidade dessa menção, tudo se passando como se o título não estivesse preenchido com a data em que foi vencido.
XIV. Como a data de emissão do título executivo (Livrança em Branco) foi violado o Pacto de Preenchimento acordado: Vejamos: Na Cláusula 5ª do Adicional ao Contrato de Locação Financeiro, foi acordado entre exequente e executados, aceitar o estipulado na Cláusula 10ª das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira, na qual os executados autorizavam a exequente a preencher as livranças nas condições estipuladas nessa mesma cláusula e a manter o seu aval na dita livrança, nas condições e termos do contrato celebrado em 05/03/2012 e do presente Adicional, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança, nos termos do número anterior, ou seja, em caso de incumprimento e nas condições estipuladas na referida Cláusula 10ª. Por isso, não se compreende que a exequente tenha escrito na livrança que a data de emissão era a data de 05/03/2012, já que no Adicional de 29 de Janeiro de 2014, os executados deram consentimento à exequente para o preenchimento da livrança, ou seja, passados cerca de 2 anos sobre a data de emissão da livrança. O que desse facto terá obrigatoriamente de concluir, é que a 29 de Janeiro de 2014, data em que foi acordado e elaborado o Adicional ao contrato, a data da emissão e vencimento da livrança dada à execução, já haviam sido escritas pela exequente, isto ao contrário do que haviam acordado, pois que, como já se referiu, a exequente só estava autorizada a preencher essa livrança em caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos executados (nº. 10.1 da Cláusula 10ª das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira e Cláusula 30ª do Adicional ao contrato).
XV. O que invalida o título cambiário, que não pode produzir efeitos como livrança.
XVI. A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º n.º 1, do C. C., de simples interpelação ao devedor.
XVII. Mas a prestação não é exigível, quando não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como acontece com uma obrigação de prazo certo, em que este ainda não decorreu.
XVIII. Do preenchimento abusivo da livrança, se o título cambiário está no domínio das relações imediatas, não valem as regras da abstracção, literalidade e autonomia.
XIX. Acontece que, in casu, está provado que o recorrente B… está em PER e que o mesmo foi aprovado e homologado pelo Processo 2828/15.8T8STS - COMARCA DO PORTO, Santo Tirso - Inst. Central – 1ª Secção Comércio – J1. Processo Especial de Revitalização como, pelo Processo 288/1!5.2T8PVZ (Providência Cautelar) ¬ Póvoa de Varzim - Inst. Central – 2ª Secção Cível – J5, Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim através de uma providência cautelar declarada judicialmente suspenso, quanto à entrega e posse dos imóveis em locação.
XX. Situação que a recorrida sabe que, através de três situações distintas, “ESCRITURA PÚBLICA (Providencia Cautelar - Tribunal da Póvoa de Varzim), LIVRANÇA (Execução comum - Tribunal Execuções da Maia) e Reclamação Créditos junto do PER (Tribunal do Comércio de VN Famalicão) com a mesma LIVRANÇA dos presentes autos.
XXI. Tudo, abarca e deriva do mesmo CONTRATO de LOCAÇÃO dos imóveis ali referidos.
XXII. Contudo a exequente preencheu a livrança em branco, indevidamente.
XXIII. O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário no que respeita aos elementos que habilitam a formar o título executivo, estabelecendo os requisitos que tornam exigível a obrigação cambiária.
XXIV. O preenchimento deve respeitar aquele pacto - no fundo o contrato que deve ser pontualmente cumprido - já que a sua observância, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.
XXV. Para que o credor possa executar o seu crédito, deve ele ser certo, líquido e exigível, requisito este que se liga ao vencimento da obrigação.
XXVI. O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário - artigo 30.º da LULL - garante, por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é, assim, uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.
XXVII. Tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento, pode ele opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio das relações imediatas.
XXVIII. Por fim, o Plano Especial de Revitalização, como acima aduzido a executada principal e aqui recorrente B…, apresentou-se ao PER.
XXIX. Na data destas alegações foi decidido pelos credores a “aprovação do Plano” faltando a homologação judicial.
XXX. Com efeito, o presente recurso interposto deve merecer acolhimento, uma vez que a decisão recorrida não está conforme o Direito e não representa a correta aplicação da Justiça à pretensão formulada pelos recorrentes, pelo que, merece censura e é justamente colocada em crise.
XXXI. Assim, estabelece o n.º 1, do artigo 17.º-E do CIRE que: A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º -C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando a este preveja a sua continuação”.
XXXII. A execução para pagamento de quantia certa visa obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária em falta por porte do executado, ou seja, visa única e exclusivamente a cobrança de uma dívida ao devedor de forma coerciva.
XXXIII. Considera-se óbvio que as ações para cobrança de dívida referidas no n.º 1 do artigo 17.º E do CIRE, incluem as ações executivas, sendo aplicável às execuções a figura da extinção prevista no referido artigo em consequência da aprovação e homologação de plano de recuperação no âmbito de um PER, como é o caso dos presentes autos.
XXXIV. Estabelece o n.º 1 do artigo 810.º que, “O executado, o exequente e os credores reclamantes podem acordar num plano de pagamentos, que pode consistir nomeadamente numa simples moratória, num perdão, total ou parcial, de créditos, na substituição, total ou parcial, de garantias ou na constituição de novas garantias”.
XXXV. Acrescentando-se no n.º 2 do mencionado artigo que, ao acordo global aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 806.º e no nº. 1 do artigo 807.º.
XXXVI. O n.º 1 do artigo 807.º do CPC, com a redação introduzida pela Lei nº. 41/2013 de 26 de junho, estabelece que, “Se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor ... “
XXXVII. As mencionadas redações dos artigos 807.º e 810.º resultam da entrada em vigor da Lei nº. 41/2013, ocorrida em 1 de setembro de 2013 (Novo Código de Processo Civil).
XXXVIII. O plano de revitalização da executada foi aprovado pelos credores disposições semelhantes as dos artigos 807.º e 810.º do atual CPC.
XXXIX. Devia, a extinção da presente execução ocorrer de imediato com o trânsito em julgado da sentença que homologou o plano de revitalização aprovado no PER, sendo posteriormente alvo de confirmação por sentença proferida nos presentes autos.
XL. As disposições constantes dos artigos 807.º e 810.º do CPC aplicam-se única e exclusivamente aos acordos celebrados em processos executivos, não se prevendo no CIRE qualquer remição para aplicação destes artigos quer relativamente às insolvências quer quanto aos processos especiais de revitalização.
XLI. No âmbito dos processos especiais de revitalização, os próprios credores gozam da liberdade de sugerir à devedora a inclusão de garantias reais sobre determinados bens para proteção dos seus créditos, sendo comum a aprovação de planos de revitalização condicionados à concretização de garantias reais sobre património da devedora para salvaguarda de determinados créditos.
XLII. Ora, se o plano de revitalização nada diz, tal significa que não foi intenção dos credores utilizar o benefício previsto na parte final do mencionado artigo.
