Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
141382/13.1YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PREÇO
FACTURA
IVA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP20150413141382/13.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A emissão da factura com os «requisitos legais» (artigo 19.º, n.º 2, al. a), do CIVA, na redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto) não faz parte da prestação principal devida no âmbito de um contrato de prestação de serviços, tratando-se de um dever imposto por lei para fins fiscais. Porém, atendendo à relevância do interesse do devedor na emissão e obtenção da factura, poderá considerar-se que se trata de um dever acessório de prestação ou de conduta a prestar pelo credor.
II – Não se referindo o artigo 428.º (Excepção de não cumprimento do contrato) do Código Civil aos deveres acessórios ou de conduta, a aplicação desta norma a estes deveres só é viável através da analogia, nos termos do artigo 10.º do Código Civil.
III – Não tendo sido invocada tal excepção (de não cumprimento do contrato), o tribunal não conhecerá dela, e a emissão de facturas sem indicações sobre o IVA devido não impede a condenação da Ré no pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação
Processo n.º 141382/13.1YIPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto –Instância Central – 1.ª Secção Cível - J5
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – A emissão da factura com os «requisitos legais» (artigo 19.º, n.º 2, al. a), do CIVA, na redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto) não faz parte da prestação principal devida no âmbito de um contrato de prestação de serviços, tratando-se de um dever imposto por lei para fins fiscais. Porém, atendendo à relevância do interesse do devedor na emissão e obtenção da factura, poderá considerar-se que se trata de um dever acessório de prestação ou de conduta a prestar pelo credor.
II – Não se referindo o artigo 428.º (Excepção de não cumprimento do contrato) do Código Civil aos deveres acessórios ou de conduta, a aplicação desta norma a estes deveres só é viável através da analogia, nos termos do artigo 10.º do Código Civil.
III – Não tendo sido invocada tal excepção (de não cumprimento do contrato), o tribunal não conhecerá dela, e a emissão de facturas sem indicações sobre o IVA devido não impede a condenação da Ré no pedido.
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Recorrente…………………...B…, Lda., com sede em …, Lote …, ….-… Vila Real Santo António.
Recorrida……………………C…, S.A., com sede em Rua …, n.º … – …, ….-… Porto.
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I. Relatório
a) O presente recurso respeita à sentença proferida na presente acção, iniciada como processo de injunção, através da qual a recorrida «C…» demandou a recorrente para obter a condenação desta, como havia pedido, a pagar-lhe a quantia de €139.102,48, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial.
Por despacho de 19 de Fevereiro de 2014, foi ordenado «…o desentranhamento da oposição/contestação de fls. 9 e ss» devido ao facto da Ré ter omitido o «…pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de igual valor ao da taxa de justiça inicial, sob a cominação prevista no n.º 6 do mesmo art. 570.º do C.P.Civil».
A recorrida foi condenada neste termos:
«Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condena-se a Ré “B…, L.DA” a pagar à Autora “C…, S.A.” a quantia de €139.102,48 (CENTO E TRINTA E NOVE MIL CENTO E DOIS EUROS E QUARENTA E OITO CÊNTIMOS), acrescida de juros de mora, vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas dos autos, às sucessivas taxas legais divulgadas semestralmente por Aviso da Direcção-Geral do Tesouro na 2ª Série do Diário da República, e até efectivo e integral pagamento».
b) É desta decisão que vem interposto o recurso, sendo as alegações as seguintes:
«1. O litígio é a falta de pagamento do preço.
2. A A. não enviou à Ré a fatura ……275, de €10.047,20, de 2013/08/09.
3. A R. devolveu à A. todas as faturas que recebeu desta, as pagas e as não pagas, com exceção da fatura ……275, de €10.047.20, pedindo a anulação destas e a sua substituição por outras, onde, discriminadamente, constasse as taxas de IVA, a soma do IVA e, depois, o total da fatura, mais o total do IVA, mais o total final, destas rubricas, o que a A. até hoje não fez e se recusou ou negou a fazer, por escrito.
Em resultado,
4. A R. não conseguiu deduzir o IV A das faturas, as pagas e as não pagas.
E
5. O Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António recusou à R. a dedução do IVA.
6. Nas suas alegações, de 2014/04/22, a R., em suma. alega que a A. não junta as faturas (n.ºs 4 e 5. do reqto.], que as faturas têm que conter as parcelas dos bens ou serviços e o IVA, com a taxa legal aplicável, o que a A. não faz, e que não juntando as faturas, com as parcelas dos bens ou serviços e o IVA, com a taxa legal aplicável, não há dívida da R. à A. [n.º 6 e 7. do reqto.)
7. A R. não foi notificada pela A. da junção das faturas, de fls. 96, 114, 183, 207, 221, 245 e 284 dos autos.
8. Nem a A. notificou a R. das suas alegações, que constam no histórico do “Citius
9. Nem a R. recebeu qualquer notificação da A, no decurso dos autos.
10. Não se debruçando a sentença sobre os requisitos das faturas e a falta de discriminação do IVA nestas, com impossibilidade da R. o deduzir, questão que é colocada nas alegações da R., de 2014/04/22.
11. Existe, pois, na sentença, falta de pronúncia, com nulidade desta.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
Ao decidir, como decidiu, a douta sentença recorrida violou, pelo menos, o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), V parte, do CPC, norma, essa, que deve ser interpretada e aplicada com o sentido que consta dos artigos das conclusões das presentes alegações.
Nestes termos e nos mais de direito, sem esquecer o douto suprimento, deve a sentença ser anulada, com as legais consequências».
c) A recorrida não contra-alegou.
II. Objecto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto, se as houver, e, por fim, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), as questões colocadas no recurso são as seguintes:
A primeira questão a analisar respeita à nulidade da sentença, que a ré fundamenta alegando ter existido omissão de pronúncia quanto às consequências da ausência de discriminação do IVA nas facturas.
A segunda questão colocada entronca na primeira e consiste em saber se a falta de discriminação do IVA nas facturas impede a condenação da Ré no pedido.
III. Fundamentação.
a) Nulidade da sentença.
Nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Coloca-se a questão de saber se o juiz tinha ou não tinha de conhecer da questão relativa à falta de indicação do IVA nas facturas.
Em 1.ª instância entendeu-se que não ocorria a nulidade arguida porque
«…a oposição que havia sido deduzida pela Ré foi mandada desentranhar dos autos por falta de pagamento da taxa de justiça e da multa devida (cfr. despacho de fls. 303, transitado em julgado).
Por conseguinte, não tendo sido suscitada pelas partes e, designadamente pela Ré, a alegada falta de discriminação do IVA nas facturas em causa nos autos, não tinha (nem podia) o Tribunal que pronunciar-se sobre tal questão, já que a mesma não é do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC).
Sustenta, porém, a Ré que tal questão foi suscitada nas alegações que apresentou para efeitos do disposto no artigo 567.º, n.º 2 do CPC. Todavia, as alegações a que alude o preceito citado constituem alegações escritas sobre a matéria de direito, pois que, tendo sido desentranhada a contestação, seguiram-se os termos da revelia operante, com supressão das fases do saneamento, da instrução e da discussão da matéria de facto. E daí que tais alegações sejam meramente facultativas, porquanto o juiz não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação das normas de direito que as partes sustentem no processo – artigo 5.º, n.º 3 do CPC».
Não assiste razão à recorrente.
Cumpre ter em consideração que o vício que conduz à nulidade da sentença tem de assumir natureza estritamente processual, respeitando, por conseguinte, à observação das formalidades dos actos processuais.
Na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, determina-se a nulidade da sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões… ou conheça de questões…».
O termo «questões» embora se possa referir a questões substantivas, há-de estar relacionado com a observância ou inobservância do formalismo processual.
Sobre esta questão ANTUNES VARELA referiu que «… é ponto há muito justificadamente assente que a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil só abrange a total omissão de alguma das questões levantadas, seja pelo autor como fundamento da acção, seja pelo réu como fundamento das excepções ou do pedido reconvencional. Já não compreende a necessidade de apreciar todas as razões ou argumentos em que as partes fundamentam a sua posição perante cada uma das questões debatidas» [1].
Daí que se afigure que as «questões» omitidas na sentença, susceptíveis de gerarem nulidade de sentença, tenham se ser estruturais e não simples argumentos invocados a favor ou contra uma dada solução pedida por uma «questão» colocada.
O termo «questões» respeita, por isso, apenas: ou ao pedido (seja da acção ou da reconvenção) ou às excepções.
Aqui já se compreende que a omissão de pronúncia sobre um pedido ou sobre uma excepção assuma gravidade suficiente para determinar a nulidade da sentença; ao invés, se a omissão respeitar a um argumento invocado a favor ou contra a procedência de uma «questão» colocada, a questão (bem ou mal) foi objecto de pronúncia, pelo que sobra o recurso (se for admissível) para reagir contra essa omissão.
A questão do IVA não é uma questão colocada nem como fundamento da acção, nem como matéria de excepção, pois não existe oposição.
O facto da Ré ter argumentado, nas alegações previstas no n.º 2 do artigo 567.º do Código de Processo Civil, invocando a falta de discriminação do IVA nas facturas, não configura uma «questão» a ser analisada na sentença, sob pena de nulidade desta.
Faz-se esta afirmação porque, como se referiu, as questões a analisar na sentença são as alegadas nos articulados como fundamento do pedido ou das excepções.
Improcede, pelo exposto, a arguição da nulidade de sentença.
b) Matéria de facto provada.
1. A Autora é uma agência de viagens e de organização de circuitos turísticos, cuja actividade consiste na prestação de serviços de viagens e turismo.
2. A actividade desenvolvida pela Autora compreende operações em que actua em nome próprio perante o cliente e recorre, para a realização dessas operações, a transmissão de bens ou prestação de serviços efectuados por terceiros (vulgarmente designados de pacotes turísticos).
3. A Ré é uma sociedade por quotas, que se dedica à organização e produção de eventos, nomeadamente desportivos.
4. Nesse âmbito, a R., solicitou à A. a prestação de várias actividades turísticas, designadamente:
a) Alojamento (incluindo alimentação) para estágio da equipa do D… no Algarve, no âmbito do jogo amigável D… vs E…, a realizar nos dia 23 a 27 Julho;
b) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) para estágio da Pré Época da equipa do F… no Algarve, a realizar nos dias 15 a 24 Julho;
c) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) para estágio da equipa do G… em Lisboa, no âmbito do jogo amigável H… vs G…, a realizar nos dias 10 a 12 Agosto;
d) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) para estágio da equipa do I… em Lisboa, no âmbito do jogo amigável H… vs I…, a realizar nos dias 27 a 28 Julho;
e) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) – J… – no Algarve a realizar no dia 27 Julho;
f) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) para estágio da equipa do E… no Algarve, no âmbito do jogo D… vs E…, a realizar nos dia 23 a 25 Julho;
g) Transporte e alojamento (incluindo alimentação) para estágio da equipa do H… no Canadá, a realizar nos dias 15 a 22 Julho.
5. A Autora prestou à Ré as actividades supra descritas, tendo para o efeito adquirido a terceiros os serviços de alojamento e transporte.
6. Nessa sequência, a Autora emitiu e enviou à Ré as respectivas facturas proforma, perfazendo o montante global de €270.669,48.
7. Relativamente ao estágio do H… no Canadá (proforma 237 e 233), foi comunicado à Ré, e aceite por esta que acresceria a quantia de €120,06, em virtude do pedido de bagageiros no Aeroporto de Lisboa, pelo que o total ascenderia a €15.225,78.
8. A Ré, por conta do valor devido a final, efectuou os seguintes pagamentos, no valor de €131.567,00:
- €25.000,00 (factura n.º …….237);
- €25.000, (factura n.º ……209);
- €5.000,00 (factura n.º ……238);
- €16. 567,00 (factura n.º ……009);
- €60.000,00 (factura n.º ……008).
9. Posteriormente, a Autora emitiu e enviou para a Ré as facturas de fls. 96, 144, 183, 207, 221, 245 e 284 dos autos, com os valores em falta, conforme abaixo discriminado:
- Factura n.º ……269 no valor de 7.675,00 €, emitida em 26/08/2013 e com vencimento em 27/08/2013.
- Factura n.º ……270 no valor de 9.987,50 €, emitida em 26/08/2013 e com vencimento em 27/08/2013.
- Factura n.º ……925 no valor de 75.658,78 €, emitida em 26/08/2013 e com vencimento em 27/08/2013.
- Factura n.º ……272 no valor de 11.685,00 €, emitida em 27/08/2013 e com vencimento em 28/08/2013.
- Factura n.º ……273 no valor de 5.472,00 €, emitida em 27/08/2013 e com vencimento em 28/08/2013.
- Factura n.º ……274 no valor de 18.577,00 €, emitida em 27/08/2013 e com vencimento em 28/08/2013.
- Factura n.º ……275 no valor de 10.047,20 €, emitida em 29/08/2013 e com vencimento em 30/08/2013.
b) Apreciação da restante questão objecto do recurso.
Vejamos se a falta de discriminação do IVA nas facturas impede a condenação da Ré no pedido.
A reposta é negativa pelas seguintes razões:
1 – Resulta dos factos provados que a Autora prestou à Ré os serviços descriminados na matéria de facto provada, mediante o preço indicado nas facturas.
Tanto basta, como se verifica pela sentença sob recurso, para a qual se remete nesta parte, para preencher o conteúdo das normas que implicam a condenação da Ré a pagar à Autora o preço contratado.
2 – A Ré sustenta, porém, que as facturas não contêm a indicação sobre o IVA devido, facto que corresponde efectivamente à realidade.
Vejamos as implicações desta questão.
Nos termos do art. 29.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, os sujeitos passivos estão obrigados, a «b) Emitir obrigatoriamente uma factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços (Redacção do D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013).
No artigo 19.º, n.º 2, al. a), do CIVA, refere-se que «2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em facturas passadas na forma legal; …» (Redacção do D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013).
Por sua vez, o artigo 36.º, n.º 5, al. d), do mesmo código dispõe que, «As facturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: (Redacção do D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013) …; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido» [2].
Verifica-se, por conseguinte, que a Autora estava e está obrigada a emitir uma factura «na forma legal», portanto com discriminação do IVA devido e a entregá-la à Ré. E esta tem interesse nisso, para deduzir o IVA suportado nas suas aquisições no IVA liquidado aos clientes, nos termos do artigo 19.º e seguintes do mesmo código.
Nos termos do n.º 1, do artigo 428.º do Código Civil, «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo».
Porém, a excepção de não cumprimento do contrato refere-se à prestação principal e no caso dos autos verifica-se que a Autora cumpriu com a prestação principal, isto é, forneceu à Ré os serviços que esta lhe solicitou e, por isso, tem direito a receber o preço.
A emissão da factura com os «requisitos legais» não faz parte da prestação principal, tratando-se de um dever imposto por lei para fins fiscais.
No entanto, dado o interesse da Ré na emissão e obtenção da factura (com os «requisitos legais»), poderá considerar-se que se trata de um dever contratual acessório.
Mas não se referindo o artigo 428.º do Código Civil aos deveres acessórios, a sua aplicação só logrará êxito com recurso à aplicação por analogia, nos termos previstos no artigo 10.º do Código Civil [3].
Por conseguinte, a questão da entrega das facturas com indicação do IVA poderá, em certos casos, fundamentar a referida excepção, tudo dependendo da relevância da emissão e entrega da factura na economia de cada negócio singular.
3 – No caso dos autos verifica-se que não se encontra deduzida tal excepção por parte da Ré.
Se a ré tivesse contestado alegado o não pagamento das facturas por não conterem indicação sobre o IVA devido, tal alegação poderia ser integrada, eventualmente, como se disse, na excepção de não cumprimento de contrato prevista no artigo 428.º do Código Civil.
Porém, como a oposição não foi admitida, não há alegação válida de tal excepção nos autos [4].
Por outro lado, a lei não determina ao tribunal que absolva oficiosamente um devedor da instância, ou profira condenação subordinada ao futuro cumprimento da prestação em falta, no caso da factura emitida pelo seu credor não conter indicações sobre o IVA devido.
Por conseguinte, o recurso tem de improceder.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão sob recurso.
Custas pela recorrente.
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Porto, 13 de Abril de 2015
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Revista de Legislação e de Jurisprudência. Ano 122, pág. 247 (anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 1984, publicado no BMJ n.º 342-361).
[2] Cfr., a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Abril de 2009, com referência ao n.º 0951/08 (ver em www.dgsi.pt): «I – A factura ou documento equivalente passado em forma legal exigida pelo artigo 19.º, n.º 2 do CIVA para a dedução do imposto é a que respeite todas as exigências do artigo 35.º, n.º 5 do mesmo Código. II – A exigência desse formalismo constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do imposto, apesar de o sujeito passivo estar isento de IVA».
[3] Defendendo a aplicação por analogia, ver Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 794.
[4] Como refere José João Abrantes, relativamente à excepção de não cumprimento do contrato, «…não sendo invocada pelo demandado, deixa ao demandante o caminho livre para obter a prestação – mesmos em ter cumprido ou oferecido o seu cumprimento simultâneo, pois que destes factos (…), não fica dependente a exigibilidade daquilo que lhe foi prometido e que, como tal, lhe é devido pelo outro contraente (o ora demandante) – Excepção de Não Cumprimento do Contrato. Almedina, 1986, pág. 149-150.