Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1376/20.9T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTO-ÍNDICE
Nº do Documento: RP202109201376/20.9T8STS-A.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A verificação de qualquer um dos factos-índice taxativamente consagrados no nº1, do art. 20º, do CIRE, manifestações da insusceptibilidade de o devedor cumprir, pontualmente, as suas obrigações vencidas (nº1, do art. 3º, daquele diploma) - de demonstração a cargo do Requerente da insolvência, nos termos da regra geral do nº1, do art. 342º, do Código Civil -, permite presumir a situação de insolvência daquele.
II - Tal presunção pode ser ilidida através de prova - ónus do devedor - de factos que demonstrem que, apesar de se verificar alguma das situações previstas no referido preceito, o devedor se não encontra em situação de insolvência (nº4, do art. 30º, daquele diploma e art. 350º, do CC).
III - Ante a verificação de um dos referidos factos-índice e na falta de prova a ilidir a referida presunção, não pode deixar de ser decretada a insolvência.
IV - Destarte, tendo-se provado ser o montante global das dívidas da insolvente, com cônjuge insolvente, de, pelo menos, cerca de 100.000,00€, estando as mesmas vencidas e não pagas quase há décadas e sendo diversas as penhoras registadas sobre o imóvel, que integra o seu património, hipotecado, é de considerar preenchido o facto índice a que alude a al. b), do nº1, do art. 20º, do CIRE, bem indiciada estando a impossibilidade de a devedora pagar, pontualmente, a generalidade das suas obrigações vencidas, e, na falta de prova, por esta, do cumprimento (cfr. nº2, do art. 342º, do CC) ou de capacidade para cumprir (de possuir ativo líquido para saldar o passivo – v. preceitos referidos em 2.), a insolvência da apelante, pessoa singular, impõe-se.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1376/20.9T8STS-A.P1
Processo do Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: B…
Recorrido: C…, S.A

C…, S.A., com sede na Avenida …, nº …, ….-… Lisboa, veio requerer a declaração de insolvência de B…, residente na Rua … - …, ….-… Santo Tirso, alegando, para tanto e em síntese, que a Requerida lhe deve o valor global de € 255.543,98 e não possui ativo suficiente para o seu pagamento, pelo que se encontra em situação de insolvência, manifesta sendo a impossibilidade cumprir com a generalidade das suas obrigações vencidas.
A Requerida, citada nos termos e para os efeitos previstos no artº 30º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, abreviadamente CIRE, impugnou o alegado montante da dívida e que se encontre em situação de insolvência, pugnando pela improcedência da pretensão formulada pela Requerente.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no início da qual se procedeu ao saneamento dos autos, com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Em face do exposto:
i) Declara-se a insolvência de B…;
ii) fixa-se a residência da insolvente na Rua … - …, ….-… Santo Tirso, devendo qualquer alteração da mesma ser comunicada pela agora insolvente aos autos [artº 36º, nº 1, alíneas b) e c) do CIRE];
iii) nos termos do disposto no artº 36º, nº 1, alínea d), do CIRE, nomeia-se como Administrador da Insolvência o(a) Exm(a) Sr(a) Dr(a D…, melhor identificado(a) nas listas oficiais, já nomeado(a) para o processo de insolvência do marido da insolvente – Processo nº 4898/09.9TBSTS, do Juízo de Comércio de Santo Tirso- J3 -, o qual se encontra em fase de liquidação, obtendo-se desse modo celeridade e eficiência processual [desde que iniciou funções no Juízo de Comércio, a signatária adotou como critério de nomeação do administrador da insolvência o sorteio informático, ao abrigo do disposto no artº 13º, nº 2, Estatuto de Administrador Judicial estabelecido pela Lei nº 22/2013, de 26-02, alterado pela Lei nº 17/2017, de 16-05. No entanto, face aos atrasos processuais ocorridos em diversos processos, decorrentes, em grande parte, da distância geográfica entre a sede/morada do(a)(s) insolvente(s) e o domicílio profissional do administrador da insolvência, salvo situações infundadas ou sem qualquer fundamentação credível, a signatária passará a atender à indicação por parte do(a)(s) Requerente(s) ou do(a)(s) devedor(a)(es). Mais se entende que, ao abrigo do disposto nos artºs 52º, nº 2, e 32º, nº 2, ambos do CIRE, não havendo qualquer indicação ou não devendo esta ser atendida, deverá realizar-se uma análise casuística da situação, discriminando-se as situações mais complexas, considerando nomeadamente as características do(a)(s) insolvente(s) e do respetivo acervo patrimonial, e, nesses casos, deverá proceder-se à nomeação, por meio do sistema informático, do administrador da insolvência que conste das listas oficiais, assegurando sempre a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos, com registo desse ato].
Em face do disposto no artº 11º do Estatuto de Administrador Judicial estabelecido pela Lei nº 22/2013, de 26-02, alterado pela Lei nº 17/2017, de 16-05, o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência não carece de autorização do Tribunal para obter informações diretamente junto da Autoridade Tributária, da Segurança Social, das Conservatórias de Registo e outros semelhantes, devendo tais entidades, assim sendo requerido neste âmbito, permitir o acesso a tais informações.
iv) não se procede à nomeação da comissão de credores, atenta a exígua dimensão da massa insolvente, a simplicidade da liquidação e o reduzido número de credores da insolvência [artº 66º, n 2, do CIRE];
v) determina-se a apreensão e imediata entrega ao(à) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência dos elementos documentais a que alude o artº 24º do CIRE que não constem já dos autos [artº 36º, nº 1, alínea f), do CIRE];
vi) decreta-se a apreensão, para imediata entrega ao(à) o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência, dos elementos da contabilidade da devedora e de todos os seus bens, ainda que penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva dos que hajam sido apreendidos em virtude de infração, quer de caráter criminal, quer de mera ordenação social, e ainda que objeto de cessão aos credores nos termos dos artº 831º e segs. do C. Civil. Caso os bens já tenham sido vendidos, a apreensão terá por objeto o produto da venda caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido [artº 36º, alínea g), 149º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2 e 150º, do CIRE];
vii) determina-se a notificação do Ministério Público para, querendo, requerer a extração de certidão de quaisquer peças processuais, caso entenda existirem indícios da prática de ilícitos criminais [artº 36º, nº 1, alínea h)];
viii) fixa-se em 30 [trinta] dias o prazo para a reclamação de créditos [artº 36º, nº 1, alínea j), do CIRE];
ix) advertem-se os credores de que devem comunicar prontamente ao(à) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência as garantias reais de que beneficiem [artº 36º, nº 1, alínea l), do CIRE];
x) advertem-se os alegados devedores da insolvente (identificados na petição inicial) de que as prestações penhoráveis a que estejam ou venham a estar obrigados deverão ser feitas ao(à) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência e não à própria insolvente [artº 36º, nº 1, alínea m), do CIRE].
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Os elementos constantes dos autos não evidenciam qualquer dos factos previstos no artº 186º, nºs 1, 2 e 3, do CIRE, motivo pelo qual não se justifica, por ora, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência (cfr. artº 36º, nº 1, e artº 188º do CIRE).
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Tendo em consideração a previsível composição da massa insolvente, o diminuto número de credores, o facto de a devedora não colocar qualquer hipótese de recuperação, a simplicidade da causa e face à alteração do CIRE operada pelo Dec. Lei nº 79/2017, de 30 de junho, nomeadamente, ao disposto no artº 36º, nº 2, do CIRE, dispensa-se a realização da Assembleia de Credores a que alude o artº 156º, do CIRE [artº 36º, alínea n) do CIRE].
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artº 36º, nº 5, do CIRE o presente processo terá a seguinte marcha:
i. Fixa-se o prazo de 40 dias para o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência juntar o relatório a elaborar nos termos do artº 155º, do CIRE;
ii. se a proposta apresentada no relatório do(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência for de encerramento do processo, ao abrigo do artº 230º, nº 1, alínea d), do CIRE, cumpra-se o artº 232º, nº 2, do CIRE quanto aos devedores e aos credores;
iii. fixa-se o prazo de 10 dias, a contar do termo do prazo fixado para o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência juntar o seu Relatório, para os credores se pronunciarem sobre o pedido de exoneração do passivo restante, devendo ser aberta conclusão findo tal prazo;
iv. se a proposta do(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência for a liquidação, notifique-se os credores para, em 10 dias, se pronunciarem por escrito quanto a tal proposta, com a advertência de que nada sendo dito, se determinará o prosseguimento do processo para liquidação (sem prejuízo do disposto no n.º 7 do art. 233.º do CIRE);
v. o prazo para o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) de Insolvência apresentar as Listas previstas no artº 129º, nº 1, do CIRE, decorre da norma em causa.
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Proceda-se às diligências necessárias a dar publicidade e ao registo da sentença, nos termos do disposto nos artºs 38º e 37º, nº 7, do CIRE.
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Nos termos do disposto no artº 88º, nº 1, do CIRE, com a presente sentença fica vedada a possibilidade de instauração ou de prosseguimento de qualquer ação executiva que atinja o património da insolvente.
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Proceda-se à avocação dos processos no âmbito dos quais tenham sido realizados quaisquer atos de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente – artº 85º, nº 2, do CIRE.
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Determina-se o registo da devedora como insolvente na Conservatória do Registo Civil.
Comunique-se a declaração de Insolvência ao Banco de Portugal.
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Registe-se a declaração de insolvência e a nomeação do(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência no registo informático de execuções [cfr. artº 38º do CIRE e artº 717º, nº 2, alínea c), do C. P. Civil.
Inclua na página informática do Tribunal a declaração de insolvência e a nomeação do(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência.
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Notifique, nos termos do disposto no artº 37º do CIRE.
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Custas nos termos do disposto nos artºs 15º, 301º e 304º, todos do CIRE.
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Fixa-se, neste momento, à ação o valor de € 61.090,02 [sessenta e um mil e noventa euros e dois cêntimos] – cfr. artº 15º do CIRE.
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Nos termos do artº 23º, nº 1, da Lei 22/2013, de 26 de fevereiro, alterada pela Lei nº 52/2019, de 17 de abril, conjugado com o artº 1º, nº 1, da Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro, a remuneração do(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência é de € 2.000,00 (dois mil euros), a suportar pela massa insolvente.
Esta quantia vence-se em duas prestações iguais:
1.ª - no ato desta nomeação;
2.ª - seis meses após esta nomeação, mas nunca após a data do encerramento do processo.
Nos termos do artº 28º, nº 8, da Lei 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação conferida pela Lei nº 52/2019, de 17 de abril, a provisão para despesas corresponde a 2 UC e deverá ser paga imediatamente.
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Proceda-se ao pagamento das prestações já vencidas a título de retribuição e provisão para despesas, sendo que, face ao alegado quanto ao ativo, os respetivos valores deverão ser adiantados pelo IGFEJ”.
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A Requerida apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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O Requerente apresentou contra alegações pugnando por que seja negado provimento ao recurso e, em consequência, confirmada, integralmente, a sentença recorrida, sustentando em conclusão que “bem andou o Tribunal “a quo”, pois que, decidindo, como decidiu, interpretou corretamente os factos e aplicou de forma adequada o Direito, não violando quaisquer normas jurídicas, designadamente, as invocadas pela Recorrente”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Dos pressupostos de declaração de insolvência e da solvência da Requerida/Apelada.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
a) B…, nascida aos 26-11-1966, encontra-se casada com E… - cfr. certidão de nascimento junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b) O “Banco F…, S.A.”, no exercício da sua atividade, concedeu, aos 30-12-1997, à Requerida e ao seu marido dois créditos, um na razão monetária de 18.400.000$00, e outro de 1.500.000$00.
c) A Requerida recebeu efetivamente as quantias mutuadas, tendo delas usufruído, sendo que o escrito de maior valor se destinou a aquisição imóvel afeto a habitação própria e permanente e o outro a obras de beneficiação no imóvel adquirido – tudo cfr. documento nº 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d) Pelas inscrições AP. 10 de 1997/11/07 e AP. 11 de 1997/11/07, a Requerida e o marido constituíram a favor do banco credor hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito no …, da freguesia …, do concelho de Santo Tirso descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º 747/19971107 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 5840 – cfr. documento nº 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) A Requerida deixou de proceder ao pontual pagamento das prestações que se venceram após 30-06-2005 e 30-06-2006.
f) A Requerida deve, pelo menos, a título de capital das obrigações contraídas junto da Requerente, os valores de € 81.555,17 e de € 6.485,22.
g) A Requerida emitiu a favor da Requerente uma “livrança”, com a aposição do valor de 2.357.723$00.
h) Da obrigação mencionada em g), a Requerida deve à Requerente, pelo menos, o montante de € 10.584,24, a título de capital.
i) Sobre o imóvel descrito em d), encontram-se registadas penhoras a favor dos seguintes exequentes: sociedade G…, Lda., pelas quantias de 1.845.913,00 ESC., 622.276,00 ESC., e €4.136,47; sociedade H…, Lda, pelo valor 1.783.087,00 ESC; Fazenda Nacional, pelas quantias €2.395,35, €694,69, €28.324,24, €46.416,31 e €67.541,33; Banco I…, S. A., pelos montantes €13.400,43, €1.093,90 – cfr. certidão registral junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
j) E…, por requerimento apresentado aos 11-11-2009, solicitou a sua declaração de insolvência, a qual foi decretada por sentença proferida aos 13-11-2009, devidamente transitada em julgado.
k) No processo mencionado em j), que corre termos sob o nº 4898/09.9TBSTS, do Juízo de Comércio de Santo Tirso- J3-, por sentença devidamente transitada em julgado, foi reconhecido ao Banco I…, S.A., os créditos nos valores de €117.248,72 e €18.520,35 – cfr. certidão judicial junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Resultou não provado que:
1- A Requerida tenha pago os montantes mencionados em f) e h).
2- O imóvel descrito em tenha um valor patrimonial superior a € 225.000,00.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da situação de insolvência da devedora
Cumpre, em primeiro lugar, deixar claro que, como a apelante começa por concluir, o recurso é circunscrito ao mérito e, pese embora o que a mesma refere nas suas conclusões, a matéria de facto encontra-se, definitivamente, fixada nos termos supra exarados.
Com efeito, não tendo a matéria de facto sido objeto de impugnação, para o que, desde logo, se impunha a observância dos ónus de impugnação impostos pelo art. 640º, do CPC, de todo não observados, nenhuma alteração cabe introduzir à mesma, não sendo de reapreciar.
Passando, pois, à análise de mérito, verifica-se que se insurge a apelante contra a conclusão a que chegou o Tribunal a quo de a Requerida se encontrar insolvente, entendendo dever ser revogada a sentença por falta de prova de presunção de insolvência e dada a sua solvência.
Ora, adianta-se, desde já, bem entendeu o Tribunal a quo, que, esclarecendo a sua decisão refere:
Nos termos do artº 2º, nº 1, alínea a), do CIRE, poderão ser objeto de processo de insolvência as pessoas singulares, devendo declarar-se o estado de insolvência caso o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas, insolvência que pode ser atual ou iminente quando é o devedor que se apresenta à insolvência (artº 3º, nºs 1 e 4, do CIRE).
A avaliação de uma situação de insolvência deve ser balizada de acordo com o recorte normativo presente no artº 20º do referido diploma. (…) Tratam-se de factos-índice ou presuntivos, já que a verificarem-se permitem inferir pelas regras da experiência que os devedores estarão numa situação de insolvência, por incapazes de cumprir pontualmente as obrigações vencidas - Carvalho Fernandes/João Labareda, ob. citada, pág. 131.
Os factos-índice previstos nessa disposição radicam, todos eles, no não pagamento pontual das obrigações (em decorrência, aliás, do disposto no artº 3º, nº 1, do CIRE), estabelecendo, contudo, um gravame específico do incumprimento dos devedores, mediante a exigência de períodos de inadimplemento ou a expressividade da(s) dívida(s) no património daqueles ou ainda através da especificação dum comportamento concludente de abandono da atividade.
Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio “pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual”- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 71.
Na visão de Menezes Leitão - Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra 2009, pág. 76 - a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações.
Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao ativo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o ativo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo - Neste sentido, vide Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência Almedina, Coimbra 2016, págs. 19-30.
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência atual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do artº 3º, nº 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exatamente pela insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível - Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 87. Ou, na formulação de Catarina Serra -Revitalização – a designação e o misterioso objeto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra 2013, pág. 91-, a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo.
Sendo invocado e provado um dos factos-índices ou presuntivos, dispõe o artº 30º, nºs 3 e 4, do CIRE, relativamente à exigência de alegação e prova por parte do Requerido:
“3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência.
4 – Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizado e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3º.”
Deste modo, se estiver verificada a presunção, o devedor pode ainda afastar a conclusão a que ela conduz, mas fica, então, com o ónus da prova. Uma vez que a presunção é ilidível, ele pode fazer prova de que não se encontra em situação de insolvência, apesar do facto indiciário.
Como se conclui no acórdão da Relação de Guimarães de 19-06-2019– www.dgsi.pt: “IV - No artigo 20º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas mostram-se elencadas diversas situações que consubstanciam o que se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência.
V - Perante a alegação de qualquer facto-índice, o devedor pode opor-se à declaração de insolvência, não apenas com base na inexistência do facto-índice, mas também com base na inexistência da própria situação de insolvência (art. 30º n.º 3).”
Isto posto, nos presentes autos, resultou demonstrado que a Requerida deve à Requerente, pelo menos, os valores de €81.555,17, de €6.485,22 e de €10.584,24.
O Tribunal não logrou provar os demais valores reclamados pela Requerente, referentes a juros e sobretaxas, sendo que, nesta fase, tal facto não reveste de primordial importância.
Como doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto de 16-03-2021, proferido no Processo nº 2141/20.9T8STS, deste Juízo:
“Ora, no processo de insolvência, a sentença que nele é proferida tem um conteúdo legalmente limitado. Isto é, sendo declarada a insolvência, o juiz só pode decidir o que está previsto no artigo 36.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e não outras matérias. Assim, não pode, por exemplo, reconhecer créditos, pois que, para esse efeito, há outras regras e locais próprios (v.g. artigos 128.º e sgts e 146.º a 148.º, do CIRE).
Mas, sendo assim, como é, não se pode considerar que o Apelante ficou vencido por não lhe ter sido reconhecido o crédito que invoca, com a dimensão que lhe atribui. Até porque essa matéria não foi objeto de decisão.
É certo que, em sede de fundamentação, se aludiu a esse conteúdo para concluir que o crédito em causa teria uma dimensão mais reduzida. Mas essa apreciação, porque não foi objeto da decisão final, não constitui para o Apelante caso julgado. Pode, portanto, continuar a ser discutida, designadamente, no local próprio para o efeito, se e quando for o caso.
O que não pode é ser dirimida nesta sede, uma vez que o Apelante obteve com a decisão recorrida o maior efeito que poderia obter; ou seja, a declaração de insolvência do Apelado.”
Assim, e embora o valor global do crédito da Requerente dado como provado seja menor ao montante reclamado, certo é que demonstrado se encontra que a Requerida não tem liquidez sequer para pagar a quantia que resultou provada, bem concluindo o Tribunal a quo pela insolvência por resultar do circunstancialismo provado que a Requerida se encontra em falta no tocante ao cumprimento das suas obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, é reveladora da impossibilidade em que se encontra de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, verificando-se preenchida, desde logo, a previsão do artº 20º, nº 1, alínea b), do CIRE, e dado que a Requerida não logrou afastar a presunção de insolvência, não derivando possuir ativo disponível para proceder ao pagamento integral e imediato dos seus débitos.
Na verdade, bem entendeu o Tribunal a quo permitir a matéria provada concluir que a apelante se encontra numa situação de insolvência tal como esta vem caracterizada no nºs 1, do art. 3º do CIRE.
Com efeito, logrou o requerente/apelado fazer prova do facto-índice enunciado na alínea b), do n.º 1, do art. 20º, daquele diploma, presunção esta que não foi ilidida pela devedora/apelada, bem resultando demonstrado que a Recorrente deve à Recorrida, pelo menos, os valores de €81.555,17, de €6.485,22 e de €10.584,24 e demonstrado se encontra que a mesma não tem liquidez para pagar, sequer, essa quantia, encontrando-se numa situação de insolvência.
Na verdade, a Recorrente encontra-se em falta no tocante ao cumprimento de obrigações suas que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento é reveladora da impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, verificando-se preenchida a previsão da al. b), do nº1, do artº 20º, do CIRE, não tendo a requerida/apelante logrado afastar a presunção de insolvência, pois que não demonstrou possuir ativo disponível para proceder ao pagamento dos débitos a que aludem os factos provados, vindo as dívidas vencidas a avolumar-se ao longo de anos, com juros, sem serem pagas, certa sendo, também a insolvência do cônjuge, decretada num outro processo.
E irrelevante é se os créditos da requerente, invocados no processo de insolvência do marido da requerida são dois dos três invocados neste processo, certo sendo estarem, aqui, já fixados os factos referentes aos créditos da apelada, dívidas da apelante, vencidas há mais de uma década e cujo pagamento a mesma não demonstrou ter efetuado (como lhe competia nos termos do nº2, do art. 342º, do Código Civil).
Ora, como bem decidiu a RG em processo em que a ora relatora foi adjunta “pressuposto da instauração da ação de insolvência é que o devedor, contra quem a ação é proposta, se encontre numa situação de insolvência.
O conceito básico de insolvência encontra-se consagrado no art. 3º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Decorre deste preceito que o que caracteriza uma situação de insolvência é a impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações já vencidas, pelo que só o incumprimento de obrigações vencidas e a impossibilidade do credor de as cumprir, é suscetível de ancorar o pedido de insolvência por outro legitimado, que não o próprio devedor[1].
No entanto, o art. 3º, n.º 4 do CIRE, equipara à situação de insolvência atual, a situação de insolvência iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência, (…).
Dispondo de legitimidade para instaurar o processo de insolvência para além do devedor, o qual, aliás, nos casos referidos no art. 18º do CIRE, tem mesmo o ónus legal de se apresentar à insolvência, os que forem legalmente responsáveis pelas dívidas do devedor, assim como qualquer credor, além do Ministério Público (art. 20º, n.º 1 do CIRE), naturalmente que, de acordo com as regras do ónus da prova enunciadas no art. 342º, n.º1 do CC, os legitimados a instaurar essa ação que não seja o devedor, terão de alegar e provar factualidade de onde decorra que o devedor se encontra numa situação de insolvência nos termos dos enunciados nos nºs 1 ou 2 do art. 3º, com o sentido e alcance atrás referidos.
Ciente das dificuldades com que esses legitimados a requerer a insolvência se irão, necessária e naturalmente, ver confrontados em satisfação esse ónus alegatório e probatório, o legislador consagrou no n.º 1 do art. 20º oito situações que constituem “factos índice” ou exemplos padrão” de insolvência, ou seja, “situações através das quais, normalmente, se manifesta, essa situação” de insolvência do devedor[2].
Trata-se aqui de estabelecer situações de presunções legais de insolvência do devedor, em que ao credor basta alegar e provar a factualidade base integrativa da presunção para, uma vez provada essa factualidade, se presumir legalmente a insolvência do devedor.
A enunciada presunção de insolvência, nos termos do disposto no art. 350º, n.º 2 do CC, pode no entanto ser ilidida pelo devedor, uma vez que em nenhum momento do CIRE, a lei proíbe essa ilisão, antes pelo contrário, o n.º 4 do art. 30º do CIRE é expresso caber “ao devedor provar a sua solvência”, tratando-se, por isso, de mera presunção iuris tantum, em que é consentido ao credor carrear para o processo factos e circunstâncias que, uma vez provadas por ele, são demonstrativos que o mesmo não se encontra em situação de insolvência, ilidindo aquela presunção de insolvência e obstando, assim, à sua declaração de insolvência[3]”[4].
Considerando-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (cfr. art. 3º, n.º 1 do CIRE) e encontrando-se, ainda, equiparada à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de ser o próprio devedor a apresentar-se à insolvência (cfr. art. 3.º, n.º 4 do diploma anteriormente referido), a situação de insolvência assenta em dois elementos objetivos: “a impossibilidade de cumprir” e o “vencimento das obrigações”. A impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas implica um juízo de análise do conjunto do passivo da empresa e das circunstâncias do incumprimento, do qual resulte que esta não vai cumprir”, sendo que “O credor, ao requerer a insolvência, não tem que fazer prova da inviabilidade económica do devedor, bastando-lhe apenas invocar factos dos quais possa resultar a prova de que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”[5].
E, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, do CIRE, A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida…verificando-se algum dos seguintes factos:
(…)
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
(…), sendo a citada alínea a convocada.
Os factos-índice ou presunções de insolvência, previstos no n.º 1 do art. 20º, sendo taxativos não são, contudo, efetivamente, cumulativos[6]. Tais factos-índices ou presuntivos de insolvência foram consagrados tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto[7].
Dentro dos factos índices da insolvência surge (cfr. art. 20º do CIRE) a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias, revelem impossibilidade de satisfação da generalidade das obrigações.
Ora, face ao montante que se encontra em dívida, pela requerida, não pode deixar de se considerar verificado o supra referido fundamento do pedido de declaração de insolvência da mesma.
Com efeito, como decorre do disposto no art. 20º, n.º 1, do CIRE, o credor, ao requerer a insolvência, não tem de alegar e fazer a prova da inviabilidade económica do devedor, bastando-lhe apenas invocar factos dos quais possa resultar a prova de que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. E ficando demonstrado algum dos factos-índice ou presuntivos da insolvência a que se referem as diversas alíneas do n.º 1 do art. 20º do CIRE, a partir dos quais é possível presumir a insolvência do devedor é de declarar a insolvência.
A verificação de um dos referidos factos indicia que o devedor pode estar em situação de insolvência, ou seja, são “factos-índice”, que estabelecem meras presunções do estado de insolvência, podendo, por isso, o devedor ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais desses factos, a situação de insolvência se não verifica (art. 350º, do C. Civil)”[8] [9]. A presunção pode, porém, ser contrariada através de factos que comprovem que, apesar de se verificar alguma das situações previstas no aludido preceito legal, o devedor não se encontra em situação de insolvência.
Deste modo, há que averiguar previamente se os factos dados como provados fazem presumir a insolvência, sendo que, na afirmativa, se tem de averiguar se essa presunção foi ilidida[10].
Com efeito, o estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de algum deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência [11], sendo os factos-índices contidos no art. 20º, n.º 1, do mencionado diploma, fundamentos do requerimento da declaração de insolvência do devedor[12].
Os factos referidos neste artigo, constituindo meros índices da situação de insolvência, tal como definida no artigo 3º, conforme refere Lebre de Freitas, Themis, edição especial (2005), p.18, qualquer deles é, no entanto, condição suficiente da declaração de insolvência, tal como resulta dos arts. 30º, nº5 e 35º, nº4, se a presunção de insolvência não for ilidida. Efetivamente, perante a alegação de qualquer facto-índice, o devedor pode opor-se à declaração de insolvência, não apenas com base na inexistência do facto-índice, mas também com base na inexistência da própria situação de insolvência (art. 30º, nº3). A lei refere que cabe ao devedor a prova da sua solvência (art. 30º, nº4), mas do que se trata é de ilidir a presunção de insolvência”[13].
Assim, no seguimento da Doutrina, vem a Jurisprudência, afirmar que “Os factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do nº1 do art.º. 20º do CIRE manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência”, podendo, contudo, o devedor “impedir a declaração de insolvência, demonstrando que não se verifica qualquer dos invocados “factos índice”, ou demonstrando que, não obstante a ocorrência desse(s) facto(s), não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência –art. 30º, n.º 3, do CIRE”, como decorre do Acórdão da Relação de Lisboa de Lisboa de 28/5/2019, proc. 3516/18.9T8BRR-A.L1-1[14], onde mais se sumaria “4.– Tendo-se provado ser o montante da dívida do valor de €268.022,36, remontar o vencimento da mesma a Setembro de 2017, e não ter a dívida sido paga desde então, ainda que parcialmente, sendo os únicos rendimentos líquidos da devedora do montante mensal de €1.300,00, é de considerar preenchido o facto-índice a que alude o art. 20º, n.º 1, al. b) do CIRE, evidenciando aqueles factos a impossibilidade da devedora pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações. 5.– Em face dessa demonstração, competia à devedora provar que tinha capacidade para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, isto é demonstrar que possuía crédito e património activo líquido suficientes para saldarem o seu passivo”.
A factualidade provada traduz a falta de cumprimento das obrigações há muito vencidas e contém a indiciação da insusceptibilidade de cumprimento, pela requerida, das suas obrigações, desde logo, a do facto-índice a que alude a alínea b) do nº1 do art. 20º do C.I.R.E., que se refere a incumprimento de que se possa inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Subsume-se, manifestamente, a este o caso dos autos atentos os montantes em dívida, a antiguidade das dívidas e a situação, de oneração, do património, circunstâncias bem reveladoras da impossibilidade de satisfação pontual da generalidade das obrigações, dado serem várias, avultadas e já antigas as dívidas da devedora, nascida em 1966, com marido insolvente e sendo diversas as penhoras a incidir sobre o seu património.
A verificação da falta de cumprimento das obrigações, há muito vencidas e comprovado o demais quadro factual concreto referido nos factos provados, reportado ao seu montante e às circunstâncias do incumprimento, permite concluir pela incapacidade financeira da devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que implica a verificação do facto-índice a que alude a alínea b) do preceito legal em análise[15]. A falta de cumprimento, pelo seu montante[16] e circunstâncias do incumprimento, que se vem arrastando há décadas, revela a impossibilidade de a devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
É, pois, de se manter a decisão, dada a prova de facto índice de que decorre situação de incapacidade de cumprimento da generalidade das obrigações vencidas (v. nº1, do art.º 3.º e al. b), do n.º 1, do art. 20º, do CIRE) e nenhuma prova foi feita pela Requerida de possuir ativo líquido para proceder ao pagamento dos seus débitos.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 20 de setembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 84 e 85.
[2] Ac. RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TJCBR-B-C1, in base de dados.
[3] Acs. RG. de 06/10/2011, Proc. 44/11.7TBEPS.G1; RP. de 26/10/2006; Proc. 0634582; RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TJCBR-B.C1; RL. de 12/05/2009, Proc. 986/08.7TBRM.L1-7.
Na doutrina Carvalho Fernandes, ob. cit., págs. 200 e 201, onde se lê: “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efetiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. Art. 3º, n.º 1). Caberá então, ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice”.
No mesmo sentido, Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, Almedina, 2016, 4ª ed., págs. 156 e 157.
[4] Ac. RG de 15/11/2018, proc. 3016/18.7T8GMR-C.G1
[5] Maria José Esteves e Sandra Alves Amorim, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Vida Económica, pág. 21
[6] Luís M. Martins, ob. cit., pág. 156.
[7] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, pag 197
[8] Ac. RL de 18/12/2012, proc. 505/12.0TYLSB.L1-7, in dgsi.pt
[9] Maria José Esteves e Sandra Alves Amorim, Idem, pág. 22
[10] Ibidem, pág. 23
[11] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pag 135
[12] Catarina Serra, O Novo Regime Jurídico Aplicável à Insolvência, 2004, pág. 15.
[13] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª edição, pág. 102 e seg.
[14] Ac. RL de 28/5/2019, proc. 3516/18.9T8BRR-A.L1-1, in dgsi.pt
[15] V. Ac. RE de 5/12/2019, proc. 5388/19.7T8STB-B.E1, in dgsi.pt
[16] V. Ac RL de 6/3/2008, proc, 1060/2008-2, in dgsi.pt, onde se considerou que “Valor da dívida de montante elevado para efeitos de integração na alínea b) do n.º1 do artigo 20 do CIRE, constitui conceito subjectivo que deverá ser ponderado em função da natureza da actividade profissional exercida pelo requerido e dos rendimentos dela decorrentes, designadamente tendo por comparação o salário mínimo nacional”.