XLIII. O plano de revitalização não tinha que conter qualquer referência à presente execução nem prever a sua extinção, uma vez que este efeito decorre diretamente da lei.
XLIV. A executada poderá alienar ou onerar qualquer bem da sociedade ao qual não seja conferida garantia no âmbito do PER, sob pena de, no limite, ficar impedida de prosseguir a sua atividade industrial e comercial, o que contraria os objetivos do PER e do plano de revitalização.
XLV. O plano prevê única e exclusivamente as formas e condições de pagamento aos credores, gozando a executada do poder-dever de gerir o seu património da forma mais sensata com o intuito de manter todas as condições económicas para dar cumprimento ao plano, sendo certo que fica sujeito à fiscalização do Administrador provisório.
XLVI. Caso os argumentos apresentados pela na ação executivos pela recorrida merecessem qualquer credibilidade, corríamos o risco de violar o disposto no CIRE relativamente ao PER, impedir a concretização dos objetivos a que se destina um processo desta natureza, condicionar o exercício da atividade económica da empresa e a possibilidade de dar cumprimento ao plano de pagamentos, bem como e acima de tudo, colocar-se-ia em causa a posição e expetativa da maioria dos credores que aprovou o plano de recuperação nos moldes e com as condições dele previstas.
XLVII. Mais, até o pedido formulado pela executada/recorrente de suspensão de execução, viola claramente a lei, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do artigo 17.º - E do CIRE, pelo que não devem merecer qualquer provimento, deve, sim, ser declarada extinta a execução.
XLVIII. “O Plano de recuperação constante do PER, junto aos autos a fls. e ss., ainda que prevendo a reestruturação do passivo e os planos de pagamento aos credores, nada prevê sobre (a continuação) das ações judiciais e executivas em curso contra a executada”
XLIX. A Lei 16/2012 de 20 de abril, veio introduzir, no domínio do direito da insolvência e integrando-o no CIRE (Capítulo II do Título I, artigos 17.º A a 17.º I), um novo processo especial, que chamou “processo especial de revitalização”.
L. Concluídas as negociações com a aprovação (unânime ou maioritária, esta nos termos previstos no artigo 212.º) do plano de recuperação, este é remetido ao tribunal para, sendo o caso, ser homologado, o que deve acontecer no prazo de 10 dias (artigo 17.º-F. n.ºs 1 a 5) e “a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (...)” - n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE.
LI. As ações em curso (quaisquer ações para cobrança de dívidas instauradas contra o devedor) extinguem-se “logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” - artigo 17.º -E. n.º 1, parte final.
LII. Resulta claro da lei, e como, salvo melhor saber, decorre dos normativos citados que as ações destinadas à cobrança de dívidas contra o devedor: a) não podem ser instauradas, depois de proferido o despacho que nomeia o administrador judicial provisório depois; b) suspendem-se (naturalmente se já instauradas) no período negocial e c) extinguem-se com a aprovação e homologação do plano de recuperação. (c)1) salvo quando este plano preveja a sua continuação. De igual modo, os processos de insolvência instaurados suspendem-se (desde que não tinha sido proferida sentença declaratório da insolvência. e extinguem-se logo que aprovado e homologado o plano de recuperação (artigo 17.º - E, n.º 6).
LIII. As ações previstas, que não podem ser instauradas, que se suspendem ou que se extinguem são (refere o artigo 17.º E. n.º 1) “quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor. Ações declarativas e ações executivas. Ainda que criticando a desadequação da norma, mormente nos casos dos créditos litigiosos, e a sua redação, quando comparada com a do artigo 88.º do CIRE (mormente depois dos aditamentos resultantes da Lei 16/2012), Catarina Serra (Ioc. cit., pág. 99) é muito clara: “Contrastando com a cuidadosa redação atual do artigo 88.º, o texto do n.º 1 do artigo 17.º E vem permitir, na parte final, que estas ações de cobrança de dívidas (entenda-se: declarativas e executivas) que estão suspensas se extingam quase irrestritamente: logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” (sublinhado nosso).
LIV. Com todo o respeito, não vemos como podia interpretar-se de modo diverso o citado n.º 1 do artigo 17.º -E do CIRE, na sua parte final. Claramente, a lei escolheu a opção de extinção e claramente se refere a quaisquer ações, não podendo entender- se como estariam afastadas dessa previsão as ações executivas, atendendo também às finalidades e razão de ser deste processo especial, que visa a recuperação do devedor.
LV. Acrescentamos mesmo que as ações executivas serão exatamente as que menos dúvidas suscitam, quando se pergunta quais as ações abrangidas pela extinção, uma vez aprovado e homologado o plano de recuperação, em sede de PER. Justamente, e como refere Catarina Serra (loc. cit.. pág. 100), ainda que não seja “possível outra leitura do artigo 17.º - E” é para os titulares de créditos litigiosos que o recurso ao PER representa “uma hipótese verdadeiramente temível”, uma vez que tais créditos, eventualmente contestados, podem ser “excluídos do plano e os respetivos titulares (têm) de repetir todos os esforços para ver os seus créditos alguma vez reconhecidos”.
LVI. Com o novo diploma, como se vê, determinou-se a extinção da execução, em lugar da sua simples suspensão e atribuiu-se ao credor/exequente o benefício da conversão automática da penhora em hipoteca ou penhor, desde que o mesmo declare que daquela não prescinde.
NESTES TERMOS.
E nos melhores de direito que Vªs. Exas. doutamente suprirão, deve a matéria dada com provada na douta sentença recorrida ser reapreciada e revogada, mormente, quanto à manutenção da execução comum dos presentes autos, ser a mesma declarada extinta, pelas exceções e razões aduzidas nestas alegações e conclusões, como é de inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver consistem em conhecer:
Da alegada falta de fundamento para a resolução do contrato subjacente ao título exequendo;
Do invocado preenchimento abusivo da livrança exequenda;
Quais as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização (Aprovado pelos Credores), apresentado pela embargante/executada/recorrente/B…, Lda. (enquanto factos novos apresentados em Juízo, suportados em documentos juntos aos autos), quanto ao crédito reclamado na execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, importando, assim, e em que medida, subsunção jurídica diversa da sentenciada?

II. 2. Da Matéria de Facto

Em 1ª Instância foram considerados como provados, por mera decorrência dos documentos juntos aos autos e com relevância para a decisão do litígio, os seguintes factos:
a) O Exequente é uma instituição de crédito que se dedica à actividade bancária com intuito lucrativo (1º do requerimento executivo).
b) O Exequente é o legítimo portador da livrança nº ………………, na qual se encontra aposta a data de emissão de 2012/03/05, a data de vencimento de 2014-06-13, no valor de € 222.925,90 (cfr. doc. de fls. 11 dos autos principais, cujo teor se tem por reproduzido).
c) A livrança referida em b) foi subscrita pela executada B…, Ldª e avalizada pelos executados C… e D…, mediante aposição, no verso da livrança, das respectivas assinaturas, precedidas da expressão “Bom para aval à firma subscritora” (cfr. doc. cit. em b) supra).
d) A subscrição da referida livrança destinou-se a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária n.º …-..-……-. celebrado entre a Exequente e o devedor B… na qualidade de devedor principal e os executados, na qualidade de avalistas, datado de 05.03.2012 (cfr. doc. n.º1 – fls. 16 e ss. – cujos demais termos se dão por reproduzidos).
e) Do referido contrato, assinado pelos executados, consta, na cláusula décima das condições particulares, sob a epígrafe “Convenção de Preenchimento de Livrança” que o locatário subscreveu e entregou à locadora uma livrança em branco, que a locadora fica desde já autorizada a preencher, em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações assumidas pelo locatário, estipulando-se, na alínea b), que, em caso de opção pelo ressarcimento dos direitos de crédito da locadora, o preenchimento será feito pelo montante determinado nos termos do número 7 da cláusula 15ª das condições gerais, acrescido do montante a descoberto eventualmente gerado na conta D.O. associada ao contrato por força do pagamento de prémios de seguros devidos pelo locatário; mais se estipulou que a livrança é pagável no trigésimo dia contado da data de vencimento do contrato, podendo a locadora acrescentar ao valor da livrança os juros contados desde o vencimento do contrato até ao vencimento da livrança, declarando expressamente os executados C… e D…, segundo e terceiro outorgantes, acordar na prestação do aval nas condições e para os efeitos previstos no contrato, datado de 05.03.2012, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança (doc. cit. fls. 41 e 42).
f) Do contrato designado como “Adicional ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ……………”, celebrado entre exequente e executados, foi declarado pelos outorgantes, nos ponto III e IV, que:
1. O contrato (já identificado) se encontra titulado por documento particular ao qual se encontra anexa uma livrança a ser preenchida nas condições nele estabelecidas, subscrita pelo locatário e avalizada pessoalmente pelos segundos e terceiros outorgantes;
2. O locatário e a E… acordaram um período de redução das rendas por 12 (doze) meses e aumento do prazo contratual em 120 (cento e vinte) meses, a contar de 05.01.2014.
g) Em consequência do referido em f) pelos contraentes e nas respectivas qualidades foi expressa a vontade unânime de celebrar o apontado adicional, segundo o qual, de acordo com a cláusula primeira, na sequência do pedido formulado pelo locatário, os contraentes acordam, nas respectivas qualidades, um período de carência de capitas nas rendas durante o período de 12 (doze) meses, a contar de 05.01.2014 (…) em consequências é feito o recálculo das rendas, acordando a E… e o locatário alterar o conteúdo da cláusula terceira e os pontos 1 e 4 da cláusula quarta das condições particulares do mencionado contrato que passam a ter a seguinte redacção “Cláusula Terceira (Prazo contratual) – 3.1. 300 (trezentos) meses; Cláusula Quarta (Rendas) 4.1. Número 288 (duzentos e oitenta e oito rendas); 4.4. Montante de 12 rendas, a contar de 05.01.2014: 2.723,24 EUR (dois mil, setecentos e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos); montante das demais 266 rendas subsequentes: 3.590,66EUR (três mil quinhentos e noventa euros e sessenta e seis cêntimos) – cfr. doc. cit.
h) Da cláusula segunda do citado adicional ao contrato consta que as alterações acordadas produzem efeitos a contar de 05.01.2014, até termo do prazo contratual, sem prejuízo dos feitos já produzidos.
i) Da cláusula quinta do citado adicional consta como teor que os contraentes declaram expressamente: a) aceitar o estipulado na cláusula 10ª das condições particulares do contrato celebrado em 05.03.2012, autorizando a E…, em caso de incumprimento, a preencher a livrança, nas condições estipuladas na mesma cláusula, tendo em conta os novos valores ora acordados (..)b) Manter o seu aval na dita livrança, para todos os efeitos, condições e termos do contrato celebrado em 05.03.2012 e do presente adicional, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança nos termos do número anterior (cfr. doc. cit.).
j) Para pagamento a efectuar à exequente, com identificação do contrato n.º………….-., a executada B… efectuou os seguintes depósitos; em 21.03.2014 a quantia de € 2.723,24; em 10.04.2014 a quantia de € 2.733,94; em 03.06.2014 a quantia de € 2.733,94; em 08.10.2014 a quantia de € 2.733,94 (cfr. doc. de fls. 50 a 53).
k) O contrato celebrado entre locadora e locatária não foi, até ao momento, objecto de resolução (cfr. doc. de fls. 92 e 93 e 9º do requerimento inicial).

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
II. 3.1. Da alegada falta de fundamento para a resolução do contrato subjacente ao título exequendo; Do invocado preenchimento abusivo da livrança exequenda; Quais as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização (Aprovado pelos Credores), apresentado pela embargante/executada/recorrente/B…, Lda., quanto ao crédito reclamado na execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, importando, assim, e em que medida, subsunção jurídica diversa da sentenciada? (1)
A demanda executiva, visa assegurar ao credor a satisfação do interesse patrimonial, entendido este no mais amplo sentido, contido na prestação não cumprida - n°. 4, do artº. 10°, do Código Processo Civil - e reconduz-se à actividade, por mor da qual os Tribunais visam, actuando por iniciativa e no interesse do credor, a obtenção coactiva de um resultado prático equivalente àquele que deveria ter sido oferecido pelo devedor, no cumprimento de uma obrigação, de tal sorte que o dever de prestar do devedor modifica-se e dá origem ao dever de indemnizar, neste sentido, Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra, 1994, página 161.
O objecto da acção executiva é sempre um direito a uma prestação, que quando reduzido a uma faculdade de exigência da prestação, designa-se pretensão.
Assim e porque a execução tem uma vocação instrumental, em face do direito material, a lei estabelece pressupostos processuais e condições processuais de procedência, para que seja possível admitir-se o exercício jurisdicional daquelas posições jurídicas subjectivas (direitos subjectivos e interesses legítimos).

Enquanto os requisitos processuais (a competência, a personalidade, a capacidade judiciária, a representação em juízo, o patrocínio, a legitimidade e o interesse em agir), resultam da acção executiva integrar-se no direito processual civil, as condições de procedência (o titulo executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação), são específicas da acção executiva.
O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado, neste sentido, Castro Mendes, apud, Acção Executiva, página 8, a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação, neste sentido, Teixeira de Sousa, apud, A exequibilidade, página 17. Note-se, aliás, que a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí se dispor a susceptibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afectem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda, “máxime”, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.
Dito de outra forma, a pretensão é exequível intrinsecamente se inexistir qualquer vício material ou excepção peremptória, que impeça a realização coactiva da prestação, por outro lado a pretensão é exequível extrinsecamente quando a exequibilidade radica na atribuição pela incorporação da pretensão, num título executivo, isto é, num documento que formaliza, por disposição expressa na lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida.
A lei adjectiva civil estabelece que todas as execuções têm por base um titulo, e é este que define o fim e os limites da acção executiva (art°. 10º nº. 5 do Código Processo Civil), e que nos termos da enunciação do artº. 703º, do Código Processo Civil dispõe “À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão. Todavia, convém ter em atenção que não obstante o titulo ser condição necessária, não é hoje condição suficiente.
Destes considerandos retira-se a necessidade de apreciar a qualidade do título exequendo para, de acordo com a lei adjectiva civil, determinar quais os fundamentos de oposição à execução, na medida em que qualquer executado pode opor-se à execução. “O risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efectivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução”, neste sentido, Anselmo de Castro, apud, A Acção Executiva Singular, Comum e especial, 3ª edição, 1977, páginas 46/47.
Dir-se-á, pois, que o título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em embargos/oposição que venha a deduzir à acção executiva.
Quer se considere os embargos como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, neste sentido, Lebre de Freitas, apud, A Acção Executiva, página 162, o certo é que os embargos à execução consubstanciam o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção. A este propósito, refere Lopes Cardoso, apud, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressão, 1992, página 250 “pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do titulo, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção”.
Enunciadas estas breves notas sobre os títulos executivos, atentemos ao caso “sub iudice” começando por adiantar que as questões que nesta sede de recurso se colocam, recortadas das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, identificam-se (com excepção do conhecimento das repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização [Aprovado pelos Credores], apresentado pela embargante/executada/recorrente/B…, Lda., quanto ao crédito reclamado na execução a que os presentes embargos de executado estão apensos), com aqueloutras já colocadas ao Tribunal recorrido, que veio a julgar improcedente os presentes embargos à execução.
No caso em escrutínio, a sentença proferida em 1ª Instância revela domínio dos conceitos e institutos jurídicos atinentes à decisão da causa, sendo inteligível o processo cognitivo trilhado pelo Tribunal “a quo”, sustentado numa lógica que julgamos congruente, o que não significa, porém, face à alegação e prova de novos factos sustentados em documentos, juntos aos autos em momento posterior à prolação da sentença recorrida, estarmos de acordo com a manutenção da decisão tomada em 1ª Instância.
Vejamos.
Ao problematizar as questões a decidir nestes embargos à execução, devidamente segmentadas no aresto em escrutínio, o Tribunal “a quo” considerou: “Questões a decidir. Importa apurar se: - existe violação da convenção de preenchimento da livrança celebrada entre exequente e executados, com consequente invalidade parcial do título; - a obrigação exequenda se encontra ferida de inexigibilidade.”
Para o efeito arrazoou o Tribunal apelado, e com utilidade “(…) Analisados os fundamentos dos embargos deduzidos, tendo em conta que em nenhum momento é posta em causa a autenticidade das assinaturas apostas na livrança dada à execução ou o teor do contrato e do seu adicional cujas obrigações a livrança em questão visou garantir, verifica-se que, essencialmente, é entendimento dos embargantes (…) preenchimento abusivo da livrança (quanto à data de emissão e de vencimento).
(…) A questão colocada assenta na chamada “excepção de abuso de preenchimento” alegando os executados que a exequente, usando um título assinado em branco, o preencheu de forma contrária à acordada, num momento em que a obrigação ainda não se encontrava vencida e desrespeitando a efectiva data de emissão.”

Com efeito, e neste particular, sustentou o Tribunal recorrido “Desde logo, no que respeita à data de emissão, é incompreensível o alegado pelos embargantes. O momento em que a livrança é emitida é o momento originário de celebração do contrato cujas obrigações visa garantir, sendo esta data certa e definida, nada obstando a que seja de imediato aposta na livrança. Contrariamente ao que sucede com a data de vencimento (que depende de vicissitudes não previsíveis no momento de celebração do contrato) ou com o valor (afecto à existência e dimensão do eventual incumprimento das obrigações), a data de emissão corresponde à data em que é assinada e entregue ao portador, logo, à data em que foi originariamente celebrado o contrato de locação.
(…) Para ficarem cambiariamente obrigados, bastou que os embargantes tivessem aposto a sua assinatura como subscritora ou avalistas da livrança exequenda, mesmo estando esta em branco.
Os embargantes intervieram directamente nos contratos que constituem relação subjacente à emissão da livrança, do qual consta uma cláusula que compreende o chamado “acordo de preenchimento”, transcrito nos factos provados.”
Outrossim, argumentou o Tribunal apelado que “Os embargantes referem que apenas teriam que iniciar os pagamentos 05.01.2015, já que, no adicional do contrato, foi acordado um período de carência de capital e rendas durante o período de 12 meses.
Tal alegação é, porém refutada pelo próprio documento junto, já que do seu teor expressamente resulta ter sido acordado um período de carência de capital, sendo precisamente por não existir carência de juros que o valor das prestações foi recalculado para esse primeiro ano de carência, como aliás bem compreenderam os embargantes, ao efectuarem os quatro depósitos documentados nos autos, assumindo o valor das primeiras doze rendas, únicas que apenas incluíam juros. Tais depósitos são, porém, irregulares, desrespeitando a periodicidade mensal acordada e justificando o invocado incumprimento contratual.
Tendo em conta que estamos perante um contrato reduzido a escrito, a regra de interpretação a aplicar é a prevista no art. 238º, n.º do Código Civil, que prevê as regras gerais de interpretação dos negócios formais, estabelecendo que nestes não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.”
Assim sendo, reconhece, congruentemente, o Tribunal recorrido que “(…) Ainda que aqui se procurasse fixar o sentido correspondente à vontade real das partes, não haveria, a nosso ver, que violar a demarcação dos supra-referidos limites pois, em aparência, existe no contrato sob apreciação uma coincidência entre o sentido declarado pelas partes e aquele que por elas foi realmente querido, tendo este tribunal, com o devido respeito, alguma dificuldade em integrar no texto do contrato firmado pelas partes o sentido interpretativo que os embargados lhe pretendem atribuir, já que este implica a introdução no texto contratual das expressão “e juros”, aludida no artigo 19º do requerimento inicial.
A existência de um clausulado que expressamente define o valor a pagar nos primeiros doze meses constitui elemento suficiente para abalar a alegação dos embargantes, já que, a ser integral o período de carência (capital e juros), nenhuma necessidade haveria se recalcular o valor a pagar nos primeiros doze meses, diferenciando a prestação devida nesse primeiro ano daquelas que seriam devidas nos meses subsequente, de valor superior, precisamente por já incluírem o valor proporcional de capital.”
Acresce, como muito bem se consigna no aresto apelado “Por outro lado, a resolução do contrato não é condição de preenchimento da livrança, como expressamente resulta do clausulado do próprio contrato (cláusula décima das condições particulares e décima quinta das condições gerais), que faz coincidir o incumprimento e a possibilidade de preenchimento da livrança com a alternativa opção da ressarcimento dos direitos de crédito da locatária, como sucedeu no caso em apreço. Não alegando os embargantes que pagaram as quantias devidas durante o primeiro ano de vigência do adicional do contrato, antes alegando pagamentos de algumas rendas, parte das quais não documentadas, existe incumprimento e verificação dos pressupostos de preenchimento da livrança (…) Se os embargantes não questionam de forma concreta a dimensão do incumprimento (designadamente alegando o pagamento), não alegam que o valor preenchido de algum modo é incoerente com a natureza da obrigação contraída ou excede os limites do acordado, que a relação fundamental (inquestionada) não permitia o preenchimento por aquele valor ou com aquelas específicas características, então teremos que concluir que fazem assentar a sua alegação exclusivamente na incorrecção das datas ou na incorrecta interpretação do contrato (ambas já arredadas como causa legítima de extinção da execução ou de inexigibilidade da obrigação), sendo que nenhum outro facto juridicamente relevante é verdadeiramente alegado. (…) cabendo (…) ao subscritor em branco demonstrar o quid com o qual o preenchimento é desconforme (…)”
Concluiu, assim, o Tribunal recorrido que “sendo a exequente legítima portadora de um título a que a lei confere força executiva, se este título foi (…) assinado pelos executados por ocasião de um contrato que não negam ter celebrado e por efeito do qual receberam um financiamento que igualmente não põem em causa, arredada que se encontra a interpretação pelos embargantes dada aos efeitos do aditamento celebrado, importa concluir pela inexistência de qualquer actuação abusiva da exequente e, consequentemente, que os embargos não têm conteúdo material que autorize a sua procedência, inexistindo alegação de factos que consubstanciem a actuação imputável à exequente, que, nessa medida, está autorizada a exercer o direito cartular titulado pela livrança dada à execução.”
Ao aprovarmos, no essencial, a sustentação vertida na sentença recorrida, entendemos realçar o enquadramento jurídico perfilhado pelo Tribunal “a quo” sublinhando que sendo o título dado à execução uma livrança em branco, enquanto título de crédito pelo qual o emitente (subscritor) promete incondicionalmente o pagamento a determinada pessoa (tomador), ou à ordem desta, de uma quantia certa em dinheiro, constando o seu regime jurídico dos artºs. 75º, a 78º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL), sendo regulada em tudo quanto ali não se preveja pelo regime jurídico das Letras – artº. 77º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL), importando (uma vez que o caso dos autos evidencia a chamada a Juízo de executados/embargantes avalistas) referenciar que o aval prestado é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador de aval) garante o pagamento da livrança por parte de um dos seus subscritores (avalizado). O aval configura uma obrigação pessoal autónoma, mantendo-se ainda que a obrigação do avalizado seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma e solidária, respondendo o avalista ao lado dos subscritores do título.
Sendo a livrança, para além de título de crédito, uma promessa pura e simples de pagar uma determinada quantia, está o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
Como já desenvolvemos, os embargantes/executados invocam o preenchimento abusivo do título em branco no qual se funda a execução constituindo, como tal, um facto impeditivo do direito do portador exequente, cabendo, mais uma vez sublinhamos, aos executados que apresentam os embargos à execução o ónus de alegação e prova de tal circunstância - artº. 10º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL) e 342º, n.º 2 do Código Civil, o que de resto, sufragando a argumentação aduzida no aresto apelado, não lograram demonstrar, sendo despiciendo, acrescentar o que quer que seja, a este propósito, dada a cristalina argumentação usada pelo Tribunal recorrido, para concluirmos que perante o acervo fáctico adquirido processualmente, é manifesto que os embargantes não lograram demonstrar que, sendo o título efectivamente incompleto no momento originário, a exequente/portadora violou o acordo através do qual as partes ajustaram os termos em que deveria concretizar e definir a obrigação cambiária, desde logo, data de emissão e de vencimento, além do respectivo valor do titulo, a par da enunciada e justificada circunstância de que a resolução do contrato subjacente à subscrição do titulo exequendo não é condição de preenchimento da ajuizada livrança, como resulta expressamente do clausulado do próprio contrato (cláusula décima das condições particulares e décima quinta das condições gerais), que faz coincidir o incumprimento e a possibilidade de preenchimento da livrança com a alternativa opção da ressarcimento dos direitos de crédito da locatária.
Assim, atendendo ao consignado quadro normativo e doutrinal e jurisprudencial citado no aresto sob escrutínio, por nós aprovado, conjugado com a facticidade demonstrada nos autos, entendemos que não merece qualquer censura a decisão posta em crise que reconheceu como infundada a alegada falta de fundamento para a resolução do contrato subjacente ao título exequendo, a par do invocado preenchimento abusivo da livrança exequenda.
Posto isto, impõe-se conhecer da última questão suscitada no recurso interposto, ou seja, quais as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização (Aprovado pelos Credores), apresentado pela embargante/executada/recorrente/B…, Lda., quanto ao crédito reclamado na execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, sem que não antes consideremos, mesmo que em breves traços, a questão da apresentação dos documentos que sustentam esta mesma questão, sendo que nos enunciados e juntos documentos, está consignado, e não impugnado pela Recorrida/exequente/embargada/E…, que a Apelante/executada/embargante/B…, Lda., apresentou em Juízo, em 1 de Setembro de 2015, Processo Especial de Revitalização, nos termos e para os efeitos do artº. 17º - A e seguintes do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - donde consta a reclamação do crédito apresentada ao Administrador Provisório da Insolvência ao PER, por parte da aqui Recorrida/exequente/embargada/E..., com valor condizente com o reclamado na acção executiva principal a que os presentes embargos estão apensos, em razão da subscrição da livrança exequenda que se destinou a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05, data de vencimento de 2014/06/13 e o valor de €222.959,90, outrossim, que à data da apresentação das alegações do presente recurso, já havia sido decidido pelos credores a aprovação do Plano de Revitalização, faltando a homologação judicial.
Vejamos.
Consabidamente, sublinhamos, o “thema decidendum” do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, importando, pois, não ser permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjectiva civil, concretamente, do estabelecido nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil.
Nos termos do artº. 639º, do Código de Processo Civil as alegações de recurso devem dividir-se em corpo das alegações, nas quais o recorrente deve expor todos os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o Tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente deve sintetizar as concretas questões que pretende que o Tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
No que respeita à junção de documentos estabelece o artº. 651º, nº. 1, do Código Processo Civil “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” preceituando, por seu turno, o artº. 425º, do Código Processo Civil “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Ora conjugando as preditas disposições adjectivas civis temos de reconhecer que não poderá ser questionada a admissibilidade dos documentos apresentados que sustentam a invocada questão, objecto de recurso, qual seja, as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização (Aprovado pelos Credores), apresentado pela embargante/executada/recorrente/B…, Lda., quanto ao crédito reclamado na execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, quanto mais não seja pela circunstância de se impor a este Tribunal de recurso o conhecimento oficioso de uma ocorrência retratada no apresentado documento, cuja apreciação e respectiva consequência, determinará o destino da presente demanda.
Na decorrência dos documentos apresentados em Juízo, cuja admissibilidade este Tribunal “ad quem” acaba de reconhecer, os Recorrentes/executados/embargantes pedem a reapreciação da decisão da matéria de facto, com o aditamento dos factos que dos mesmos decorre, com consequente revogação da sentença sob escrutínio, mormente, quanto à manutenção da execução comum dos presentes autos, que, em sua opinião, e pelas razões aduzidas nas conclusões do apresentado recurso, deverá ser declarada extinta.
Atentemos.
Os Apelantes/B…, Lda./C… e D…, ao questionarem a decisão sobre a matéria de facto, impõem a análise sobre se há fundamento legal para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, com ressalva dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, conforme consagrado nos termos do artº. 607º, n°. 5, do Código Processo Civil, essa matéria de facto é, em princípio, inalterável.
A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº. 662º, do Código Processo Civil, ou seja:
1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na lª Instância.
No caso em apreço, torna-se meridiano a aplicabilidade da previsão contida na parte final do n°. 1, do artº. 662º, do Código Processo Civil, pois que foram apresentados documentos novos supervenientes, cuja admissibilidade já foi reconhecida.
Importa ter presente, e desde já sublinhar que a finalidade do aludido dispositivo da lei adjectiva civil (artº. 662º do Código Processo Civil) é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, sendo que tal possibilidade tem de ser levada a cabo tendo sempre presente, e em momento algum desprezar, as normas jurídicas/processuais atinentes.
A sindicância à convicção do Julgador “a quo” a realizar por este Tribunal de recurso, contende, com a valoração dos documentos apresentados em Juízo aquando das alegações de recurso.
Analisemos, pois, a possibilidade de alteração da decisão de facto.
Cotejados os documentos apresentados, resulta, com interesse para a decisão da causa, a apresentação em Juízo, em 1 de Setembro de 2015, por parte da executada, ora embargante, B…, Lda., do Processo Especial de Revitalização, com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - donde consta a reclamação do crédito apresentado ao Administrador Provisório da Insolvência ao PER, por parte da aqui Recorrida/exequente/embargada/E…, com valor condizente com o reclamado na acção executiva principal a que os presentes embargos estão apensos, em razão da subscrição da livrança exequenda que se destinou a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05, data de vencimento de 2014/06/13 e o valor de €222.959,90, tendo sido decidido pelos credores a aprovação do Plano de Revitalização da requerente B…, Lda..
Assim, concluindo pelo conhecimento por parte deste Tribunal “ad quem” dos documentos juntos aos autos que consubstancia o aditamento à matéria de facto relevante para a decisão da causa, reiteramos, estar adquirido processualmente a apresentação em Juízo, em 1 de Setembro de 2015, por parte da executada, ora embargante, B…, Lda., do Processo Especial de Revitalização, com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - donde consta a reclamação de créditos apresentada ao Administrador Provisório da Insolvência ao PER, por parte da aqui Recorrida/exequente/embargada/E…, com valor condizente com o reclamado na acção executiva principal a que os presentes embargos estão apensos, em razão da subscrição da livrança exequenda que se destinou a garantir o pontual cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária nº. …-..-……-., na qual se encontra aposta a data de emissão 2012/03/05, data de vencimento de 2014/06/13 e o valor de €222.959,90, tendo sido decidido pelos credores a aprovação do Plano de Revitalização da requerente B…, Lda..
Debrucemos, pois, sobre quais as consequências que a apresentação em Juízo, por parte da executada, ora embargante, B…, Lda., do Processo Especial de Revitalização, com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - poderá ter no desenvolvimento da presente demanda.
O Processo Especial de Revitalização (PER) surge como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial português numa altura particularmente delicada do seu desenvolvimento, pretendendo afirmar-se, inequivocamente, como uma solução séria de reestruturação do tecido empresarial, com vista à viabilização e/ou recuperação do devedor.
Estabelece o artº. 17°-A, nºs. 1, e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (aditado pela Lei nº. 16/2012, de 20 de Abril), que “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”, e pode “ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação”.
Com o desiderato confesso, num momento especialmente crítico da economia do país, o legislador criou um instrumento jurídico de apoio e incentivo à recuperação e revitalização de toda e qualquer empresa tida por economicamente viável.
Neste contexto surge o aditamento ao Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), introduzido pela consignada Lei nº. 16/2012, de 20 de Abril, a qual consubstancia uma mitigação da finalidade precípua assumida no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (satisfação dos direitos dos credores), aproximando-se, assim, da anterior legislação falimentar onde estavam prevenidas figuras tendentes à consecução de propósitos tendentes à recuperação de empresa.
Na verdade, com a introdução do Processo Especial de Revitalização, no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a satisfação dos direitos dos credores deixou de assumir o lugar único que tinha, enquanto objectivo principal da figura da liquidação do devedor, passando, desde então, a revitalização do devedor a consubstanciar, também, um fim a ter em conta no âmbito do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, nomeadamente, no âmbito do Processo Especial de Revitalização, mudando, assim, o paradigma da legislação falimentar, conforme se colhe da leitura da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à já mencionada Lei 16/2012 (Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros).
Este tipo de processo especial destina-se a permitir ao devedor que, encontrando-se em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, estabelecer ajustes com os respectivos credores por forma a concluir com estes um pacto que vise a sua revitalização.
O Processo Especial de Revitalização assume-se como um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, sob a coordenação, direcção e escrutínio do administrador judicial provisório, com vista à prossecução do adiantado propósito traduzido no acordo que promova a reestruturação da empresa, permitindo a revitalização da mesma, podendo, a final, o plano de recuperação ser aprovado ou não aprovado, seguindo os termos do disposto nos art°s. 17°-F e 17º-G, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
Neste processo urgente de revitalização a vontade dos credores assume o primado, confiando-se, quase plenamente, nos mesmos, no administrador judicial, bem como, de certa forma, no devedor, no sentido de salvaguardarem os abusos nefastos para aqueles e para a saúde da economia, razão pela qual, temos de convir que a intervenção do Tribunal, neste processo urgente, é limitada, cabendo-lhe quase exclusivamente sindicar o cumprimento das normas aplicáveis enquanto pressuposto da homologação do plano, outrossim, observar as disposições que contendem com as regras procedimentais, impondo-se, nesta medida, ao Tribunal, antes de mais, uma vez instaurado Processo Especial de Revitalização e nomeado Administrador judicial provisório, retirar as consequências previstas no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), declarando suspensa a acção durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.
Assim.
Iniciado o procedimento de revitalização a requerimento do devedor, o tribunal competente nomeia um administrador judicial provisório (artº. 17º-C nºs. 1 e 3 alínea a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)), seguem-se a reclamação de créditos (artº. 17º-D, nº. 2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)), tendo em vista a formação do quórum deliberativo para votação (artº. 17º-F do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)), as negociações destinadas à elaboração do plano de recuperação participadas, orientadas e fiscalizadas pelo administrador provisório (artº. 17º-D, nº. 9 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)) e, concluídas estas, com a aprovação do plano, este é submetido ao Mmº. Juiz que o homologa ou recusa a sua homologação, por aplicação, com as necessárias adaptações, das regras aplicáveis ao plano de insolvência (artº. 17-F do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)).
Porque ao caso “sub iudice” interessa, sublinhamos decorrer das consignadas disposições legais que, uma vez levado a cabo a comunicação, pelo requerente, ao tribunal competente de que é sua intenção iniciar as negociações tendentes à sua recuperação, impõe-se, não só prolatar despacho a nomear administrador judicial provisório, mas também determinar, neste mesmo momento, que fica impedida a instauração de qualquer acção para cobrança de dívidas contra o devedor/requerente, a par de que, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, ficam suspensas, quanto ao devedor/requerente, as acções em curso com idêntica finalidade (artº. 17º-E nº. 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)), reconhecendo-se, assim, como imperativo, o decretamento desta suspensão da instância.

A suspensão dos processos traduz-se na “forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência. Ao mesmo tempo protege os credores, na medida em que evita que credores individuais utilizem a massa insolvente para a sua própria satisfação”, para concluir, mais à frente, que “ não obstante as falhas de regime, o PER concretiza, assim, o entendimento dominante, especialmente desenvolvido nos Estados Unidos, quanto ao processo de insolvência: (i) as diligências de salvamento de uma empresa devem ser tomadas suficientemente cedo para que ainda haja possibilidade de sucesso; (ii) deve ser concedido à empresa um “breathing space”, ou seja, um período durante o qual os credores não possam reclamar os seus créditos, para que as tentativas de recuperação sejam mais bem sucedidas; (iii) deve ser tomado em consideração um leque mais vasto de interesses, que envolverá todos aqueles potencialmente afectados pela insolvência, independentemente da qualidade de credores”, neste sentido, Madalena Perestelo de Oliveira, apud, O Processo Especial de Revitalização: O novo CIRE, páginas 718, 719 e 720, em Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) – número 3.
A propósito do decretamento da suspensão da instância de qualquer acção para cobrança de dívidas contra o devedor, perfilhamos o entendimento de que estão incluídas todas as acções que possam atingir o património do devedor.
“Embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa”, neste sentido, João Aveiro Pereira, apud, A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37, defendendo, em idêntico sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, apud, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, 2013, página 164/165 “todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias… também acções com processo especial e procedimentos cautelares”
Revertendo ao caso dos autos, e reconhecendo que o desfecho dos presentes embargos de executado, “máxime” a sua improcedência, terá necessariamente repercussões no património da Requerente do Processo Especial de Revitalização nº. 2828/15.8T8STS, que corre na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - a aqui embargante/B…, Lda., impor-se-á, sem reserva o afirmamos, mas somente quanto a esta (B…, Lda.), como melhor concretizaremos adiante, a suspensão da acção executiva a que os presentes embargos de executado estão apensos, e não mais do que este procedimento suspensivo, pois, são os próprios embargantes que consignam, na sua oposição à execução, que, pese embora já tenha havido deliberação e votação por parte dos credores, com aprovação do Plano de Revitalização, certo é que à data da apresentação das alegações do presente recurso, faltava a respectiva homologação judicial (observa-se que também não resulta dos autos qualquer documento que sustente a respectiva decisão judicial), razão pela qual, não se coloca, por ora, a questão da extinção da instância a que o legislador faz referência na segunda parte do artº. 17.º-E nº. 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) “(…) extinguindo-se aquelas [acções para cobrança de dívidas já instauradas contra o devedor, entretanto suspensas] logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
Uma vez reconhecido que se impõe a suspensão da acção executiva a que os presentes embargos de executado estão apensos, quanto à executada/embargante/B…, Lda., vejamos se os restantes executados/embargantes/C… e D…, beneficiam de idêntico regime de suspensão.
Cotejada a materialidade adquirida processualmente, divisamos que a livrança exequenda foi subscrita pela executada B…, Lda., sendo que os executados, C… e D…, apuseram, no verso da livrança exequenda, as respectivas assinaturas, precedidas da expressão “Bom para aval à firma subscritora”.
Como já adiantamos, o aval prestado é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador de aval) garante o pagamento da livrança por parte de um dos seus subscritores (avalizado), sendo que o aval configura uma obrigação pessoal autónoma, mantendo-se ainda que a obrigação do avalizado seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma e solidária, respondendo o avalista ao lado dos subscritores do título.
Os executados, C… e D…, com a aposição, no verso da livrança exequenda, das respectivas assinaturas, precedidas da expressão “Bom para aval à firma subscritora”, assumiram-se como avalistas e, nessa qualidade, garantem o pagamento da livrança exequenda, sendo solidariamente responsáveis por esse pagamento (artºs. 30º e 47º, “ex vi” artº. 77º, todos da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL)
Conforme também já reconhecido por este Tribunal de recurso, sufragando o entendimento perfilhado em 1ª Instância, a exequente/E…, enquanto legítima portadora do título exequendo, instaurou a execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, contra a subscritora da livrança exequenda e contra os enunciados avalistas, conforme lhe permite a respectiva lei substantiva (artº. 47º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL)).
Por outro lado, subjacente à emissão da livrança e aos avales prestados encontra-se um contrato de locação em que foi locadora a exequente/E…, enquanto instituição bancária, ora exequente, e locatária a ora executada/B…, Lda..
Consabidamente, é pacífico que a livrança comunga das características dos demais títulos de crédito, nomeadamente, autonomia, literalidade e abstracção.
A autonomia do título significa que este é “distinto do negócio subjacente ou de outras estipulações extracartulares”, neste sentido, Fernando Olavo, apud, Direito Comercial, volume II, Títulos de Crédito em Geral, 1977, página 30, sendo que a este propósito, Filipe Cassiano dos Santos, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142.º, páginas 329 e 330, defende que “a ideia de autonomia exprime que o aval não pode ser posto em causa com fundamento em quaisquer excepções causais, abrangidas aqui tanto as excepções relativas à relação em que participa o avalizado como as relativas à própria relação do aval – o aval vale por si, e a obrigação do avalista mantém-se ainda que a própria obrigação do avalizado não valha”.
A literalidade, por seu turno, exprime que o direito incorporado no título é um direito “cujo conteúdo, extensão e modalidade vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título”, neste sentido, Fernando Olavo, apud, Direito Comercial, volume II, Títulos de Crédito em Geral, 1977, página 25.
Por último, a abstracção representa que “a obrigação cartular não é afectada por circunstâncias que sejam relativas ao negócio que lhe deu causa e que excepções fundadas na chamada relação subjacente não são relevantes para questionar a existência, validade ou termos em que é exigível a obrigação”, neste sentido, Filipe Cassiano dos Santos, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142.º, página 327.
Das consignadas e definidas características mostra-se que a obrigação assumida pelos avalistas é distinta da obrigação subjacente à emissão do título.
A obrigação do avalista mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (artº. 32º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL)).
A nossa Jurisprudência já se pronunciou a propósito desta questão quando proferiu o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 7/2012, de 11 de Dezembro de 2012, publicado no Diário da Republica, 1ª série, de 21 de Janeiro de 2013, cujo teor destacamos “o avalista não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra.”
Subsumindo os factos adquiridos processualmente aos princípios acabados de enunciar fácil será concluir, como, aliás, concluímos, que a deliberação e votação por parte dos credores, com aprovação do Plano de Revitalização da Requerente/B…, Lda., ora embargante/executada, enquanto subscritora da livrança exequenda, situa-se no plano das relações extracartulares.
Nos presentes autos está em causa a obrigação cartular também assumida pelos embargantes/executados/C… e D…, que apuseram no verso da livrança exequenda, as respectivas assinaturas, precedidas da expressão “Bom para aval à firma subscritora”.
Os avalistas encontram-se obrigados ao pagamento da importância inscrita na livrança dada à execução a que os presentes embargos estão apensos, e não ao cumprimento das obrigações constituídas pela executada B…, Lda., enquanto subscritora do título, a favor de quem prestaram os avales, sendo que somente a obrigação respeitante à subscritora da livrança exequenda, B…, Lda., consta do Processo Especial de Revitalização, com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - com aprovação do Plano de Revitalização, e embora se conceda que a aprovação do PER faça nascer uma nova dívida, sempre se observará que esta nova dívida não respeita às obrigações cambiárias dos avalistas, atenta a autonomia destas.
Na verdade, diferentes são as obrigações e os devedores.
Na obrigação emergente da locação, a devedora é a B…, requerente do Processo Especial de Revitalização.
Nas obrigações cartulares são devedores, além da subscritora da livrança exequenda, B…, Lda., os garantes do respectivo pagamento, quais sejam, C… e D…, sendo que estes, enquanto avalistas não podem opor ao exequente/credora/E…, qualquer acordo que venha a ser homologado judicialmente, com trânsito em julgado, no Processo Especial de Revitalização, sendo inaplicável no caso o disposto no artº. 522º, do Código. Civil.
A autonomia das obrigações cartulares assumidas pelos embargantes/executados para com a exequente, através dos avales prestados implica que tais obrigações permaneçam intocáveis face ao acordo já aprovado pelos credores (mesmo que eventualmente homologado no processo de revitalização, e que ainda não está adquirido processualmente), conforme também decorre do artº. 217º, nº. 4, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), ao estatuir que “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos”.
Tudo visto, concluímos que a instauração do Processo Especial de Revitalização, com aprovação do plano de revitalização da subscritora da livrança exequenda, conquanto determine a suspensão da execução a que os presentes embargos de executados estão apensos, não é invocável, de todo, pelos respectivos avalistas contra quem a exequente/credora/E…, portadora legitima daquele título executivo, instaurou a execução a que estes embargos de executado estão apensos.
Cotejada a decisão apelada, e na decorrência do enquadramento jurídico perfilhado, uma vez interiorizada a facticidade apurada, concluímos que a decisão recorrida deverá ser alterada, em parte, merecendo, neste sentido, censura, e, na sua consequência, reconhecemos à argumentação aduzida pelos Recorrentes/Embargantes/Executados/B…, Lda., C… e D…, virtualidade bastante no sentido de alterar, em parte, o destino traçado em 1ª Instância que se traduziu na improcedência dos deduzidos embargos de executado.

III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)

1. O título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em embargos que venha a deduzir à acção executiva, sendo que, quer se considere os embargos como contestação à petição inicial da acção executiva, quer como uma contra acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, certo é que os embargos consubstanciam o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de excepção.
2. Sendo a livrança, para além de título de crédito, uma promessa pura e simples de pagar uma determinada quantia, está o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, cabendo aos executados que apresentam os embargos à execução o ónus de alegação e prova de qualquer circunstância que infirme a relação fundamental.
3. O preenchimento abusivo do título em branco constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cabendo ao executado que apresenta os embargos à execução o ónus de alegação e prova de tal circunstância, sendo que para o exequente basta a não demonstração de que o pacto de preenchimento foi incumprido.
4. Não poderá ser questionada a admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações de recurso, os quais sustentam a questão objecto do mesmo, qual seja, as repercussões do intentado Plano Especial de Revitalização, apresentado pela embargante/executada, quanto ao crédito reclamado na execução a que os embargos de executado estão apensos, quanto mais não seja pela circunstância de se impor ao Tribunal de recurso o conhecimento oficioso de uma ocorrência retratada no apresentado documento, cuja apreciação e respectiva consequência, determinará o destino da demanda.
5. Uma vez levado a cabo a comunicação, pelo requerente, ao tribunal competente de que é sua intenção iniciar as negociações tendentes à sua recuperação em Processo Especial de Revitalização, impõe-se, não só prolatar despacho a nomear administrador judicial provisório, mas também determinar, neste mesmo momento, que fica impedida a instauração de qualquer acção que possa atingir o património do devedor/requerente, a par de que, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, ficam suspensas, quanto ao devedor/requerente, as acções em curso com idêntica finalidade, reconhecendo-se, assim, como imperativo, o decretamento desta suspensão da instância.
6. A instauração do Processo Especial de Revitalização, com aprovação do plano de revitalização da subscritora da livrança exequenda, conquanto determine a suspensão da execução a que os embargos de executados estão apensos, não é invocável pelos respectivos avalistas contra quem a exequente/credora, portadora legitima daquele título executivo, instaurou a execução a que os embargos de executado estão apensos.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Embargantes/Executados/B…, Lda., C… e D….
Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:
1. Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pelos Recorrentes/Embargantes/Executados/B…, Lda., C… e D…, alterando-se, em consequência, a decisão recorrida no segmento que julgou improcedentes os embargos de executado, quanto à embargante/B…, Lda., importando, em sua substituição, a prolação de decisão que suspenda a execução a que os presentes embargos de executado estão apensos, quanto à subscritora do titulo exequendo e requerente do Processo Especial de Revitalização com o nº. 2828/15.8T8STS, a correr termos na Comarca do Porto - Instância Central de Santo Tirso - 1ª Secção Comércio - J1 - mantendo-se, em tudo o resto, o decidido em 1ª Instância.
2. Custas pelos Recorrentes/Embargantes/Executados/B…, Lda., C… e D… e Recorrida/Embargada/Exequente/E…, na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.
Notifique.

Porto, 30 de Maio de 2016
Oliveira Abreu
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro

(A redacção deste acórdão não obedece ao novo acordo ortográfico)