Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
165/15.7PFVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP20181010165/15.7PFVNG-B.P1
Data do Acordão: 10/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º773, FLS.75-81)
Área Temática: .
Sumário: Deve ser revogada a suspensão de execução da pena, por incumprimento grosseiro, repetido e culposo dos deveres que condicionam a suspensão, quando o condenado, convocado para comparecer pelos serviços competentes para elaboração do plano de reinserção social, não compareceu, nem justificou a falta, o que o inviabilizou, mantendo-se desconhecido o seu paradeiro, deixando de residir na morada indicada no T.I.R. sem comunicar ao Tribunal a nova morada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 165/15.7PFVNG-B.G1
Instância Local Criminal de Vila Nova de Gaia (Juiz 4) – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 165/15.7PFVNG, da Instância Local Criminal de Vila Nova de Gaia (Juiz 4) – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido B… e determinado o cumprimento, por este, da pena de oito meses de prisão, em que foi condenado, por despacho datado de 19 de fevereiro de 2018, com o seguinte teor:
“Por sentença proferida nos presentes autos de processo comum, na data de 22 de Junho de 2015, transitada em julgado na data de 07 de Setembro de 2015, foi o arguido B… condenado na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, condicionada a regime de prova, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal.
O arguido foi convocado para comparecer nos serviços da DGRSP, a fim de ser elaborado o respetivo plano de reinserção social, não tendo comparecido nem justificado a sua falta.
Não foi possível proceder à elaboração do Plano de Reinserção Social uma vez que é desconhecido o paradeiro do arguido – cf. 67 e 80;
Notificado para a morada do TIR para se pronunciar acerca do incumprimento, o arguido nada disse – cf. fls. 70 e 76;
Tentada a sua notificação (por contacto pessoal, através da autoridade policial e na pessoa da defensora), para audição, a diligência revelou-se impossível posto que, não obstante o averiguado, se desconhece o seu atual paradeiro, suspeitando-se que se terá ausentado do país – cf. informação fls. 101, 107, 110 a 114.
Por despacho de 01 de Junho de 2016, determinou-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Tal despacho veio a ser revogado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nestes autos, que determinou o prosseguimento das diligências relativas à averiguação do paradeiro do condenado, com as consequências daí resultantes, para a concretização da sua audição.
Assim, foi o arguido regularmente notificado, em 23 Junho de 2016, para, em 10 dias, se apresentar perante a DGRSP (cfr. fls. 161 a 166).
Solicitada a tal entidade informação sobre se o arguido, na sequência de tal notificação, ali comparecera (cfr. fls. 192 a 194), veio informar que o arguido não comparecera “a partir de 21.06.2017”.
Foi designada data para audição do arguido, na presença da Exma. Técnica da DGRSP, à qual o arguido, devidamente notificado na morada do TIR e na pessoa da sua Ilustre Mandatária, não compareceu (cfr. ata de fls. 196 a 204).
Em audiência de audição do condenado, a Técnica esclareceu que não conheceu sequer o arguido, nunca tendo a DGRSP sido contactada pelo mesmo, que fizeram tentativas de contacto, tendo conseguido informação, junto da respetiva companheira, que o arguido se encontraria ausente na Suíça, quer em 2015, quer em 2017, tendo a sua Il. Advogado informado o Tribunal que estaria o arguido em França, sem indicar, no entanto, qualquer morada ou qualquer forma de contacto com o mesmo.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos e com os fundamentos constantes da sua promoção de fls. 205 a 206.
O arguido foi notificado para se pronunciar quanto ao teor da promoção do Ministério Público, tendo apresentado requerimento, a fls. 212 a 213, a pugnar pela não revogação da suspensão, nos termos que do mesmo constam.
Cumpre apreciar e decidir:
Prescreve o artigo 55º do Código Penal que “se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não correspondeu ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º5 do artigo 50º”.
Por sua vez, dispõe o artigo 56º do Código Penal, nas alíneas a) e b) do seu n.º 1, que a suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
Importa, pois, ponderar se o incumprimento reiterado dos deveres e regras de conduta a que se subordinou a suspensão, não tendo permitido sequer a elaboração do plano de reinserção social, revelou que a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão não foi suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição, de modo a que o arguido deixe de ser merecedor do voto de confiança que lhe foi dado pelo tribunal.
A revogação da suspensão de uma pena de prisão não opera, pois, automaticamente, consiste na avaliação e ponderação, a efetuar pelo tribunal, depois de ouvido o arguido, no sentido de concluir se o incumprimento do plano de reinserção social e/ou a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a suspensão da execução da pena de prisão.
Do que se trata é de, no momento presente, formular um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma ação ou de um comportamento futuro.
Nesse sentido, o juízo de prognose a efetuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa.
Importará, desde logo, ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, a reação penal ao novo crime e, e bem assim, a evolução das condições de vida do condenado até ao presente, e bem ainda se a violação dos deveres e regras de conduta impostos ocorreu grosseira e repetidamente.
A respeito da interpretação do que seja a violação grosseira e repetida dos deveres e regras de conduta impostos, pronuncia-se PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, pág. 201-202, no sentido de que “Como emerge do art° 56°, n.º 1, al. a) do C. Penal, não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos, para levar à revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma atuação temerária, que se traduz no fundo numa ação indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (...) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições”.
No caso em apreço, dúvidas não nos restam de que o arguido violou grosseiramente as condições da suspensão, porquanto nem sequer permitiu a elaboração do plano de reinserção social, colocando-se intencionalmente em situação de incapacidade de cumprimento, pois que se ausentou da residência para paradeiro incerto, nada comunicando aos autos nem à DGRSP.
Do mesmo modo, não se logrou localizá-lo para efeitos de audição presencial para se pronunciar sobre o referido incumprimento, não obstante as inúmeras diligências encetadas no sentido de o localizar, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ademais, tinha conhecimento de todas essas obrigações porquanto foi pessoalmente notificado da sentença proferida nestes autos e, não obstante, ignorou o cumprimento dessas obrigações a que estava adstrito.
Tudo isto ponderado, afigura-se-nos manifesto que se mostraram frustradas as expetativas positivas e a confiança depositada pelo tribunal no arguido, que evidenciou não ser fiel depositário da mesma, demonstrando a sua conduta falta de preparação para assumir um comportamento conforme ao direito e assumindo um "estilo de vida" que não patenteou um efetivo desejo de integração.
É de concluir, pois, que em face do incumprimento grosseiro, repetido e culposo dos deveres que condicionaram a suspensão, se impõe a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado no âmbito destes autos.
Nestes termos, e pelos fundamentos aduzidos, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido B… e determino o cumprimento, por este, da pena de oito meses de prisão, em que foi condenado, assim concordando com a douta promoção que antecede artigo 56º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal.
Notifique.
Mais notifique o arguido para informar se dá o seu consentimento a que a pena de prisão efetiva que sobrevém para o arguido em consequência da revogação da suspensão da sua execução, seja cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto.”
***
Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
I - O presente recurso tem por objeto o douto Despacho proferido e que revogou a suspensão de execução da pena de 8 meses de prisão aplicada nos autos aplicada ao arguido B….
II - Porém, salvo o devido respeito por Douta opinião em contrário, o Tribunal «a quo» não decidiu bem.
III - Nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre o arguido infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;»
IV - O requisito encontra-se efetivamente demonstrado nos autos, pois o arguido não compareceu às convocatórias remetidas pela Sra. Técnica.
V - Todavia, tal período corresponde ao período em que esteve a trabalhar em França, não tendo ninguém em Portugal que lhe pudesse comunicar as notificações.
VI - É certo que o arguido tinha a obrigação de comunicar a sua ausência em trabalho em França, todavia proporcionou-se uma vaga que tinha de ser preenchida de imediato e o arguido aproveitou, ausentando-se sem tratar de comunicar a sua situação.
