Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1092/14.0T8VNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: PROCESSO TUTELAR CÍVEL
GUARDA CONJUNTA
RESIDÊNCIA DO MENOR
Nº do Documento: RP201901211092/14.0T8VNG-D.P1
Data do Acordão: 01/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 688, FLS 384-398)
Área Temática: .
Sumário: I - A guarda partilhada é a opção de exercício das responsabilidades parentais que melhor garantirá, à partida e em abstrato, a manutenção plena do convívio dos filhos com os progenitores que vivem separados, bem como uma maior proximidade de cada um dos pais com a vivência quotidiana do filho, aí se incluindo o zelo pela sua educação, pela sua saúde física, psíquica e emocional, bem como a integração harmoniosa e permanente do menor nas famílias de cada um dos progenitores.
II - Revela-se contrastante com as ideias de consenso e harmonia que devem estar subjacentes à guarda partilhada, a fixação rígida pelo tribunal de horários, datas, festividades, etc.., mesmo que provado que os progenitores comuniquem de forma cordata e comunguem de valores comuns
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1092/14.0T8VNG-D.P1

Sumário do acórdão proferido no processo n.º Proc. 1092/14.0T8VNG-D.P1 elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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B... apresentou requerimento de alteração das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor, C..., contra a mãe deste, D....
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Passemos, assim, a fixar a factualidade:
a) C... nasceu no dia 27 de Outubro de 2012 e é filho de D... e de B...;
b) Quando da separação do casal - Requerente e Requerida, extrajudicialmente, celebraram um acordo sobre as responsabilidades parentais homologado por sentença, acordo esse junto aos autos a principais a fls. 8 e 9 tendo, e cujos termos se dão aqui por reproduzidos, tendo entre outras cláusulas, as seguintes: 2º “ o menor reside habitualmente com a Mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores”, 3º “A gestão quotidiana do menor cabe à Requerente/Mãe com que a mesma reside habitualmente”
c) O regime referido em b) foi alterado, por decisão homologatória de acordo proferida nos autos principais de alteração das responsabilidades parentais, em 27.6.2015 conforme fls. 68 e 69 desses autos, nos seguintes termos: 1.º Até Setembro próximo, o pai poderá ter o menor consigo de quinta para sexta-feira, indo para o efeito buscar o menor a casa da mãe às 18:30 horas de quinta-feira e, por sua vez, a mãe irá buscar o menor a casa do pai, entre as 19:00 e as 20:00 horas, às sextas-feiras nos fins-de-semana em que tem o menor consigo e às 18:30 horas de domingo, nos fins-de-semana em que o menor está com o pai. 2.º A partir de Setembro, nos fins-de-semana que o menor passar com a mãe, o pai poderá estar com o filho de sexta para sábado, indo busca-lo a casa da mãe às 18:30 horas de sexta-feira; por seu turno, a mãe irá buscá-lo a casa do pai aos sábados, entre as 19:00 e as 20:00 horas, sendo que nos fins-de-semana correspondentes ao pai este terá o menor consigo de sexta a domingo, em igual regime de horários e conduções da cláusula anterior. 3.º Nos períodos de interrupções lectivas, o pai estará com o menor: a) no período de verão 15 dias em Julho e 15 dias em agosto, em períodos a combinar entre os progenitores, até ao dia 15 de Março de cada ano; b) nos anos ímpares, na semana que antecede o Natal e nos anos pares na semana de 26 de Dezembro até 1 de Janeiro; c) Igualmente nos anos ímpares, a semana de segunda-feira de Ramos a segunda-feira de Páscoa e nos anos pares a outra semana de férias; d) No carnaval, estará nos anos pares com o filho de segunda a quarta-feira de cinzas. 4.º Quanto à prestação mensal que o pai entrega à mãe a título de alimentos, mantêm a quantia de € 100, 00, acrescida de € 60,00 (sessenta euros) a título de comparticipação do pai no pagamento da propina escolar do menor, cujo restante pagamento a progenitora assume. 5.º Ao montante mensal acima referido, acresce o pagamento de metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares, sendo estas com a exclusão da propina do J... paga pela progenitora, as quais serão pagas no fim do mês a que disserem respeito.
d) Por decisão proferida em 15 de maio de 2017 foi homologado o acordo que fixa provisoriamente uma alteração ao exercício das responsabilidades parentais, quanto ao regime de visitas em vigor, nos seguintes termos: 1.º O menor C... passará os fins-de-semana alternadamente com cada um dos progenitores, indo para o efeito o pai, no respectivo fim-de-semana, buscá-lo ao estabelecimento de ensino frequentado, no fim das actividades escolares, à sexta-feira e aí entregá-lo à segunda-feira, no início das actividades.2.º O pai terá ainda o filho consigo todas as quartas-feiras, indo para o efeito buscar o menor ao estabelecimento escolar, no fim do período escolar e aí entregá-lo, na quinta-feira, ao início do período escolar. 3.º O menor C... passará alternadamente, com cada um dos progenitores, os dias de feriado que coincidam com dias úteis e com a excepção dos que ocorram em períodos de férias, começando o próximo com o pai, indo este para o efeito, buscá-lo ao estabelecimento de ensino frequentado, no fim das actividades escolares, no dia anterior e aí entregá-lo no dia seguinte, no início das actividades. 4.º O menor C... passará sempre o dia de aniversário do irmão E... (6 de outubro) na companhia deste e da mãe.
e) À data da celebração do acordo referido em b), o pai leccionava no ano lectivo de 2013/2014 no Agrupamento de Escolas F..., e no ano lectivo de 2014/2015 no Agrupamento de Escolas G... em Paredes.
f) O pai é professor de matemática, está colocado na Zona Pedagógica de Lisboa, e presentemente encontra-se destacado para o Agrupamento H..., e a leccionar na Escola Básica e Secundaria I..., sendo o ano lectivo de 2017/2018, o primeiro de quatro anos lectivos a leccionar neste agrupamento.
g) O pai, sendo professor do Quadro de Zona, terá de sujeitar-se de quatro em quatro anos a concurso nacional.
h) B... revela-se e um pai muito atento, cuidadoso, meigo e assertivo no seu relacionamento com o filho.
i) Entre pai e filho existe um comportamento afectuoso e de grande entendimento mútuo, mostrando-se C... uma criança tranquila, muito educada e carinhosa com o pai, solicitando-o e aderindo facilmente às orientações deste.
j) B... revela-se um pai muito atento, cuidadoso, meigo e assertivo no seu relacionamento com o filho.
k) O pai, requerente, vive num apartamento T2, na Rua ... nº ..., .º ESQ, ....-... ..., Vila Nova de Gaia, apartamento que se encontra organizado, limpo e equipado, reunindo as necessárias condições ao conforto e privacidade do progenitor e criança, que ai dispõe também de espaço para actividades socio educativas e recreativas. Aufere de € 1.100€ líquidos, relativos ao seu vencimento como professor, e suporta as seguintes despesas mensais mais significativas): 350€, amortização do empréstimo habitação e seguros 42€, condomínio 85€, consumos de água e electricidade 27€, TV, internet e telemóvel 100€, pensão de alimentos do filho a que acresce a quantia de € 60€, a titulo de comparticipação na integração do filho em Jardim de Infância – J....
l) O C... reside com a mãe, e o seu companheiro de 41 anos, e com o irmão uterino de 1 ano de idade, em habitação com boas condições de habitabilidade e conforto. A mãe, D..., trabalha na Camara Municipal ..., exercendo as funções de Psicóloga. São rendimentos deste agregado familiar os seguintes:
- 1.305,00 € a titulo de rendimentos de trabalho da progenitora;
- 900.00 €: a titulo de rendimentos de trabalho do companheiro;
- 1.000.00 € a titulo de rendimentos prediais;
- 160.00 € a titulo de pensão alimentos do menor C....
m) Este agregado familiar tem os seguintes encargos fixos:
- 70.70 € de Condomínio
- 50,00 € de Telef. /TV/ Internet
- 20,00 € com despesas de Saúde e medicamentos
- 15,00 € com seguros .
n) C... frequenta o J... em Santo Tirso. É descrito pela educadora como um aluno assíduo e pontual, participativo nas actividades e cumpridor das regras de grupo, afectuoso e solidário.
o) O menor apresenta um bom desenvolvimento a todos os níveis.
p) O menor transitou para o 1.º ano de escolaridade, estando já inscrito, para o ano lectivo de 2018/2019 na mesma instituição de ensino que frequenta, frequentado também pelo seu irmão mais novo.
q) O menor está bem integrado no meio onde reside e no agregado familiar da progenitora.
r) Os pais no C..., no essencial, comungam dos mesmos valores, comunicam cordatamente e respeitam o desempenho parental e imagem do outro perante o filho.
s) Consideram, também, ter o filho uma relação afectiva gratificante com ambos os progenitores, o que constitui um factor positivo para o bom desenvolvimento do filho.
t) A mancha horária do requerente, no ano lectivo 2018/2019, incluindo reuniões e componente não lectiva, é:
segunda-feira: 10:10-16:10;
terça-feira:10:10- 13:25;
quarta-feira: 8:20 -13 – 14:25 -15:10 e 17:45-18:30
quinta-feira: 10:10-13:25
sexta-feira: 9:05-13:25
Não se provou:
1. Que nos demais anos lectivos subsequentes ao de 2017/2018 e sem prejuízo do acima provado em t), o Requerente terá o seguinte horário:
Segunda-Feira, das 10h.30 m às 17h.30m;
Terça-Feira, das 8h.30 m às 13h.20m;
Quarta-Feira, das 10h.30 m às 17h.30m;
Quinta-Feira, das 10h.30 m às 13h.20m;
Sexta-Feira, das 10h.30 m às 16h.20m;
2. Que qualquer modificação, nas rotinas do C... afectaria gravemente a sua estabilidade emocional.
3. Que é profundamente desadequado e inconveniente para a boa formação da personalidade do menor, ficar confiado à guarda de cada um dos progenitores nos termos em que o pai pretende, ou seja com a guarda alternada;
4. E que este regime quebraria, irremediavelmente, a continuidade e harmonia da sua educação e da actual vida familiar, do menor;
5. Que entre os pais, existe um clima de alguma animosidade, pois principalmente após a requerida restabelecer a sua vida, o requerente tornou-se persecutório, autoritário, controlador e agressivo.
6. O que se agravou após saber que a requerida ia dar à luz um filho.
7. Que este clima intimidatório consubstancia-se, nomeadamente, em largas dezenas de mensagens electrónicas dando “ordens”, à requerida, e em visitas extemporâneas e agressivas, junto aos directores da escola que é frequentada pelo menor, dando-lhes “ordens” e tentando subverter o regime acordado sobre as responsabilidades parentais.
8. Que em 23 de Setembro do ano transacto, o requerente agrediu fisicamente a requerida, que apresentava sinais evidentes de gravidez) o que fez na presença do menor.

1. Fundamentação de Direito

Os presentes autos iniciaram-se pelo progenitor invocando este o disposto no art. 42.º da L 141/2015, de 8.19 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível – RGPTC).
Este normativo inscreve-se na Secção I do Cap. III daquele diploma, relativa à regulação do exercício das responsabilidades parentais e respeita à ocorrência de circunstâncias posteriores que tornem necessária uma alteração do anteriormente estabelecido quanto a responsabilidades parentais.
Estando em causa uma criança de tenra idade quando primeiramente foram fixadas as responsabilidades parentais, parece inequívoco que qualquer fixação rígida de regras de poder parental sofrerá, com o tempo, natural desadequação face ao evoluir da vida.
Veja-se, por exemplo, a alteração que representa a passagem da criança da fase do infantário para a vida escolar.
Trata-se, neste caso, da alteração da regulação anteriormente estabelecida em função da modificação das circunstâncias atinentes ao menor.
Não sendo despiciendas as condições reais que cada progenitor possua em cada momento, a alteração das circunstâncias destes apenas poderá constituir fundamento para modificação da vida do menor tal como a vem vivendo e foi inicialmente estabelecido, quando, mercê daquelas alterações do contexto dos progenitores, se vislumbre ser mais vantajoso para o interesse deste.
O interesse do menor é, afinal, o critério por que se pauta a intervenção do Estado neste campo (art. 1906.º/7 CC).
Daqui defluem duas conclusões:
- a primeira é a que resulta dos fundamentos invocados pelo recorrente para alterar um regime de responsabilidades parentais fixado em meados de 2015. O que alega para ver alterado o regime de poder paternal, ao cabo de pouco mais de dois anos de vigência, não resulta de factos relativos à alteração de circunstâncias do menor, mas às suas próprias circunstâncias de vida.
- a segunda, é a ausência de articulação entre esta alteração das circunstâncias de vida do requerente e o benefício real que resultaria para o menor da modificação do regime de responsabilidades parentais.
Sendo certo – ninguém o nega e é apodítico que assim seja – que toda a criança beneficia do maior contacto possível com ambos os progenitores, nada é alegado pelo requerente quanto a ver-se o seu filho atualmente prejudicado pelo facto de não habitar com o pai tanto tempo quanto aquele em que habita com a mãe. Ora, sendo critério orientador da decisão o interesse do menor[1], é evidente a ausência no requerimento inicial e nas alegações de recurso de uma narrativa tendente a demonstrar que se impõe a revisão do estatuto da responsabilidade parental mercê da insuficiência ou desadequação do atual ou da concreta vantagem que resulta para o filho do regime que ora é proposto pelo recorrente.
Tanto bastaria para improceder o pedido com base na regra do art. 42.º do RGPTC: alterar a vida de uma criança mediante a revisão do regime de responsabilidade parentais depende da verificação de circunstâncias donde resulta ser insuficiente ou desadequada a situação atual ou mais vantajosa para o menor a situação que se pretende vigore em substituição daquela.
Nada disto resulta do requerimento ou das alegações de recurso. Quiçá porque o requerente se perde em considerações acerca da sua situação profissional em detrimento de uma rigorosa e circunstanciada enunciação do que é o interesse do seu filho. Será mais vantajoso para o C... viver alternadamente com o pai e com a mãe? Por que razão o actual regime é inconveniente para o menor? Como verá este melhorada a sua vida pela implementação de um regime que importa uma mudança radical de hábitos e contextos? Este raciocínio não surge exposto pelo requerente.
Sendo assim, o interesse do menor vê-se postergado, claudicando o requisito simples e linear do art. 42.º: a necessidade de alterar o já estabelecido, isto porque o requerimento inicial e o recurso do progenitor se centram na descrição da alteração das suas circunstâncias pessoais e nada referem quanto às razões donde resulte a necessidade de alterar o regime.
Uma coisa é a fixação inicial de um regime de responsabilidades parentais, outra a sua modificação quando a criança já mantém um determinado contexto e rotinas. Fixado um regime, e estando em causa o estabelecimento de bases da vida de alguém, os filhos, fica criada uma situação que se quer tendencialmente estável.
De modo que, a não ser que razões imperiosas ou motivos fortuitos imponham de forma diversa, o que se fixa ab initio a título de responsabilidades parentais tem uma natureza de estabilidade, um carácter tendencialmente duradouro.
Introduzir modificações a um regime de responsabilidades parentais pressupõe, pois, que o regime inicial não se revele eficaz ou adequado ou que se vislumbra vantojo – a sobrepor-se ao inconveniente que decorre da instabilidade que sempre resulta da mudança – optar por uma solução distinta.
É este traço de tendência duradoura próprio de um regime de responsabilidades parentais que a lei pretende salvaguardar com a referência ao critério da necessidade.
No caso, o regime fixado anteriormente não levanta quaisquer dúvidas. É exequível, permitiu a continuação do convívio entre o menor e os pais e, sobretudo, viu crescer de forma harmoniosa e equilibrada uma criança que é descrita como carinhosa, tranquila, educada, com bom desenvolvimento a todos os níveis, cumpridora das tarefas da escola, social e familiarmente integrada.
De modo que a situação atual do menino, à luz do regime anteriormente fixado, apresenta-se favorável, nada fazendo prever que o regime preconizado pelo recorrente exponencie o que tem vindo a ser positivamente construído.
Tanto bastaria para julgar improcedente o recurso.
Mas o requerente pretende, afinal, questionar a validade do regime anteriormente fixado, por entender agora que, volvidos dois anos, a sua situação pessoal se alterou e, com ela, deverá ser alterada a vida do seu filho menor.
Cumpre, pois, avaliar da pertinência de um regime de guarda conjunta com residência alternada.
O exercício das responsabilidades parentais[2] pode ser conjunto ou exclusivo de um dos progenitores (arts. 1901.º e 1906.º CC).
Para as questões de particular importância para a vida do filho, o art. 1906.º CC estabelece que as responsabilidades parentais devam ser exercidas em comum por ambos os progenitores, mas quanto aos atos da vida corrente do filho é predominante o progenitor com quem o filho reside, estabelecendo-se (n.º 3 do artigo 1906.º) que o outro progenitor com quem ele se encontra temporariamente não deva contrariar as orientações educativas mais relevantes tal como elas são definidas pelo progenitor residente.
A este respeito, escreve Capelo de Sousa: A guarda alternada continua a ser aparentemente vedada, e continua também a dar-se predominância a um dos ex-cônjuges na orientação da vida do filho, o que parece violentar o n.º 5 do artigo 36.º da CRP. A solução que pareceria mais equitativa e respeitadora da paridade parental constitucionalmente acolhida parecia ser a de uma guarda tendencialmente partilhada, porque não há razão alguma para se dar prevalência aos critérios educativos de um dos progenitores, a menos que haja razões gravosas que a tal obriguem[3].

A guarda partilhada é pois a opção de exercício das responsabilidades parentais que melhor garantirá, à partida e em abstrato, a manutenção plena do convívio dos filhos com os progenitores que vivem separados, bem como uma maior proximidade de cada um dos pais com a vivência quotidiana do filho, aí se incluindo o zelo pela sua educação, pela sua saúde física, psíquica e emocional, bem como a integração harmoniosa e permanente do menor nas famílias de cada um dos progenitores.
São, por isso, inegáveis as vantagens deste sistema[4]. Quer para o menor, que assim se vê mais próximo da vivência que teria caso os progenitores tivessem o mesmo domicílio, quer, igualmente, para os progenitores, que podem com caráter de permanência, orientar o filho, acompanhá-lo no seu crescimento e evolução, participar da vida deste, dar e receber carinho e afeto.
Porém, é também um sistema ou um modo de vida que apresenta inúmeros e nem sempre visíveis desafios cuja resposta - sob pena de se frustrarem os citados benefícios – não prescinde de vários pontos de partida equilibrados e estáveis que constituem o complemento harmonioso do que se vislumbra, à partida, instável.
Com efeito, a guarda conjunta com residência alternada pressupõe que a criança altere permanentemente o seu local de vivência, situação que se vislumbra de difícil conciliação prática. Cria instabilidade, desassossego, incompreensão, ansiedades e problemas quotidianos[5]. Pense-se, por exemplo, nas rotinas dos livros, no esquecimento destes no domicílio do progenitor com quem se não está naquele dia ou naquela semana; o transporte e disponibilidade dos instrumentos musicais, do equipamento de desporto, da medicação, de outros objetos que, por vezes, conferem segurança à criança, com sejam os seus brinquedos habituais, etc…, os recados dos professores para um progenitor que, na rotina diária, se esquece de avisar o outro, com consequências para a criança que, interpelada na escola, não sabe expressar por que razão um trabalho ficou por fazer, aquele documento ficou por assinar, etc…[6]
Todos estes obstáculos práticos exigem uma aguçada e permanente gestão de meios e pessoas, a par da administração de emoções e comportamentos, sobretudo quando, mercê de desencontros ou de outras dificuldades mais ou menos banais, haja a tentação, natural e humana, de deixar que a criança perceba ser o seu quotidiana menos organizado que o das demais com quem convive, mormente irmãos que habitem a tempo inteiro com os progenitores ou com um deles.
De modo que, a guarda partilhada, como se disse, em tese mais consentânea com o que será o interesse legítimo de todos os interessados, não pode dispensar um ponto de partida de consensos e estabilidade.
Esse ponto de partida é, desde logo, geográfico.
Quando os progenitores residem em locais distanciados, obrigar a criança a um esforço permanente de deslocação é uma solução pouco desejável.
As dificuldades que a distância coloca agudizam-se quando consideramos a criança em idade escolar, sobretudo na infância e início da adolescência, mercê dos mais que possíveis e naturais percalços práticos, como os que acima apontámos, relativos à gestão quotidiana de bens e equipamentos.
Essa proximidade geográfica não se verifica na situação dos autos.
Depois, a par de uma proximidade geográfica das habitações dos progenitores, a guarda partilhada pressupõe um ambiente de consensos e comunicação fácil que possibilite em cada momento a tomada de decisões de sentido unívoco sem atritos e desentendimentos.
Porque é, na prática, o sistema que mais se assemelha com o que existiria caso os progenitores habitassem em conjunto, a sua eficácia e utilidade dependem, também, da existência de uma estrutura de harmonia e de facilidade de consensos como a que, em regra, é pressuposta no convívio em comum e em permanência.
Esta facilidade em obter por si mesmos entendimento quanto às diversas questões que respeitam ao filho em comum dispensaria até a intervenção do Estado, por via dos tribunais, na organização daquilo que é a vida familiar. Na guarda conjunta tem de ser suficiente a fixação pelo tribunal de diretrizes genéricas que, depois, haverão de ser pontualmente concretizadas pelos progenitores mediante diálogo e cooperação mútuas.
Revela-se contrastante com as ideias de consenso e harmonia que devem estar subjacentes à guarda partilhada, a fixação rígida pelo tribunal de horários, datas, festividades, etc.., mesmo que provado que os progenitores comuniquem de forma cordata e comunguem de valores comuns.
A imposição fechada de comportamentos aos progenitores numa guarda conjunta constitui uma verdadeira contradictio in terminis.
Claro que não é certo afirmar-se que, na guarda partilhada, não há nunca lugar à delimitação de tempos de entrega da criança, convívio com o progenitor com quem se não está em determinado momento, determinação de férias, feriados, aniversários e festividades, etc… Isso pode bem suceder, mas apenas pontualmente, quando se revele existirem dificuldades práticas de conciliação de posições de forma fortuita e ultrapassável.
Agora, requerer-se (e pretender-se que se fixe) a alteração das responsabilidades parentais, no sentido de passarem a ser partilhadas, manifestando, desde logo, pedido para que seja o tribunal a impor aos progenitores a obediência a um guião pré-fixado e rígido relativamente à gestão da vida familiar, é já de si o pronúncio da incapacidade de os progenitores, por si, lograram estabelecer consensos e acordos quanto a questões intimas que lhes interessam a ambos na prossecução do interesse superior do seu filho.
A guarda conjunta com residência partilhada é, pois e in casu, de afastar.
Tudo quanto até agora se expôs é independente da situação profissional de cada um dos requerentes.
É que a fixação de um regime parental exclusivo ou conjunto, neste caso com residência alternada, sequer depende da disponibilidade que apresente cada progenitor de, por si mesmo, ir sempre levar e/ou buscar o filho à escola. Não é exigível que cada pai e mãe o faça ou manifeste essa disponibilidade, mesmo em situação de vivência em comum do agregado familiar. Não é sequer critério de atribuição da responsabilidade parental a maior ou menor disponibilidade do progenitor nesse sentido, a não ser quando o mesmo não disponha de qualquer ajuda de terceiro, o que aqui não foi colocado[7].
Dito de outro modo: mesmo dando-se como provado que um dos progenitores pode (ou não pode) ir buscar e/ou levar o filho à escola todos os dias, na ausência de outros considerandos não há razões para afastar este ou aquele progenitor da responsabilidade parental.
Depois, o que pretende recorrente quanto a ter direito a manter-se até aos 12 anos do menor na mesma escola em caso de guarda partilhada, consistindo em pretender fundar um pedido – a guarda partilhada – apresenta-se afinal como uma consequência desse pedido e, em retas contas, esta circunstância, bem como as demais relativas à escola que o filho frequenta, constituem pormenores que não assumem o significado que o recorrente parece atribuir-lhe num universo em que avulta o facto de as responsabilidades parentais haverem sido anteriormente definidas, apresentando o regime fixado nítido sucesso em contraposição com a incerteza e insegurança associadas ao regime que agora pretende introduzir.
Resta verificar o facto de o requerente dever realizar um conjunto de viagens que constitui um esforço financeiro adicional da sua parte e, bem assim, um dispêndio de tempo que apenas a si o onera, considerando que já contribui para alimentos do menor na medida das suas possibilidades e na das necessidades do menor.
Neste tocante, o correto seria que cada um dos progenitores suportasse em igualdade de circunstâncias os custos globais inerentes às deslocações.
Verifica-se que na sentença recorrida, apenas os pontos I e V do dispositivo mencionam o encargo com tais deslocações o qual é integralmente suportado pelo requerente.
Por razões básicas de equidade, o que ali consta quanto à obrigação de deslocação exclusiva a cargo do progenitor deverá ser alterado de modo a repartir tal ónus tanto quanto possível pelo pai e pela mãe, sempre sem prejuízo de os progenitores, num esforço permanente de entendimento que deverão sempre cultivar na prossecução do que são os interesses da vida familiar, adequarem às suas necessidades práticas os parâmetros judiciais ora fixados [o que, certamente, já fazem para as situações previstas nos pontos II a IV) do dispositivo].
Assim e pelo exposto, a sentença será mantida em tudo o mais, sendo apenas alterada no que tange a:
- segundo parágrafo do ponto I do dispositivo:
Para o efeito, deverá o pai ir buscar o menor, no fim-de-semana que lhe compete, à escola, no fim das actividades lectivas, ficando a mãe encarregue de ir buscá-lo a casa do pai até às 19h30m de domingo.
- no terceiro parágrafo do ponto I do dispositivo:
Em período escolar, o pai poderá ter ainda consigo o C..., nas quartas-feiras em que o C... passe o fim-de-semana com a mãe (uma quarta-feira por mês), levando-o a mãe a casa do pai no final das actividades lectivas, e entregando-o o pai na escola, no início das actividades lectivas, na quinta-feira.
- no ponto V do dispositivo:
O menor C... passará alternadamente, com cada um dos progenitores, os dias de feriado que coincidam com dias úteis e com a excepção dos que ocorram em períodos de férias, levando-o a mãe para o efeito a casa do pai, no fim das actividades escolares, no dia anterior, e entregando o pai na escola, no início das actividades, no dia seguinte.

III - Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na parcial procedência do recurso, em manter a decisão recorrida, apenas a revogando na parte acima mencionada, introduzindo as seguintes modificações:
- segundo parágrafo do ponto I do dispositivo da sentença recorrida:
Para o efeito, deverá o pai ir buscar o menor, no fim-de-semana que lhe compete, à escola, no fim das atividades letivas, ficando a mãe encarregue de ir buscá-lo a casa do pai até às 19h30m de domingo.
- no terceiro parágrafo do ponto I do dispositivo da sentença recorrida:
Em período escolar, o pai poderá ter ainda consigo o C..., nas quartas-feiras em que o C... passe o fim-de-semana com a mãe (uma quarta-feira por mês), levando-o a mãe a casa do pai no final das atividades letivas, e entregando-o o pai na escola, no início das atividades letivas, na quinta-feira.
- no ponto V do dispositivo da sentença recorrida:
O menor C... passará alternadamente, com cada um dos progenitores, os dias de feriado que coincidam com dias úteis e com a excepção dos que ocorram em períodos de férias, levando-o a mãe para o efeito a casa do pai, no fim das atividades escolares, no dia anterior, e entregando o pai na escola, no início das atividades, no dia seguinte.
Custas por ambas as partes, na proporção de 85% para o recorrente e 15% para a recorrida.

Porto, 21.1.2019
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
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[1] O interesse dos progenitores não é postergado, mas subalternizado relativamente ao interesse do filho, como tem sido enfatizado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao conhecer da violação do art.º 8.º da Convenção, relativo ao respeito pela vida familiar, sublinhando que deve ser encontrado um justo equilíbrio entre os interesses da criança e os do progenitor e que, ao atingir tal equilíbrio, deve ser atribuída especial importância ao interesse superior da criança que, dependendo da sua natureza e seriedade, pode substituir as do pai, decisão HOPPE v. GERMANY, de 5.12.2002.
[2] A designação da lei é recente e substitui a anterior expressão poder paternal, o que ocorreu em 2008. No país vizinho, apenas em 2015, a Ley 26/2015 deu uma nova redação ao art. 154.º CC, fazendo referência a progenitores em vez de pais e identificando a patria potestas como responsabilidade parental, cf. Esther Algarra Prats e Javier Barceló Doménech, LIBERTAD DE LOS HIJOS EN LA FAMILIA: DEBERES DE LOS HIJOS Y DERECHO DE CORRECCIÓN DE LOS PADRES. SITUACIÓN EN EL DERECHO ESPAÑOL, in Actualidad Jurídica Iberoamerica, n.º 4, fev. de 2016, p. 39 e ss.
[3] As alterações legislativas familiares recentes e a sociedade portuguesa, In Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, coord. de Guilherme de Oliveira, 2016, p. 125
[4] E o legislador não tem sido alheio a esta consideração sociológica sendo que o direito da família, sobretudo desde 2008 (em especial com a imposição do regime-regra de responsabilidades parentais conjuntas nas questões de particular importância - art. 1906.º, n.º1), muito tem feito (embora ainda haja muito por fazer...) para que as crianças — todas as crianças — tenham relações jurídicas, sociais, mas também afetivas e existenciais com os seus progenitores (Rute T. Pedro, Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade?, in DEBATENDO A PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA, PUBLICAÇÃO CORRESPONDENTE A ACTAS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL “DEBATENDO A PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA” Porto e FDUP, 16 e 17 de Marco de 2017 Projecto FCT UID 443_CIJE, p. 51).
[5] Por isso não deixam os especialistas de observar ser muito importante que a Residência Alternada seja escolhida porque, cada progenitor, deseja manter o vínculo com a criança, garantindo-lhe os cuidados adequados e dando prioridade ao seu desenvolvimento e nunca para satisfazer uma configuração vincular narcísica e conflituosa de um ou de ambos os progenitores, em que a criança é desconsiderada na sua subjectividade e pode vir a ficar em situação de total desamparo para enfrentar um ambiente altamente desfavorável ao seu equilíbrio emocional, Ana Vasconcelos, Do cérebro à empatia. Do divórcio à guarda partilhada com residência alternada, Cadernos CEJ, Jurisdição da Família e das Crianças Jurisdição Civil, Processual Civil e Comercial Ações de formação – 2011-2012, p. 77 ss. em linha, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Jurisdicao_familia_civel.pdf
[6] Não contando com a questão de ordem prática de cada um dos progenitores haver de ter no seu domicílio as roupas e calçado que a criança envergará quando consigo convivente, ao contrário do que parece entender o requerente.
[7] Recorde-se que o art. 1906.º, nº 4 CC, estabelece que o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. Comentando este normativo, Guilherme de Oliveira considera que deste modo o legislador de 2008, que introduziu o texto em referência, quis autorizar o progenitor com quem o filho vive, ou com quem ele se encontra temporariamente, a delegar os seus poderes de exercício, livremente, num novo cônjuge ou companheiro. Os seus poderes de exercício
podem ser delegados sem o titular ter de pedir autorização ao outro progenitor, e sem se “presumir” o consentimento deste – o titular é livre de os ceder, não havendo lugar, à manifestação de objecções por parte do outro titular das responsabilidades parentais, em Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, cit, p. 290. Sobre o interesse do ciclo político que decorreu entre 2005 e 2010, que toca a alterações no Direito da Família e das Crianças, pode ver-se João Pedroso et alt., A odisseia da transformação do Direito da Família (1974-2010): um contributo da Sociologia Política do Direito, onde os autores referem que tivemos três períodos de intensa transformação do Direito da Família em Portugal, o período de 1974 a 1977, com a consagração do princípio da igualdade e de democratização do Direito da Família, o período de 1998 a 2001, com o reconhecimento pelo Direito Português das Crianças como sujeitos de direito e de reconhecimento das uniões de facto, e o período de 2006 a 2010, em que ocorreu a publicização do crime de violência doméstica, a consagração do regime das responsabilidades parentais e a alteração do conceito de casamento.