Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
295/14.2TTPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP20141117295/14.2TTPNF.P1
Data do Acordão: 11/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Inexiste fundamento para julgar extinta a instância de uma ação declarativa comum em que um trabalhador pretende fazer valer créditos constituídos posteriormente à reclamação de créditos no PER, uma vez que tais créditos não se encontram abrangidos pelo plano de revitalização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 295/14.2TTPNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 772)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. João Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, aos 20.02.2014[1], intentou[2] ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe; a) €6.013,67 a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora desde as datas em que cada uma delas deveria ter sido paga até efetivo e integral pagamento; b) €13.854,16, a título de indemnização de antiguidade; €1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) sobre as quantias referidas em b) e b), juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alega em síntese que: foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho, aos 20.02.2006, ao serviço de quem se manteve até 06.01.2014, data esta em que, ao abrigo do art. 394º, nº 5, do CT, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição; encontram-se-lhe em dívida as retribuições relativas aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2013, no valor de €1.750,00 cada uma, bem como a retribuição de janeiro de 2014 (proporcional), no valor de €350,00 e os subsídios de férias e de Natal, no valor de, respetivamente, €238,65 e €175,02. Tem direito, por virtude da resolução com justa causa, à indemnização prevista no at. 396º do CT, no montante peticionado, bem como às retribuições reclamadas. Mais alega que deverá também ser ressarcido na quantia peticionada a título de anos não patrimoniais.

Na sequência do despacho de fls. 29, o 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes remeteu, aos 14.03.2014, a certidão de fls. 31 a 33, nos termos da qual: corre termos no referido Tribunal o Processo Especial de Revitalização, em que é devedora a Ré, nº 1377/13.3TBMCN; aos 18.10.2013 foi proferida decisão a declarar aberto o processo negocial tendente à revitalização da ora Ré, bem como, ao abrigo do art. 17º, nº 3, al. a), do CIRE, a nomear administrado judicial provisório e a ordenar o cumprimento do disposto no nº 4 do citado preceito legal citado; por despacho proferido aos 17.02.2014 o prazo de negociações foi prorrogado pelo período de 1 mês.

Designada data, na audiência de partes a Mmª Juíza proferiu a seguinte decisão:
“B… instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré C…, S.A. pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o seguinte [3]:
A) € 2.632,38 a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora desde as datas em que cada uma delas deveria ser paga até efetivo e integral pagamento.
B) €11.681,50 a título de indemnização por antiguidade, acrescido dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.
C) €1.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.
A presente ação foi instaurada em 21 de Fevereiro de 2014.
Conforme certidão junta a fls.31 e 32 encontra-se a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses sob n° 1377/13.3 TBMCN, processo especial de revitalização, em que é requerente a aqui ré, sendo que por despacho proferido em 18-10- 2013, foi declarado aberto o processo negocial tendente à revitalização da sociedade requerente e nomeado administrador judicial provisório, o que se confirma ainda pela competente consulta no portal citius, conforme cópia de fls.34. Mais resulta de tal certidão que o prazo de negociações foi objeto de prorrogação pelo período de 1 mês, por decisão proferida em 17-02-2014.
Tendo em conta tal situação que conduzirá a uma decisão de extinção da instância por impossibilidade originária da presente lide, em obediência ao princípio do contraditório, foi nesta diligência dada a oportunidade às partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão, o que fizeram conforme entenderam adequado.
Cumpre decidir.
Atenta a Lei n° 16/2012 de 20 de Abril, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (adiante designado de CIRE) sofreu alterações, tendo sido aditado um processo especial de revitalização (PER) com a introdução dos artigos 17.°-A a 17.°-I.
Nos termos do disposto do n° 1, do artigo 17.°-A destina-se tal processo a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
Carvalho Fernandes e João Labareda, referindo-se à distinção entre o processo de insolvência e o processo de revitalização, escrevem o seguinte, «[...] enquanto naquele se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos credores.» [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2a edição, Quid Júris, 2013, pág. 141].
Conforme o disposto no artigo 17°-B do CIRE, para efeitos do processo de revitalização considera-se que se encontra em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Tal processo tem em conta um conjunto de procedimentos legais, entre os quais se conta a comunicação do devedor de que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência. Nessa sequência, o juiz em causa deve nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório [n.° 3, alínea a), do artigo 17.°-C].
As negociações com os credores, com duração limitada, podem culminar com a aprovação, unânime ou por maioria dos votos, do plano tendente a revitalização da empresa, sujeito à homologação do juiz (artigo 17.°-F), ou podem as negociações com os credores frustrar-se, por impossibilidade de alcançar acordo quanto ao plano de revitalização, sendo o processo negocial encerrado (artigo 17.°-G, n.° 1).
Conforme estatui o n° 1 do artigo 17°-E do CIRE, a decisão que se refere a alínea a) do n° 3 do artigo 17°-C, «[...] obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».
Na verdade a lei não refere quais as ações que se suspendem (por exemplo se ações declarativas e/ou executivas) nem o que deve entender-se (para efeitos legais, naturalmente) por cobrança de dívidas.
Contudo, o que se pretende com este tipo de procedimento e se deixou supra explanado é que o devedor, através do processo de revitalização, obtenha acordo, unânime ou maioritário, com os credores, tendo em vista sua recuperação económica, ora para se atingir tal objetivo só fará sentido que todas as ações que contendam com o património do devedor sejam suspensas.
No mesmo sentido parece pautar-se Carvalho Fernandes e João Labareda [in obra citada, págs.164-165] quando, a respeito do n.° 1 do artigo 17.°-E, escrevem que «[...] a paralisação aqui determinada abrange todas as ações para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias [...e] também ações com processo especial e procedimentos cautelares [...]».
Igualmente refere, Luís M. Martins, quando escreve o seguinte: «A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respetivos direitos.
Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido. Todos os credores incluem, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva - os trabalhadores» (In Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2013, pág. 38).
Cumpre realçar que o acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (n.° 6, do artigo 17.°-F do CIRE).
No caso ora em discussão, embora estando em causa direitos emergentes da relação de trabalho, o certo é que esses direitos (designadamente quanto a retribuições), são quantificáveis, e foram quantificados, em dinheiro, pelo Autor, o que significa que constituem um invocado direito de crédito sobre a sociedade Ré, contendendo com o património desta.
Desta feita, por força do já referido artigo 17°-E, n° 1, do CIRE, uma vez proferida a decisão a que se refere a alínea a), do n° 3, do artigo 17°-C do mesmo diploma, tal decisão obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor.
Assim sendo, atenta a data da instauração da presente ação, o Autor, por força do sobredito normativo, estava ab initio impossibilitado de a intentar.
Em consequência decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 277°, alínea e) do Código de Processo Civil, julgar extinta a presente instância por impossibilidade originária da lide.
Custas pelo Autor.
Valor da ação: € 21.367,83”.

Inconformado, o A., B…, aos 17.04.2014, veio recorrer, formulando a final das suas alegações as seguintes conclusões:
“I – Os créditos emergentes na pendência do PER, ou, caso se entenda restringir, após ter findado o prazo para a reclamação de créditos, como sucede com o crédito do A., estão fora do âmbito do PER;
II – A necessidade da sua declaração e reconhecimento, impõe o recurso a acção declarativa, até porque o instituto do PER não prevê a possibilidade da propositura de acção para verificação ulterior de créditos;
III - A propositura pelo credor de uma acção declarativa na pendência do PER não se encontra vedada pelo n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, nem o poderá estar, porquanto, a acção declarativa não se enquadra no conceito de “acção para cobrança de dívidas” a que alude aquele normativo, desde logo face à sua definição constante do artigo 10.º, n.º 3, alínea b) do Código do Processo Civil;
IV – O entendimento sustentado no despacho sob recurso apenas poderia ser admitido caso os créditos fossem anteriores à propositura do PER; ao transpô-lo para créditos emergentes depois desse momento, retira a possibilidade de o credor ver o seu crédito declarado judicialmente, seja em que momento for, face ao disposto na parte final do n.º 1 do citado artigo 17.º-E do CIRE;
V – O entendimento vertido no despacho sob recurso traduz uma interpretação infeliz daquele comando legal, e viola o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
VI – O despacho sob recurso viola, entre outras que Vossas Excelências doutamente suprirão, as normas supra citadas.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos, (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida, parecer sobre o qual, notificadas as partes, apenas o Recorrente se pronunciou, dele discordando.
E, com a referida resposta, juntou um documento consistente numa sentença judicial, datada de 28-04-2014, que homologou o plano de revitalização da recorrida.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de facto provada

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e, ainda, o seguinte:
1. Conforme carta datada de 03.01.2014 enviada pelo A., B…, à Ré, e por esta recebida aos 06.01.2014, aquele comunicou-se que resolvia, com justa causa, o contrato de trabalho por falta de pagamento das retribuições de outubro, novembro e dezembro de 2013e “proporcionais dos subsídios de férias e de Natal correspondentes”.
2. No Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, 1.º Juízo, corre um Processo Especial de Revitalização (PER) em relação à aqui Ré/recorrida [Proc. n.º 1377/13.3TBMCN (fls. 55)];
3. No referido processo foi em 18-10-2013 nomeado administrador judicial provisório (fls. 55);
4. Por despacho de 17.02.2014 proferido no referido processo foi prorrogado, por um mês, o prazo de negociações.
5. E em 28-04-2014 proferida sentença, que homologou o plano de revitalização da aqui recorrida (fls. 89 a 89);
6. Consta, além do mais, da referida sentença:
“(…) no que concerne à inclusão no plano de recuperação do pagamento dos créditos aos trabalhadores constituídos após o prazo de reclamação de créditos, entende-se que os mesmos não podem ser atendidos no aludido plano, mas também não são afectados pelo mesmo, na medida em que, à data do termo para reclamação de créditos, ainda não eram credores.
(…)
Nestes termos e tendo presente o resultado da votação dos credores, julga-se válido, subjectiva e objectivamente, o plano de revitalização da sociedade devedora C…, S.A., e (…) homologa-se, por sentença, o plano de revitalização apresentado com o teor contido a fls. 840 a 869, com exclusão dos créditos dos trabalhadores constituídos após o prazo de reclamação de créditos, nos termos supra expostos”.
*
III. Questão prévia

O Recorrente, com a resposta ao parecer do Ministério Público, juntou o documento a que acima fizemos – sentença proferida aos 28.04.2014 no mencionado processo de revitalização da ré e que homologou o plano de revitalização.
Como decorre da data em que foi prolatada a mencionada sentença, ela é posterior não apenas à data da petição inicial e decisão recorrida, como à data de apresentação das próprias alegações. Assim, e atento o disposto no art. 651º do CPC/2013, admite-se tal junção.

IV. Do Direito

1. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões, a questão essencial em apreço consiste em saber se existe fundamento legal para julgar extinta a instância, por impossibilidade da lide (como se decidiu na decisão recorrida), ou se deve ordenar-se o prosseguimento dos autos (como sustenta o recorrente).

2. Esta Relação já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão em tudo idêntica à dos presentes autos, o que fez no seu Acórdão de 08.09.2014, proferido no Processo 288/14.0TTPNF.P1[4] e em que era também demandada Ré a ora Ré.
Sufragando-se o entendimento nele perfilhado e não havendo qualquer razão que imponha solução diferente nos presentes autos, passa-se a transcrever o conteúdo do referido acórdão:
“Com vista à resolução da questão, importa atentar no que consta do relatório supra, sendo de precisar a seguinte:
1. Por carta datada de 03 de Janeiro de 2014 remetida pelo Autor/recorrente à Ré/recorrida e por esta recebida em 06 de Janeiro de 2014, aquele comunicou a esta a resolução do contrato de trabalho com justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição correspondente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2013, assim como dos proporcionais do subsídio de férias e de Natal correspondentes (fls. 14 a 16 dos autos);
2. No Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, 1.º Juízo, corre um Processo Espacial de Revitalização (PER) em relação à aqui Ré/recorrida [Proc. n.º 1377/13.3TBMCN (fls. 55)];
3. No referido processo foi em 18-10-2013 nomeado administrador judicial provisório (fls. 55);
4. E em 28-04-2014 proferida sentença, que homologou o plano de revitalização da aqui recorrida (fls. 89 a 89);
5. Consta, além do mais, da referida sentença:
“(…) no que concerne à inclusão no plano de recuperação do pagamento dos créditos aos trabalhadores constituídos após o prazo de reclamação de créditos, entende-se que os mesmos não podem ser atendidos no aludido plano, mas também não são afectados pelo mesmo, na medida em que, à data do termo para reclamação de créditos, ainda não eram credores.
(…)
Nestes termos e tendo presente o resultado da votação dos credores, julga-se válido, subjectiva e objectivamente, o plano de revitalização da sociedade devedora C…, S.A., e (…) homologa-se, por sentença, o plano de revitalização apresentado com o teor contido a fls. 840 a 869, com exclusão dos créditos dos trabalhadores constituídos após o prazo de reclamação de créditos, nos termos supra expostos”.
6. A presente acção foi instaurada em 20-02-2014 (fls. 22 dos autos).
(…)
1.1. A propósito do PER, e sua relevância nas acções proposta ou a propor contra o devedor sujeito àquele, escreveu-se no acórdão deste tribunal de 18-12-2013 (Proc. n.º 407/12.0TTBRG.P1, disponível em www.dgsi.pt), relatado pelo ora relator e em que intervieram como adjuntos os mesmos dos presentes autos:
“O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) foi objecto de alteração (entre outras) através da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.
Através da referida alteração aditou-se, com a introdução dos artigos 17.º-A a 17.º-I, um processo especial de revitalização (PER).
Este processo, tal como resulta do n.º 1, do artigo 17.º-A, destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, pág. 141), fazem, a este propósito, uma distinção entre o processo de insolvência e o processo de revitalização, «[…] enquanto naquele se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos credores.».
Considera-se, para efeitos do processo de revitalização, que se encontra em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (artigo 17.º-B).
O processo contempla, na tramitação, diversos procedimentos legais, como seja o de o devedor comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência [n.º 3, alínea), do artigo 17.º-C].
E as negociações com os credores, com duração limitada, podem culminar com a aprovação, unânime ou por maioria dos votos, do plano tendente a revitalização da empresa, sujeito à homologação do juiz (artigo 17.º-F), ou podem as negociações com os credores malograrem-se, por impossibilidade de alcançar acordo quanto ao plano de revitalização, sendo o processo negocial encerrado (artigo 17.º-G, n.º 1).
De acordo com o n.º 1 do artigo 17.º-E, a comunicação ao juiz, pelo devedor, da pretensão de dar inicio às negociações com os credores tendentes à (sua) recuperação, «[…] obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade […]».
A lei não refere quais as acções que se suspendem (por exemplo se acções declarativas e/ou executivas) nem o que deve entender-se (para efeitos legais, naturalmente) por cobrança de dívidas.
Todavia, tendo em conta que, como decorre do que consta do diploma legal e se deixou sumariamente assinalado, o que se pretende é que o devedor, através do processo de revitalização, obtenha acordo, unânime ou maioritário, com os credores, tendo em vista [a] sua recuperação económica, para obter tal desiderato só fará sentido que todas as acções que contendam com o património do devedor sejam suspensas.
Neste sentido parecem apontar Carvalho Fernandes e João Labareda (obra citada, págs.164-165) quando, a propósito do n.º 1 do artigo 17.º-E, assinalam que «[…] a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias […e] também ações com processo especial e procedimentos cautelares […]».
Este é também o entendimento que se retira do ensinamento de Luís M. Martins, quando escreve (Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2013, pág. 38): «A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido. [] Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores».
Como assinala a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, da interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE decorre que «[…] objecto da suspensão não são (apenas) as acções exclusivamente instauradas para cobrança de dívidas, mas sim todas as acções que tenham também, por finalidade, a cobrança de dívidas, ou seja, quaisquer acções, pendentes, que “contendam contra o património do devedor” […]».
Não pode também olvidar-se que o acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (n.º 6, do artigo 17.º-F do CIRE).
Assim, face ao que se deixou explanado e tendo em conta as regras da interpretação da lei contempladas no artigo 9.º do Código Civil, somos a concluir que a suspensão da acções prevista no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE abrange qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito e, por isso, que contendam com o património do devedor.
Ora, no caso em apreciação, embora estando em causa direitos emergentes da relação de trabalho, o certo é que esse direitos (designadamente quanto à indemnização e retribuições), são quantificáveis, e foram quantificados, em dinheiro, o que significa que constituem um direito de crédito sobre o devedor, contendendo com o património deste, e, por isso, a acção em que os mesmos estão em causa devem ser suspensas nos termos do referido artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE”.
Não vemos fundamento para nos afastarmos do entendimento então expresso, pelo que aqui se sufraga o mesmo.
Com efeito, se, como se disse, com o PER se pretende obter o acordo dos credores e a revitalização do devedor, tal só adquirirá pleno sentido se todos os credores que possam contender com o património do devedor forem chamados à acção.
Este é, de resto, ao que se conhece, o entendimento uniforme da secção social deste Tribunal da Relação, como pode constatar-se, por exemplo, através do acórdão supra mencionado e dos acórdãos proferidos nos Proc. n.º 523/12.9TTBRG.P1 e n.º 516/12.6TTBRG.P1, encontrando-se este último disponível em www.dgsi.pt).

O PER inicia-se com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita (n.º 1 do artigo 17.º - C).
Como assinalam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência…, pág. 152), “(…) a exigência de que pelo menos um credor declare, por escrito, a vontade de iniciar negociações [ ] dirige[-se] a prevenir a inutilidade do processo, usando-o até, porventura, como mero expediente dilatório”.
O devedor, munido da declaração referida deve dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência [n.º 3, alínea a), do mesmo artigo].
E na tramitação subsequente (n.º 1 do artigo 17.º- D), o devedor comunica aos credores que não subscreveram o pedido de revitalização que deu início às negociações com vista à referida revitalização, convidando-os a participar nas negociações em curso.
Qualquer credor dispõe então do prazo de 20 dias a contar da publicação no portal do CITIUS do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º- C para reclamar créditos (n.º 2 do artigo 17.º- D).

No caso em apreciação, como resulta do documento de fls. 31 dos autos, em 18-10-2013, no âmbito do PER, e nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a), foi nomeado administrador judicial provisório à Ré.
Ora, por um lado, a lei (artigo 17.º- E, n.º 1, do CIRE) é inequívoca no sentido de que a comunicação ao juiz de que pretende dar início às negociações tendentes à recuperação e a nomeação, de imediato, por parte do juiz, de administrador judicial, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo em que durarem as negociações, suspendem-se quanto ao devedor as acções em curso com idêntica finalidade, as quais se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, excepto se este prever a continuação de tais acções; por outro, os artigos 17.º-F e 17.º-G, regulam a conclusão das negociações com ou sem a aprovação do plano e, sentindo-se um credor lesado nos seus direitos, pode e deve intervir tendo em conta o desfecho do processo.
Por isso, tendo sido nomeado administrador judicial em 18-10-2013 (n.º 2 dos factos supra), e embora se desconheça a concreta data em que a aqui Ré comunicou ao tribunal a pretensão de dar início às negociações para a sua recuperação, tal significa que ao menos a partir de 18-10-2013 não poderiam ser propostas acções para cobrança de dívidas vencidas contra a Ré.
Ou seja, em relação aos créditos vencidos até tal data vale a regra constante do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE: não podem ser instauradas acções para cobrança de dívidas contra o devedor e durante o tempo em que perdurarem as negociações, suspendem-se, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

A questão, porém coloca-se em relação aos créditos vencidos posteriormente ao despacho de nomeação de administrador judicial e em relação aos quais não foram reclamados os créditos.
Tenha-se presente que estando em causa retribuições referentes ao mês de Outubro de 2013 até Janeiro de 2014, as prestações (retribuições) apenas se começaram a vencer a partir do final daquele mês (cfr. artigo 278.º do Código do Trabalho), quando, como resulta da matéria de facto, em 18-10-2013 já havia sido nomeado administrador judicial provisório à Ré, desconhecendo-se a concreta data em que terminou o prazo de reclamação de créditos.
Por isso, uma vez que à data de 18-10-2013 o trabalhador não tinha ainda um crédito vencido sobre a aqui recorrida, e, de acordo com a sentença que homologou o plano de recuperação, também à data da reclamação de créditos, não podia, naturalmente, reclamar os seus créditos nem os mesmos serem atendidos no plano a elaborar.
Ora, é certo que a homologação do acordo é vinculativa para os credores que não hajam participado nas negociações, incluindo aqueles que nem sequer reclamaram os créditos (cfr. artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE).
Porém, como de modo impressivo assinala Carvalho Fernandes e João Labareda (obra citada, pág. 159), “(…) por um lado, e em boa verdade, este regime só pode compreender-se e atingir quem não participa por motivo que lhe é imputável, mas não a quem não participa porque é impedido; e, por outro, de parte alguma resulta que, decidida uma impugnação em sede de processo de revitalização – favorável ou desfavoravelmente – a questão fica definitiva e irreversivelmente arrumada, sem possibilidade de poder ser retomada onde mais quer que seja.”.
Pois bem: se o (alegado) crédito do aqui recorrente nem sequer existia à data da reclamação de créditos, afigura-se-nos cristalino que o acordo de recuperação homologado não podia abrangê-lo.
E, quando a lei prescreve que a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, do CIRE obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor (cfr. artigo 17.º-E, n.º 1 do mesmo diploma legal) só pode reportar-se às dívidas existentes naquela data; e o mesmo se diga quanto à suspensão, contra o devedor, de acções em curso com idêntica finalidade e que se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Isto é, e dito de forma directa: o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer eventuais créditos futuros.
O processo de recuperação visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele; assim, as negociações são com os credores existentes e em relação a créditos vencidos e não também com quaisquer eventuais credores em relação a eventuais créditos futuros.
E com vista ao estabelecimento de tal acordo de revitalização não podem ser instauradas acções para cobranças de dívidas contra o devedor enquanto decorrem as negociações ou suspendem-se as acções existentes, pois, de outro modo, inviabilizava-se, ou, pelo menos, dificultava-se a obtenção de um acordo que permitisse a revitalização.
Contudo, por um lado, tal acordo e consequente plano de recuperação não abrange créditos que à data não existiam; por outro, aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não extrai da lei, maxime do referido artigo 17.º-E, n.º 1, que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo.
Daí que ainda que se entendesse que na pendência do PER o processo instaurado pelo recorrente não podia prosseguir, aprovado e homologado que foi o plano, não se vê obstáculo legal ao prosseguimento dos presentes autos com vista ao reconhecimento do crédito.
A entender-se de outro modo, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito (não só não era reconhecidos os créditos no âmbito do PER e, por isso, não eram por ele abrangidos, como também não podiam posteriormente ver reconhecido os créditos), o que, afigura-se, colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. artigo 20.º da CRP).
Nesta sequência, no caso em apreço, sendo os pretensos créditos do recorrente posteriores à reclamação de créditos no PER não se encontra o mesmo impedido de ver reconhecidos os mesmos na presente acção.
Procedem, por isso, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve revogar-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.”.
Resta referir que, em sentido similar, se pronunciou também o Acórdão proferido aos 03.11.2014 no Processo 289/14.8TTPNF.P1[5].
Assim sendo, procedem, também no caso ora em apreço, as conclusões do recurso.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto por B…, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 17-11-2014
Paula Leal de Carvalho
Maria José costa Pinto
João Nunes
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[1] Data do envio da p.i. através da plataforma informática citius.
[2] Como decorre do nosso despacho de fls. 92/93, por erro/lapso da 1ª instância havia sido junta ao suporte em papel dos presentes autos uma petição inicial, e respetiva documentação, apresentada por outra trabalhadora (D…) e relativa a um outro processo (ao que se supõe, Proc. nº 291/14.0TTPNF), erro esse já colmatado, na sequência do referido despacho, com a impressão e junção aos presentes autos da petição inicial, e respetiva documentação, corretas, apresentada pelo A. B… e que consta do suporte informático dos presentes, a esta se atendendo no presente acórdão.
[3] Os valores referidos na decisão recorrida não se mostram corretos face ao peticionado pelo A. B…, devendo-se possivelmente a lapso da 1ª instância decorrente da referência a valores peticionados por outro trabalhador.
[4] Inédito, ao que se supõe, relatado pelo ora 2º Adjunto.
[5] Em que é relatora a ora 1ª Adjunta.