Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
543/12.3PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: DEPOIMENTO DOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
INFORMAÇÕES
INQUÉRITO
Nº do Documento: RP20150617543/12.3PDPRT.P1
Data do Acordão: 06/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é proibida a valoração do depoimento prestado pelos órgãos de polícia criminal no que se refere a declarações que colheram de um cidadão que ainda não é arguido (nem suspeito) e o vem a ser depois dessas declarações, através das quais obtiveram notícia da sua participação na prática de um crime.
II – A lei ao proibir a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não for permitida, cinge-se às declarações prestadas no âmbito do processo ou que o deveriam ter sido (“conversas informais”).
III - Tal não ocorre se os agentes policiais, no âmbito de uma actividade de prevenção, se limitaram a recolher informação, que lhes foi livremente prestada.
IV- A proibição que decorre do artº 356º7 CPP, pressupõe a existência de um inquérito a decorrer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 543/12.3PDPRT.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 29 de abril de 2015, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 543/12.3PDPRT, da secção criminal (J5) – Instância Local do Porto, Comarca do Porto, em que é arguida B…, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 185-186]:
«(…) A) Condenar a arguida, B…, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º, nº 2 do CP (versão de 1995), na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
Usando da faculdade concedida pelo art° 50°, nºs 1 e 5 do CP, suspendo a execução da pena pelo período de 1 (um) ano.
(…)»
2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 201-204]:
«A. É expressamente assumido na sentença recorrida que o Tribunal a quo assentou inteiramente a sua convicção no depoimento das duas testemunhas de acusação, agentes da PSP, até porque a arguida se remeteu ao silêncio em audiência;
B. Mas estas testemunhas de acusação afirmaram expressamente que a sua razão de ciência derivava única e exclusivamente de “confissão” extrajudicial da recorrente, feita aos referidos OPC, antes da constituição como arguida;
C. As testemunhas disseram expressamente que não presenciaram nada, não têm conhecimento directo de nada e não viram absolutamente nada, pelo que os seus depoimentos constituem, na íntegra, depoimentos indirectos (art. 129.º/1 do CPP), meras reproduções de uma “conversa informal” que mantiveram com a recorrente;
D. Como escreve VINÍCIO RIBEIRO, as conversas informais são conversas não formais e, por isso não reduzidas a auto. Processualmente não existem. Podem ocorrer no local da infracção (e será até o caso mais vulgar) antes de o arguido ter sido constituído como tal, no posto policial ou até nos corredores do tribunal (já depois da constituição de arguido);
E. No entanto, como ensina DAMIÃO DA CUNHA, por força dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP, os órgãos de polícia criminal não podem prestar depoimento sobre declarações que perante eles tenham sido prestadas, pelo que não é admissível a prestação de depoimento indirecto pelos órgãos de polícia criminal;
F. E diz PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que o depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP, proibição que veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, venha o agente policial a ser instrutor do inquérito ou não;
G. Inteiramente neste sentido vai o Ac. TRP de 12-10-2011, (r. MARIA DOLORES SILVA E SOUSA, unânime), onde se sumaria que «Consubstancia uso de prova proibida a valoração, em julgamento, das conversas informais do arguido com os agentes policiais, tenham elas ocorrido antes ou depois da sua constituição como arguido»;
H. E completa o Ac. STJ de 09-07-2003, (r. ARMANDO LEANDRO, unânime): «Entendimento contrário implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes de auto cuja leitura não fosse permitida em audiência nos termos dos art. 357.º, conjugado com os artigos 355.º e 356.º, n.º 7. Constituiria manifesta ofensa do fim prosseguido pela lei com estas disposições, revelado pelo seu espírito, designadamente a salvaguarda dos princípios da oralidade, da imediação, da publicidade, do contraditório, da concentração»;
I. Em suma, a serem valorados em sede de prova, os depoimentos dos OPC narrando “conversas informais” representam a aceitação tácita de AUTÊNTICAS CONFISSÕES EXTRA-JUDICIAIS, não-livres, inadvertidas, desavisadas, cuja mera enunciação oral — nem sequer leitura — em sede de depoimento dos agentes policiais vai frustrar contra legem as garantias de defesa do arguido;
J. Caso tal prática se generalize, quem guardará os guardas? Quem protegerá os cidadãos quando os depoimentos dos OPC sobre conversas informais passarem a constituir a norma quando não exista mais qualquer indício ou prova incriminadora contra os arguidos, como é o caso dos presentes autos?
K. Seria uma porta aberta ao arbítrio policial, algo que os Tribunais não podem sufragar;
L. Todavia, a nova redacção do art. 357.º, n.º 1 do CPP introduziu a proibição de reprodução de declarações do arguido (além da leitura), o que engloba a proibição de valoração do depoimento indirecto dos OPC sobre conversas informais — reproduções orais, low-fi, subjectivas e inexactas em comparação com reproduções mecânicas;
M. Foram, portanto, violados, do CPP, os artigos 125.º (legalidade da prova), 127.º (livre apreciação da prova) art. 129.º/1 (depoimento indirecto), art. 344.º (confissão), art. 355.º (imediação), art. 356.º/7/8/9 (inquirição de OPC sobre declarações de leitura proibida), art. 357.º (proibição de reprodução de declarações do arguido), art. 379.º/1-c) (omissão de pronúncia); da CRP, o artigo 32.º/1 (direito a processo justo e equitativo e respeito pelos limites legais à obtenção de prova incriminadora) e 32.º/8 (valoração de prova proibida); do CP, o art. 231.°/1/2 (receptação);
N. Com todo o devido respeito, o Tribunal a quo interpretou mal esta constelação de normas, pois julgou admissível e valorou em sede probatória o depoimento indirecto de agentes de polícia versando sobre “conversa informal” tida com a recorrente antes da sua constituição como arguida, quando todas as referidas normas, em conjugação, apontam para a inadmissibilidade e/ou o desvalor probatório desses depoimentos;
O. Foram, assim, incorrectamente julgados os pontos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da matéria de facto provada, os quais, em consequência de todo expendido, deveriam ter sido julgados não provados.
P. Impõem decisão diversa da recorrida as seguintes provas: o depoimento da testemunha C…, de 00:43 a 03:46, de 05:05 a 06:00, e de 06:20 a 07:00, assim como o depoimento da testemunha D…, de 00:25 a 02:50, e de 02:58 a 03:42;
Q. Na, aliás douta, sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão da proibição de valoração de prova, por violação do princípio da imediação, optando por valorar a prova proibida sem fazer qualquer referência à verificação ou não dessa proibição, a qual é de conhecimento oficioso, por força do art. 32.º, n.º 8 da CRP e 374.º, n.º 2 do CPP;
R. Este vício acarreta a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ex vi do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP;
S. A não se entender pela verificação da nulidade por omissão de pronúncia, sempre a sentença há de padecer de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), na medida em que foram utilizadas na formação da convicção do Tribunal provas cuja valoração era proibida, e que por isso não poderiam servir para fundamentar a decisão.
PELO QUE, NOS TERMOS E PELOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, E NO CUMPRIMENTO DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DEVERÁ A SENTENÇA EM CRISE DER DECLARADA NULA, SER REVOGADA, E SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ABSOLVA A ARGUIDA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMEIRA JUSTIÇA
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 221-232].
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-geral Adjunta acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 241-250].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 179-182]:
«(…) A) DE FACTO.
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1º) No dia 17.9.2012, no interior de uma fábrica abandonada, situada no …, nesta comarca, local conotado como lugar de venda e consumo de estupefacientes, a arguida adquiriu a um indivíduo do sexo masculino de identificação desconhecida, uma máquina fotográfica digital com lente, no valor de 400€, com cartão de memória e carregador, tudo da marca Sony, um GPS e um carregador, ambos da marca Gamim, no valor de 70€, um GPS, da marca Tomtom e um kit de mãos livres, tudo examinado a fls. 43, exame cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo preço total de 20€;
2º) A máquina fotográfica digital com lente, com cartão de memória e carregador, tudo da marca Sony, um GPS e um carregador, ambos da marca Gamim, haviam sido retirados ao seu proprietário E… nas circunstâncias descritas a fls. 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a quem, no dia 16.9.2012 entre as 22h./23.50h. lhe foram retirados por desconhecidos, do interior de veículo automóvel estacionado na Póvoa de Varzim;
3º) Quer pelo preço proposto bastante inferior ao do mercado, quer pela condição de consumidor de estupefacientes do seu vendedor, quer pelo bom estado de conservação de todos os objectos, a arguida apercebeu-se de imediato de que se tratava de bens provenientes de crime contra o património, e que haviam sido retirados aos seus proprietários sem o seu consentimento e não obstante tal convicção adquiriu-os;
4º) Sabia a sua conduta proibida;
5º) A arguida é solteira, vive com a sua mãe e uma filha, sendo que a arguida tem, ainda, um outro filho;
6º) Exerce a profissão de peixeira, auferindo € 350,00, por mês;
7º) A arguida já sofreu várias condenações pela prática de crimes diversos (furto, tráfico de estupefacientes, receptação e tráfico de menor gravidade), por factos praticados em data anterior aos dos presentes autos, conforme decorre do CRC junto a fls. 165 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e
8º) A arguida já sofreu uma condenação pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade e uma condenação pela prática de um crime de receptação, por factos praticados em data posterior aos dos presentes autos, conforme decorre do CRC junto a fls. 165 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
Não se provaram quaisquer outros factos em audiência incompatíveis com os acima descritos como provados, designadamente não se tendo provado que, no referido dia e local, a arguida adquiriu também a tal indivíduo um ipod da marca Apple.
*
O Tribunal, atendendo igualmente às regras da experiência, alicerçou a sua convicção ao fixar a factualidade provada, nos seguintes meios de prova:
- no que toca aos factos 1º) a 4º), atendeu-se, desde logo, ao conjunto dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelas testemunhas de acusação, C… e D…, ambos agentes da P.S.P., os quais confirmaram que, no dia dos factos, no exercício das suas funções e estando no turno da tarde, no … e num local referenciado pela prática de ilícitos, viram a arguida dentro de um veículo automóvel, juntamente com outro indivíduo, estando a arguida ao volante de tal veículo e o outro indivíduo a seu lado.
Mais referiram que, após, abordaram a arguida e tal indivíduo, tendo visualizado uma saca de plástica junto ao banco do passageiro, a qual continha vários objectos electrónicos.
Tendo questionado a arguida e tal indivíduo acerca da proveniência de tais objectos, a arguida, inicialmente, disse que eram seus.
Porém, de seguida e após ter constatado que os depoentes encetavam diligências para apurar mais dados, a arguida de livre e espontânea vontade referiu aos referidos agentes policiais que tinha adquirido tais objectos a um indivíduo, cerca de 15 a 20 minutos antes, no interior de uma fábrica abandonada, localizada no …, por 20 euros, excepto o mencionado “ipod”.
A testemunha, C…, referiu, também, que foi o mesmo quem elaborou o expediente junto a fls. 3 a 7, tendo confirmado, na íntegra, o seu teor.
Ambas as testemunhas demonstraram estar recordadas dos factos e prestaram depoimento de forma clara, precisa e isenta, razão pela qual mereceram a credibilidade deste Tribunal.
Além disso, ponderou-se o teor de fls. 3 (oficio), 18 (aditamento), 19/20, 21/22 (auto de noticia), 27 (auto de apreensão), 28 (auto de apreensão), 43/44 (auto de exame e avaliação de objectos), 51/52 (auto de notícia) e 58 (termo de entrega).
- No que toca aos factos 5º) a 8º), atinentes à situação pessoal e profissional da arguida e aos seus antecedentes criminais, atendeu-se ao teor das declarações prestadas, em audiência de julgamento, pela arguida, a qual confirmou tal factualidade e, ainda, ao teor do documento de fls. 165 a 175 (CRC).
*
No que toca ao facto não provado, atendeu-se a que não foi feita prova segura e convincente do mesmo de forma a merecer a credibilidade deste Tribunal.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, a recorrente insurge-se contra a valoração proibida de prova feita pelo tribunal recorrido na medida em que assentou a matéria de facto dada como provada, unicamente, na “conversa informal” relatada pelos agentes da autoridade – o que também constitui depoimento indireto. Assim, impugna a decisão de dar como provados os pontos 1 a 4 da matéria de facto, pedindo que a sentença seja revogada e ela absolvida do crime por que vem condenada [conclusões A a C, M e O]. Subsidiariamente, invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da proibição da valoração da prova e argui o erro notório na apreciação da prova [conclusões Q, R e S].
8. Quanto à proibição de valoração dos depoimentos dos agentes da PSP. Apesar da consistência da fundamentação do recorrente, apoiada, aliás, em respeitáveis decisões dos tribunais que cita [e às quais se podem ainda adicionar o Ac. RP de 09.11.2011 (Pedro Vaz Pato) e o Ac. RG de 31.05.2010 (Cruz Bucho), em www.dgsi.pt] entendemos, após cuidadosa reflexão, que o quadro legal vigente não proíbe a valoração dos depoimentos prestados pelos órgãos de polícia criminal no que se refere a declarações prestadas por um cidadão que ainda não é suspeito (nem arguido) e o vem a ser depois dessas declarações. Como vimos, o tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento prestado pelas testemunhas C… e D…, agentes da PSP, em termos que especifica do seguinte modo: no exercício das suas funções e estando no turno da tarde, no … e num local referenciado pela prática de ilícitos, viram a arguida dentro de um veículo automóvel, juntamente com outro indivíduo (…); abordaram a arguida e o tal indivíduo, tendo visualizado uma saca de plástica junto ao banco do passageiro, a qual continha vários objetos eletrónicos; tendo questionado a arguida e tal indivíduo acerca da proveniência de tais objetos, (…) após ter constatado que os depoentes encetavam diligências para apurar mais dados, a arguida de livre e espontânea vontade referiu aos referidos agentes policiais que tinha adquirido tais objetos a um indivíduo, cerca de 15 a 20 minutos antes, no interior de uma fábrica abandonada, localizada no …, por 20 euros, exceto o mencionado “ipod” [ver Motivação].
9. As testemunhas estavam, portanto, numa função de giro e recolheram, da própria autora dos factos, notícia da prática de um crime. De seguida, elaboraram o auto de notícia, constituíram-na arguida e elaboraram outro expediente, designadamente, autos de apreensão, auto de exame e avaliação de objetos e termo de entrega [ver Motivação]. Em audiência de julgamento, a arguida não quis prestar declarações.
10. Ora, de acordo com o disposto no artigo 125.º, do Cód. Proc. Penal: “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. E nos termos do disposto no artigo 355.º, do mesmo diploma legal: “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.” Por último, o artigo 356.º, n.º 7, dispõe: “Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
11. Vejamos, então, este normativo, elemento legal decisivo segundo a argumentação da recorrente [máxime, conclusões F, L e M]. A Lei é clara ao proibir a inquirição [e portanto a valoração do depoimento] dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não for permitida. Cinge-se, portanto, às declarações prestadas no âmbito do processo – ou que o deveriam ter sido (“conversas informais”).
12. Tal não é o caso dos autos. Aqui, os agentes da PSP abordaram a arguida no âmbito de uma atividade de prevenção, sem qualquer suspeita concretizada; e, no desenrolar da conversa, esta revelou factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de recetação – conhecimento que os agentes, de imediato, oficializaram sob a forma de auto de notícia e constituindo-a arguida. Portanto, os indícios da prática do crime são anteriores à instauração do inquérito, pelo que nenhuma exigência formal e processual sobre eles impendia. Isto é: os agentes da autoridade, até ao conhecimento dos indícios da prática do crime não estavam adstritos a qualquer tipo de exigência funcional e a sua atividade não corria ainda sob o escrutínio de uma investigação criminal devidamente instaurada e formalizada. Limitaram-se a recolher informação que lhes foi livremente prestada, num momento em que a Lei ainda não a condiciona à verificação de determinados requisitos.
13. Relativamente às informações colhidas antes da abertura de um inquérito (pressupondo, naturalmente, que a sua abertura não devia já ter ocorrido) a Lei não prevê qualquer tipo de entrave ou de limitação que impeça que os órgãos de polícia criminal sejam inquiridos relativamente a elas. A proibição que resulta do disposto no n.º 7 do artigo 356.º do Cód. Proc. Penal pressupõe a existência de um inquérito a correr. O que não é o caso dos autos.
14. Como refere o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.12.2013 [Conselheiro Santos Cabral], proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1:
“(…) IV - O depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta.
V - As denominadas conversas informais com o arguido reconduzem-se: a) as afirmações percecionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exatas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de atos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de atos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em ações de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime.
VI - O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efetivamente não estão.
VII - Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a colaboração do arguido, por atos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num ato processual válido e relevante.
VIII - Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova.
IX - Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu”.
15. Pela importância e rigor expressivo que a informam, transcrevemos o essencial da fundamentação desta decisão [disponível em www.dgsi.pt]:
“(…) A questão crucial suscitada no presente recurso centra-se no depoimento do órgão de polícia criminal que “ouviu dizer ao arguido”. O mesmo depoimento pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta, ou seja, as denominadas conversas “informais” mantidas com o arguido reconduzem-se a três campos distintos: a) em primeiro lugar situam-se aqueles casos que dizem respeito as afirmações percecionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exatas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações (porventura, sem saber do crime cometido ou em preparação e sem suspeita prévia do seu “interlocutor”); b) no outro extremo surgem as afirmações proferidas por ocasião ou por causa de atos processuais de recolha de declarações (máxime, à saída, no decurso ou antes do interrogatório); c.) por último surgem aqueles casos, de índole intermédia, relativos a conversas (indicações de localização de produto do crime ou de outros suspeitos, explicações do facto, etc.) tidas com os membros de um órgão de polícia criminal no decurso de certos atos processuais de ordem material ou de investigação “no terreno” (buscas, vigilâncias, resgate de sequestrados, socorro as vitimas, etc.), bem como em ações de prevenção e manutenção da ordem pública e são aqueles confrontados com a ocorrência de um crime, em flagrante ou não.
Quanto ao primeiro leque de situações, não se vislumbra qualquer razão para não se considerar como válidos os argumentos expendidos a propósito da generalidade dos testemunhos indiretos em que se conclui pela inaplicabilidade da norma do art. 129º quando a “pessoa-fonte” seja o arguido, valorando-se o depoimento “indireto” do órgão de polícia criminal, despojado dessa qualidade, como de qualquer testemunha.
Tal convicção é, aliás, reforçada em relação as declarações e conduta percecionadas ao arguido numa fase prévia a sua constituição como tal. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se autoincriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia. … Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. … O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.
Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do ato e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59º nº1 do Código [de Processo] Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55º nº 2 e 249º nº 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.
A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os atos a realizar no inquérito.
Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129º do Código [de Processo] Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP. Na verdade, nestas providências a autoridade policial procede a diligências investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infração de que teve notícia.
Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infração, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.
A questão do depoimento de autoridades policiais em relação a declarações prestadas no processo não tem relevância prática em virtude da proibição de produção de prova a que se reporta o artigo 356º nº 7 do CPP.
Relativamente as restantes situações de intervenção de órgãos de polícia criminal importa precisar que a admissibilidade do testemunho do agente do órgão de polícia criminal está diretamente conexionada com o nº 7 do artigo 357º do Código de Processo Penal. Consequentemente, importa que se convoquem os conceitos de “declarações formais” e “conversas informais” como termos da equação a formular.
Como refere Damião da Cunha (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, fasc. 3, pág. 426 e seg.) não parece ser possível conceber a existência processual de “conversas informais” entre o arguido e qualquer entidade processual. A função dos órgãos de polícia criminal é o de importar para o processo todos os elementos que lhes advenham de declarações do arguido – além de que vale aqui o princípio “quod non est in auto, non est in mundo”; pela especial posição processual do arguido não pode, no que toca as suas declarações, subsistir qualquer diferenciação de importância e, por isso, as “conversas” serão sempre formais.
Efetivamente só podem ser consideradas as declarações do arguido prestadas no âmbito e decurso de certo processo, em ato próprio para o efeito, de resto, redigidas em auto, de onde se possa extrair ilações sobre a regularidade do procedimento (v.g. se o arguido foi advertido de que tem, entre outros, o direito ao silêncio, se foi assistido por defensor; se lhe foram comunicados os motivos da detenção e os factos que se lhe imputam, etc.) e a versão dos factos que melhor se ajusta a sua defesa, naquela altura.
Decorre do exposto que o agente de órgão de polícia criminal que tiver recebido declarações, e tais declarações são aquelas a que se reporta o procedimento formal e processual adequado, não pode ser inquirido como testemunhas sobre o seu conteúdo - artigo 356º nº 7 do CPP. Porém, e aqui reside uma destrinça essencial na proibição em causa, falamos das declarações formais que estão no processo, ou das declarações informais, que, devendo estar no processo por imposição processual legal, efetivamente não estão e, como tal, inexistem.
Todavia, para além destas situações existe uma ampla probabilidade de situações e realidades extra processuais em que a colaboração do arguido por atos, e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes integrado num ato processual válido e relevante. Para Damião da Cunha (ibidem) a proibição de reprodução de afirmações do arguido tem um conteúdo amplo que exclui todas as situações de declaração formal, ou informal (No mesmo sentido Eurico Balbino Duarte - Prova Criminal e Direito de Defesa, estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Criminal, pág. 58 e seg).
É outra a perspetiva de Adérito Teixeira (Depoimento Indireto e arguido, Revista do CEJ, 2005, pág 135 e seg.) para quem, e contrariamente à presunção de inocência que tem uma dimensão endoprocessual e outra extraprocessual, o direito ao silêncio (e seus efeitos) vale apenas no âmbito do processo. Fora deste e dos seus atos, o silêncio ou a declaração não tem aquela tutela pois que rege a liberdade de expressão e inerente responsabilidade do que se afirma, ou deixa de afirmar, para todas as pessoas quer estejam quer não estejam constituídas arguidas.
Adianta o mesmo Autor que, de outro modo, a prática de um crime transformar-se-ia num ato constitutivo de direitos (de liberdade de expressão) em escala a que os demais cidadãos só poderiam aspirar colocando-se em situação idêntica; e, no plano da investigação criminal, quaisquer afirmações – do tipo “matei” e “vou queimar o corpo”, ou “roubei”, ou “vendi droga”, etc. – deveriam ser tomadas como declarações não sérias, porquanto, no limite, não poderiam inserir-se processualmente como princípio de prova que conduz a outras provas e se transmitem umas e outras às fases posteriores do processo (à luz de princípios da conservação da prova ou de força consumptiva de decisões da autoridade judiciária).
Nesta perspetiva não se vislumbra, assim, qualquer impedimento, ou proibição de depoimento que incide sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram (v.g. escuta telefónica de declarações de arguido, transcritas, cuja leitura do auto e permitida, não obstante no original da declaração estar a oralidade), bem como quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova (e que contextualizam ou explicitam uma infinitude de pormenores, aparentemente, de ínfima relevância).
(…)
Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de polícia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido, tal como de factos, gestos, silêncios, reações, etc., de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, atos de investigação e meios de obtenção de prova (atos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc.) que tenham autonomia técnico-jurídica constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129º e 357º do Código.
(…)”
16. Esta decisão vem, aliás, na sequência do Acórdão do mesmo Tribunal, de 15.02.2007 [Conselheiro Maia Costa] em cujo sumário se pode ler:
I- Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detetados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.
VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP” [em www.dgsi.pt].
17. Estamos, portanto, em condições de concluir que o depoimento prestado por testemunha pertencente a um órgão de polícia criminal, na parte em que se refere às indicações dadas pelo arguido em diligência prévia à abertura do inquérito pode (e deve) ser valorado – pois a proibição que resulta do disposto no n.º 7 do artigo 356.º do Cód. Proc. Penal pressupõe a existência de um inquérito a correr. E assim, improcede o primeiro fundamento da recorrente.
18. O mesmo acontece com os restantes. Quanto à natureza do depoimento das mesmas testemunhas, que a recorrente classifica como “depoimento indireto” – e como tal impedido de integrar a valoração do juiz [artigo 129.º, do Cód. Proc. Penal]. Não tem razão. Como se refere nos Acórdãos acima citados, as testemunhas em causa depuseram sobre factos por eles próprios presenciaram e vivenciaram, a saber, a justificação que a arguida deu para estar na posse daqueles objetos. Não se trata, portanto, de um depoimento resultante do que “se ouviu dizer” [art. cit.] mas de um depoimento assente na vivência pessoal dos factos – recolha dos indícios – que deram origem à abertura do inquérito.
19. Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Penal [conclusões M, Q e R]. Está em causa, uma vez mais, a questão da alegada proibição de valoração do depoimento das duas testemunhas de acusação, agentes da PSP. O facto de a sentença ter valorizado tais depoimentos, fazendo assentar neles a sua convicção quanto à prática e à autoria dos factos dados como provados é, só por si, uma decisão ainda que de forma implícita. E é essa decisão que a recorrente, sem quebra ou prejuízo dos seus direitos de defesa agora impugna. Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia [art. cit.] suscetível de afetar os direitos de defesa da arguida.
20. E quanto ao erro notório na apreciação da prova, do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Cód. Proc. Penal – tendo ainda por base a valoração proibida de prova [conclusão S]. Como se sabe, este vício pressupõe que resulte evidente do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, um engano óbvio, uma conclusão contrária àquela que os factos impõem. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum [Ac. STJ de 02.02.2011: “I - O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito”]; e Ac. STJ de 15.07.2009: “II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei - vícios da decisão, não do julgamento”].
21. Não é isso que resulta da leitura da sentença, cujo texto se mostra lógico, coerente e não apresenta qualquer desfasamento estrutural capaz de corresponder à situação-tipo do vício apontado [v.g., Ac. RP de 17.09.2003 (Fernando Monterroso), Ac. RP de 19.05.2004 (Manuel Braz) e Ac. RP 12.09.2007 (Élia São Pedo) – também em www.dgsi.pt]. Com o que improcede mais este fundamento e, com ele, todo o recurso.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Uma vez que a arguida decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça [artigo 513.º, do Cód. Proc. Penal], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais]. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 UC.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente B… mantendo a sentença recorrida.
Taxa de justiça: 3 [três] UC, a cargo da recorrente.

Porto, 17 de junho de 2015
Artur Oliveira
José Piedade