Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4362/12.9T2OVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
VENDA
PROPOSTAS EM CARTA FECHADA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201509144362/12.9T2OVR-B.P1
Data do Acordão: 09/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Resulta do disposto no artº 846º, nº 5, do CPC, que apenas o pagamento integral da quantia exequenda e consequente junção de documento comprovativo de quitação por parte do exequente é que determina a suspensão da acção executiva.
II - Quaisquer pagamentos parciais realizados pelos executados no decurso da execução serão oportunamente deduzidos à dívida exequenda, mas não justificam a suspensão da acção executiva.
III - A suspensão pretendida pelos executados com base no estatuído na Lei nº 58/2012, de 09/11 (regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil), apenas poderá ocorrer se o requerimento dos executados/mutuários houver sido apresentado até ao final do prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à habitação.
IV - No caso de venda mediante propostas em carta fechada, aquele requerimento, com o acordo do exequente/mutuante, terá que ser apresentado até ao início da diligência de abertura de propostas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4362/12.9T2OVR-B.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome(1550)
Adjuntos: Desem. Sousa Lameira
Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

Na acção executiva, para pagamento de quantia certa, que a exequente B…, S. A., com sede no Funchal, move a C… e mulher D…, com os sinais dos autos, aquela visa deles obter o pagamento (execução hipotecária) dos montantes (€149.178,26) devidos pelos executados decorrentes da escritura de mútuo com hipoteca e contrato de empréstimo, celebrados pelas partes em 28/10/2005, acrescidos de juros legais vencidos e vincendos.
Os executados foram citados em 19/11/2011, não tendo deduzido oposição à execução.
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Decidiu-se efectuar a venda do bem imóvel penhorado mediante propostas em carta fechada.
A abertura de propostas foi marcada para o dia 26/09/2014, pelas 10 horas.
O valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base (ver cópia do anúncio/edital de fls. 53 e artº 815º, nº 2, do CPC).
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O Banco exequente apresentou, em 09/07/2014, uma proposta de aquisição do bem penhorado.
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Em 26/09/2014, realizou-se a diligência (auto) de abertura de propostas, declarada interrompida por decisão judicial, para continuação em 24/10/2014 (ver fls. 20-22).
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Em 24/10/2014, teve lugar (continuação) o auto de abertura de propostas constante de fls. 59-60, com a rectificação efectuada no despacho de fls. 62-63.
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No decurso do processo, antes e durante a realização dos mencionados autos de abertura de propostas, os executados requereram:
- A suspensão do presente processo executivo hipotecário, determinando-se que o exequente se pronunciasse sobre os pagamentos prestacionais que na pendência têm vindo a ser efectuados pelos executados, mais devendo aquele proceder à liquidação actualizada da quantia exequenda;
- Que o processo aguardasse até ao deferimento ou indeferimento do seu requerimento de acesso ao regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, que apresentaram ao Banco exequente em 06/10/2014;
- Que a venda fosse dada sem efeito, em virtude de irregularidades nos anúncios e no edital da mesma.
Ouvida a exequente, esta pronunciou-se pela rejeição do requerido.
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Apreciando o impetrado pelos executados, o Sr. Juiz da 1ª instância proferiu despacho(s), constante(s) do auto de abertura de propostas de 24/10/2014, no(s) qual(ais) decidiu indeferir o requerido pelos executados.

Inconformados, os executados apelaram desse despacho tendo, na sua alegação, concluído:
1ª - Os doutos despachos indeferentes da suspensão da execução violam o disposto no art. 846°-5 do CPC, por um lado, e nos arts. 8°-2 e 9° da Lei 57/2012 de 09/11 e no art. 9°_2 do CC, por outro. Com efeito,
2ª - Os executados têm vindo a efectuar vários pagamentos por conta da quantia exequenda e, por via disso, requereram que o exequente se pronunciasse sobre isso e procedesse à liquidação actualizada da dívida, suspendendo-se no entretanto o processo executivo.
3ª- Tal pretensão deveria ter sido deferida, em vistas da ratio e da economia legais da presente execução.
4ª - Na verdade, podendo eventualmente estar saldada a divida exequenda, torna-se absurdo e ilegal o acto da venda, e estando decerto minguada essa dívida, torna-se mais fácil aos devedores evitarem esse acto.
5ª - Por outro lado, tendo os executados requerido, antes da concretização da venda efectiva do prédio da sua habitação, que o processo aguardasse até ao deferimento ou indeferimento do seu pedido de acesso ao regime estabelecido na Lei n.º 58/2012, tal pretensão foi indeferida por não ter sido apresentada até à data da venda executiva do bem penhorado.
6ª - Mas a letra da lei não fala em "até à data da venda", mas tão só em "até à venda", e um intérprete normal entenderá francamente "até à concretização da venda ou até à venda efectiva", a qual ocorreu somente 18 dias depois do referido pedido de acesso ao regime extraordinário.
7ª - O douto despacho indeferindo que se desse sem efeito a venda, por deficiência na publicitação do requerimento de adjudicação apresentado pelo exequente B…, viola o disposto no art. 800°.1 do CPC. Efectivamente,
8ª - Na 1ª data da venda, em 26/09/2014, foi entendido e decidido que o exequente B… tinha apresentado em 09/07/2014 um requerimento de adjudicação do imóvel por € 129.400,00.
9ª - Na 2ª data, em 24/10/2014, verificou-se e reclamou-se que o requerimento de adjudicação não havia sido publicitado nos termos estabelecidos pelo art. 800°-1 do CPC, ou seja, com a menção do preço oferecido.
10ª - Assim, por aquela irregularidade afectar clara e seriamente a organização da feira da venda, com prejuízo para toda a gente, deveria e deverá essa venda ser dada sem efeito.
11ª - TERMOS em que, deverá proceder a presente apelação e, em consequência, anulando-se a venda executiva operada, deverá suspender-se o processo executivo até à liquidação actualizada da quantia exequenda e/ou até ao deferimento ou indeferimento do regime extraordinário da Lei 58/2012; subsidiariamente, deverá ser dada sem efeito essa venda e mandada repetir, com o estrito cumprimento dos trâmites legais.

Na resposta à alegação a apelada defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC), actualmente arts. 635º e 639º, nºs 1 e 2.
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Os factos a considerar são os descritos no relatório.
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A acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva e integral dum direito violado, no caso, de um direito de crédito (pagamento de quantia certa), através da execução do património do devedor (executado).
Como se sabe, para a instauração de acção executiva, o exequente deve estar necessariamente munido de um título executivo, sendo por este que se determinam o fim e os limites daquela acção (artº 10º, nº 5, do CPC).
Não se visa na acção executiva a obtenção de uma decisão, mas antes a realização coerciva de uma prestação que está reconhecida no título exequendo.
O(s) título(s) dado(s) à execução é(são) uma escritura de mútuo com hipoteca e um contrato de empréstimo e hipoteca.
Trata-se, pois, de uma execução hipotecária.
O pagamento da quantia exequenda poderá ser efectuado pelos modos referidos no artº 795º, do CPC.
Um deles será pelo produto da respectiva venda.
As modalidades da venda na acção executiva estão descritas no artº 811º, do CPC.
A venda mediante propostas em carta fechada está regulada no artº 816º e seguintes, do mencionado diploma legal.
Dispõe o artº 272º, nº 1, do CPC, que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado”.
Não foi invocada causa prejudicial, sendo certo, de todo o modo, que a prejudicialidade não constitui fundamento para suspensão da acção executiva (Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol.3.º, pág. 274, E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 1987, na nota 2, a págs. 188 e 189, Rodrigues Bastos, em Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 45, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/05/2007 (acessível em www.dgsi.pt).
Resta, pois, indagar da possibilidade de suspensão da presente execução com base na existência de motivo justificado (2ª parte do nº 1, do artº 272º, do CPC).
Concluem os apelantes que “os executados têm vindo a efectuar vários pagamentos por conta da quantia exequenda e, por via disso, requereram que o exequente se pronunciasse sobre isso e procedesse à liquidação actualizada da dívida, suspendendo-se no entretanto o processo executivo”.
Ora, o alegado eventual pagamento parcial (prestações) da dívida exequenda não impõe a suspensão da execução.
Resulta, claramente, do disposto no artº 846º, nº 5, do CPC, que apenas o pagamento integral da quantia exequenda e consequente junção de documento comprovativo de quitação por parte do exequente é que determina a suspensão da acção executiva.
Naturalmente que quaisquer pagamentos parciais realizados pelos executados no decurso da execução serão, oportunamente, deduzidos à dívida exequenda.
Porém, tal eventual pagamento parcial não tem a virtualidade de conduzir à suspensão da execução, designadamente da venda.
Por outro lado, a suspensão pretendida pelos executados com base no estatuído na Lei nº 58/2012, de 09/11 (regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil), não tem suporte factual nem legal (tempestividade).
Com efeito, os executados deram entrada do requerimento de protecção ao abrigo da Lei 58/2012, no dia 06/10/2014, ou seja, posteriormente ao requerimento do Banco exequente a apresentar a sua proposta de adjudicação (09/07/2014), no âmbito da referida modalidade de venda (propostas em carta fechada).
Dispõe o nº 2, do artº 8°, da citada Lei, que:
"O requerimento referido no n.º 1 pode ser apresentado até ao final do prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à habitação, caso não tenha havido lugar a reclamações de créditos por outros credores".
Decorre do normativo que o requerimento em causa terá que ser efectuado até ao início da venda e não depois de começado esse acto do processo de venda.
Ora, como vimos, a venda do imóvel penhorado iniciou-se, pelo menos, em 26/09/2014 (ver respectivo auto de abertura de propostas), verificando-se, apenas, uma interrupção da diligência, que continuou no dia 24/10/2014, para exercício do contraditório.
Acresce que não está demonstrada a existência de qualquer acordo dos executados/mutuários com o Banco exequente/mutuante, ou seja, que a instituição bancária mutuante tenha deferido o requerimento do mutuário no sentido de ser abrangido por aquele regime (ver artº 9º da Lei nº 58/2012).
Daí o acerto da decisão recorrida, pois que não se justificava a suspensão da acção executiva.
Por fim, concluem os recorrentes pela deficiência na publicitação do requerimento de adjudicação apresentado pelo exequente B…, em alegada violação do disposto no artº 800°, nº 1, do CPC.
Vejamos.
No artº 800º, do CPC, regula-se a publicidade do requerimento de adjudicação previsto no artº 799º, do mesmo diploma legal, aplicável a este modo de pagamento diverso da venda, designadamente da venda mediante propostas em carta fechada.
Nesta última modalidade de venda, regulada no artº 816º e seguintes do CPC, a publicidade da venda deve observar o estatuído no artº 817º. No caso, mostra-se regularmente cumprido o preceituado neste último normativo.
Obviamente, o valor da proposta apresentada apenas deverá/poderá ser conhecido aquando da abertura das propostas na presença do juiz, seguindo-se a deliberação sobre as mesmas, aceitação da proposta de maior preço, depósito do preço e adjudicação do bem ao proponente (artºs 820º, 821º, 824º e 827º, do CPC).
No caso, não se verifica qualquer irregularidade na publicidade da venda, não sendo esta inválida.
Deve, pois, manter-se o decidido na 1ª instância (despachos sob recurso).
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 14/09/2015
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 663º, nº 7, do CPC):

I- Resulta do disposto no artº 846º, nº 5, do CPC, que apenas o pagamento integral da quantia exequenda e consequente junção de documento comprovativo de quitação por parte do exequente é que determina a suspensão da acção executiva.
II- Quaisquer pagamentos parciais realizados pelos executados no decurso da execução serão oportunamente deduzidos à dívida exequenda, mas não justificam a suspensão da acção executiva.
III- A suspensão pretendida pelos executados com base no estatuído na Lei nº 58/2012, de 09/11 (regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil), apenas poderá ocorrer se o requerimento dos executados/mutuários houver sido apresentado até ao final do prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à habitação.
IV- No caso de venda mediante propostas em carta fechada, aquele requerimento, com o acordo do exequente/mutuante, terá que ser apresentado até ao início da diligência de abertura de propostas.

Caimoto Jácome