Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0450722
Nº Convencional: JTRP00035785
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200403220450722
Data do Acordão: 03/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui válido e regular título executivo, no que toca ao montante das rendas (e respectiva indemnização legal) vencidas durante a vigência do contrato, o contrato de arrendamento urbano formalizado por escrito que contém a assinatura do locatário - devedor, inferindo-se o gozo e fruição do arrendado por parte deste de documentação junta aos autos, ou de correspondente prova introdutória (informativa) a efectuar, sumariamente, pelo senhorio - exequente;
II - Não assim, no que concerne ao pedido exequendo respeitante a indemnização legal por mora na restituição do arrendado ao senhorio, ou a cláusula penal acordada para a ocorrência de tal mora;
III - A factualidade pressuposta em I poderá, conforme artigo 804 n.2 do Código de Processo Civil, ser contrariada pelo executado - locatário, mediante a dedução de embargos de executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – B............... instaurou, em 15.05.03, na comarca de ................ (com distribuição ao .. Juízo Cível) execução ordinária, para pagamento de quantia certa, contra C................, com vista a que esta lhe pague a quantia de € 4.303,77.
Para tanto, alegou, em resumo e essência, no correspondente requerimento inicial:
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a) - Em 18.02.98, a exequente e o seu marido (falecido, entretanto, em 06.03.03) deram de arrendamento à executada o 2º andar do prédio urbano id. no art. 1º daquele requerimento, pelo prazo de 5 anos, com início, em 01.03.98, e termo, em 28.02.03, pela renda mensal de Esc. 53.000$00, à qual correspondem, por força das legais actualizações, € 278,58, devendo a mesma ser paga, na residência dos senhorios (Rua ............, nº ... – ...........), ou através de depósito ou transferência bancária a efectuar numa instituição de crédito, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse;
b) - Mediante notificação judicial avulsa da executada (que se certificou residir, então, no sobredito arrendado) foi efectuada, em 06.02.02, a denúncia do mencionado contrato de arrendamento por parte da exequente e seu falecido marido, para o fim do respectivo prazo, ou seja, 28.02.03;
c) - A executada não pagou, por qualquer dos meios consentidos contratualmente, a renda vencida em 01.08.02, relativa ao mês de Setembro, bem como as demais que, mensal e sucessivamente, se venceram, desde esta data até ao presente, apesar de, inúmeras e insistentes vezes, interpelada para as pagar, tendo, apenas, depositado, em 13.01.03, um montante de renda, na conta bancária dos senhorios, que estes imputaram ao pagamento da renda devida em Agosto e relativa a Setembro, permanecendo em dívida o montante de € 139,29, ou seja, 50% de tal renda, a título de indemnização legal pela correspondente mora;
d) - Estão, presentemente, em dívida as rendas devidas e vencidas de Setembro de 2002 a Fevereiro de 2003 e relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, já que foi pago, adiantadamente, na celebração do contrato, um mês de antecipação, estando, pois, já pago o mês de Fevereiro, tudo num total de € 1.114,32 (4 x 278,58), acrescidos de 50% (€ 557,16) de indemnização pela mora, o que, por seu turno, totaliza € 1.671,48);
e) – Estão, ainda, em dívida as rendas correspondentes à continuação da ocupação, após a cessação (em 28.02.03), do contrato de arrendamento, no total de € 1.114,32, acrescidos do dobro (€ 2.228,64) de indemnização legal prevista no art. 1045º, nº2, do CC e das rendas que se vierem a vencer, até efectiva entrega do locado, com a aludida indemnização legal;
f) – E, uma vez que, na cláusula 11ª do contrato de arrendamento, foi estabelecida uma cláusula penal correspondente a um mês de renda, por não entrega do arrendado, após a respectiva cessação, por denúncia pelos senhorios, a exequente tem ainda direito a reclamar, a este título, a quantia de € 264,36.
Inconformada com o despacho de indeferimento liminar incidente sobre tal requerimento inicial, por, em síntese, se haver entendido que os documentos com aquele juntos “não reúnem as condições necessárias para serem título executivo”, interpôs a exequente o presente agravo, visando a revogação da decisão recorrida, “ordenando-se o prosseguimento da execução ou a prolação de despacho de aperfeiçoamento”, tudo conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:
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1ª - A sentença de fls. considerou o contrato de arrendamento celebrado como documento não imbuído de força executiva, ou, dito de outro modo, sem constituir uma das espécies de títulos que a lei considerou como consubstanciando um título executivo;
2ª - A disposição contida no art. 46º, al. c), do CPC, nascida da reforma legislativa introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12.12, na sua estatuição, declara que “à execução apenas podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável, nos termos do art. 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”;
3ª - A obrigação de pagamento da renda é uma obrigação pecuniária, sendo que o seu montante é, desde logo, fixado no contrato e é um dos seus elementos essenciais e constituintes e o próprio documento contém ou define um montante determinado ou determinável, sendo certo que a renda reclamada é apenas fruto dos aumentos legais, por inerentes aplicações dos coeficientes;
4ª - Não deveria ter sido declarada a nulidade de todo o processo, por inexequibilidade do título – Cfr. o preceituado nos arts. 193º, nº/s 1 e 2, al. a) e 466º, nº1, do CPC – e mesmo o art. 811º-A, al. a), em que se fundou a decisão de indeferimento liminar, refere-se à falta ou insuficiência do título, o que não acontece, nos termos do disposto no art. 46º, al. c), do CPC;
5ª - Apenas se admite a falta de demonstração da data da efectiva desocupação do locado. Mas, este facto apenas poderia originar o despacho a ordenar o aperfeiçoamento do requerimento executivo – Cfr. art. 811º-B, do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações, tendo a decisão agravada sido objecto de tabelar sustentação.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir, para o que releva a factualidade, antes, relatada (“maxime”, a constante das antecedentes als. a) a f)), com o aditamento de que o questionado contrato de arrendamento foi formalizado por escrito (Cfr. fls. 13 e 14), contendo este, na respectiva parte final, as assinaturas dos respectivos outorgantes, designadamente, da arrendatária (ora, executada).
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2 – Sendo o âmbito e objecto do recurso delimitados (para além das meras razões de direito e das questões de oficioso conhecimento) pelas conclusões formuladas pelo recorrente (arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC – como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados), emerge como questão a apreciar e decidir, no âmbito do presente agravo, a de saber se, como foi decidido e contra o que sustenta a agravante, a execução por esta instaurada carece de título executivo e, bem assim, se, na afirmativa, houve omissão de aplicação do disposto no art. 811º-B (convite para aperfeiçoamento do requerimento executivo).
Vejamos:
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3 – I – Como consta do Preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, com a reforma processual pelo mesmo introduzida optou-se pela “ampliação significativa dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável em face do título...” Aditando-se que se supõe “que este regime – que se adita ao processo de injunção já em vigor – irá contribuir significativamente para a diminuição do número das acções declaratórias de condenação propostas, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao A. o, até agora, indispensável título executivo judicial”.
Em perfeita sintonia, no elenco dos títulos executivos constantes do art. 46º, enunciam-se, na respectiva al. c),...“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º...”
Por seu turno, dispõe o art. 804º, na redacção, aqui, aplicável, que...“Se a obrigação estiver dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação (1)...Se a prova não puder ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferecerá as respectivas provas, que são logo produzidas...(2)”...
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II – A assinalada “ mens legis”, constante do Preâmbulo do DL nº 329-A/95, mostra-se fortemente acentuada em todos os comentadores da especialidade (Cfr., designadamente, “Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto”, págs. 72, de J. P. Remédio Marques; “Comentários ao CPC”, págs. 68/69, do Dr. Lopes do Rego; e “CPC Anotado”, Vol. 1º, págs. 89, de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto). Anotando estes últimos (ob. citada, págs. 92): ...”Como requisito de fundo, exige-se, para que os documentos mencionados nas als. b) e c) constituam título executivo, que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída...Quanto aos documentos particulares, a obrigação cuja constituição formalizam ou reconhecem pode ser qualquer obrigação de prestação de facto; mas, se for uma obrigação pecuniária, exige-se que ela seja líquida ou liquidável por simples cálculo aritmético (art. 805º)”...
Por seu turno, em anotação ao art. 804º, sustentam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (in “CPC Anotado”, Vol. 3º, págs. 250/251): “...Estando o credor obrigado para com o devedor a uma contraprestação a efectuar simultaneamente, para o que basta não se terem estipulado diferentes prazos de cumprimento (art. 428º, do CC), incumbe-lhe, independentemente da invocação, pelo devedor, da excepção de não cumprimento, provar que a efectuou ou ofereceu (art. 804º, 1), sob pena de não poder promover a execução...Como, por sua vez, também o exequente podia invocar a seu favor a excepção de não cumprimento do contrato, basta-lhe provar que ofereceu a sua prestação contra a exigência da que lhe é devida”...
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III – Transpondo as transcritas disposições legais e ensinamentos doutrinais para o caso dos autos, é para nós claro que assiste, parcialmente, razão à agravante, na medida em que esta dispõe de regular e válido título executivo quanto aos montantes das rendas (e correspondente indemnização legal) vencidas até à operada cessação, por denúncia da sua parte, do invocado contrato de arrendamento e que (na sua versão, que a executada poderá contrariar, em eventuais embargos de executado – cfr. art. 804º, nº2) não lhe foram, ainda, pagas.
Com efeito, quanto a tais rendas (e respectiva indemnização legal, em caso de incumprimento por parte da locatária), não podem colocar-se dúvidas de que as mesmas consubstanciam obrigações de natureza pecuniária e liquidáveis mediante simples cálculo aritmético, cuja constituição decorre da mera celebração do respectivo contrato de arrendamento por parte da executada (Cfr. arts. 1022º, 1038º, al. a) e 1041º, nº1, todos do CC). Sendo que a documentação de tal contrato de arrendamento e a certidão de notificação judicial avulsa, em que a executada é dada como residente no arrendado, constituem, em nosso entendimento, prova documental bastante de que pelo locador-senhorio (no caso dos autos, a exequente) foi efectuada a contraprestação do pagamento de tais rendas, sobre si impendente, em tal qualidade (Cfr. arts. 1022º e 1031º, ambos do CC), facultando o gozo e fruição do arrendado à executada-locatária.
Mas já não poderá dizer-se o mesmo das demais obrigações de natureza pecuniária em que, segundo a exequente, a executada se encontra, perante si, constituída. É que tais obrigações, decorrendo de um facto indemonstrado (não restituição atempada, à locadora, do arrendado – cfr. art. 1045º, do CC e cláusula 11ª do contrato de arrendamento) e não coevo da outorga do contrato de arrendamento formalizado no documento particular junto aos autos (Cfr. arts. 362º e segs. do CC), de modo algum, poderão ser consideradas como tendo sido constituídas ou reconhecidas pela executada-locatária mediante a celebração de tal contrato. Não dispondo, pois, a exequente de título executivo quanto às mesmas, nem sendo caso de uso, quanto a tal, do poder-dever atribuído ao juiz pelo art. 811º-B, nº1.
Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pela agravante.
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4 – Resumindo e concluindo:
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I – Constitui válido e regular título executivo, no que toca ao montante das rendas (e respectiva indemnização legal) vencidas durante a vigência do contrato, o contrato de arrendamento urbano formalizado por escrito que contém a assinatura do locatário – devedor, inferindo-se o gozo e fruição do arrendado por parte deste de documentação junta aos autos, ou de correspondente prova introdutória (informativa) a efectuar, sumariamente, pelo senhorio – exequente;
II – Não assim, no que concerne ao pedido exequendo respeitante a indemnização legal por mora na restituição do arrendado ao senhorio, ou a cláusula penal acordada para a ocorrência de tal mora;
III – A factualidade pressuposta em I poderá, conforme art. 804º, nº2, do CPC, ser contrariada pelo executado – locatário, mediante a dedução de embargos de executado.
5 – Em face do exposto, acorda-se em, concedendo parcial provimento ao agravo, revogar, na parte correspondente, a douta decisão agravada, a qual deverá ser substituída por outra que, conforme assinalado em III de 3 antecedente, pressuponha que a exequente dispõe de título executivo quanto a parte do respectivo pedido exequendo (art. 811º-A, nº 2).
Custas, na proporção de 3/5 (três quintos), pela agravante.
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Porto, 22 de Março de 2004
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes
Rui de Sousa Pinto Ferreira