Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
51/15.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXEQUENDO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
EMENDA DA PARTILHA
MEIO
ILEGALIDADE
Nº do Documento: RP2017052251/15.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 651, FLS 257-261)
Área Temática: .
Sumário: I - Antes da vigência do atual regime do processo de inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de março, no então vigente Código de Processo Civil (artigo 52º do Código de Processo Civil), existia uma previsão especial sobre a exequibilidade das certidões extraídas do processo de inventário.
II - O artigo 6º, nº 2, da Lei nº 23/2013, de 05 de março, revogou essa previsão especial, passando o artigo 20º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela lei que se acaba de citar a conter a disciplina que constava do citado artigo 52º do anterior Código de Processo Civil.
III - A consequência jurídica aplicável ao erro de qualificação dos bens partilhados em processo de inventário é a prevista nos artigos 1386º e 1387º, do anterior Código de Processo Civil e nos artigos 70º e 71º do atual Regime Jurídico do Processo de Inventário – emenda da partilha – e não a invalidade do ato homologado, seja por via de declaração de nulidade, seja por via de anulação.
IV - Os embargos de executado não são o meio adequado para desencadear a emenda à partilha, dependendo esta ou do acordo das partes, no processo de inventário, ou da propositura e procedência da pertinente ação por apenso ao processo de inventário.
V - É pressuposto de admissibilidade da dedução de oposição à penhora que sejam penhorados bens da titularidade do executado e opoente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 51/15.0T8MAI-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 51/15.0T8MAI-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Antes da vigência do atual regime do processo de inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de março, no então vigente Código de Processo Civil (artigo 52º do Código de Processo Civil), existia uma previsão especial sobre a exequibilidade das certidões extraídas do processo de inventário.
2. O artigo 6º, nº 2, da Lei nº 23/2013, de 05 de março, revogou essa previsão especial, passando o artigo 20º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela lei que se acaba de citar a conter a disciplina que constava do citado artigo 52º do anterior Código de Processo Civil.
3. A consequência jurídica aplicável ao erro de qualificação dos bens partilhados em processo de inventário é a prevista nos artigos 1386º e 1387º, do anterior Código de Processo Civil e nos artigos 70º e 71º do atual Regime Jurídico do Processo de Inventário – emenda da partilha – e não a invalidade do ato homologado, seja por via de declaração de nulidade, seja por via de anulação.
4. Os embargos de executado não são o meio adequado para desencadear a emenda à partilha, dependendo esta ou do acordo das partes, no processo de inventário, ou da propositura e procedência da pertinente ação por apenso ao processo de inventário.
5. É pressuposto de admissibilidade da dedução de oposição à penhora que sejam penhorados bens da titularidade do executado e opoente.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 02 de junho de 2016, por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa nº 51/15.0T8MAI-A.P1, instaurada por B..., pendente na Instância Central da Maia, 2ª Secção de Execução, J1, C... deduziu embargos de executado e oposição à penhora, alegando para o efeito, em síntese, o seguinte:
- reconhece a existência da sentença exequenda e a falta de pagamento das tornas cuja execução coerciva é peticionada na ação executiva, justificando essa omissão com a alegação de que o acordo de partilha homologado por sentença padece de erro, por não ter sido considerada no inventário a necessidade de se proceder também à partilha dos bens comuns que haviam pertencido ao casal que havia sido formado (antes do divórcio) pelos pais do executado, carecendo a partilha de ser emendada, pelo que, enquanto a partilha não for emendada, não é devedor das tornas previstas no acordo homologado por sentença, sendo a sentença inexequível;
- não é proprietário do bem penhorado, nem o mesmo se acha na sua posse.
Recebidos liminarmente os embargos e citado o exequente para, querendo, contestar, o mesmo ofereceu contestação alegando que as razões invocadas pelo embargante para fundamentar os embargos deduzidos não preenchem nenhum dos fundamentos legais de oposição à execução baseada em sentença, concluindo pela total improcedência da oposição deduzida pelo executado.
Notificado da contestação, o embargante apresentou articulado reiterando quanto alegou no seu requerimento inicial, esclarecendo que os embargos se fundam em inexequibilidade do título exequendo.
Em 13 de dezembro de 2016, fixou-se o valor da causa em montante idêntico ao do valor da ação executiva, dispensou-se a audiência prévia e conheceu-se diretamente do mérito da causa[2], julgando-se totalmente improcedentes os embargos de executado e a oposição à penhora, alegando-se para o efeito, em síntese, o seguinte:
- as razões invocadas pelo embargante não integram nenhum dos fundamentos legais de oposição à execução fundada em sentença ou de oposição à penhora;
- a quantia exequenda é certa, líquida e exigível;
- não foram articulados factos concretos integradores de alguma nulidade ou anulabilidade do acordo de partilhas homologado, mantendo-se a eficácia do título exequendo até que eventualmente fique sem efeito por força de emenda ou anulação de partilha.
Em 18 de janeiro de 2017, inconformado com a decisão de improcedência dos embargos de executado e de oposição à penhora por si deduzidos, B... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida partiu de uma errada interpretação da prova produzida, como de uma errada interpretação da lei.
2. Acontece que, a execução em causa nos presentes autos, tem por base um título executivo, um acordo de partilha, homologado por sentença, que padece de um erro/vicio manifesto na descrição e qualificação dos bens suscetível de viciar a vontade das partes, tornando assim a sentença inexequível.
3. O executado, ora Recorrente é herdeiro legitimário juntamente com o seu irmão B..., do falecido senhor seu Pai E....
4. Á morte do E... foi aberta a sucessão e levada a cabo o inventário e acordo de partilha
dos bens do de cuiús.
5. Aberta sucessão foi nomeada cabeça-de casal a F..., mãe do B... e atual companheiro do autor da sucessão o então falecido E....
6. Por esta foi dito, que que os bens inventariados e levados á partilha se tratavam de bens próprios do falecido, pois este encontrava-se já divorciado da G..., mãe do Recorrente, e aquando do divórcio deste tinham procedido á partilha dos bens do casal.
7. Ora, falsíssimo.
8. De acordo com tal declaração foi homologado o Acordo de Partilha, que adjudica a C..., o Recorrente os bens que melhor constam de autos, ½ de um imóvel com o valor tributário no valor de €47.740,00 ficando este obrigado a pagar tornas ao seu irmão B... no valor de €12.500,00.
9. Ora, como á data, e ao contrário do que foi declarado pelo cabeça-de-casal, não se tinha ainda realizado a partilha dos bens comuns do casal, embora já divorciados, nunca a partilha poderia ter sido elaborada da forma como foi, pois os bens nela constante não eram bens próprios do autor da sucessão.
10. Assim verificados os pressupostos e objeto da sucessão, haveria de se ter tido em conta ao calcular o valor da herança a partilhar, o regime matrimonial de bens do de cuiús, e tendo estado o mesmo casado no regime de comunhão de adquiridos, era por isso perentório que tivesse entrado na calculo do ativo da herança, para além do valor dos eus ex-bens próprios, o valor do seu ex-direito á meação nos bens comuns do casal, bem como para calculo do passivo da herança deveria ter se tido em linha de conta os encargos próprios do então falecido e sua metade proporcional no valor dos encargos comuns.
11. Posto isto, deveria ter sido levado a inventário cada um dos bens dos cônjuges e qualifica-los como próprios ou comuns, ter se verificado as dívidas da responsabilidade de cada um dos cônjuges e a sua meação nas do casal, como ter se sabido de eventuais compensações ou créditos entre os cônjuges.
12. Sendo que só assim se poderia ter apurado de forma correta e precisa, para efeitos hereditários, qual
a massa ativa que abrangia os bens próprios do falecido e qual a sua meação nos bens comuns do casal como a massa passiva composta pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade e pela metade proporcional nas dívidas da responsabilidade comum de ambos os cônjuges.
13. Assim, bom é de ver que o acordo de partilha homologado por sentença, que serve de base (titulo executivo) á ação em causa nos presentes autos, padece de erro/vicio, irregularidade não podendo desta forma produzir os efeitos pretendidos.
14. Tanto assim é que não foi possível proceder ao registo do acordo de partilha que como bem justificou
o Sr. Conservador – “se não existe partilha pelo divórcio o que vai a inventário terá que ser a meação do casal e não a metade”, recusando-se a proceder ao já referido registo.
15. Acrescenta-se ainda que apesar de ter sido levado a cabo a Penhora do bem imóvel já referido e que melhor consta nos autos cf. Fls…, a mesma também não produz qualquer efeito jurídico visto que também não foi passível de ser registada.
16. Aliás o referido imóvel não é da propriedade do aqui Recorrente, e, a serem penhorados bens ao executado, ora Recorrente, teriam que ser penhorados bens de sua pertença.
17. Assim e conforme já se deixou alegado o acordo de Partilha homologado padece de erro/vicio. Erro na descrição e qualificação dos bens partilhados.
18. Erro que se consubstancia na forma como os bens foram inventariados, como sendo qualificados como bens próprios do de cuiús, não se tendo em consideração que não havia ainda sido realizada a partilha do casal com a consequente separação dos bens próprios e das respetivas meações, pois quando a partilha tem de envolver a meação do inventariado têm que ser relacionados e destinados os próprios bens que integram o património sobre que incide a meação.
19. Erro, esse que o Tribunal a quo desprezou ao proferir Saneador- Sentença, que salvo melhor opinião não deveria ter desprezado.
20. Pois encontramo-nos face a erro/vício de declaração por parte da então cabeça – de-casal, que inquinou todo o processo, suscetível de viciar a vontade das partes, conforme se encontra previsto no artigo 247º do Código Civil.
21. Nesta ordem de ideias leia-se os Acórdãos da Relação de Coimbra de 12-10-2010 e o do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2012 já acima transcritos e ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
22. Se o Acordo em causa nos presentes autos prevalecesse, como decidiu o tribunal a quo, ao improceder como improcedeu os embargos e a oposição á penhora, chegar-se –ia a um resultado anacrónico, dos interessados se manterem na indivisão, pois qualquer bem que receberam na partilha estará sempre em relação de indivisão com a meação não atendida no inventário.
23. Tal consubstancia um tamanho “ Absurdo”, salvo o devido respeito e melhor opinião.
24. Tanto assim é, que conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-
2012, disponível in www.dgsi.pt, “Na lei, são várias as normas que corroboram a bondade do que acaba de ser dito. Por exemplo (e isto para citar apenas dois exemplos), no artigo 1689º do CC prevêem-se pagamentos e recebimentos sobre o património comum, e tal, em processo de inventário subsequente á cessação das relações patrimoniais (designadamente por falecimento de um dos cônjuges, como é o caso) só é factível se tal património (e não apenas a meação do inventariado) for atendido; e no artigo 1381 do CPC claramente se pressupões que a meação do cônjuge sobrevivo tem de ser considerada no inventário. E na doutrina, veja-se o que se retira de Lopes Cardoso (ob. Cit., Vol. I, P.412 e Vol. II, p.348) ou de Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, II, p.154 e 155), o que tudo, a contrário, não significa senão o entendimento de que deve ser levado ao inventário o património que integra a comunhão dos cônjuges e não apenas a meação do inventariado.”…
25. Pelo que e de acordo com o que se deixou alegado, o facto de haver uma decisão homologatória de partilha nos presentes autos, e padecendo a mesma de uma irregularidade, erro/vicio na descrição e qualificação dos bens suscetível de viciar a vontade das partes, sendo por isso um erro relevante, a sentença sendo inexequível, não podendo, desta forma, servir como titulo executivo á ação em questão nos presentes autos.
26. Assim sendo, não se prevê outra solução por modo a bem concluir os presentes autos que não seja, a emenda da partilha nos termos e de acordo com o artigo 70º e segs., do Regime Jurídico do Processo de Inventário.
27. Em modo de conclusão acresce apenas referir que a sentença com que, normalmente, culmina o inventário não tem amplitude de cognoscibilidade da sentença proferida em processo comum. Ela serve apenas para homologar a partilha e ordenar o pagamento passivo aprovado ou reconhecido.
Neste sentido, o Ac. Do STJ de 21-11-2002.
28. “Por outro lado, nem o respetivo trânsito em julgado tem a força do da sentença comum, pois que a partilha pode ser emendada e anulada depois desse trânsito, nos termos dos artigos 1386º e seguintes do Código de Processo Civil”- cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-11-2007, disponível in www.dgsi.pt.
29. E que, no caso dos presentes autos urge reconhecer ter que se fazer, improcedendo como tem de improceder a Ação Executiva e consequentemente ser levantada a Penhora ao já referido imóvel, mesmo porque este não é de pertença do executado, ora Recorrente.
30. Pelo que se impõe a revogação da decisão em crise.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Atenta a natureza estritamente jurídicas das questões decidendas e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo, decidiu-se dispensar os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.,
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da inexequibilidade do título exequendo;
2.2 Da ilegalidade da penhora do imóvel por não ser da titularidade do embargante.
3. Fundamentos de facto[3] exarados na decisão recorrida que não foram impugnados e que se mantêm por não se verificar qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa, aditando-se ainda um outro facto resultante da prova documental autêntica junta aos autos
3.1 Factos provados
3.1.1
O exequente apresentou à execução, como título executivo, a sentença proferida,
em 07.02.2011 e transitada em julgado em 17.02.2011, no âmbito dos autos de inventário com o n.º 4050/06.5TBMAI, por óbito de E... e onde eram interessados os ora exequente e executado, a qual decidiu homologar o acordo onde se consignou, entre o mais, que:
4) O interessado C... dará tornas ao interessado B... no valor de 12.500,00 euros.
5) As tornas referidas em 4) serão pagas no prazo de 60 dias...”.
3.1.2
No acordo antes mencionado, os interessados requereram a retificação da verba nº 12 da Relação de Bens, passando a constar apenas como ½ da fração autónoma aí descrita, uma vez que a metade restante pertence à Sra. G..., requerimento que foi judicialmente deferido, sendo esta verba nº 12 adjudicada a C....
4. Fundamentos de direito
4.1 Da inexequibilidade do título exequendo
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, sustentando que o título exequendo é inexequível, em virtude de ter sido cometido erro na partilha que foi homologada por decisão judicial
Cumpre apreciar e decidir.
São ações executivas aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (artigo 10º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil).
Antes da vigência do atual regime do processo de inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de março, no então vigente Código de Processo Civil (artigo 52º do Código de Processo Civil), existia uma previsão especial sobre a exequibilidade das certidões extraídas do processo de inventário.
O artigo 6º, nº 2, da Lei nº 23/2013, revogou essa previsão especial. Porém, o artigo 20º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela lei que se acaba de citar passou a conter a disciplina que constava do citado artigo 52º do anterior Código de Processo Civil.
Ainda que assim não fosse, sempre se deveria ter em atenção que a sentença que põe termo ao processo de inventário é uma sentença homologatória e, como tal, condena ou absolve nos precisos termos dos atos homologados (artigo 290º, nº 3, do Código de Processo Civil). Porque assim é, a sentença homologatória da partilha proferida em processo de inventário sempre deveria, no que respeita à sua exequibilidade, ser equiparada a uma decisão condenatória proferida em processo comum (alínea a), do nº 1, do artigo 703º do Código de Processo Civil).
Porém, contra a sentença homologatória, além dos fundamentos próprios de oposição à execução fundada em sentença, pode a oposição fundar-se também em qualquer causa de nulidade ou anulabilidade do ato homologado (artigo 729º, alínea i), do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, o recorrente invoca um erro de qualificação de um dos bens que foi partilhado nos autos donde foi extraída a certidão exequenda, erro de qualificação determinante de emenda à partilha nos termos previstos nos artigos 1386º e 1387º, do anterior Código de Processo Civil e, atualmente, nos artigos 70º e 71º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de março.
A questão que se coloca agora é a seguinte: ocorrendo erro na qualificação de certos bens partilhados no processo de inventário de que foi extraída a certidão exequenda, determinante de emenda da partilha, seja por acordo, seja sem acordo, pode essa patologia constituir fundamento de oposição à ação executiva, determinando a inexequibilidade do título exequendo?
São requisitos de exequibilidade da sentença o seu trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo (artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil), a sua liquidez (artigo 704º, nº 6, do Código de Processo Civil), a sua certeza e a sua exigibilidade (artigo 713º do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, a decisão exequenda transitou em julgado, respeita a um montante pecuniário determinado, vencido desde a prolação da sentença homologatória da partilha (veja-se o artigo 1378º, nº 4, do anterior Código de Processo Civil a que corresponde o artigo 62º, nº 4, do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de março). Deste modo, o título exequendo reúne os requisitos legais de exequibilidade específicos da decisão judicial – o trânsito em julgado – e os requisitos gerais: certeza, liquidez e exigibilidade.
A consequência jurídica aplicável ao erro de qualificação invocado pelo embargante é a prevista nos normativos anteriormente citados – emenda da partilha – e não a invalidade do ato homologado, seja por via de declaração de nulidade, seja por via de anulação. Esta consequência jurídica afasta-se do regime previsto para o denominado erro-vício e erro-obstáculo (vejam-se os artigos 247º, 250º a 252º, todos do Código Civil) e inclusivamente para o erro incidental (veja-se o artigo 911º do Código de Processo Civil), pois não contende com a validade do ato que enferma de erro na qualificação e, na falta de acordo para a emenda da partilha, a instauração da ação destinada à sua aplicação está sujeita a um prazo de caducidade (artigo 1387º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Neste ambiente normativo, há que concluir que não é aplicável ao caso dos autos a previsão da alínea i), do artigo 729º do Código de Processo civil, pois que a consequência jurídica aplicável ao erro de qualificação denunciado pelo embargante nestes autos é a emenda à partilha, seja por acordo, seja contenciosamente, mediante a instauração de ação por apenso ao respetivo processo de inventário.
A admissão da suscitação do erro de qualificação de bem partilhado em processo de inventário em embargos de executado por apenso à ação executiva em que se pretendia obter o cumprimento coercivo de tornas decorrentes de acordo homologado no processo de inventário em que se afirma ter ocorrido o alegado erro de qualificação, levaria, simultaneamente, a que se pudesse por em causa o crédito a tornas do exequente e se mantivesse a posição de vantagem do devedor de tornas no processo de inventário e que determinou o nascimento da obrigação de pagamento de tornas.
Os embargos de executado não são assim o meio adequado para desencadear a emenda à partilha, dependendo esta ou do acordo das partes, no processo de inventário, ou da propositura e procedência da pertinente ação por apenso ao processo de inventário.
Não se verificando nenhuma destas situações e enquanto nenhuma delas se verificar, mantém-se exequível a sentença homologatória da partilha e, consequentemente, a obrigação do embargante de pagar a quantia de doze mil e quinhentos euros a título de tornas devidas ao exequente.
Pelo que se acaba de expor, conclui-se, como concluiu a decisão recorrida, que o fundamento invocado para sustentar os embargos de executado é legalmente inadmissível, inexistindo qualquer óbice à exequibilidade do título exequendo.
4.2 Da ilegalidade da penhora do imóvel por não ser da titularidade do embargante
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, também no que respeita à penhora do imóvel, desde logo em consequência da procedência dos embargos que deduziu e, em todo o caso, por esse bem não ser da sua titularidade.
Cumpre apreciar e decidir.
O levantamento da penhora em decorrência da procedência dos embargos de executado está liminarmente afastado face à confirmação da decisão do tribunal a quo relativamente aos embargos de executado,
O incidente de oposição à penhora é legalmente admissível sempre que sejam penhorados bens pertencentes ao executado (artigo 784º, nº 1, do Código de Processo Civil), o que também implica a ilegalidade do incidente de oposição à penhora com o fundamento autónomo invocado pelo opoente: a titularidade de terceiro do bem imóvel penhorado. Sendo penhorados bens de terceiro, fora dos casos em que isso é legalmente admissível (veja-se o artigo 54º, nº 2, do Código de Processo Civil), compete ao terceiro a dedução de embargos de terceiro.
Assim, também neste ponto deve ser confirmada a decisão recorrida, improcedendo na totalidade o recurso de apelação interposto por C..., sendo as custas respetivas da responsabilidade do recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por C... e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 13 de dezembro de 2016.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 22 de maio de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Decisão notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 14 de dezembro de 2016.
[3] Expurgados de remissão para meios de prova.