VII - Não obstante, a revogação da execução da pena de prisão não é automática
VIII - Para que possa ser revogada a suspensão da execução da pena, torna-se imprescindível que se constate que as finalidades que estão na base da suspensão da pena, e que foram reconhecidas na sentença, se vejam frustradas.
VIII - No fundo, o juízo de prognose favorável ao arguido realizado na sentença, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, levá-la-iam a respeitar os valores essenciais do ordenamento jurídico e a se manter afastado da prática de crimes, tem de ser infirmado.
IX - É necessário avaliar se face à natureza e circunstâncias do crime cometido, ao passado do condenado, às suas circunstâncias pessoais actuais, e às necessidades de proteção do bem jurídico violado, e de reintegração daquele na sociedade, é conveniente revogar a suspensão da pena, por ter sido infirmado de forma definitiva o juízo de prognose que alicerçou a convicção de que a suspensão se revelava suficiente.
X - Se estes são os requisitos materiais da revogação, no plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Só através dessa averiguação se poderá concluir com segurança pela eficácia ou ineficácia da manutenção da suspensão, pré - ordenada às finalidades visadas pela pena suspensa, sendo certo que tratando-se de motivações de ordem subjectiva ninguém melhor do que o condenado estará em condições de explicar as razões do incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação, ou mesmo as razões que conduziram ao cometimento de novo crime no período da suspensão.
XI - É esta, aliás, a finalidade por excelência do direito que reconhecidamente assiste ao condenado, de ser ouvido antes da decisão de revogação: permitir-lhe fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo do incumprimento em que incorreu ou da nova atuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas e que justificaram a suspensão da execução da pena.
XII - Ora, o arguido, embora tenha faltado a algumas convocatórias, explicou porque não o conseguiu fazer.
XIII - Ora, constatamos que, apesar disso, subsiste o bem fundado do juízo de prognose que levou à suspensão da execução da pena.
XIV - Entendemos assim que tal condenação será insuficiente para se considerar como esgotadas todas as possibilidades de, com a suspensão, virem a ser alcançadas as finalidades da punição.
XV - Basta ver a situação do arguido que continua a trabalhar em França, de onde provem ao sustento dos seus 3 filhos menores, tendo agora a sua vida organizada.
XVI - Não voltou a ter problemas com a justiça.
XVII - Em face de tal conduta posterior à prática do crime dos autos, da personalidade do arguido, à necessidade de proteção do bem jurídico violado e de reintegração daquela na sociedade, mostra-se ainda possível, salvo melhor opinião, efetuar um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, inibam o arguido da prática de novos crimes.
XVIII - Razão pela qual se considera não estar infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável efetuado na sentença, subjacente à convicção de que a suspensão da execução da pena de prisão se mostrava suficiente a acautelar as finalidades da punição.
XIX - Em consequência, o Douto Despacho recorrido, violou por errada interpretação o disposto nos art.ºs 56º CP, e art.º 32º da CRP.
Pelo exposto o douto Despacho recorrido deve ser revogado.
Nestes Termos, dando provimento ao recurso V. Ex.as farão como sempre JUSTIÇA.
***
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação por despacho datado de 07.03.2018.
O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, defendendo a improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a posição do Ministério Público da 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que “o recurso não merece provimento”.
Foi dado cumprimento ao disposto artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido apresentado resposta, em que transcreveu, na íntegra, as conclusões que formulou no recurso interposto, concluindo da mesma forma.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 3ª ed., pág. 347].
1. Questão a decidir:
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a decidir é a de saber se deve ser alterado o despacho que revogou a suspensão da execução da pena e determinou o cumprimento pelo arguido da pena de oito meses de prisão.
***
2. OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS COM INTERESSE para a decisão:
A. Por sentença proferida nos presentes autos de processo comum, na data de 22 de Junho de 2015, transitada em julgado na data de 07 de Setembro de 2015, foi o arguido B… condenado na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, condicionada a regime de prova, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal.
B. O arguido foi convocado para comparecer nos serviços da DGRSP, a fim de ser elaborado o respetivo plano de reinserção social, não tendo comparecido nem justificado a sua falta.
C. Não foi possível proceder à elaboração do Plano de Reinserção Social por ser desconhecido o paradeiro do arguido – cfr. 67 e 80;
D. Notificado para a morada do TIR para se pronunciar acerca do incumprimento, o arguido nada disse – cfr. fls. 70 e 76;
E. Tentada a sua notificação (por contacto pessoal, através da autoridade policial e na pessoa da defensora), para audição, a diligência revelou-se impossível, pois, não obstante o averiguado, era desconhecido o seu atual paradeiro, suspeitando-se que se teria ausentado do país – cfr. informação fls. 101, 107, 110 a 114.
F. Por despacho de 01 de Junho de 2016, determinou-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
G. Tal despacho foi revogado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que determinou o prosseguimento das diligências relativas à averiguação do paradeiro do condenado, com as consequências daí resultantes, para a concretização da sua audição.
H. O arguido foi regularmente notificado, em 23 Junho de 2016, para, em 10 dias, se apresentar perante a DGRSP (cfr. fls. 161 a 166).
I. Solicitada a tal entidade informação sobre se o arguido, na sequência de tal notificação, ali comparecera (cfr. fls. 192 a 194), veio informar que o arguido não comparecera “a partir de 21.06.2017”.
J. Foi designada data para audição do arguido, na presença da Exma. Técnica da DGRSP, à qual o arguido, devidamente notificado na morada do TIR e na pessoa da sua Ilustre Mandatária, não compareceu (cfr. ata de fls. 196 a 204).
L. Em audiência de audição do condenado, a Técnica esclareceu que não conheceu sequer o arguido, nunca tendo a DGRSP sido contactada pelo mesmo, que fizeram tentativas de contacto, tendo conseguido informação, junto da respetiva companheira, que o arguido se encontraria ausente na Suíça, quer em 2015, quer em 2017, tendo a sua Il. Advogada informado o Tribunal que estaria o arguido em França, sem indicar, no entanto, qualquer morada ou qualquer forma de contacto com o mesmo.
M. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos e com os fundamentos constantes da promoção de fls. 205 a 206.
N. O arguido foi notificado para se pronunciar quanto ao teor da promoção do Ministério Público, tendo apresentado requerimento, a fls. 212 a 213, a pugnar pela não revogação da suspensão, nos termos que do mesmo constam.
O. Em 19 de fevereiro de 2018 foi proferida a decisão recorrida.
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O despacho recorrido, cuja alteração se pretende, revogou a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido/recorrente, nos termos do disposto no art. 56.º n.º 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal, e determinou que este cumprisse a pena de oito meses de prisão. Para o que se fundamenta na circunstância de o arguido ter violado de forma grosseira, repetida e culposa as condições da suspensão, porquanto nem sequer permitiu a elaboração do plano de reinserção social, colocando-se intencionalmente em situação de incapacidade de cumprimento, pois que se ausentou da residência para paradeiro incerto, nada comunicando aos autos nem à DGRSP.
Vejamos se o fez acertadamente.
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão tem por finalidade, primária, a socialização do delinquente em liberdade, sendo pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
Com efeito, subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre “a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda” (Jorge de Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, 344).
A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova, sendo que, no caso em apreço, ao arguido a pena de prisão de oito meses foi-lhe suspensa pelo período de um ano, condicionada a regime de prova.
Ou seja, o Tribunal da condenação, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, que assenta num plano de reinserção social do condenado (caso dos autos).
Verificando-se uma situação de incumprimento das condições da suspensão, podem ocorrer duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação/plano de reinserção.
Neste caso, o tribunal pode optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal:
“a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”
A segunda situação ocorre quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, caso em que a suspensão é revogada.
À revogação da suspensão da execução da pena reporta-se o artigo 56º do Código Penal.
Preceitua este artigo que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
A revogação da suspensão da execução da pena ocorrerá apenas quando estiverem verificadas as duas situações distintas, previstas na lei, acima referidas.
O caso em apreço prende-se com a verificação da primeira situação (artigo 56º, nº 1, al. a) do Código Penal).
A consequência da revogação da suspensão só pode derivar de uma situação grave que denote que o condenado teve uma actuação culposa, de molde a que seja posta em causa a esperança que se depositou na sua recuperação e reinserção social.
Conforme aponta PINTO DE ALBUQUERQUE (in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 201), “A infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”, acrescentando ainda o mesmo autor (ob. cit., pág. 202) que, “A infracção repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”.
A infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção, durante o período de suspensão, determinará a revogação da suspensão enquanto circunstâncias que põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe.
De facto, “as causas de revogação não devem, pois, ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” (Código Penal Anotado, Manuel Leal-Henriques e Simas Santos, I V, pág. 711).
Importa ainda referir que no sistema jurídico-penal vigente, desde as alterações introduzidas pelo D.L. nº 48/95, de 15 de março, a revogação da suspensão da execução nunca é uma consequência automática da conduta do condenado. A decisão sobre a questão implica obrigatoriamente uma apreciação judicial sobre a eventual frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão, nos termos do disposto no artigo 56.º do Código Penal.
Revertendo para o caso em apreço, importa, desde logo, relembrar não é a primeira vez que a questão da revogação da suspensão da execução da pena se coloca nestes autos.
Na verdade, conforme refere o Ministério Público na sua resposta, “já em 1 de Junho de 2016 fora determinada a revogação da suspensão da execução da pena, uma vez que o arguido convocado para comparecer nos serviços competentes para elaboração do plano de reinserção social, não compareceu nem justificou a falta, o que o inviabilizou, mantendo-se desconhecido o seu paradeiro, deixando de residir na morada do TIR sem nada comunicar ao tribunal e mostrando-se a sua notificação para audição, suspeitando-se que se teria ausentado do país”.
Tal decisão foi objecto de recurso, tendo sido revogada por este TRP, por entender que deveriam prosseguir as diligências relativas à averiguação do paradeiro do recorrente.
Tiveram lugar novas diligências, designadamente foi marcada data para audição do arguido, com notificação na morada do TIR e na pessoa da sua Ilustre Mandatária, não tendo o condenado comparecido (fls. 196 a 204). Nessa ocasião a Técnica da DGRSP afirmou não conhecer o arguido, nunca ter a DGRSP sido contactada pelo mesmo, apesar das tentativas de contacto, tendo conseguido informação, junto da respetiva companheira, que o arguido se encontraria ausente na Suíça, sem que fosse fornecida a morada, tendo a sua Advogada informado o Tribunal que o mesmo estaria em França, sem indicar, no entanto, qualquer morada ou qualquer forma de contacto com o mesmo.
O próprio recorrente, tanto na resposta que apresentou à promoção do Ministério Público, como no recurso que interpôs, defendeu o seguinte:
“Nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que o arguido infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;»
O requisito encontra-se efetivamente demonstrado nos autos, pois o arguido não compareceu às convocatórias remetidas pela Sra Técnica.”
Também admite o arguido que tinha a obrigação de comunicar a sua ausência em trabalho em França, o que não fez, alegando que se proporcionou uma vaga que tinha de ser preenchida de imediato e o arguido aproveitou, ausentando-se sem tratar de comunicar a sua situação.
Não podemos aceitar tal argumento tendo em conta o tempo entretanto decorrido, pois não podendo comunicar tal ausência naquela ocasião devê-lo-ia ter feito assim que pudesse. O que também não aconteceu (e não obstante ter havido uma – outra - decisão a determinar a revogação da suspensão da execução da pena).
Alega ainda que se impõe ao tribunal a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Esquecendo que foi designada data para audição do arguido, na presença da Exma. Técnica da DGRSP, à qual o arguido, devidamente notificado na morada do TIR e na pessoa da sua Ilustre Mandatária, não compareceu (cfr. ata de fls. 196 a 204).
Defende também o recorrente que embora tenha faltado a algumas convocatórias, explicou porque não o conseguiu fazer.
Ora, dos autos não decorre qualquer explicação dada pelo arguido, já que não compareceu a qualquer diligência para que foi convocado, sendo que dos autos apenas constam suspeitas de que se terá ausentado do país (cfr. informação fls. 101, 107, 110 a 114), sendo que se obteve informação, junto da respetiva companheira, que o arguido se encontraria ausente na Suíça, quer em 2015, quer em 2017, tendo a sua Il. Advogada informado o Tribunal que estaria o arguido em França, sem indicar, no entanto, qualquer morada ou qualquer forma de contacto com o mesmo.
Acresce que o arguido alegou a fls. 212 e 213 que se ausentou em trabalho para França, encontrando-se atualmente com contrato efetivo (para além de que tem 3 filhos pequenos), sem contudo fazer qualquer prova do alegado.
Neste contexto, perante a factualidade descrita importa decidir, em primeiro lugar, se o arguido violou de forma grosseira e repetida o plano individual de readaptação social e, seguidamente, e se assim revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
No que respeita à violação grosseira e repetida do plano individual de readaptação social por parte do arguido, cumpre dizer, como bem realça o tribunal a quo que este “nem sequer permitiu a elaboração do plano de reinserção social, colocando-se intencionalmente em situação de incapacidade de cumprimento, pois que se ausentou da residência para paradeiro incerto, nada comunicando aos autos nem à DGRSP.
Do mesmo modo, não se logrou localizá-lo para efeitos de audição presencial para se pronunciar sobre o referido incumprimento, não obstante as inúmeras diligências encetadas no sentido de o localizar, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ademais, tinha conhecimento de todas essas obrigações, porquanto foi pessoalmente notificado da sentença proferida nestes autos e, não obstante, ignorou o cumprimento dessas obrigações a que estava adstrito.
Em suma, transparece com clareza a falta de vontade, consciente e intencional do mesmo em incumprir o determinado na sentença condenatória, obstaculizando à elaboração do plano de reinserção social (o que se demonstra é que o arguido condenado, no período de suspensão da execução da pena, violou de forma grosseira o dever de comparecer na DGRS, impossibilitando a elaboração de plano de reinserção social), não comparecendo nos serviços da DGRSP, nem no tribunal para ser ouvido, apesar de notificado para tal, não obstante conhecer e saber perfeitamente o arguido “as obrigações a que estava sujeito, esquivando-se de forma notória à sua efectiva concretização, nada tendo sido feito portanto graças ao seu
comportamento.
Pelo que, podemos concluir, talqualmente o tribunal a quo, ter havido um incumprimento grosseiro, repetido e culposo dos deveres que condicionaram a suspensão.
E entendemos, igualmente, que esta conduta do arguido revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Com efeito, face ao quadro global traçado é notório que o recorrente demonstrou que não interiorizou o desvalor da sua conduta, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena, sinal mais que evidente de que poderia não lhe ser concedida outra oportunidade se não cumprisse o regime de prova.
Tendo manifestamente desprezado aquela advertência e as oportunidades que lhe foram dadas, infringiu de forma grosseira e repetida os deveres a que estava sujeito, como bem sabia.
Daí que a decisão sobre o juízo de prognose não poderia ter sido outra que não uma clara negação, como foi feito pelo Tribunal recorrido ao considerar “manifesto que se mostraram frustradas as expetativas positivas e a confiança depositada pelo tribunal no arguido, que evidenciou não ser fiel depositário da mesma, demonstrando a sua conduta falta de preparação para assumir um comportamento conforme ao direito e assumindo um “estilo de vida” que não patenteou um efetivo desejo de integração”.
Pelo que, face ao exposto, não merece censura a decisão em apreciação.
Improcede, assim, o recurso.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
***
Porto, 10 de outubro de 2018
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva