Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4925/17.6T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA DO PAGAMENTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
FACTOS ATENDÍVEIS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP202010214925/17.6T8OAZ.P1
Data do Acordão: 10/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A recorrente tem razão quando defende que recai sobre o empregador o ónus de prova do pagamento da retribuição, bastando ao trabalhador alegar concretamente a falta de pagamento. O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento da retribuição devida em contrapartida da prestação de trabalho, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 786.º do CC).
II - Contudo, há regras especiais de distribuição do ónus da prova para dirimir o non liquet probatório, por via da inversão desse ónus, como preceitua o art. 344.º do CC; um desses casos ocorre quando a parte contrária impossibilitou culposamente a prova de determinado facto ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais.
III - Na apreciação da justa causa para resolução de contrato de trabalho apenas podem ser considerados os fundamentos que constem na “indicação sucinta dos factos que (a) justificam” da comunicação dirigida pelo trabalhador ao empregador (artigos 395.º1 e 398.º3, do CT/09), não estando dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
IV - É a violação do dever geral de probidade, consagrado no art.º 8.º do CPC, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.
V - A condenação em litigância de má-fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento adoptado pela parte na lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4925/17.6T8OAZ.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 B… intentou contra “C…, Ld” acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de trabalho com base na falta culposa do pagamento pontual da retribuição e a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 15.107,50, acrescida das retribuições que deixou de auferir desde Junho de 2017 até ao trânsito em julgado da decisão, tendo em consideração o disposto no artigo 390.º, n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação da ré e até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré em 1 de Setembro de 2013, com as funções de técnica de formação, com a retribuição mensal líquida de 815€, sendo simultaneamente sócia da ré.
Desde o início de 2016, após a data em que regressou de licença de maternidade, a gerente da ré começou a criar situações de conflito com a autora, só pagando o subsídio de Natal de 2016 após muita insistência em 13 de Março de 2017, tendo igualmente pago o salário de Janeiro de 2017 em 15 de Março de 2017, causando transtornos à autora.
Em 1 de Maio de 2017 a autora foi surpreendida com um email que encerrou o estabelecimento até dia 5, tendo a ré unilateralmente determinado que a autora ficaria em gozo de férias, mas apresentou-se ao trabalho e constatou que a fechadura tinha sido encerrada, ficando impedida de aceder ao local de trabalho, o que a deixou física e psicologicamente debilitada, pelo que ficou incapacitada temporariamente para o trabalho pelo período de 3 a 14 de Maio. Ademais, desde Fevereiro que não recebia qualquer retribuição.
Face à falta de pagamento pontual da sua retribuição, suspendeu o seu contrato de trabalho a partir de 12 de Maio de 2017.
Após a suspensão do contrato, a ré veio deduzir nota de culpa contra a autora, determinando a sua imediata suspensão de funções, sem perda de retribuição.
Assim, encontra-se por pagar a retribuição dos meses de Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2017 e, por isso, tem causa para resolver o contrato pois vive exclusivamente do seu trabalho.
A resolução do contrato de trabalho operou-se em 31 de Maio de 2017, data em que foi comunicada à Ré e à sua gerente, nos termos e para os efeitos do artigo 394.º n.º5, do Código do Trabalho.
A ré não lhe entregou a declaração para poder candidatar-se ao subsídio de desemprego, causando-lhe muita preocupação. Por outro lado, imputou-lhe a prática de crimes que nunca praticou, deduziu notas de culpa que interpreta como ameaças, deixando-a debilitada e impossibilitada de cuidar da sua filha, pelo que deve ser indemnizada em € 3.000 por danos morais sofridos e devendo ser fixada a indemnização, com base em 45 dias de retribuição, num total de € 5.097,60.
A autora tem ainda direito às quantias que deixou de auferir entre Fevereiro de 2017 até 19 de Julho de 2017, data em que lhe foi concedido o subsídio de desemprego, num montante de € 4.414,84.
Para além disso, prestou trabalho para além do seu horário, pelo menos em 100 sábados, tendo direito à quantia de € 2.124, e também não lhe foi prestada formação profissional, tendo direito a 315 horas de formação, num total de € 1.115,11.
Contestou a ré alegando, em síntese, o seguinte:
A autora actua em abuso de direito pois foi ela quem se colocou na situação que invoca para resolver o contrato de trabalho, pois desde finais de Novembro de 2016 começou a dizer à gerente da ré que não havia dinheiro para pagar as contas e que a empresa estava a atravessar um período difícil, o que teria que ser resolvido com suprimentos ou um aumento de capital a efetuar pelas duas únicas sócias, a autora e a gerente da ré, tendo sido a gerente da ré quem sucessivamente fez suprimentos à sociedade para esta continuar a laborar.
Em Janeiro de 2017 a autora começou a recusar prestar contas, apesar das insistências da gerente da ré para o efeito, mas em todas as folhas de caixa apresentadas a empresa tinha sempre um saldo positivo do qual a autora estava autorizada a levantar o seu salário e a pagar as demais despesas que lhe apresentavam.
A gerente da ré começou a detectar irregularidades, designadamente cursos abertos pela autora sem autorização da ré e sem autorização do IEFP e encontrou um contrato de arrendamento de um estabelecimento celebrado pela autora e por outra formadora da ré com vista à abertura, a centenas de metros, de uma empresa concorrente. Face a esta situação, em 1 de Maio de 2017, a gerente da ré viu-se forçada a encerrar a academia e a alterar as chaves até poder analisar toda a documentação.
No dia seguinte, a Autora deslocou-se às instalações da ré e procedeu também à mudança das fechaduras, tendo levado o caixa, todos os seus pertences, os documentos, diverso material e até móveis, tendo inclusivamente formatado os computadores da academia e feito desaparecer bens da ré.
Acresce que, nesse mesmo dia, 2 de Maio de 2017, foi ainda constituída uma outra sociedade, em nome da referida formadora, e a autora informou os formandos de que a partir daí o local das instalações da formação tinha mudado. A autora passou a promover formações nessa outra academia e algumas formações que tinham sido ministradas na ré foram certificadas por outra empresa que se encontra associada à empresa referida e da qual esta passou a ser uma franquia.
Nessa altura, a gerente da ré apercebeu-se que desde Junho de 2016 existiam irregularidades nos pagamentos e recebimentos de clientes e fornecedores, sendo que tal sucedeu desde que a autora foi de licença de casamento em 22 de Julho de 2016, levou consigo o dinheiro do caixa e nunca mais o entregou. Em Agosto de 2016 fez sua a quantia que a ré destinava ao pagamento da Segurança Social e, após isso, na última prestação de contas em Abril de 2017 a ré detetou várias irregularidades como pagamentos registados que não tinham sido efetuados, à EDP e a uma formadora, pagamentos a entidades cujos serviços não foram prestados à ré e falta de registos de recebimentos de formandos, tendo-se apurado um valor em falta de € 5.178.
Até 23 de Maio de 2017 a autora fez crer à ré que havia retirado da caixa, para pagamento dos seus salários, o montante de € 2.719,47 e nunca informou que o não tenha feito nem que tenha depositado esse valor e, por isso, não se pode falar de salários em atraso por período superior a 60 dias, o que conjugado com a falta do dinheiro do caixa da ré, integra claramente abuso de direito de resolução do contrato de trabalho, não havendo qualquer culpa da ré.
Antes pelo contrário é a ré quem está lesada pela conduta da autora, sendo que nunca se recusou a liquidar-lhe os salários, tendo sido esta quem recusou a prestação e contas para se apurar o que tinha retido e chegar-se a um acerto de contas face às discrepâncias verificadas.
Acresce que a autora esteve de baixa médica desde 15 de Abril de 2015 até 26 de Janeiro de 2016, gozou férias entre 26 de Janeiro e 26 de Fevereiro de 2016 e esteve de baixa médica entre 3 de Maio de 2017 e 12 de Junho de 2017, tendo recebido em 2016 subsídio de Natal e de Férias a que não tinha direito, pelo que importava fazer um acerto de contas.
A autora não concretiza os sábados que trabalhou e deu diversas faltas injustificadas de que não deu conhecimento à ré, sendo falso que não tenha tido formação.
A autora encontra-se todos os dias desde 8 de maio de 2017 na D1..., pelo que não se encontra desempregada, tem vindo a publicitar cursos de formação dessa academia nas redes sociais, tem um email com domínio E…, os materiais desaparecidos das instalações da ré aparentam ser os que se encontram publicitados na página do Facebook desta academia e os números de telefone publicitados são agora dessa academia;
Desta forma, não só a resolução não é lícita, não sendo devida qualquer indemnização, como se tratou de uma denúncia sem cumprimento do pré-aviso, pelo que a autora deve à ré a quantia de € 1.700 acrescida da quantia de € 360 relativa a pagamentos a formadores registados em caixa mas não efetuados, da quantia de € 4.722 relativa a despesas com formadores que não emitiram os correspondentes recibos e que por isso a ré não pode fazer constar das suas contas, da quantia de € 25.920 referente a valores recebidos por cursos ministrados na ré, leccionados nas suas instalações e que a ré não recebeu e da quantia de € 5.178 retirados da caixa, tudo num total de € 37.880.
A autora tem conhecimento de todos estes factos que são factos pessoais, estando em dívida para com a ré, tendo alterado e deturpado a verdade dos factos na sua petição inicial, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar e, como tal, deve ser condenada em multa e indemnização de pelo menos € 2.500.
Nesses pressupostos, a ré deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da autora no pagamento da quantia de € 37.880 acrescida de indemnização a título de litigante de má-fé de pelo menos € 2.500.
Respondeu a autora alegando, em síntese, o seguinte:
A ré confunde a posição da autora enquanto sócia da sua posição como trabalhadora, sendo que a ré nunca prestou contas à autora enquanto sócia. A gerente da ré exerce, sem o consentimento desta, atividade concorrente com a ré, de forma remunerada.
A autora apenas pagava honorários a outros formadores mediante instruções nesse sentido e todos os cursos ministrados na ré tiveram o seu conhecimento, tendo sido emitidos recibos aos formandos que a ré não colocou em causa e fez integrar na sua contabilidade.
A autora nunca se apropriou de documentação, bens materiais ou dinheiro da ré e sempre fez os pagamentos a fornecedores, nunca aliciou clientes no exercício de atividade concorrente, nem afetou o crédito e o bom nome da ré.
Findos os articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho convidando a autora a concretizar os dias em que prestou trabalho suplementar. A autora, respondendo ao convite, alegando que prestou trabalho suplementar nos dias e horas constantes do documento que juntou (folhas 191 a 193).
A ré respondeu, contrapondo, em síntese, que a autora indica dias que são sábados e horários diferentes dos indicados na petição inicial, não se compreendendo a fórmula de cálculo que a levou a pedir a quantia de € 2.124 a título de trabalho suplementar. A ré apenas em 12 de Maio de 2015 iniciou a atividade de formação, pelo que não se percebe que cursos foram ministrados antes dessa data, nem é verdade que tenha havido mudança de instalações pois o contrato de arrendamento só foi celebrado em 15 de Março de 2016 e o fornecimento de eletricidade só se iniciou em 29 de Março de 2016.
Procedeu-se ao saneamento do processo e à delimitação dos temas de prova.
Foi proferido despacho admitido o pedido reconvencional.
O valor da causa foi fixado em € 55.487,50.
Instruída a causa, realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do seu legal formalismo.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando o direito, concluída com a decisão seguinte:
- «Pelo exposto:
Julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré no pagamento à autora da quantia de € 931,27 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até ao dia de hoje de € 54,39 no total de € 985,66;
Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condeno a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39.
Compensando os valores anteriores, fixo o valor a pagar pela autora à ré em € 30.531,73 considerando-se extinta a obrigação de pagamento da ré à autora acima indicada.
No mais, julgo improcedente a ação e a reconvenção e absolvo a autora e a ré dessa parte dos pedidos.
Mais condeno a autora como litigante de má-fé em multa de cinco unidades de conta e no pagamento de indemnização à ré, para reembolso de honorários do seu mandatário, determinando-se, nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem quanto ao respetivo montante.
Custas pela autora e pela ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes [anota-se não constar uma conclusão aaa)]:
………………………………
………………………………
………………………………
I.4 A Ré pediu prorrogação do prazo para apresentar contra alegações invocando justo impedimento, o que lhe foi deferido. Contudo, decorrido o prazo não as apresentou.
I.5 Ao decidir sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal a quo proferiu despacho pronunciando-se sobre a arguida nulidade da sentença, reconhecendo-a e suprindo-a, em consequência alterando o dispositivo da sentença para a formulação seguinte:
Pelo exposto:
Julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré no pagamento à autora da quantia de € 3.566,06 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até ao dia de hoje de € 270,95 no total de € 3.837,01;
Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condeno a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39.
Compensando os valores anteriores, fixo o valor a pagar pela autora à ré em € 27.680,38 considerando-se extinta a obrigação de pagamento da ré à autora acima indicada.
No mais, julgo improcedente a ação e a reconvenção e absolvo a autora e a ré dessa parte dos pedidos.
Mais condeno a autora como litigante de má-fé em multa de cinco unidades de conta e no pagamento de indemnização à ré, para reembolso de honorários do seu mandatário, determinando-se, nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem quanto ao respetivo montante.
Custas pela autora e pela ré na proporção do decaimento.
4. Notifique, designadamente para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 3 e n.º 4, do CPC.
5. Decorrido o prazo de 10 dias após a notificação referida, nada sendo dito, subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.
(..)».
I.5.1 Cumpridas as legais notificações, as partes nada vieram dizer.
I.6 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
I.7 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação pela recorrente são as seguintes:
1- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos provados 57, 25, 77 e 79 e quanto aos não provados 7,12 e 16.
2- Impugnação da sentença na vertente da aplicação do direito aos factos, por alegado erro de julgamento:
- Por não ter condenado a Ré a pagar à autora a totalidade das retribuições referentes aos meses de fevereiro, março, abril e dois dias do mês de março, ou seja, € 2.606,67;
- Ao ter-se concluído pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho;
- Ao julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39, que após operada a compensação com os créditos daquela foi fixada em € 27.680,38;
- Ao condenar a autora como litigante de má-fé.
I.8.1 Fora do objecto do recurso fica a questão relativa à arguida nulidade da sentença, a que se referem as conclusões bbb) e hhh), dado que foi reconhecida e suprida pelo Tribunal a quo, em decisão que transitou em julgado, posto que as partes, após notificadas, nada vieram opor.
FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que adiante se passa a transcrever:
1. Os Factos Provados:
1. A autora foi admitida ao serviço da ré, em 1 de Setembro de 2013, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercendo funções de técnica de formação e funções administrativas, executando tarefas relacionadas com o expediente geral da empresa, de acordo com os procedimentos estabelecidos, utilizando equipamento informático e equipamento e utensílios de escritório, rececionando e registando a correspondência e encaminhando-a para a gerência, efetuando o processamento de textos em cartas/ofícios, relatórios e outros documentos, procedendo à expedição da correspondência, atendendo e encaminhando, telefónica e pessoalmente, o público interno e externo à empresa, nomeadamente, formadores, formandos, fornecedores, em função do tipo de informação ou serviço pretendido, mediante retribuição constituída por salário mensal e férias, subsídio de férias e de Natal de igual valor, cada um e em cada ano correspondente à retribuição mensal, bem como subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
2. A autora auferia uma retribuição ilíquida mensal de € 815, acrescida de subsídio de alimentação diário.
3. O período normal de trabalho para o qual foi contratada pela ré foi de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta-feira, com início às 9 horas e termo às 18 horas e 30 minutos, com período de almoço compreendido entre as 12 horas e 30 minutos e as 14 horas.
4. A autora é simultaneamente sócia da ré com uma quota correspondente a 49% do capital social.
5. Nunca auferiu qualquer rendimento resultante dessa qualidade.
6. Em 13 de março de 2017 a autora retirou do caixa o valor que identificou como correspondendo ao subsídio de Natal de 2016.
7. Em 15 de Março de 2017, a autora retirou do caixa o valor que identificou como correspondendo ao salário de janeiro de 2017.
8. Em 1 de Maio de 2017 a autora foi surpreendida com um email da ré a informá-la que a ré encerraria para férias entre os dias 2 e 5 de maio de 2017 e que durante esse período a autora ficava em gozo de férias.
9. No dia 2 de maio de 2017, a autora verificou que não conseguia entrar nas instalações pois a ré tinha trocado a fechadura da porta de acesso.
10. A autora comunicou à ré que entre 3 a 14 de maio de 2017 estava impossibilitada de prestar trabalho por doença.
11. Com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição, por carta registada com aviso de receção assinada em 4 de maio de 2017, a autora comunicou a suspensão do seu contrato de trabalho, com efeitos a partir de 12 de maio de 2017.
12. A ré, em resposta, invocou que já tinha pago os salários em causa, juntando emails que alegadamente faziam prova de tal pagamento e alegando desconhecer se a autora teria recebido os montantes por não ter documentação em seu poder que lhe pudesse confirmar tal facto, solicitando-lhos.
13. A contabilidade da ré era feita pela sua gerente que tinha acesso às contas bancárias, consultando-as e registando os seus movimentos.
14. Em 22 de Maio de 2017, a autora respondeu dando conhecimento de que, como não tinha tido resposta aos emails enviados, não tinha retirado qualquer montante para si.
15. Em resposta a ré convidou a autora a juntar documentos comprovativos da falta de pagamento das retribuições e outras situações relevantes.
16. A autora operou a resolução do contrato de trabalho em 31 de maio de 2017, data em que a comunicou à ré e à sua gerente.
17. Foi atribuído subsídio de desemprego à autora em 19 de julho de 2017.
18. No dia 18 de maio de 2017, a ré deduziu nota de culpa contra a autora, com vista ao seu despedimento com justa causa, determinando a sua suspensão de funções, sem perda de retribuição.
19. A ré instaurou procedimento criminal contra a autora imputando-lhe a prática de factos integradores dos crimes de furto qualificado, abuso de confiança, burla, infidelidade, usurpação de funções, falsificação de documentos, dano, introdução em lugar vedado ao público, devassa privada, acesso ilegítimo, danificação e subtração de documentos e concorrência desleal.
20. Pelo menos nos anos de 2016 e 2017 a ré não proporcionou à autora formação profissional.
21. Desde finais de novembro de 2016, que a autora começou a dizer à gerente da Ré, que não havia dinheiro para pagar as contas e que a empresa destas estava a atravessar uma situação difícil.
22. A partir do mês de janeiro de 2017, a autora começou a demorar a efetuar a prestação de contas do caixa da ré, não obstante as insistências da gerente.
23. Em todos os caixas mensais apresentados, sempre a autora mantinha um saldo positivo e se encontrava autorizada a levantar o seu salário.
24. Era a autora que liquidava os salários e vencimentos dos demais funcionários/formadores.
25. Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente começou a notar diversas incongruências e irregularidades, bem como constatou a existência de cursos que haviam sido abertos mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:
1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,
2 cursos de técnico de estética, massagem e beleza (diurno e noturno);
1 workshop de automaquilhagem;
1 workshop de pestanas;
2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;
1 curso de primeiros socorros;
1 curso de ação educativa;
1 curso de micro-blading;
1 cursos de arte floral;
3 cursos de unhas de gel.
26. Entretanto, a sócia-gerente encontrou um contrato de arrendamento de um estabelecimento comercial celebrado pela autora e por uma formadora da ré F…, em fevereiro de 2016, com vista a prestar naquela mesma localidade a algumas centenas de metros, serviços de formação, ou seja, para exercer o mesmo objecto social da ré.
27. Em consequência, a gerente decidiu, em 1 de maio de 2017, encerrar a academia e solicitar que fossem alteradas as chaves de acesso ao centro de formação até conseguir analisar toda a documentação e elementos que aí constavam.
28. A autora, no dia seguinte [2/05/2017], deslocou-se às instalações da ré e procedeu à mudança da mesma fechadura, tendo levado o caixa, todos os seus pertences, os documentos, diverso material do centro de formação e ate móveis, cadeiras, e todo o material que permitia efetuar formação, designadamente, os bens constantes do auto de participação da PSP.
29. Nessa mesma data, os computadores da C… foram formatados, bem como desapareceram dados e bens do interior da sociedade.
30. Nesse mesmo dia de 2 de maio de 2017, foi ainda constituída a sociedade “D…, Unipessoal, Lda.”, pela mencionada formadora F…, mas não constando o nome da autora como sócia.
31. Nesse dia e nos dias seguintes, foram os formandos informados pela autora que a partir dai o seu número de telefone havia mudado, bem como o local das instalações da formação.
32. A sócia-gerente quando se deslocou novamente às instalações da ré, em 4 de Maio de 2017, verificou que as chaves haviam sido trocadas, pelo que se viu forçada a mudar novamente as fechaduras, por ter ficado privada do acesso às suas instalações.
33. Ainda nesse dia, foi então uma formanda que se deslocou junto das instalações da ré e questionou a gerente onde seria o novo local de formação, ao que espantada a gerente referiu que desconhecia o que se estava a passar.
34. Como resposta a formanda informou a sócia-gerente da ré de que havia visto a autora a retirar as pastas, bens e outros pertences da ré do interior das instalações.
35. No dia 3 de maio de 2017, a autora enviou sms do seu novo número de telemóvel particular, a comunicar aos formandos/clientes da ré que se havia despedido porque não lhe estavam a pagar os salários e que iria abrir uma escola dela, conforme já havia anunciado a alguns formandos, tendo pedido que fosse eliminado o número da C….
36. A autora voltou a comunicar aos formandos que podiam terminar os cursos noutra escola sem custos adicionais.
37. As formações que foram feitas na ré vieram a ser certificadas como tendo sido feitas pela entidade “E1…, Lda.” a partir desse dia 8 de maio de 2017.
38. Entretanto, foi aberto um franchising da entidade “E1…, Lda.” em S. João da Madeira, na mesma morada da D…, Unipessoal, Lda. a 9 de agosto de 2017.
39. No dia 4 de maio de 2017, não obstante se encontrar de baixa, a autora voltou a contactar as clientes da ré, desta vez informando que já tinha o certificado de formação destas, usando abusivamente o carimbo que havia sido retirado das instalações da ré e dando conta que já não trabalhava na C….
40. A gerente percebeu que efetivamente, desde junho de 2016, existiram irregularidades nos pagamentos e recebimentos de clientes e fornecedores
41. No envio do último caixa à gerente da sociedade, o que aconteceu no dia 6 de Abril de 2017, detetaram-se várias incorreções e incongruências no mesmo, designadamente as seguintes:
Com o registo no caixa de 27 de fevereiro de 2017 em que a Autora registou como tendo sido liquidado a nessa mesa data a fatura da E.D.P. no valor de €164,56.
Com o registo no caixa de 15 de março de 2017 em que a Autora registou o pagamento da fatura à E.D.P. no valor de €161,90, não havendo qualquer documento de suporte ou fatura de tal montante.
A 28 de Março de 2017 registou outro pagamento à E.D.P. no valor de €102,49, sem qualquer documento de suporte.
42. Apesar destes registos efetuados pela Autora, a C… viria a receber uma fatura da E.D.P. de 29 de Março de 2017 a dar conta de que as faturas anteriormente emitidas pela E.D.P., de €164,92 e €105,97 se encontravam por liquidar, encontrando-se a academia em risco de ver o fornecimento de energia elétrica interrompido por falta de pagamento.
43. Verificou ainda a empregadora o registo pela Autora no caixa a 14 de Fevereiro a retirada do valor de €260,00 para pagar à formadora G….
44. Esta formadora apenas emitiu recibo de quitação sobre €150,00, recibo esse emitido a 8 de Março de 2017.
45. Verifica-se ainda que foi registado pela Autora o pagamento de €224,00 a 7 de março de 2017 a H….
46. Em 4 de março de 2017, em que foi encontrado o recibo provisório n.º 52/2017, em que a Autora declara nessa data o recebimento de I…, do montante de €200,00 a título de segunda prestação do curso de estética, massagem e beleza.
47. Verificado o caixa inexiste qualquer menção a prestações pagas pela formanda identificada e apenas aparece registado como inscrição da formanda a 3 de Abril de 2017, encontrando-se, pois, em falta os valores da 1ª prestação e segunda.
48. Foi ainda encontrado o recibo 80/2017 em que a Autora arguida declara ter sido recebido €500,00 em 2 de fevereiro de 2017, a título de 1º pagamento do curso de técnica de estética.
49. Mas não se localiza qualquer registo do primeiro pagamento do curso de estética dessa formanda – existindo ainda em falta o valor de €470,00.
50. Situação idêntica se verifica com a formanda J… dado que a autora emitiu a 3 de Fevereiro de 2017, no montante de €133,00 euros, o recibo provisório 105/17 mas apenas foi registado e dado entrada no caixa em 3 de Abril de 2017, do valor de €100,00;
51. Foi ainda encontrado o recibo provisório 103/17, referente a K…, emitido a 30 de marco de 2017, correspondente ao 2º pagamento do curso de formação de formadores no montante de 100,00 euros.
52. Igual situação se verificou com os recibos provisórios que não aparecem devidamente reflectidos no caixa apresentado.
53. A Autora tinha à sua guarda todos os valores que são transacionados no referido estabelecimento e sobre estes tinha o dever de os entregar e prestar contas à ré.
54. A Autora continua a não entregar o caixa nem a prestar contas das importâncias que lhe estavam confiadas, encontrando-se em falta o valor de, pelo menos, € 4.197,39.
55. A 3 de maio de 2017 a autora enviou duas missivas à Ré, uma a invocar que se encontrava de baixa e outra a suspender o contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição que se prolongou por 60 dias, tendo nessa missiva alegado que não lhe tinha sido pago o salário de janeiro de 2017.
56. Contudo, depois de confrontada com a carta enviada pela Demandada a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email por si enviado a 16 de abril de 2017 a própria autora tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, já referiu que não retirou qualquer quantia do caixa e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), alegando agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e seguintes mas sem explicar como ou quando, limitando-se a alegar de forma vaga e abstrata que afinal era a retribuição do mês de fevereiro que não se encontrava paga e que por isso ia resolver o seu contrato de trabalho por falta de pagamento de salário, o que fez.
57. Até essa data de 23 de maio de 2017 a autora fez crer à ré de que havia retirado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47) e nunca informou a ré que afinal ao contrário do que havia referido não tinha levantado tais valores do caixa, nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré.
58. A ré solicitou à autora os documentos, caixa e elementos que permitissem aferir quais os valores ao certo que a autora, tinha em sua posse e a fim de perceber se existiam ou não salários em dívida à autora.
59. A ré nunca se recusou a liquidar os salários à autora, apenas lhe solicitou a entrega do caixa e valores que esta havia retido de forma a poder acertar contas com a autora face às discrepâncias verificadas.
60. A autora encontrou-se de baixa médica desde 15 de abril de 2015 até 26 janeiro de 2016.
61. Gozou férias entre 26 janeiro e 26 fevereiro de 2016 e encontrou-se de baixa entre 3 de maio de 2017 até 12 de junho de 2017.
62. Uma vez que esta já havia recebido em 2016, subsídio de natal e de férias que não eram devidos, face aos períodos de licença e baixa médica de que esta beneficiou em 2015, impunha-se fazer o acerto destas quantias.
63. Ao não dar seguimento as vários pedidos e contactos de alunos e formandos, a ré recebeu diversas queixas e reclamações referentes ao comportamento da Autora.
64. De um dia para o outro viu a empresa esvaziada de bens, sem acesso as contas ou a quaisquer informações;
65. Diariamente, durante um período, a ré recebeu queixas e reclamações dos formandos, face aos comportamentos adotados pela autora, tendo já por duas vezes sido constituída arguida na qualidade de representante legal da ré por queixas dos clientes de desvio de dinheiro pela autora.
66. Viu os cursos do I.E.F.P. serem suspensos face às queixas entretanto apresentadas por diversos clientes;
67. Em consequência a ré enfrenta fortes dificuldades económicas.
68. A autora encontrava-se pelo menos desde o dia 8 de maio de 2017 senão diariamente quase diariamente nas instalações onde primeiramente foi instalada a sede da D…, Unipessoal, Lda., com a sócia-única F…, também formadora da ré.
69. Aí tendo entregue inclusive os certificados da formação efetuada na Ré aos seus clientes.
70. Esta tem vindo a publicitar quase diariamente os cursos de formação desta Academia no seu Facebook, desde agosto de 2017.
71. Era a autora quem respondia, pelo menos desde 15 de setembro de 2017, em nome da “E1…” a informações sobre os cursos, tendo mesmo um email do domínio E… - B1…@E….pt.
72. Entretanto, os números de contacto da sociedade, D…, Unipessoal, Lda., a saber: ……… e ………., encontram-se agora transferidos para a empresa “E1…”.
73. Face a estes acontecimentos, a ré recebeu queixas, reclamações e desistência de cursos por parte de clientes, sendo que alguns foram transferidos para a E1….
74. Desde então e durante um tempo a ré continuou a ter formandos que se dirigem às instalações da ré a reclamar a devolução dos valores que liquidaram à autora e que esta nunca os entregou à Ré.
75. Durante um tempo, a ré recebeu queixas devido aos valores que os formandos liquidaram a ré mas que nunca entraram nas suas contas.
76. Alguns clientes da ré manifestaram desconfiança em relação aos serviços prestados pela ré.
77. A autora recebeu sem registar no caixa da empresa valores de formandos/clientes desta no valor de, pelo menos, € 4.197,39.
78. A autora registou no caixa da ré pagamentos a formadores que posteriormente anularam recibos emitidos por não pagamento, como sucedeu com a formadora L…, no valor de €200.
79. A autora recebeu valores de cursos de formação abertos por esta sem a devida autorização da sua entidade patronal, e em algumas situações mesmo sem o conhecimento da ré e que não entregou à ré, a saber:
i. Primeiros Socorros, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €100 o valor de €500;
ii. Micro-blading, que abriu em 2017 com 4 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €300, o valor de €1.200;
iii. Unhas de Gel, que abriu em 2017 com 6 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €2700, o valor de €1.620;
iv. 2 de Técnica de Estética e Massagem, sendo um em regime noturno e outro em regime diurno, que abriu em 2017 com 10 e 6 alunos respetivamente, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €800, o valor de €12.800;
v. Ação Educativa, que abriu em 2017 com pelo menos 2 alunos confirmados pela R., mas que terão sido mais mas que esta não consegue confirmar, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €1.000;
vi. Arte Floral, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.000;
vii. Técnico de Veterinária, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €500, o valor de €2.500;
viii. Gessoterapia, que abriu em 2017 com 5 alunos, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €100, o valor de €500;
ix. Formação Pedagógica Inicial de Formadores, sendo um em regime noturno e outro em regime diurno, que abriu em 2017 com 9 e 10 alunos respetivamente, sendo que cada formando paga de preço do mesmo €200, o valor de €3.800.
80. A ré procedeu ao pagamento dos custos com os formadores que deram as referidas ações de formação, com exceção dos formadores das ações de artes florais e gessoterapia.
2. Factos não provados:
1. Desde o início do ano de 2016, mais concretamente após a data em que regressou após licença de maternidade, a gerente da autora começou a procurar criar conflitos com a autora para a levar desvincular-se do contrato de trabalho.
2. Após muita insistência por parte da autora, a ré pagou-lhe o subsídio de Natal de 2016.
3. Após insistência da autora, a ré pagou-lhe a retribuição do mês de Janeiro de 2017.
4. Em consequência, a autora teve transtornos por ter uma filha ao seu encargo e por o marido ter sofrido um acidente de trabalho que o fez perder totalmente a visão do olho esquerdo e por ser praticamente a única fonte de rendimentos do seu agregado familiar.
5. A gerente da ré conhecia esta situação.
6. Com receio de que se tratasse de um expediente para a ré alegar faltas da autora, apresentou-se ao trabalho no dia 2 de maio de 2017.
7. A ré impediu a autora de entrar no seu estabelecimento
8. A autora ficou desconcertada e nervosa que teve um ataque de pânico, tendo regressado a casa.
9. Foram os familiares que a apoiaram e lhe sugeriram que fizesse participação junto da PSP, o que fez, pois ficou com receio da intenção da ré para tomar tal atitude.
10. Todos os seus pertences pessoais ficaram na sede da ré e não teve mais acesso aos mesmos.
11. Em consequência, a autora ficou física e psicologicamente debilitada, tendo ficado impossibilitada para o trabalho no período entre 3 a 14 de maio de 2017.
12. Desde fevereiro de 2017, a autora não recebia qualquer retribuição.
13. Em consequência, a autora sofreu uma deterioração da sua vida pessoal e familiar e da sua saúde.
14. A gerente da ré tem conhecimento do pagamento dos vencimentos, impostos e da gestão correste da sociedade, processando os salários, sabendo que não tinha procedido ao pagamento dos salários da autora.
15. A ré admitiu estes factos à Autoridade para as Condições do Trabalho para efeitos da emissão da declaração da situação de desemprego que a autora já tinha solicitado, não contraditando a declaração emitida.
16. Em 31 de Maio de 2017 encontrava-se por pagar à autora as retribuições relativas aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2017.
17. Na data da entrada da ação, a autora encontrava-se em situação de desemprego.
18. Desde finais de 2016 até finais Maio de 2017 viveu momentos de angústia e preocupação por não receber a retribuição e não poder candidatar-se ao subsídio de desemprego por não lhe ter sido entregue o modelo RP5044.
19. É difícil arranjar novo emprego.
20. Em consequência, a autora ficou angustiada e preocupada.
21. Em consequência, a autora ficou impossibilitada de tratar da sua filha.
22. A autora nunca tinha sido alvo de qualquer procedimento disciplinar em qualquer entidade empregadora onde tenha tido trabalhado.
23. Ficou numa situação de desgosto profundo.
24. A autora foi assistida várias vezes por ataques de pânico, não dormia, perdeu o apetite, tendo tido que recorrer a ajuda médica.
25. Durante o contrato de trabalho a autora prestou trabalho para além do seu horário de trabalho em pelo menos 100 sábados no período entre as 9 horas e as 13 horas.
26. As dificuldades financeiras da ré teriam de ser resolvido por meio da realização de suprimentos ou aumento de capital entre as duas únicas sócias da ré, a aqui autora e a gerente da ré.
27. Como a autora se queixava de que tinha um filho e dificuldades económicas, foi a gerente da ré sucessivamente fazendo suprimentos em dinheiro e pagamentos da sua conta pessoal para que a ré se pudesse manter a laborar.
28. Até a presente data a gerente da ré não recebeu salários, antes tem vindo a injectar dinheiro na empresa diariamente.
29. Apesar de a autora saber de tais dificuldades, a autora, na qualidade de sócia de 49% de capital da ré nada fez para melhorar a situação económica da ré.
30. A autora, em resposta a esse email do dia 1 de maio de 2017, despediu-se.
31. Tomou ainda naquela altura conhecimento a gerente da ré, que a autora havia pedido segredo aos alunos dessa transição até que ocorresse a mudança total para a nova academia, alegando que na Nova Academia de formação teriam melhores condições e materiais e onde inclusive já seria lecionado o novo curso de epilação e que as aulas reiniciariam no dia 8 de maio nas novas instalações, estas sitas na Av. …, n.º …, em S. João da Madeira;
32. Informação que veio a ré a confirmar ser verídica pelos próprios clientes, que aí se deslocaram e viram a autora nessas instalações desde maio de 2017 até à presente data.
33. As irregularidades iniciaram-se quando a autora foi de licença de casamento a 22 de julho de 2016 e nunca trouxe de volta o dinheiro que havia ficado no caixa.
34. Em agosto de 2016, a autora fez ainda suas as quantias que referiu ter usado para fazer pagamento em nome da C… da segurança social no valor de €483,76.
35. Os serviços da formadora H… deverão ter sido prestados à empresa M… que em nada se relaciona com a C… há alguns anos
36. A Autora continua a não entregar a quantia de €5.178.
37. A autora fez suas de €300,00 em 30/11/2016, e 5/12/2016 de €327,46 o tenham sido a título de pagamento de subsídio de férias. 38. A autora deu diversas faltas injustificadas das quais não deu conhecimento à sua empregadora, incumprindo ainda os horários de trabalho.
39. Foram-lhe dadas todas as horas de formação, as quais foram antecipadas.
40. Os materiais desaparecidos das instalações da ré no dia 2 de maio de 2017 aparentam ser precisamente os que se encontram publicitados na página de Facebook da E1…, S. João da Madeira.
41. Sendo São João da Madeira uma localidade pequena rapidamente se propagou que a ré era uma instituição sem qualquer credibilidade e que ficava com os dinheiros que lhe eram entregues,
42. A autora afirmou perante os clientes que a gerente ré não era uma pessoa séria, nem os seus cursos estavam certificados.
43. A autora registou no caixa da ré pagamentos a formadores que posteriormente anularam recibos emitidos por não pagamento, como sucedeu com as formadoras N… e O…, não obstante no caixa elaborado pela autora se encontrar registado o pagamento a estas formadoras, num valor total de €160,00.
44. Os valores liquidados a formadores que a C… não pode deduzir nas suas contas anuais de 2016 e 2017, por ter pago valores de formação a formadores que não emitiram nem as correspondentes faturas, nem tão pouco os recibos de quitação, a saber:
i. P…, que recebeu €120,00 em 15.03.2017;
ii. Q…, que recebeu €119,00 em 23.11.2016 e €140,00 em 27.01.2017;
iii. F…, que recebeu €240,00 em 28.10.2016, €200,00 em 12.10.2016, €200,00 em 12.10.2016, €240,00 em 03.10.2016, €200,00 em 22.09.2016, €240,00 em 05.09.2016, €200,00 em 18.08.2016, €200,00 em 09.02.2017 e €200,00 em 16.02.2017;
iv. N…, que recebeu €40,00 em 04.02.2017, €40,00 em 11.02.2017, e, €40,00 em 24.02.2017;
v. G…, que recebeu €260,00 em 14.02.2017 e €100,00 em 14.02.2017;
vi. S…, que recebeu €300,00 em 10.11.2016, €84,00 em 22.02.2017, e, €231,00 em 22.02.2017;
vii. T…, que recebeu €100,00 em 22.02.2017, €100,00 em 28.03.2017 e €200,00 em 23.03.2017;
viii. O…, que recebeu €40,00 em 27.03.2017;
ix. U…, que recebeu €64,00 em 14.11.2016, €464,00 em 08.03.2017 e €64,00 em 08.03.2017;
x. V…, que recebeu €72,00 em 22.11.2016;
xi. H…, recebeu €224,00 em 07.03.2017.
A sócia gerente da ré retira rendimentos dos outros centros de formação desta, sedeados em Famalicão, Ermesinde, Amarante e Santa Maria da Feira.
45. A sócia gerente da ré sempre recusou a prestação de contas à autora.
46. A sócia gerente da ré, posteriormente à aquisição da sua quota e à sua nomeação como gerente, sem o consentimento da autora, exerce desde 31 de Março de 2015 atividade concorrente com a ré através da sociedade W…, Lda, com sede no Porto, que se dedica a fornecer apoio na área da formação.
47. A autora prestou trabalho para além do referido horário de trabalho nos dias que constam do documento de folhas 191 a 193.
II.2 Alteração da decisão sobre a matéria de facto por iniciativa deste Tribunal de recurso
No âmbito dos poderes oficiosos deste tribunal ad quem, estabelecidos no art.º 662.º 1, em conjugação com o disposto no art.º 607.º n.ºs 4 e 5, todas disposições do CPC, impõe-se alterar a decisão sobre a matéria de facto para a expurgar de factos que se encontram fixados com formulação conclusiva, num caso acrescentando a matéria em falta para que fique concretizado, nos outros eliminando-os na totalidade ou parcialmente.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significa isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
Assim, em primeiro lugar impõe-se alterar a redacção do facto provado 16.º, para acrescentar o essencial do conteúdo das cartas enviadas pela autora à Ré comunicando a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
Estando em causa saber se existe justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhado, era fundamental o Tribunal a quo ter levado aos factos assentes o essencial do conteúdo da mesma, ao invés de se limitar a dar como provado o que consta no facto 16, nomeadamente:
-[16] A autora operou a resolução do contrato de trabalho em 31 de maio de 2017, data em que a comunicou à ré e à sua gerente.
Não pode esquecer-se que na apreciação da existência de justa causa de resolução apenas são atendíveis os factos que foram alegados pelo trabalhador, ainda que com indicação sucinta, na comunicação por escrito dirigida ao empregador (art.ºs 395.º/1 e 398.º/3 CT/09), pelo que aquela indagação implica necessariamente o confronto entre o conteúdo desse documento e o alegado na acção, importando por isso que essa alegação, enquanto verdadeira matéria de facto, esteja presente no local próprio, ou seja, a decisão sobre a matéria de facto.
O facto cinge-se ao que foi alegado pela A e não foi impugnado pela Ré, mas não menciona quais as razões que foram invocadas para justificar a resolução do contrato de trabalho. Referir-se-lhe depois na fundamentação ao proceder à aplicação do direito aos factos, não é o mais correcto.
Acresce, como adiante se verá, que no caso nem tão pouco há apenas uma carta, pois a A. veio subsequentemente, numa segunda missiva, esclarecer um lapso da primeira.
É certo que a R. não impugnou a alegação da autora, na PI, de onde foi retirado o conteúdo do facto 16. Mas sendo essa alegação conclusiva, não devia o Tribunal a quo limitar-se ao seu conteúdo, antes devendo ter recorrido às cartas que foram juntas para extrair o essencial e trazer ao facto provado, ou seja, fazendo constar dele as razões invocadas pela autora. Aditando-se o essencial do conteúdo das cartas em causa, o facto passa a ter a redacção que segue:
-[16] «A autora operou a resolução do contrato de trabalho em 31 de maio de 2017, data em que a comunicou à ré e à sua gerente numa primeira carta, onde menciona como assunto “Resolução do contrato de trabalho, depois dizendo que “(…) considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao mês de Fevereiro de 2017, se prolonga por período de 60 dias sobre a data do vencimento, vem comunicar a V. Exª o propósito de suspender o contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 31 de Maio de 2017. (..) invoca-se o facto que V.Exa procedeu à alteração da fechadura impedindo o meu acesso ao local de trabalho e consequente prestação do mesmo, atitude que revela manifesta má-fé e quebra da relação de confiança que é essencial para a manutenção do vinculo laboral”, a qual depois complementou como uma segunda missiva, onde refere que “por mero lapso de escrita, se menciona, no final do primeiro parágrafo a comunicação de suspensão de contrato de trabalho ao invés de resolução do contrato de trabalho”».
Avançando.
No facto 25, lê-se:
[25] Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente começou a notar diversas incongruências e irregularidades, bem como constatou a existência de cursos que haviam sido abertos mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:
1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,
2 cursos de técnico de estética, massagem e beleza (diurno e noturno);
1 workshop de automaquilhagem;
1 workshop de pestanas;
2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;
1 curso de primeiros socorros;
1 curso de ação educativa;
1 curso de micro-blading;
1 cursos de arte floral;
3 cursos de unhas de gel.
Os “cursos que haviam sido abertos mas sem autorização da academia”, estão especificados, mas já assim não acontece com as “diversas incongruências e irregularidades” que “a gerente começou a notar”, daí decorrendo que esta parte é conclusiva e, logo, deve ser eliminada.
Assim, elimina-se essa parte, em consequência alterando-se a redacção da parte introdutória do facto 25, passando a ser a seguinte:
[25] Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente constatou a existência de cursos que haviam sido abertos mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:
1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,
2 cursos de técnico de estética, massagem e beleza (diurno e noturno);
1 workshop de automaquilhagem;
1 workshop de pestanas;
2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;
1 curso de primeiros socorros;
1 curso de ação educativa;
1 curso de micro-blading;
1 cursos de arte floral;
3 cursos de unhas de gel.
Nos factos 40 e 52, lê-se o seguinte:
[40] A gerente percebeu que efetivamente, desde junho de 2016, existiram irregularidades nos pagamentos e recebimentos de clientes e fornecedores
[52] Igual situação se verificou com os recibos provisórios que não aparecem devidamente reflectidos no caixa apresentado.
Ambos os factos são conclusivos, encerrando juízos de valor. No primeiro não se sabe quais as irregularidades nos pagamentos e recebimentos, nem quais os clientes e fornecedores. No segundo também fica por saber quais são os recibos provisórios que não aparecem devidamente reflectidos no caixa apresentado.
Assim, eliminam-se os factos 40 e 52.
No facto 56 consta o seguinte:
[56] «Contudo, depois de confrontada com a carta enviada pela Demandada a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email por si enviado a 16 de abril de 2017 a própria autora tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, já referiu que não retirou qualquer quantia do caixa e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), alegando agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e seguintes mas sem explicar como ou quando, limitando-se a alegar de forma vaga e abstrata que afinal era a retribuição do mês de fevereiro que não se encontrava paga e que por isso ia resolver o seu contrato de trabalho por falta de pagamento de salário, o que fez».
Para além de uma formulação complexa e equívoca, o facto contém partes conclusivas, nomeadamente, no início - a expressão “Contudo, depois de ” – e no final – a parte “mas sem explicar como ou quando, limitando-se a alegar de forma vaga e abstrata que afinal era a retribuição do mês de fevereiro que não se encontrava paga”.
Eliminando as partes conclusivas e reformulando a redacção para que seja mais clara e objectiva, altera-se o facto 56, para passar a ter o conteúdo seguinte:
[56] «Confrontada com a carta enviada pela Demandada a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email enviado a 16 de abril de 2017 a própria autora tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, esta referiu que não retirou qualquer quantia do caixa e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), alegando agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e que por isso ia resolver o seu contrato de trabalho por falta de pagamento de salário, o que fez».
Deixa-se esclarecido não termos esquecido que a recorrente autora impugna o facto 57, alegando que é conclusivo. Porém, como para além disso, estribando-se nos meios de prova que invoca, defende também que nunca poderia ser considerado provado nos termos que dele constam, optamos por nos debruçar sobre o mesmo ao apreciarmos a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Prosseguindo, dirigimos agora a nossa atenção para os factos 63, 64, 65, 67, 75 e 76, cujos conteúdos são os seguintes:
63. Ao não dar seguimento as vários pedidos e contactos de alunos e formandos, a ré recebeu diversas queixas e reclamações referentes ao comportamento da Autora.
64. De um dia para o outro viu a empresa esvaziada de bens, sem acesso às contas ou a quaisquer informações;
65. Diariamente, durante um período, a ré recebeu queixas e reclamações dos formandos, face aos comportamentos adotados pela autora, tendo já por duas vezes sido constituída arguida na qualidade de representante legal da ré por queixas dos clientes de desvio de dinheiro pela autora.
67. Em consequência a ré enfrenta fortes dificuldades económicas.
75. Durante um tempo, a ré recebeu queixas devido aos valores que os formandos liquidaram à ré mas que nunca entraram nas suas contas.
76. Alguns clientes da ré manifestaram desconfiança em relação aos serviços prestados pela ré.
Como se constata, todos eles encerram afirmações genéricas ou juízos conclusivos. Como tal, pelas razões que começámos por enunciar, eliminam-se do elenco factual o que consta sob os números 63, 64, 65, 67, 75 e 76.
II.2.1 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo reapreciação da mesma e a sua alteração aos factos provados 57, 25, 77 e 79 e quanto aos não provados 7,12 e 16.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Recorrendo mais uma vez às palavras de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que respeita às conclusões, considera-se que foi observado o que se entende como suficiente, dado que a recorrente indica quais os factos que impugna por terem sido considerados provados, indicando a resposta alternativa, conforme acima indicado.
No que concerne às demais exigências que se enunciaram, já o mesmo não é de concluir relativamente a todos os factos. Esses ónus apenas são cumpridos quanto ao facto provado 57 e aos não provados 7,12 e 16.
Quanto aos factos provados 25, 27 e 79 (relembramos que o primeiro deles foi alterado por nossa iniciativa), a impugnação surge nas alegações sob o título “IV – Da alteração da matéria de facto - do prejuízo”, estendendo-se ao longo dos artigos 86.º a 117.º, onde conclui ”Logo, resumindo, devem ser dados como não provados os pontos 25, 77 e 79 da matéria de facto dada como provada”, constatando-se que são impugnados em bloco, isto é, a recorrente não faz uma impugnação individualizada e concreta relativamente a cada um dos factos impugnados.
Ora, pretendendo a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se-lhe que procurasse evidenciar que esses factos não deveriam ter sido considerados provados, mas fazendo-o individualmente, indicando para cada um deles os meios de prova e formulando o juízo crítico para justificar a a pretendida alteração, elencando as razões pertinentes relativamente a cada um deles.
Não foi esse o método seguido pela recorrente, como se disse, antes fazendo a impugnação em bloco.
Por conseguinte, quanto a essa parte - factos provados 25, 27 e 79 – rejeita-se a impugnação.
II.2.1.1 Passamos, pois, à apreciação da impugnação na parte admitida, em concreto, quanto ao facto provado 57 e aos não provados 7,12 e 16.
No ponto 57 da matéria dada como provada, consta o seguinte:
-«[57] Até essa data de 23 de maio de 2017 a autora fez crer à ré de que havia retirado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47) e nunca informou a ré que afinal ao contrário do que havia referido não tinha levantado tais valores do caixa, nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré».
Defende a recorrente que do facto “consta matéria conclusiva e que, por isso, deve ter-se por não escrita”, referindo-se à parte onde se lê “fez crer à ré de que havia retirado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47)”.
Argumenta o seguinte:
- “[U]ma crença não é um facto nem concretiza uma realidade”;
- “Daquele segmento não resulta sequer (1) se a autora/recorrente efectivamente retirou aquelas quantias ou (2) que a ré pagou aquelas quantias em salários”.
Pretende que esse segmento seja considerado não escrito, passando o facto a ter a redacção seguinte:
- “Até essa data de 23 de maio de 2017 a nunca informou a ré que afinal ao contrário do que havia referido não tinha levantado tais valores do caixa, nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré”.
Concorda-se com a recorrente no que concerne ao uso da expressão “fez crer à Ré”, mas já não quanto ao mais, nem tão pouco quanto à amplitude da alteração pretendida, pois retirava do facto matéria relevante e não conclusiva, deixando-o sem sentido.
Assim, expurgando-se aquela parte e reformulando-se a redacção para manter, em termos lógicos, o que é matéria de facto, altera-se a mesma para passar a ser a seguinte:
-«[57] “Até essa data de 23 de maio de 2017, a autora nunca informou a ré que afinal, ao contrário do que havia referido, não tinha levantado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47), nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré”.
Prosseguindo, a recorrente questiona não ter sido dado como provado o que consta sob o n.º 16 da matéria não provado – correspondente ao alegado no art.º 58.º da PI -, nomeadamente, o seguinte:
“[16] Em 31 de Maio de 2017 encontrava-se por pagar à autora as retribuições relativas aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2017.”
Defende que deve considerar-se provado, mas com a redacção seguinte:
-“Em 31 de Maio de 2017 encontrava-se por pagar à autora as retribuições relativas aos meses de fevereiro, março, abril e dois dias relativos ao mês de maio de 2017”.
Questiona ainda, servindo-se da mesma argumentação, não ter sido dado como provado o que consta sob o ponto 12, da matéria não provada – correspondente ao art.º 21.º da PI-, onde se lê:
-[12] Desde fevereiro de 2017, a autora não recebia qualquer retribuição.
Sustenta que sobre a Ré recaía o ónus de provar o pagamento das retribuições, mas que nem alegou nos autos ter pago as retribuições referentes aos meses de Fevereiro, Março, Abril e Maio.
Mais sustenta que nem tão pouco consta dos autos documento comprovativo do pagamento, em especial o recibo de vencimento, alegando que só esse documento ”poderia fazer prova efectiva do pagamento das retribuições referentes a Fevereiro, Março, Abril e Maio”, procurando apoio para essa posição no Acórdão de 14-12-2017, desta Relação do Porto [Processo n.º 2811/16.6T8OAZ.P1, Desembargador Domingos Morais, disponível em www.dgsi.pt”].
Refere, ainda, que nem se percebe que aquele facto tenha sido dado como não provado quando a ré foi efectivamente condenada a pagar retribuições em atraso à autora, lendo-se na fundamentação da douta sentença recorrida, no ponto 1.3 do enquadramento jurídico que: «em suma, a ré deve ser condenada a pagar à autora a quantia ilíquida de € 764,57 relativo a salários de fevereiro, março, abril e maio».
Mais refere, remetendo para as declarações de parte da representante legal da Ré – que já enunciara e indicara o ponto onde localizam na gravação -, que esta “confessa (..) que não sabe se pagou ou não pagou as retribuições à autora”.
Por fim, remata dizendo que “aceitando-se o facto de a autora ter estado de baixa médica a partir de dia 03 de Maio de 2017, conjugado com o facto do contrato de trabalho que celebrou com ré ter sido suspenso a 12 de Maio de 2017, concluímos que o ponto 16 da matéria de facto dada como não provada deve ser alterado e dado como provado, nos seguintes termos: em 31 de Maio de 2017 encontrava-se por pagar à autora as retribuições relativas aos meses de fevereiro, março, abril e dois dias relativos ao mês de maio de 2017”.
Começando pelo facto não provado 12, o mesmo não é mais do que uma alegação conclusiva e, logo, pelas razões já enunciadas e, inclusive, referidas pela recorrente nas suas alegações, não podia nem pode ser dado como provado. De resto, em bom rigor, por essas mesmas razões, o Tribunal a quo nem sequer devia ter levado essa alegação à matéria não provada.
Quanto ao facto não provado 16, é certo que o ónus de prova do pagamento das retribuições recai, em regra, sobre a entidade empregadora, bastando ao trabalhador enunciar concretamente qual, quando e onde prestou o trabalho não pago. Porém, se o empregador não faz essa prova e o ónus recaía sobre ele, as consequências retiram-se a jusante na sentença, na aplicação do direito aos factos provados, não significando de todo que tenha que ser dado como provada uma alegação de facto negativa.
No caso, como a A. bem sabe, a ré empregadora apresenta uma versão para defender que não estão em falta os pagamentos das retribuições reclamadas e mencionadas na carta em que comunica a resolução do contrato de trabalho.
Para que fique aqui esclarecido, no essencial refere que a autora, que é sócia da Ré, detendo 49% do capital e que tinha a seu cargo movimentar o dinheiro em caixa, recebendo e fazendo pagamentos, incluindo o seu próprio salário e os dos formadores, desde o mês de janeiro de 2017, recusou prestar contas à R. (art.ºs 14 e 17.º). A Ré veio a apurar estarem em falta o valor total de €5.178,00 (art.º 75.º), situação que se iniciou quando a A. foi de
licença de casamento a 22 de julho de 2016 e nunca trouxe de volta o dinheiro que havia ficado no caixa (art.º 49.º).
A Ré alega, ainda, que a 3 de Maio de 2017 a A. enviou-lhe duas missivas, uma a invocar que se encontrava de baixa e outra a suspender o contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição que se prolongou por 60 dias, tendo nesta missiva alegado que não lhe tinha sido pago o salário de Janeiro de 2017 (art.ºs 81.º e 82.º). Contudo, “depois de confrontada com a carta enviada pela Ré a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email por si enviado a 16 de abril de 2017 a própria A. tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, já veio a A. dar o dito por não dito e referir que afinal:
- não retirou qualquer quantia do caixa;
- e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), cfr. doc. junto pela A. na sua PI como doc. n.º 14 (art.º 83.º).
Mais diz que a A, alegou “agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e seguintes” (art.º 84.º).
Esta é a versão que a Ré contrapõe à da autora.
Portanto, não fazia sentido o Tribunal a quo dar como provado o facto negativo alegado pela Autora, o que mais não seria do que resolver indevidamente a questão na fixação da matéria de facto.
Do mesmo modo, não tem fundamento o argumento estribado no acórdão desta Relação que é invocado pela recorrente. Em parte alguma é afirmado no acórdão que o pagamento da retribuição só pode ser demonstrado pelo recibo de vencimento onde conste a assinatura do trabalhador dando quitação do recebimento das quantias nele mencionadas. De resto, basta ler com atenção o que consta no respectivo sumário, ou em caso de dúvida na fundamentação, justamente nas partes que a recorrente transcreve.
Senão veja-se. Conforme transcrito pela recorrente, a propósito do recibo de vencimento, o que consta no sumário é o seguinte:
V - No âmbito específico das relações laborais, o empregador é obrigado a emitir documento comprovativo do pagamento da retribuição ao trabalhador, podendo exigir-lhe documento de quitação – cf. artigos 276.º, n.º 3, do CT e 787.º do CC.
VI - O documento a que alude o artigo 276.º, n.º 3 do CT, não se confunde com o recibo de quitação: o que com ele se visa é permitir ao trabalhador apurar a que verbas reportam as quantias que lhe são pagas.
Portanto, ou a recorrente está a fazer uma leitura incorrecta do acórdão, ou então está intencionalmente a desvirtuar o que é nele claramente afirmado, procurando moldá-lo à conveniência do seu interesse.
Mas para que não lhe restem dúvidas, conforme elucida o Acórdão de 19-05-2010, do Tribunal da Relação de Lisboa [Proc.º 134/09.6TTTVD.L1-4, Desembargador Ferreira Marques, disponível em www.dgsi.pt] “O art. 267º, n.º 3 do CT de 2003, ao exigir que, no acto de pagamento da retribuição, o empregador entregue ao trabalhador documento onde conste o período a que respeita a retribuição, com a discriminação da retribuição base e das demais remunerações, não contêm qualquer regra de direito probatório que afaste o princípio geral da liberdade de prova, pelo que nada impede que o empregador prove, através do recurso a outros meios de prova, incluindo a testemunhal e a confissão, o pagamento da retribuição e de outras prestações salariais”.
O mesmo é de dizer quanto à alegada “confissão”, da legal representante. Para que fique clara a razão desta nossa afirmação, os extractos que invoca são os que seguem:
“Meritíssimo Juiz (MJ): Então quer dizer, é por isso que a senhora acaba por dizer: eu na realidade não posso dizer se o salário já foi pago ou não. Os salários, aqueles vários…
Representante Legal da Ré (RLR): Sim, sim, sim, sim…
MJ: Os salários, nós já falamos sobre isto, não já?
RLR: Sim, sim, sim, (…)”
“Meritíssimo Juiz (MJ): Então, quer dizer, eu estou a dizer, não é, nesta perspectiva, portanto a falta da prestação de contas impedia-os de ver se os salários estavam pagos ou não?
Representante Legal da Ré (RLR): Sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim, porque eu não sabia se tinha tirado dinheiro ou não.”
Com o devido respeito, o que se retira daqui não é mais do que foi alegado na contestação, ou seja, a legal representante da Ré está a reportar-se à data em que recebeu as comunicações da autora e a dizer que não sabia se a autora tinha ou não tirado o dinheiro. Não se vislumbra, pois, como pretende a recorrente sustentar perante este Tribunal de recurso, que tal é suficiente para se dar como provado que a Ré não lhe pagou as retribuições, ou melhor dizendo, que a autora não se pagou das retribuições nos meses em causa.
Assim, nesta parte improcede a impugnação.
Resta apreciar a impugnação na parte dirigida ao ponto 7 da matéria não provada, onde consta:
-[7] “A ré impediu a autora de entrar no seu estabelecimento”.
Como se constata, cremos que sem levantar dúvida, estamos perante mais uma alegação conclusiva. Basta ver que não consta do facto quando e como a Ré “impediu a autora de entrar no seu estabelecimento”. Assim, como já o dissemos, pelas razões já enunciadas e, inclusive, referidas pela recorrente nas suas alegações, não podia nem pode ser dado como provado. De resto, em bom rigor, por essas mesmas razões, o Tribunal a quo nem sequer devia ter levado essa alegação à matéria não provada.
Concluindo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede apenas parcialmente, em concreto, quanto ao facto 57.
II.2.2 Fazendo um balanço da matéria de facto alterada, por iniciativa desta Relação e pela procedência parcial da impugnação da recorrente na parte cuja apreciação se admitiu, resulta o seguinte:
- Facto 16, alterada a redacção, passando a ser a seguinte:
- «A autora operou a resolução do contrato de trabalho em 31 de maio de 2017, data em que a comunicou à ré e à sua gerente numa primeira carta, onde menciona como assunto “Resolução do contrato de trabalho, depois dizendo que “(…) considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao mês de Fevereiro de 2017, se prolonga por período de 60 dias sobre a data do vencimento, vem comunicar a V. Exª o propósito de suspender o contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 31 de Maio de 2017. (..) invoca-se o facto que V.Exa procedeu à alteração da fechadura impedindo o meu acesso ao local de trabalho e consequente prestação do mesmo, atitude que revela manifesta má-fé e quebra da relação de confiança que é essencial para a manutenção do vinculo laboral”, a qual depois complementou como uma segunda missiva, onde refere que “por mero lapso de escrita, se menciona, no final do primeiro parágrafo a comunicação de suspensão de contrato de trabalho ao invés de resolução do contrato de trabalho».
Facto 25, alterada a redacção, passando a ser a seguinte:
- “Ao analisar a documentação contabilística da ré, a gerente constatou a existência de cursos que haviam sido abertos mas sem autorização da academia, ou pelo próprio I.E.F.P. nos casos em que tal autorização era necessária, pelo menos parcialmente custeados pela ré, designadamente:
1 curso de técnica auxiliar clínica veterinária,
2 cursos de técnico de estética, massagem e beleza (diurno e noturno);
1 workshop de automaquilhagem;
1 workshop de pestanas;
2 cursos de formação pedagógica inicial de formadores, um diurno e outro noturno;
1 curso de primeiros socorros;
1 curso de ação educativa;
1 curso de micro-blading;
1 cursos de arte floral;
3 cursos de unhas de gel”.
Facto 56, alterada a redacção, passando a ser a seguinte:
-Confrontada com a carta enviada pela Demandada a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email enviado a 16 de abril de 2017 a própria autora tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, esta referiu que não retirou qualquer quantia do caixa e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), alegando agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e que por isso ia resolver o seu contrato de trabalho por falta de pagamento de salário, o que fez”.
Facto 57, alterada a redacção, passando a ser a seguinte:
- “Até essa data de 23 de maio de 2017, a autora nunca informou a ré que afinal, ao contrário do que havia referido, não tinha levantado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47), nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré”.
Eliminam-se do elenco factual dos factos provados, o que consta sob os números 63, 64, 65, 67, 75 e 76.
II.3 Motivação de direito
Vem a autora questionar a sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão do seguinte:
i) Por não ter condenado a Ré a pagar à autora a totalidade das retribuições referentes aos meses de fevereiro, março, abril e dois dias do mês de março, ou seja, € 2.606,67;
ii) Ao ter-se concluído pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho;
iii) Ao julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39, que após operada a compensação com os créditos daquela foi fixada em € 27.680,38;
iv) Ao condenar a autora como litigante de má-fé.
II.3.1 Quanto ao primeiro ponto de discordância, refere a recorrente na conclusão aa) o seguinte:
- “Além disso, em função das aludidas alterações da matéria de facto, deve a ré/recorrida ser condenada a pagar à autora a totalidade das retribuições referentes aos meses de fevereiro, março, abril e dois dias do mês de março, ou seja, € 2.606,67 (dois mil seiscentos e seis euros e sessenta e sete cêntimos) ilíquidos devendo a recorrida fazer as respectivas retenções legais”;
Como decorre do expressamente afirmado pela recorrente, a discordância quanto a esse ponto do decidido radica exclusivamente na divergência quanto à matéria de facto impugnada. Assim, tendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcedido, na ausência de outro fundamento, resta concluir que não pode esta pretensão ser acolhida.
II.3.2 Avançando para o segundo ponto, na perspectiva da recorrente autora, o Tribunal a quo errou ao não lhe reconhecer o direito de resolução do seu contrato de trabalho com justa causa.
Sobre esta questão, na fundamentação da sentença lê-se o seguinte:
-«1.1 A primeira questão a decidir consiste em saber se existe justa causa que suporte a resolução do contrato de trabalho pela autora.
A autora alega um conjunto de factos que, de uma forma geral, podiam incluir-se no plano da justa causa de resolução, designadamente a eventual prática de assédio moral no trabalho após o regresso da licença de maternidade que, na realidade tem apenas concretização escassa no atraso do pagamento do subsídio de Natal de 2016, na mudança da fechadura com encerramento do estabelecimento e suposto impedimento de prestar trabalho em Maio de 2017, na instauração de um procedimento disciplinar e na imputação à autora da prática de crimes, mas tendo em conta a carta de resolução e considerando que o artigo 398.º, n.º 3, do Código do Trabalho, que apenas permite o atendimento dos factos sucintamente invocados na carta de resolução, temos que considerar que apenas está em causa a falta de pagamento da retribuição correspondente a Fevereiro de 2017 e a mudança de fechadura com encerramento do estabelecimento e impedimento de prestar trabalho em Maio de 2017.
Nos termos do artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho, «ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato», sendo que constitui justa causa a falta culposa de pagamento da retribuição, sendo que o n.º 5 considera culposa a falta que se prolongue por período de 60 dias e a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador.
Em nosso entendimento, com estes fundamentos, consideramos que não podemos afirmar a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho pois não consideramos que tenha ficado demonstrada a falta de pagamento da retribuição de Fevereiro de 2017 que entendemos estar paga na medida em que a própria comunicou que ia fazer levantamentos em caixa para pagamento do salário e estes montantes são suficientes para efetuar o pagamento do salário de Fevereiro de 2017 pois a retribuição é de € 850 ilíquidos e não líquidos. Acresce que a justa causa tem pressupostos e o pressuposto principal reside no requisito na inexigibilidade que se traduz, basicamente, na impossibilidade prática de manutenção da relação contratual. Sucede que a autora, para além de trabalhadora, é sócia da ré, tendo uma participação no seu capital social de 49%, o que significa que é praticamente dona de metade da empresa. Em nosso entendimento, com respeito por opinião contrária, um trabalhador que é dono de praticamente metade da empresa não está, ao nível do limite do sacrifício que lhe é exigido, a par com os demais trabalhadores, ou seja, a afirmação de que é insuportável para o trabalhador a manutenção da relação contratual tem que ser mais exigente e deve ser-lhe imposto uma maior tolerância, designadamente em situações de mora no pagamento de salários, pois se o trabalhador é um dos principais donos da empresa, tem uma relação de associação com esta que lhe impõe um maior grau de suporte de situações de pagamentos em atrasos na medida em que se a empresa não tem condições para suportar por inteiro todas as suas obrigações, está de acordo com a racionalidade, que um trabalhador sócio suporte um atraso no seu pagamento para que a empresa possa pagar outras obrigações, dentro de certos limites. No caso, a autora invoca uma mora superior a 60 dias no pagamento da retribuição de Fevereiro de 2017 que devia ter sido paga no último dia útil de Fevereiro de 2017, pelo que quando a autora resolve o contrato teriam decorrido menos de 90 dias de mora, o que consideramos pouco para uma trabalhadora que é dona de 49% da empregadora. É certo que a autora invoca igualmente uma violação dos seus direitos e garantias, mais precisamente da obrigação do empregador não obstar injustificadamente à prestação de trabalho pelo trabalhador, prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, que corresponde a uma garantia do trabalhador. Contudo, é importante ter em conta o quadro geral em que os factos ocorreram. Em primeiro lugar, consideramos que não existe um obstáculo injustificado à prestação de trabalho pois o encerramento da academia, com mudança das fechaduras, foi acompanhado da colocação da autora em situação de férias. Mas, em segundo lugar, mais importante, esta situação ocorreu no âmbito de um ambiente de desconfiança da gerência da ré, sobre a conduta da autora, que, em nosso entendimento e pelos motivos que se expõem de seguida, se justificava, com vista ao apuramento da situação sem a presença da autora, nem de qualquer outra pessoa que pudesse ter acesso à documentação existente na academia. E tanto se justificava que, mesmo com a mudança da fechadura, a autora, contra a vontade da ré, entrou na academia e levou consigo documentação a que a gerência da ré pretendia ter acesso.
Por conseguinte, entendemos que não existe justa causa de resolução do contrato de trabalho pela autora e, em consequência, consideramos que não existem motivos, por esta via, para a atribuição de qualquer indemnização à autora, bem como compensação por danos não patrimoniais».
A recorrente sustenta a sua posição começando por referir que [Conclusão bb)] “em consequência das alterações da matéria de facto (..) coligadas com as demais circunstâncias inerentes ao caso dos autos, impunha-se, ao contrário do que foi decidido, que a resolução por justa causa operada pela autora/recorrente fosse considerada lícita”. Prossegue até à conclusão zz), invocando no essencial, o seguinte:
- Operou a resolução do contrato de trabalho no dia 31 de Maio de 2017, data em que a retribuição de fevereiro de 2017 estava em dívida, há mais de 60 dias, facto concreto e suficientemente grave;
- A recorrente dependia da sua retribuição para garantir a sua própria subsistência, contribuir para o agregado familiar, organizando-se em função daquela, tendo legitimas expectativas de recebê-la pontualmente;
- Não é por a recorrente ser sócia da recorrida, que não tem que comer, beber, atestar combustível para ir trabalhar ou cumprir com obrigações financeiras quotidianas;
- É justamente a reflexão dessa realidade parece ter presidido à ratio inerente ao n.º 5 do artigo 394º do Código do Trabalho, ao prescrever como culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se estenda por período de 60 dias, considerando-a uma presunção de culpa não ilidível;
- Ademais, resulta das regras da experiência e do conhecimento geral, que aquela falta de pagamento da retribuição será tanto mais grave e difícil de enfrentar, quanto mais baixa for a renumeração recebida pelo trabalhador, o que é fácil de perceber, já que quanto menor o rendimento, menor a capacidade de aforrar com vista a fazer face a dificuldades financeiras;
- A recorrente recebia a quantia ilíquida de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros);
- A lesão dos interesses e Direitos da recorrida por falta de pagamento da retribuição do mês de fevereiro com caracter continuado e efeito duradouro é, por isso, elevada;
- Cabe ainda ponderar outras circunstâncias relevantes como, designadamente, a confessada existência de outras retribuições em atraso além do mês de fevereiro de 2017, o notório antagonismo que existia na relação laboral e o comportamento da recorrida contra legem e violador dos Direitos da recorrente;
- Como resulta dos factos dados como provados constantes dos pontos 8., 9. e 27., a recorrida fechou o estabelecimento comercial onde a recorrente exercia as suas funções laborais, sem fundamento legal, o que também foi comunicado na carta de resolução do contrato de trabalho, violando o Direito da recorrente à ocupação efectiva do posto de trabalho previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho, (2) colocou-a de férias sem lhe dar hipótese de acordo como obriga o n.º 1 do artigo 241º do Código de Trabalho e (3) usou o pretexto “gozo de férias” para operar o que foi uma encapotada suspensão preventiva do trabalhador do processo disciplinar que veio a instaurar, sem obedecer às regras do artigo 354º do Código de Trabalho, o que configura uma tripla violação da Lei e dos Direitos da recorrida;
- [Conclusão yy)] “(..) deve atender-se a este quadro global para aferir da justa causa operada pela trabalhadora, tendo em conta que, na apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não se pode ser tão exigente como na apreciação da justa causa de despedimento promovido pela entidade empregadora”,
II.3.2.1A abordagem das questões a apreciar aconselha que se deixem algumas notas essenciais sobre a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, com invocação de justa causa.
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
Interessa-nos aqui a primeira dessas duas espécies, que tem na sua base um comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações referidas nas alíneas do n.º2, do art.º 394.º do CT/09, que se passam a transcrever:
[a)] Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
[b)] Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
[c)] Aplicação de sanção abusiva.
[d)] Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
[e)] Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador:
[f)] Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticado pelo empregador ou seu representante.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09).
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º, do CT], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º, do CT].
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão [Cfr. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, Parede – Portugal, p. 533].
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, observa que «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3» [Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, p.949)
Partilha o mesmo entendimento João Leal Amado, que ao tratar do procedimento para resolução do contrato defende: «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador», para depois, em nota de rodapé, acrescentar que «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1» [Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, Coimbra, p. 384].
Já nos referimos ao art.º 394.º do CT, mas para além do que se disse, cabe relembrar que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” [n.º 4 do art.º 394.º], ou seja, atendendo-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
Dito de outro modo, para além da verificação das condutas que sejam imputadas ao empregador, é também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento lhe seja imputável a título de culpa e que pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p.644].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
No que concerne ao n.º5, do artº 394º C. T., dispondo “Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”, é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que a norma estabelece uma presunção “juris et de jure” de culpa do empregador, isto é, uma ficção legal de culpa que não admite prova em contrário. Mas, não obstante a referida presunção, inilidível, de culpa do empregador, para que se verifique a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que a falta de pagamento em causa, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência do contrato [Cfr., Pedro Furtado Martins, op. cit., p. 534 e 537; Ac. STJ de 16-03-2017, proc.º 244/14.8TTALM.L1.S1, Conselheiro CHAMBEL MOURISCO, disponível em www.dgsi.pt]; Ac. TRC de 10-02-2011, proc.º 1022/09.1TTCBR.C1, Desembargador AZEVEDO MENDES; Ac. TRE de 07-02-2013, proc.º 56/11.0TTPTM.E1, Desembargador João Nunes; Ac. TRP de 23-04-2018, proc.º 27556/15.0T8PRT.P1, Desembargador Jerónimo Freitas; todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Mas como elucida o Ac. do STJ de 16-03-2017, acima invocado, “Apesar de as circunstâncias que têm de ser apreciadas para que se considere verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador terem de ser reportadas às estabelecidas para as situações de despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), a doutrina e jurisprudência têm vindo a considerar que o juízo de inexigibilidade para a manutenção do contrato de trabalho terá de ser menos exigente do que nas situações em que a cessação é desencadeada pelo empregador». Esse mesmo entendimento fora já afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2015 [proc.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt], onde se afirma: “Não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.”
Entendimento que, conforme a recorrente autora invoca, foi afirmado e seguido no Ac. desta Relação do Porto, de 23-04-2018, proferido no proc.º 27556/15.0T8PRT.P1, já acima citado (relatado pelo aqui relator e com intervenção do 1.º adjunto).
II.3.2.2 Revertendo ao caso, começaremos por relembrar que a recorrente apenas viu proceder a impugnação da decisão sobre a matéria de facto parcialmente, em concreto, quanto ao facto 57, ainda assim sem que se lhe tivesse conferido a redacção que pretendia.
Assim sendo, não têm apoio os argumentos que pressupunham a alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Alega a recorrente que operou a resolução do contrato de trabalho no dia 31 de Maio de 2017, data em que a retribuição de Fevereiro de 2017 estava em dívida, há mais de 60 dias, facto concreto e suficientemente grave, que conjugado com as demais circunstâncias do caso, é suficiente para lhe ser reconhecida justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Como resulta da sentença, o tribunal a quo na sentença “não consider(ou) que tenha ficado demonstrada a falta de pagamento da retribuição de Fevereiro de 2017 (entendendo) estar paga na medida em que a própria comunicou que ia fazer levantamentos em caixa para pagamento do salário e estes montantes são suficientes para efetuar o pagamento do salário de Fevereiro de 2017 pois a retribuição é de € 850 ilíquidos e não líquidos”.
Concordamos com o sentido do decidido quanto ao ponto em causa, mas na nossa perspectiva o Tribunal a quo deveria ter sustentado esse entendimento com argumentos jurídicos. Impõe-se, pois, que lhes façamos referência.
A recorrente tem razão quando defende que recai sobre o empregador o ónus de prova do pagamento da retribuição, bastando ao trabalhador alegar concretamente a falta de pagamento. O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento da retribuição devida em contrapartida da prestação de trabalho, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 786.º do CC).
Contudo, como elucida o STJ em acórdão de 22-03-2018 [Proc.º 67525/14.6YIPRT.L1.S1, Conselheira Maria do Rosário Morgado, disponívelem www.dgsi.pt], “Há, porém, regras especiais de distribuição do ónus da prova para dirimir o non liquet probatório, por via da inversão desse ónus, como preceitua o art. 344.º do CC; um desses casos ocorre quando a parte contrária impossibilitou culposamente a prova de determinado facto ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais (cfr. art. 344.º, n.º 2, do CC, e art. 417.º, n.º 2, do CPC).
Estabelece o n.º2, do art.º 344.º do CC, no que aqui interessa, que “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (..)”.
Resulta, assim, que a aplicação da norma pressupõe a verificação de dois requisitos: i) que a conduta da parte tenha sido culposa; ii) que essa conduta tenha tornado impossível a prova ao onerado.
De entre os factos provados, relevam para este ponto os seguintes:
2. A autora auferia uma retribuição ilíquida mensal de € 815, acrescida de subsídio de alimentação diário.
4. A autora é simultaneamente sócia da ré com uma quota correspondente a 49% do capital social.
53. A Autora tinha à sua guarda todos os valores que são transacionados no referido estabelecimento e sobre estes tinha o dever de os entregar e prestar contas à ré.
24. Era a autora que liquidava os salários e vencimentos dos demais funcionários/formadores.
6. Em 13 de março de 2017 a autora retirou do caixa o valor que identificou como correspondendo ao subsídio de Natal de 2016.
7. Em 15 de Março de 2017, a autora retirou do caixa o valor que identificou como correspondendo ao salário de janeiro de 2017.
12. A ré, em resposta, invocou que já tinha pago os salários em causa, juntando emails que alegadamente faziam prova de tal pagamento e alegando desconhecer se a autora teria recebido os montantes por não ter documentação em seu poder que lhe pudesse confirmar tal facto, solicitando-lhos.
23. Em todos os caixas mensais apresentados, sempre a autora mantinha um saldo positivo e se encontrava autorizada a levantar o seu salário.
22. A partir do mês de janeiro de 2017, a autora começou a demorar a efetuar a prestação de contas do caixa da ré, não obstante as insistências da gerente
14. Em 22 de Maio de 2017, a autora respondeu dando conhecimento de que, como não tinha tido resposta aos emails enviados, não tinha retirado qualquer montante para si.
15. Em resposta a ré convidou a autora a juntar documentos comprovativos da falta de pagamento das retribuições e outras situações relevantes.
56. Confrontada com a carta enviada pela Demandada a solicitar elementos de forma a poder fazer acerto de contas e dando conta de que no email enviado a 16 de abril de 2017 a própria autora tinha referido já se ter pago do mês de janeiro e de todas aquelas quantias, esta referiu que não retirou qualquer quantia do caixa e que procedeu ao depósito na conta do X… dos €1.400,00 que afirmou que ia retirar nos seus emails de março (€400,00 + €1.000,00), alegando agora que a retribuição de janeiro já se encontrava paga, estando em falta a de fevereiro e que por isso ia resolver o seu contrato de trabalho por falta de pagamento de salário, o que fez.
57.Até essa data de 23 de maio de 2017, a autora nunca informou a ré que afinal, ao contrário do que havia referido, não tinha levantado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47), nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré.
59. A ré nunca se recusou a liquidar os salários à autora, apenas lhe solicitou a entrega do caixa e valores que esta havia retido de forma a poder acertar contas com a autora face às discrepâncias verificadas.
77. A autora recebeu sem registar no caixa da empresa valores de formandos/clientes desta no valor de, pelo menos, € 4.197,39.
Por outro lado, não pode também esquecer-se estar provado que no período imediatamente anterior à resolução do contrato de trabalho, a autora - que tinha à sua guarda todos os valores que são transacionados no referido estabelecimento e sobre estes tinha o dever de os entregar e prestar contas à ré (53)- abriu cursos sem autorização (25), fez registos de pagamentos que não documentou e veio a constatar-se não terem sido efectuados (41 e 42), retirou determinada quantia para alegado pagamento a formadora, mas o recibo de quitação é em montante inferior (43), recebeu valores de inscrição e deu quitação, mas não registou em caixa os montantes correspondentes (46 e 50), bem assim que a Autora continua a não entregar o caixa nem a prestar contas das importâncias que lhe estavam confiadas, encontrando-se em falta o valor de, pelo menos, € 4.197,39 (54).
Pois bem, era a autora que liquidava os salários e vencimentos dos demais funcionários/formadores, bem como os seus, como o fez, designadamente, relativamente ao subsídio de Natal de 2016 e à retribuição de Janeiro de 2017. As caixas que apresentou apresentavam saldo positivo e nas comunicações que dirigiu à ré, a autora foi equívoca quanto às retribuições de que se tinha pago e as que estariam em falta. De resto, até 23 de Maio de 2017, “nunca informou a ré que afinal, ao contrário do que havia referido, não tinha levantado do caixa para pagamento dos seus salários o total de €2.719,47 (€1.000,00 + €400,00 + €1.319,47), nem juntou qualquer comprovativo de ter depositado esses €1.400,00, os quais não se encontram em qualquer conta titulada pela ré”.
Ora, não só não há comprovativo da autora ter depositado os € 1 400,00 –suficientes para pagar a retribuição de Fevereiro – como para além disso, ainda não entregou o caixa e encontra-se em falta, pelo menos, o valor de € 4 197,39.
Por outro lado, a Ré não recusou pagar-lhe as retribuições, apenas lhe tendo solicitado esclarecimentos, compreensíveis nas circunstâncias apontadas, que a autora não prestou em termos concretos, ou seja, documentando os movimentos de caixa.
Neste contexto, desde logo em razão da autora não ter ainda entregue o caixa nem prestado contas, encontrando-se em falta o valor de € 4 197,39, cremos ser forçoso concluir que a autora, que estava autorizada a proceder ao pagamento da sua retribuição, poder que exercia, actuou culposamente ao não facultar à R. os elementos necessários para que esta pudesse apurar se a Autora se pagou ou não da retribuição e, logo, desse modo inviabilizou que aquela pudesse fazer prova do pagamento da retribuição de Fevereiro.
Dito de outro modo, cremos estarem verificados os requisitos necessários para operar a inversão do ónus de prova, nos termos do disposto no art.º 344.º 2, do CC, significando isto que cabia à Autora provar a falta de pagamento do mês de Fevereiro.
Como assim não sucede, em consonância com o afirmado na sentença, não se mostra verificado este fundamento invocado pela autora para resolver o contrato de trabalho com justa causa.
Defende a recorrente que cabe ponderar outras circunstâncias relevantes como, “designadamente, a confessada existência de outras retribuições em atraso além do mês de fevereiro de 2017, o notório antagonismo que existia na relação laboral e o comportamento da recorrida contra legem e violador dos Direitos da recorrente”, referindo depois que “(..) a recorrida fechou o estabelecimento comercial onde a recorrente exercia as suas funções laborais, sem fundamento legal, o que também foi comunicado na carta de resolução do contrato de trabalho, violando o Direito da recorrente à ocupação efectiva do posto de trabalho previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho, (2) colocou-a de férias sem lhe dar hipótese de acordo como obriga o n.º 1 do artigo 241º do Código de Trabalho e (3) usou o pretexto “gozo de férias” para operar o que foi uma encapotada suspensão preventiva do trabalhador do processo disciplinar que veio a instaurar, sem obedecer às regras do artigo 354º do Código de Trabalho, o que configura uma tripla violação da Lei e dos Direitos da recorrida”
Antes de avançarmos impõe-se relembrar que apenas podem ser considerados os fundamentos que constem na “indicação sucinta dos factos que (a) justificam” a resolução do contrato de trabalho com alegada justa causa comunicada pela A. à R. na carta que lhe remeteu (artigos 395.º1 e 398.º3, do CT/09), os quais, como se deixou dito, não estava dispensada de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
Ora, na carta apenas se invoca (facto 16) a falta de pagamento da retribuição de Fevereiro e “o facto que V.Exa procedeu à alteração da fechadura impedindo o meu acesso ao local de trabalho e consequente prestação do mesmo, atitude que revela manifesta má-fé e quebra da relação de confiança que é essencial para a manutenção do vinculo laboral”.
Justamente por isso, o Tribunal a quo refere na sentença, e bem, apenas estar em causa para apreciação “(..) a falta de pagamento da retribuição correspondente a Fevereiro de 2017 e a mudança de fechadura com encerramento do estabelecimento e impedimento de prestar trabalho em Maio de 2017”.
Por conseguinte, as alegadas violações de direitos pela colocação “de férias sem lhe dar hipótese de acordo como obriga o n.º 1 do artigo 241º do Código de Trabalho” e por ter usado «o pretexto “gozo de férias” para operar o que foi uma encapotada suspensão preventiva do trabalhador do processo disciplinar que veio a instaurar», não podiam ser invocados na acção como fundamento para a apreciação da justa causa de resolução, nem por identidade de razões o podem ser aqui no recurso.
Mais, no recurso também tal não é possível em razão dessa alegação consubstanciar a introdução de uma questão nova não submetida à apreciação do tribunal a quo, não podendo este tribunal de recurso dela conhecer. Como é entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência, apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), o tribunal superior não pode substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida e pronunciar-se sobre questões que não tenham sido apreciadas pela 1.ª instância.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Assim, está apenas em causa a apreciação do fundamento assente no facto da Ré ter procedido “à procedeu à alteração da fechadura” alegadamente impedindo à autora “acesso ao local de trabalho e consequente prestação do mesmo”.
Quanto a este fundamento, concluiu o Tribunal a quo o seguinte:
-“É certo que a autora invoca igualmente uma violação dos seus direitos e garantias, mais precisamente da obrigação do empregador não obstar injustificadamente à prestação de trabalho pelo trabalhador, prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, que corresponde a uma garantia do trabalhador. Contudo, é importante ter em conta o quadro geral em que os factos ocorreram. Em primeiro lugar, consideramos que não existe um obstáculo injustificado à prestação de trabalho pois o encerramento da academia, com mudança das fechaduras, foi acompanhado da colocação da autora em situação de férias. Mas, em segundo lugar, mais importante, esta situação ocorreu no âmbito de um ambiente de desconfiança da gerência da ré, sobre a conduta da autora, que, em nosso entendimento e pelos motivos que se expõem de seguida, se justificava, com vista ao apuramento da situação sem a presença da autora, nem de qualquer outra pessoa que pudesse ter acesso à documentação existente na academia. E tanto se justificava que, mesmo com a mudança da fechadura, a autora, contra a vontade da ré, entrou na academia e levou consigo documentação a que a gerência da ré pretendia ter acesso”.
Concordamos, no essencial, com este entendimento, mas entendemos que os factos provados evidenciam outros aspectos relevantes para a apreciação desta questão e que deviam ser analisados em primeiro lugar para se indagar de efectivamente havia fundamento para a autora invocar ter sido impedida de prestar trabalho.
Em primeiro lugar, está provado (facto 8) em 1 de Maio de 2017 a autora recebeu “um email da ré a informá-la que a ré encerraria para férias entre os dias 2 e 5 de maio de 2017 e que durante esse período a autora ficava em gozo de férias”
Portanto, se é verdade (facto 9) que “No dia 2 de maio de 2017, a autora verificou que não conseguia entrar nas instalações pois a ré tinha trocado a fechadura da porta de acesso”, não pode daqui retirar-se que a Ré impediu a autora de prestar trabalho durante o mês de Maio. Não vemos que exigência legal obstava a que a Ré encerrasse o estabelecimento para férias entre os dias 2 e 5 de Maio e muito menos a que pudesse substituir a fechadura, logo, não pode falar-se em violação do dever de ocupação efectiva.
A autora poderia questionar o ter sido colocada de férias naquele período sem o seu acordo, como o veio fazer agora, mas acontece que não invocou esse fundamento na carta de resolução do contrato de trabalho.
Em segundo lugar, acresce que autora “comunicou à ré que entre 3 a 14 de maio de 2017 estava impossibilitada de prestar trabalho por doença” (facto 10) e, concomitantemente, no mesmo dia mas numa outra missiva, comunicou-lhe a suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição que se prolongou por 60 dias (tendo nessa missiva alegado que não lhe tinha sido pago o salário de janeiro de 2017) [facto 55].
Neste quadro, seja por estar impossibilitada de prestar trabalho por doença, ou por ter suspendido o contrato de trabalho, o certo é que por uma via ou outra, a partir de dia 3 de Maio de 2017, a autora não estava vinculada ao dever de prestar a sua actividade laboral, mas do mesmo modo, também a Ré não tinha o dever de aceitar a sua prestação de trabalho.
Ora, se assim é, então só pode concluir-se que o invocado fundamento – violação do dever de ocupação efectiva do posto de trabalho previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho - não tem qualquer sustento na realidade dos factos.
No entretanto fica apenas o dia 2 de Maio, mas como se disse nada impedia a R. de encerrar o estabelecimento para férias naquele período de 2 a 5 de Maio, nem de mudar a fechadura. De resto, nem está provado que nesse dia a Autora se tenha apresentado no estabelecimento da Ré para prestar trabalho. É verdade que foi às instalações da Ré, mas para proceder à mudança da mesma fechadura, tendo levado o caixa, todos os seus pertences, os documentos, diverso material do centro de formação e ate móveis, cadeiras, e todo o material que permitia efetuar formação (facto 28), acrescendo que “Nessa mesma data, os computadores da C… foram formatados” (facto 29).
Concluindo, quanto a esta questão improcede o recurso.
II.3.3 A recorrente insurge-se contra a sentença por ter julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando-a autora a pagar à ré a quantia de € 31.517,39, que após operada a compensação com os créditos daquela foi fixada em € 27.680,38 (já após o reconhecimento e suprimento da arguida nulidade da sentença).
Respeitam a este ponto as conclusões iii) a hhhh), e como se retira da sua leitura, mormente das conclusões aaaa), a pretendida alteração da sentença nessa parte sustenta-se como “consequência da alteração da matéria de facto” relativamente aos factos provados 25, 77 e 79.
Ora, como decidido no ponto II.2.1, foi rejeitada a apreciação da matéria de quanto aos factos provados 25, 27 e 79.
O facto provado 25 foi alterado, mas por nossa iniciativa. Contudo, a alteração introduzida – que se limitou a expurgar uma parte conclusiva - não tem qualquer relevância para este ponto, ou dito de outro modo, não foi no sentido que era pretendido pela recorrente.
Assim, tendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcedido, na ausência de outro fundamento, resta concluir que também não pode esta pretensão ser acolhida com esse fundamento, improcedendo as conclusões apontadas.
Na conclusão seguinte, a recorrente vem defender o seguinte:
iiii) Sempre sem prescindir, por fim, ainda que assim não fosse, o que se coloca por mero dever de patrocínio, nunca a recorrente poderia ter sido condenada numa quantia superior a € 15.000,00 (quinze mil euros) já que é esse valor que a legal representante da recorrida, em confissão, afirma como sendo o valor do alegado prejuízo, sendo que àquele valor sempre teria que se subtrair o valor dos pagamentos na quantia de € 2.910,00 (dois mil novecentos e dez euros), conforme supra se demonstrou.
Com o devido respeito, o argumento é descabido.
Não há qualquer facto que reproduza essa alegada confissão, nem tão pouco a recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto pedindo que se aditasse o alegado facto confessado.
Assim, improcede igualmente esta conclusão.
II.3.4 Por último, insurge-se a recorrente contra o tribunal a quo por a ter condenado como litigante de má-fé.
A este propósito lê-se na sentença o seguinte:
A ré alegou ainda que a autora tem conhecimento de todos os factos alegou que são factos pessoais, estando em dívida para com a ré, tendo alterado e deturpado a verdade dos factos na sua petição inicial, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar e, como tal, deve ser condenada em multa e indemnização de pelo menos € 2.500.
Nos termos do artigo 542.º, do Código do Processo Civil, «1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir» e «2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;» e «b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa». Por sua vez, o artigo 543.º, do Código do Processo Civil, determina que «1 - A indemnização pode consistir: a) no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; […] 2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte».
Não há dúvida que a autora alegou e defendeu em juízo uma versão dos factos e considerou-se provada uma versão dos factos completamente diversa e mesmo contrária de alguns dos factos [recebimento de um valor superior a título de salários do que o alegado, apropriação de quantias de caixa, exercício de atividade concorrente, mesmo sem ser titular de empresa, relativamente à ré e na mesma localidade – mais concretamente na mesma rua – e prática de alguns factos que negou como a alteração da fechadura, entrada nas instalações da ré e retirada de bens que pertenciam a esta]. Por outro lado, embora tal não tenha qualquer relevância probatória, a verdade é que a autora celebrou com a ré um acordo que ficou a constar dos autos em que assumia o pagamento de uma quantia relevante, no quadro do pedido, e cedia a sua quota na ré contra a resolução deste processo e a desistência do processo-crime, que só não se efetivou porque não foi cumprida a condição a que estava sujeito [celebração de uma escritura pública de hipoteca de bem de terceiro], o que revela algum grau de assunção da responsabilidade pela prática dos factos que lhe eram imputados – Folhas 205 frente e verso. Por isso, temos que considerar que a autora atuou como litigante de má-fé e, por conseguinte, consideramos que deve ser condenada em multa de cinco unidades de conta e numa indemnização relativa aos honorários do mandatário da parte contrária que, neste momento, não temos elementos para apurar e, por isso, determinamos a notificação das partes nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código do Processo Civil”.
Contrapõe a recorrente que parte da matéria de facto vertida na douta sentença recorrida está em discussão no presente recurso, por impugnada, mas caso se mantenha o facto de ter apresentado uma versão dos factos diferente da recorrida não é, por si só, suficiente para a condenação por litigância de má-fé. Se assim fosse, toda a causa terminaria com a condenação em litigância de má-fé da parte vencida e até poderia funcionar como um entrave ao recurso à Justiça.
Vejamos se lhe assiste razão.
A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 20.º, assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Na esteira desse princípio constitucional do acesso à justiça, o art.º 2.º do CPC, vem garantir que “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (..)” [n.º1], bem assim que “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-la coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”.
O exercício destes direitos não é isento de deveres, nomeadamente no que respeita à conduta processual das partes. Para os assegurar o Estado coloca os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, mas o direito a propor a acção, bem assim o correspondente direito de defesa por parte de quem é demandado, devem exercer-se dentro de determinados limites circunscritos por deveres de conduta.
A Lei de autorização de revisão do Código de Processo Civil (Lei nº 33/95 de 18 de Agosto), consignou a orientação de que “As alterações à lei processual deverão consagrar o dever de cooperação para a descoberta da verdade (..)”.
Dando consecução à lei de autorização legislativa, a revisão do Código de Processo Civil veio a ser introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, em cujo preâmbulo é proclamada a afirmação dos princípios fundamentais estruturantes de todo o processo civil, entre os quais, e de acordo com aquela orientação, consta o princípio cooperação, referindo-se-lhe o legislador como “(..) princípio angular e exponencial do processo civil”.
O princípio da cooperação que aí encontrava consagração no art.º 226.º, consta actualmente no art.º 7.º do CPC, ai se estabelecendo que (n.º1) “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
A cooperação que a lei impõe deve ser feita de boa-fé, isto é, com lealdade e lisura de procedimento. Assim resulta do art.º 8.º do CPC (correspondente ao art.º 265.º A, do pretérito CPC), onde se lê “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres resultantes do preceituado no artigo anterior”.
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé, a que se refere o art.º 542.º do actual CPC (correspondente ao art.º 456.º do pretérito CPC). Como elucida o legislador na exposição de motivos do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, o dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
O sancionamento da litigância de má-fé é feito através da condenação em multa e, se a parte contrária o pedir, em indemnização a seu favor (n.º1 do aludido artigo). E, de acordo com a tipificação constante do n.º2, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no art.º 8.º do CPC, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé [cfr. Ac. STJ, de 7-10-2004, Proc.º 04S1002, Conselheira Maria Laura Leonardo; AC STJ de 20-03-2014, Proc.º 1063/11.9TVLSB.L1.S1, Conselheiro Salazar Casanova; AC. STJ de 26-09-2013, Proc.º 305/10.2TBFAR.E2.S1, Conselheiro Abrantes Gerlades; AC. STJ de 24-10-2013, Proc.º 7167/08.8TBCSC.L1.S1, Conselheiro Tavares de Paiva (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jst); e, J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3.º Edição, pp. 210].
Importa sublinhar que a recorrente não põe em causa a conclusão afirmada pelo Tribunal a quo, quando escreve:
-«Não há dúvida que a autora alegou e defendeu em juízo uma versão dos factos e considerou-se provada uma versão dos factos completamente diversa e mesmo contrária de alguns dos factos [recebimento de um valor superior a título de salários do que o alegado, apropriação de quantias de caixa, exercício de atividade concorrente, mesmo sem ser titular de empresa, relativamente à ré e na mesma localidade – mais concretamente na mesma rua – e prática de alguns factos que negou como a alteração da fechadura, entrada nas instalações da ré e retirada de bens que pertenciam a esta]».
Vem é defender, para a hipótese de não ser alterada a matéria de facto por via da impugnação deduzida, que o ter apresentado uma versão dos factos diferente da recorrida não é, por si só, suficiente para a condenação por litigância de má-fé.
A recorrente poderia ter razão se estivessem em causa outros factos, não diametralmente opostos e de conhecimento pessoal, como o são inquestionavelmente o ter-se apropriado de quantias do caixa, a alteração da fechadura, a entrada nas instalações da Ré e a retirada de bens que pertenciam a esta e, mesmo, o exercício de actividade concorrente.
A lei processual prevê expressamente que litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave “Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”.
Ora, a autora não podia ignorar esses factos, posto que são todos eles pessoais.
A condenação em litigância de má-fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento adoptado pela parte na lide.
No caso concreto, a conduta processual da autora justifica esse juízo de censura, não lhe assistindo fundamento para por em causa esta decisão do Tribunal a quo.
Concluindo, também quanto a este ponto improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Rejeitando parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e julgando-a parcialmente procedente na parte admitida;
ii) Julgando o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da autora, atento o decaimento (art.º 527.º2, CPC).

Porto, 21 de Outubro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes