Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
124/13.4GBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
CÃO ROTTWEILER
CONTRA-ORDENAÇÃO
DIREITO DE QUEIXA
Nº do Documento: RP20170510124/13.4GBOAZ.P1
Data do Acordão: 05/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 25/2017, FLS.238-246)
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui o crime de ofensa corporal simples por negligencia p.p. pelo artº 148º, nº 1 CP as ofensas corporais causadas por um cão de raça rottweiler cujo detentor não teve o cuidado de vigiar, se o ofendido apresentou queixa.
II - Nas mesmas circunstâncias não tendo o lesado apresentado queixa estamos perante uma contra-ordenação p.p. pelo artº 38º, nº1, al.r) DL 325/2009.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º124/13.4GBOAZ.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum (com intervenção do tribunal singular) n.º124/13.4GBOAZ da Comarca de Aveiro, Instância Local de Vale de Cambra, Secção de Competência Genérica, J1, por sentença proferida em 3/5/2016 e depositada na mesma data, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art.148.º, n.º1, do C.Penal, na pena 90 dias de multa, à taxa diária de €7,50 e absolvido da prática de uma contra ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.13.º e 38.º, n.º1, alínea d) do DL 315/2009, de 29/10, com as alterações introduzidas pela Lei 46/2013, de 4/7.
Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
I. No caso em apreço a M.ma Juiz a quo para condenar o recorrente nos referidos termos actuou no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo estatuído artigo 127° do CPP.
II. Salvo o devido respeito, que é muito, parece-nos que não existem elementos suficientes para a condenação nos moldes em que o arguido foi condenado.
III. Encontra-se erradamente julgada a factualidade constante da douta sentença quanto aos recorrentes não devendo ser considerada como provados os pontos 6°. 19° e 20° da douta sentença e a darem-se como não provados aqueles factos.
IV. A Mma Juiz a quo alicerçou a sua convicção probatória nos diversos elementos de prova produzidos em audiência de julgamento e principalmente refere que " resultou claramente do depoimento do arguido que, no dia dos factos, o mesmo soltou o L… com o intuito de limpar a jaula, bastando-se com um olhar a distancia para o portão para se assegurar que o mesmo estava fechado".
V. Da situação dos autos, considerando como certo que ocorreu o acidente importa aferir se o arguido exerceu devidamente o seu dever de vigilância, não tendo previsto o evento, ou tendo-o previsto, confiando que ele não se viesse a verificar, e se o podia ter previsto e evitado.
VI. Deu a M.ma Juiz como provado o ponto 6 "Seguidamente, manifestando um absoluto descuido e incúria, com plena consciência das características potencialmente perigosas do animal e que sobre si incidia a obrigação de o vigiar, o arguido pôs-se a limpar a jaula, sem se certificar previamente se o portão se encontrava fechado, perdendo de vista o animal e permitindo que o mesmo andasse a seu bel prazer pelo logradouro e pela via publica, desacompanhado, sem o açaime se recurso a trela."
VII. A M.ma juiz não tinha elementos nem factos suficientes que lhe permitissem dar como provado tal facto. E que como tal como foi referido pelo próprio arguido antes de iniciar a limpeza da jaula veio verificar se o portão da entrada estava fechado. Ou seja todas as medidas que ao seu alcance estavam foram tomadas pelo arguido.
VII. Foi referido por diversas testemunhas, conhecedoras da situação, e cujo depoimento se mostrou claro, coerente e bastante razoável, que o arguido sempre teve os cuidados devidos no que se refere aos cuidados a ter com o animal em causa.
IX. Na verdade, o arguido agiu sempre com todo o cuidado devido a que estava obrigado, nas circunstâncias em que se deu o acidente, e como tal não podia, nem tinha elementos suficientes para condenar o arguido da forma que condenou, e também não tinha elementos suficientes para que se verifique a negligência, não se encontrando por isso verificados os pressupostos previstos nos artigos 15° e 148° do CP.
X. A conduta do arguido desde a data em que o canídeo passou a estar em sua casa foi em tudo exemplar e cumpridora de todas as normas e regras de segurança que são exigidas e esperadas de alguém que é dono ou detentor de um animal com as características do animal em causa nos autos.
XI. O arguido procedeu a vedação de toda a sua propriedade desde a época em que o cão assou a estar definitivamente em sua casa, nunca saiu com o cão para a rua sem trela, vedou o terraço que dava para a via publica.
XII. O cão estava sempre na jaula, e quando saía ficava no terraço vedado, e não andava a vaguear pela propriedade, ate porque o arguido tinha produtos hortícolas, e não pretendia que o canídeo as estragasse.
XIII. Foi referido pelas testemunhas que o portão estava muitas vezes fechado, e quando estava aberto não viram o cão solto.
XIV. Os vizinhos sabiam que o arguido tinha o cão em sua casa, mas não porque o vissem a vaguear na propriedade ou na rua, mas porque alguém lhe tinha falado daquele cão, e depois do acidente!
Ou seja, o arguido não teve qualquer conduta omissiva que permita formular um juízo de reprovação pela sua atitude,
XV. O que esperar mais do arguido? Além de tudo aquilo que fazia e fez no dia do acidente? Não parece espectável que ao arguido fosse exigida outra atitude.
XVI. O próprio tribunal a quo considerou " No mais o Tribunal teve em conta os testemunhos de C…, genro do arguido, D…, proprietária do cão, E… que abordou o arguido apos o incidente, F…, militar da GNR que acompanhou G…, vizinho do arguido, H…, mulher do arguido, I…, filha do arguido, e J… Filho de um vizinho do arguido. Do depoimento das testemunhas foram possível concluir que a detenção do cão por parte do arguido se pautou sempre e abstractamente por um comportamento pelo cumprimento das regras inerentes a guarda de um cão de raça potencialmente perigosa.
XVII. Não podia o Tribunal a quo proferir outra decisão de não a de absolver o arguido, uma vez que ficou claramente demonstrado que ao arguido não lhe era exigida outra conduta.
XVIII. O ora recorrente cumpriu o seu especial de dever de vigilância previsto no artigo 6o do Decreto lei 312/2003 de 17/02 alterado pelo Dec 315/2009, no sentido de evitar que o cão pusesse em risco a vida ou integridade física de outras pessoas ao contrário do que foi dado como provado na decisão ora em apreço.
XIX. Inexiste, pois qualquer tipo de negligencia do ora recorrente e arguido, que tomou todos os cuidado para que o animal não saísse dos limites da propriedade, nomeadamente no dia do acidente certificar-se se o portão se encontrava fechado e ao afirmar que " lhe pareceu que sim"
XX. Importa também aferir se dos factos provados em sede de audiência de julgamento são de molde a considerar-se na pratica de um crime ou contra ordenação
XXI.De acordo com a legislação em vigor não resulta dúvidas para o ora recorrente, que o " L…" era considerado um animal perigoso de acordo com a lista existente que classifica as raças potencialmente perigosas.
XXII. Assim como não poe em causa o arguido, que há data do acidente era o arguido o detentor do animal e a propriedade do cão era da D….
XXIII Não resulta dúvidas para o recorrente que a assistente sofreu lesões, no entanto da matéria dada como provada tais lesões não se integram no âmbito de aplicação do artigo 144° do CP que regula as ofensas a integridade física graves.
XXIV. Também foi essa a conclusão da Mma Juiz:
"Resulta da matéria provada que as lesões sofridas pela assistente não integram as previstas no artigo 144°do Código Penal"
XXV. Assim excluída tal lesão da qualificação com graves, se não existisse o conceito da negligencia, e as lesões sofridas integrariam o conceito de ofensa a integridade física simples nos termos do disposto no artigo 143° do CP.
XXVI. Em 1 /1/2010 entrou em vigor o DL 31/2009 de 29/10 que aprovou o regime jurídico da detenção de animais perigosos, o qual de acordo com o artigo 44° revogou o DL 312/2003 de 17/12 alterado pela Lei 49/2007 de 31/08.XXVII Não tendo sido ainda aprovada a regulamentação prevista, mantem-se em vigor a portaria 422/2004 que determina as raças de cães e cruzamentos potencialmente perigosos, E não restam duvidas que o L… se integra nesse elenco, Determina as raças de cães e cruzamentos potencialmente perigosos, E não restam duvidas que o L… se integra nesse elenco.
XXVIII. Nos termos do disposto no artigo 38° do DL 315/2009 " constituem contra ordenações puníveis, pelo Director geral de veterinária, com coima cujo montante mínimo é de 500€ e máximo de €3.740 ou €44.890, consoante de trate de pessoas singulares ou colectivas (...)
A não observância de deveres de cuidado ou vigilância que der azo a que um animal ofenda o corpo ou saúde de outra pessoa causando-lhe ofensa a integridade física que não sejam consideradas graves.
XXIX. Considerando tudo o exposto os factos provados em sede de audiência de julgamento não podem integrar qualquer tipo de crime e, por mera hipótese de raciocínio se admite, integrariam uma contra-ordenação.
O Ministério Público e a assistente K… responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência (fls.449 a 456 e 457 a 461).
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Sr.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pelo não provimento do recurso (fls.472 a 473).
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respetiva fundamentação:
«Factos Provados
Da Acusação:
Da prova produzida em audiência, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. D… é proprietária de um cão, de nome "L…', da raça "Rottweiller", potencialmente perigosa, que nasceu no dia 24 de Fevereiro de 2006.
2. Contudo, a partir de data não concretamente apurada do ano de 2010, o referido animal esteve aos cuidados, guarda e sob a vigilância do arguido, que providenciou pela sua alimentação, pela sua saúde, que o passeou e que assegurou a limpeza da sua jaula.
3. Assim, no referido hiato temporal, o "L…” permaneceu na residência do arguido, sita Rua …, na Freguesia de …, neste Concelho de Vale de Cambra, aos seus cuidados e sob a sua vigilância, onde fazia a sua vida diária, aí pernoitando, alimentando-se e permanecendo na referida habitação, onde dispunha de jaula.

4. No dia 17 de Novembro de 2012, pelas 08:00 horas, o arguido decidiu proceder à limpeza da jaula onde o "L…” dormia.
5. Com tal intuito, o arguido deslocou-se para a dita jaula, onde se encontrava o "L…", abriu a porta da mesma e permitiu que o animal saísse.
6. Seguidamente, manifestando um absoluto descuido e incúria, com plena consciência das características potencialmente perigosas do animal e que sobre si incidia a obrigação de o vigiar, o arguido pôs-se a limpar a jaula, sem se certificar previamente se o portão se encontrava fechado, perdendo de vista o animal e permitindo que o mesmo andasse a seu bel-prazer pelo logradouro e pela via pública, desacompanhado, sem o açaime e sem recurso a trela.
7. Nesse entretanto, passava pela via pública apeada, a cerca de 60 (sessenta) metros da residência do arguido, a ofendida K….
8. Subitamente, o animal, revelando-se enraivecido, abeirou-se da ofendida, atirou se sobre o corpo da mesma, projectando-a para o chão, onde esta caiu desamparada, e mordeu-lhe a perna direita.
9. Deitada no solo, aos gritos, a ofendida foi rebolando pelo chão, tentando fugir do animal, que a perseguiu, continuando a morder-lhe a perna direita.
10. A ofendida acabou por se imobilizar na valeta da via, onde se encolheu e colocou as mãos sobre a cabeça para se proteger do animal, que permanecia com as patas dianteiras sobre si, continuando a morder-lhe a perna direita.
11. Tal actuação do animal, que perdurou por vários minutos, terminou com a intervenção de M…, que se aproximou do mesmo e o puxou pelo cachaço na sua direcção, sendo que após vários puxões, logrou que o "L…" libertasse a ofendida e se afastasse dela.
12. A ofendida foi assistida no local, tendo sido posteriormente encaminhada em ambulância para o Centro Hospitalar N…, E.P.E.
13. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido e do animal, a ofendida sofreu um ferimento no cotovelo direito e vários ferimentos profundos perfurantes, com perda de substância ao nível do terço inferior da coxa, na sua face externa, apresentando três orifícios de entrada na face lateral e posterior da coxa direita, tendo ficado internada no referido Centro Hospital, de onde teve alta no dia 17 de Dezembro de 2012.
14. Na consulta externa, a ofendida manteve penso de pressão negativa, tendo tido alta no dia 10 de Março de 2013, com encerramento total das feridas, com alguma deformidade e com restrição da função motora e sensorial, tendo sido orientada para a Medicina Física e Reabilitação, que também frequentou.
15. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido e do animal, e no seguimento de tais ferimentos, a ofendida ficou, no membro inferior direito, com 5 (cinco) cicatrizes irregulares, aderentes aos planos subjacentes, dolorosas à palpação, localizadas: uma na face anterior do terço médio da coxa horizontal com 1 por 0,3 centímetros; outra oblíqua inferior com 4 por 0,5 centímetros; outra na face ântero-Iateral do terço inferior da coxa com úlcera ao seu meio com 3 por 2 centímetros; outras duas localizadas na face posterior do terço inferior da coxa (uma inferior com 6 por 1 centímetro e outra superior com 11 por 1 centímetro de maiores dimensões); sofreu sensação de ardor e frio na coxa direita; apresenta alterações vasculares na face lateral do terço inferior da coxa; sofreu dor na face lateral do joelho com limitação na extensão da articulação do joelho - 10° e flexão entre 10° a 100°; evidencia reflexos preservados; lesões essas melhor avaliadas nos exames periciais constantes destes autos a fls. 7 a 9,87 a 89,105 a 107, 128 a 131,162 a 165, 186 a 189, 209 e 210, que aqui se dão por reproduzidas para todos os legais efeitos, e que lhe determinaram, por forma directa e necessária, 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias para a cura, com 30 (trinta) dias de afectação da capacidade para o trabalho geral e com 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias de afectação da capacidade para o trabalho profissional.
16. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido e do animal, a ofendida ficou permanentemente com as cicatrizes supra descritas na perna direita, as quais são facilmente visíveis pela própria e pelos outros, com repercussão na representação corporal da ofendida e com alterações da mobilidade do membro inferior direito.
17. O arguido era conhecedor das específicas características do animal em apreço, como cão de raça considerada potencialmente perigosa que é, e como tal, susceptível de, com mais facilidade, sem qualquer motivação ou provocação e por puro ímpeto, assumir comportamentos agressivos para com pessoas, nomeadamente, agredindo-as e mordendo-as.
18. O arguido estava ciente que sobre si impendia uma especial obrigação de controlar, supervisionar e vigiar os comportamentos do animal.
19. Mas por incúria, total desleixo e desrespeito manifesto pelos mais elementares cuidados a que estava obrigado, especialmente, o de vigiar os comportamentos do animal, o arguido abriu a porta da jaula onde o mesmo se encontrava, permitiu que o animal saísse, e não se inteirou se o portão da sua residência estava fechado, o que fez com que o animal saísse e livremente vagueasse pelo logradouro da habitação e pelas imediações da mesma, na via pública, desacompanhado e sem que lhe tivesse sido colocado açaime ou trela.
20. Seguidamente, e mais uma vez manifestando um absoluto descuido, incúria, desrespeitando manifestamente os mais elementares cuidados a que estava obrigado, especialmente, o de vigiar os comportamentos do animal, o arguido pôs-se a limpar a jaula, perdendo de vista o canídeo e permitindo que o mesmo vagueasse a seu bel-prazer pelo logradouro e pela via pública, sem estar acompanhado por alguém, sem açaime e trela. 21. Sabia o arguido que ao adoptar tais comportamentos, sujeitava a ofendida como qualquer pessoa que passasse nas imediações da sua residência - aos comportamentos violentos e agressivos que o animal assumisse, nomeadamente, atirar-se ao corpo dela, projectá-la para o chão e mordê-la, que podiam colocar em perigo a integridade física da mesma, como veio a suceder.
22. O arguido previu a possibilidade de atingir a ofendida com os comportamentos violentos e agressivos que o animal assumiu no circunstancialismo supra descrito, e de, assim, lhe causar ferimentos, como o fez, porém confiou que tal não se concretizaria.
23. Por outro lado, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que era proibida a presença de cães na via pública sem estarem acompanhados por pessoa maior de 16 anos, munidos de açaime e conduzidos à trela, e ainda assim, permitiu que o "L…' deambulasse pela via pública sozinho, fora do seu alcance, sem açaime e não sendo conduzido por trela, o que quis e fez.
24. Sempre teve, além disso, o arguido, perfeito conhecimento que os seus comportamentos eram proibidos e puníveis por Lei.
Mais se provou que:
25. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
26. O arguido é electricista e aufere cerca de €600,00 por mês; é casada, a sua esposa é empregada auxiliar e aufere cerca de €500,00 mensais; vivem em casa própria, integralmente paga; tem um veículo automóvel, marca Mercedes, modelo …, 1991; tem o 9.° ano de escolaridade.
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Factos Não Provados
- Nas circunstâncias supra descritas o arguido abriu também o portão da sua residência, consentindo assim que o animal livremente vagueasse pelo logradouro da habitação e pelas imediações da mesma, na via pública, sem lhe colocar um açaime.
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Motivação:
O Tribunal fundou a sua convicção no cotejo dos vários elementos de prova produzidos em audiência de julgamento, criticamente analisados à luz das regras de experiência comum, nos termos do disposto no art.º 127.°, do Código de Processo Penal.
Assim, embora o arguido tenha começado o julgamento por não prestar declarações, optou por esclarecer o Tribunal quanto ao sucedido na última sessão de julgamento, o que permitiu articular com solidez as provas de forma a reconstruir os factos da forma como foram dados como provados. Resultou claramente do depoimento do arguido que, no dia dos factos, o mesmo soltou o "L…" com o intuito de limpar a sua jaula, bastando-se com um olhar à distância para o portão para se assegurar que o mesmo estava fechado; assim, apenas quando viu o cão entrar em casa pelo portão e com sangue na boca se apercebeu que o mesmo por ali havia saído.
Também das declarações do arguido se infere com certeza que era este quem tratava do cão à data dos factos, em virtude do mesmo lá ter sido deixado ao seu cuidado após a mãe da proprietária ter sido sujeita a uma cirurgia que lhe tolheu a capacidade para tratar convenientemente do animal. Nessa sequência, a casa do arguido foi dotada das estruturas necessárias à guarda do cão "L…", bem sabendo o arguido das características da raça do cão, enquanto potencialmente perigosa, o que levou à construção da jaula e vedação do terreno.
Note-se que o Tribunal não ficou com dúvidas quanto às preocupações reais do arguido (bem como da família deste) em ter o cão respeitando as imposições legais que a raça obriga, como seja a existência de seguro, vacinação ou infra-estruturas da residência.
Já no que tange à forma como ocorreu o ataque do cão à assistente, foi considerado, em primeiro lugar, o depoimento da Assistente. Não obstante a sua parcialidade, uma vez que é a ofendida nos autos, o seu testemunho foi impressivo e realista, bem demonstrativo da angústia e sofrimento vivenciados.
Foi também tido em conta o depoimento de M…, marido da Assistente e que foi quem a acudiu, conseguindo por fim à agressão, quando "pegou no cão pelo cachaço e o arrastou". Além disso, esta testemunha vivenciou de perto o sofrimento da sua mulher, tendo acompanhado todo o processo que se seguiu ao acidente e disso demonstrando conhecimento directo e conciso.
O Tribunal valorou também os depoimentos das demais pessoas que acorreram ao local motivadas pelos gritos que se ouviram, ou seja, O…, P…, Q… e S….
No mais, o Tribunal teve em conta os testemunhos de C…, genro do arguido, D…, proprietária do cão, E…, militar da GNR que abordou o arguido após o incidente, F…, militar da GNR que acompanhou E…, G…, vizinho do arguido, T…, vizinha do arguido, U…, filho do arguido, H…, mulher do arguido, I…, filha do arguido e J…, filho de uns vizinhos do arguido. Dos depoimentos destas testemunhas foi possível concluir que a detenção do cão por parte do arguido se pautou sempre e abstractamente por um comportamento cuidadoso, com preocupação pelo cumprimento das regras inerentes à guarda de um cão de raça potencialmente perigosa.
Sem prejuízo, também resulta dos depoimentos das testemunhas supra indicadas a Assistente, o seu marido, O…, P…, Q…, S… e ainda de V…, vizinha que não estava no local, que por vezes aquele portão estava um bocado aberto, dizendo esta última ter visto por duas vezes o cão sozinho fora de casa "a fazer xixi e cocó junto a uma carvalha".
O tribunal teve, ainda, em conta, o teor da denúncia de fls. 2 e 3, registos clínicos de fls. 19,95,112,115 a 117,137 a 150,154,175; auto de ocorrência de fls. 28 e 29; documentos de fls. 31 a 45; documento de fls. 49; Fotografias de fls. 198 a 205; relatórios das perícias de avaliação do dano corporal de fls. 7 a 9,87 a 89, 105 a 107, 128 a 131,162 a 165, 186 a 189, 209 e 210, prova que foi analisada e concatenada com a prova testemunhal, permitindo chegar aos factos tal como foram julgados provados.
Finalmente, foi considerado teor do Certificado do Registo Criminal de fls. 297 e, quanto às condições económicas do arguido, as suas declarações, por não haver motivos para nestas não fazer fé.
O facto julgado não provado foi-o assim por não ter sido produzida prova que o sustentasse. De facto, a mulher do arguido H… afirmou ter sido a última pessoa a abrir o portão e o arguido diz que o não abriu, não havendo qualquer evidência demonstrativa do contrário, pelo que se terá que ter por não abalada a versão do arguido de que se limitou a confirmar "à distância" se o portão se encontrava fechado, não tendo qualquer intervenção na sua abertura.»
Apreciação
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo do tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso, como são as nulidades da sentença ou os vícios da sentença previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal.
No caso presente, vistas as conclusões apresentadas, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- erro de julgamento dos pontos 6, 19 e 20 dos factos dados como provados,
- errada subsunção jurídica dos factos

1ªquestão: na tese recursiva houve erro de julgamento dos factos dados como provados, sob os pontos 6, 19 e 20, pois das declarações do arguido, nas quais se baseou a convicção do tribunal para dar como assente aquela factualidade, não resulta que tenha atuado com falta de cuidado.
Tendo sido documentadas, mediante gravação, as declarações prestadas em audiência de julgamento, este tribunal pode conhecer amplamente da decisão de facto, uma vez cumprido o disposto no art.412.º n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal
No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova produzida em audiência, mas dentro dos limites do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art.412º do C.P.Penal.
Dispõe o art.412.º n.º3 do C.P.Penal «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente provados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
E o n.º4 do mesmo dispositivo estabelece «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação
O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. Daí a imprescindibilidade de os recorrentes indicarem concretamente os pontos de facto que se encontram incorretamente julgados e especificarem as provas que impõem decisão diversa, em relação a esses pontos de facto.
Note-se que o art.412.º n.º3 al.b) do C.P.Penal refere «As provas que impõem decisão diversa da recorrida» e não as que permitiriam uma decisão diversa. «A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância» - Germano Marques da Silva, «A aplicação das alterações ao Código de Processo Penal», Forum Iustitiae, Maio de 1999, p. 21.
Em face do referido, no caso vertente a impugnação da matéria de facto não colhe. Vejamos.
O recorrente impugna os pontos 6, 19 e 20, os quais têm a seguinte redação:
6. Seguidamente, manifestando um absoluto descuido e incúria, com plena consciência das características potencialmente perigosas do animal e que sobre si incidia a obrigação de o vigiar, o arguido pôs-se a limpar a jaula, sem se certificar previamente se o portão se encontrava fechado, perdendo de vista o animal e permitindo que o mesmo andasse a seu bel-prazer pelo logradouro e pela via pública, desacompanhado, sem o açaime e sem recurso a trela.
19. Mas por incúria, total desleixo e desrespeito manifesto pelos mais elementares cuidados a que estava obrigado, especialmente, o de vigiar os comportamentos do animal, o arguido abriu a porta da jaula onde o mesmo se encontrava, permitiu que o animal saísse, e não se inteirou se o portão da sua residência estava fechado, o que fez com que o animal saísse e livremente vagueasse pelo logradouro da habitação e pelas imediações da mesma, na via pública, desacompanhado e sem que lhe tivesse sido colocado açaime ou trela.
20. Seguidamente, e mais uma vez manifestando um absoluto descuido, incúria, desrespeitando manifestamente os mais elementares cuidados a que estava obrigado, especialmente, o de vigiar os comportamentos do animal, o arguido pôs-se a limpar a jaula, perdendo de vista o canídeo e permitindo que o mesmo vagueasse a seu bel-prazer pelo logradouro e pela via pública, sem estar acompanhado por alguém, sem açaime e trela. 21. Sabia o arguido que ao adoptar tais comportamentos, sujeitava a ofendida como qualquer pessoa que passasse nas imediações da sua residência - aos comportamentos violentos e agressivos que o animal assumisse, nomeadamente, atirar-se ao corpo dela, projectá-la para o chão e mordê-la, que podiam colocar em perigo a integridade física da mesma, como veio a suceder.
E o tribunal recorrido fundamentou esta factualidade nos seguintes termos: «Assim, embora o arguido tenha começado o julgamento por não prestar declarações, optou por esclarecer o Tribunal quanto ao sucedido na última sessão de julgamento, o que permitiu articular com solidez as provas de forma a reconstruir os factos da forma como foram dados como provados. Resultou claramente do depoimento do arguido que, no dia dos factos, o mesmo soltou o “L…” com o intuito de limpar a sua jaula, bastando-se com um olhar à distância para o portão para se assegurar que o mesmo estava fechado; assim, apenas quando viu o cão entrar em casa pelo portão e com sangue na boca se apercebeu que o mesmo por ali havia saído.
Também das declarações do arguido se infere com certeza que era este quem tratava do cão à data dos factos, em virtude do mesmo lá ter sido deixado ao seu cuidado após a mãe da proprietária ter sido sujeita a uma cirurgia que lhe tolheu a capacidade para tratar convenientemente do animal. Nessa sequência, a casa do arguido foi dotada das estruturas necessárias à guarda do cão “L…”, bem sabendo o arguido das características da raça do cão, enquanto potencialmente perigosa, o que levou à construção da jaula e vedação do terreno.
Note-se que o Tribunal não ficou com dúvidas quanto às preocupações reais do arguido (bem como da família deste) em ter o cão respeitando as imposições legais que a raça obriga, como seja a existência de seguro, vacinação ou infra estruturas da residência»
Resulta deste fundamentação que o tribunal recorrido concluiu por um comportamento de desleixo, de falta de cuidado por parte do arguido com base nas declarações que este prestou, o qual afirmou que olhou para o portão e lhe pareceu fechado, referindo aos 47m 58s “Olhei e deu-me a sensação de que estava fechado”. E mais adiante afirmou “se estiver de frente para o portão, ele abre da esquerda para a direita e fecha da direita para a esquerda (…) de frente para o portão, vejo a maior parte para minha direita» - aos 53m 10s a 53m 19s. Ou seja, o arguido não via o portão em toda a sua extensão, concretamente a parte onde este fechava.
O arguido soltou o cão e não foi confirmar se o portão estava fechado, sendo que não conseguia ver, do local onde se encontrava, a parte do portão em que ficava fechado. Tendo retirado o cão da jaula e deixando-o solto, o arguido tinha de verificar se todos os acessos à rua estavam fechados, de forma a assegurar-se de que o cão não conseguia ir para a rua, o que não fez, bastando-se, ao invés, com um olhar de relance que apenas lhe permitiu ficar com a ideia, errada, de que o portão estava fechado.
Não há, pois, fundamento para alteração da factualidade impugnada, pois o arguido não teve o cuidado, que sobre si impendia, de vigiar o seu animal de raça canina, não se assegurando de que este não conseguia sair para a via pública.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto.
2ªquestão: sem prescindir, sustenta o recorrente que, em caso de não alteração da matéria de facto, deveria ser condenado pela prática da contra ordenação prevista no art.38.º, n.º1, alínea r), do DL315/2009, de 29/10 e não pelo crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art.148.º, n.º1, do C.Penal, pois só há crime se as ofensas corporais forem graves.
Entendemos que a decisão recorrida explanou devidamente os fundamentos para a subsunção da conduta do arguido à prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, não obstante as ofensas serem simples.
O DL315/2009, de 29/10, que revogou o DL312/2003, de 17/12, alterado pela Lei 49/2007, de 31/8, estabelece o atual regime jurídico da detenção de animais perigosos, nos quais se inclui os da raça rottweiller, conforme prevê a Portaria 422/2004, de 24/4, que determina as raças de cães potencialmente perigosos.
Nos termos do art.33.º do DL 315/2009 «Quem, por não observar deveres de cuidado ou vigilância, der azo a que um animal ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa, causando-lhe ofensas graves à integridade física é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.»
O crime tem natureza pública, contrariamente ao que sucede com o crime de ofensa à integridade física por negligência previsto no art.148.º do C.Penal.
Como refere Placido Conde Fernandes, in Comentário das Leis Extravagantes, Vol.I, Universidade Católica Editora, pág.318, o legislador ao atribuir natureza pública ao crime em questão, teve o intuito de reforçar a resposta punitiva existente, visando alcançar uma maior confiança da comunidade na proteção dos bens jurídicos protegidos.
Por sua vez, o art.38.º do citado DL 315/2009, sob a epígrafe Contra ordenações, dispõe:
1 - Constituem contra ordenações puníveis com coima de (euro) 750 a (euro) 5000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 a (euro) 60 000, no caso de pessoa coletiva:
a) A falta de licença, de identificação ou registo a que se referem os artigos 5.º a 7.º;
b) A falta do seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 10.º;
c) O alojamento de animais perigosos ou potencialmente perigosos sem que existam as condições de segurança previstas no artigo 12.º;
d) A circulação de animais perigosos ou potencialmente perigosos na via pública, em outros lugares públicos ou em partes comuns de prédios urbanos, sem que estejam acompanhados de pessoa maior de 16 anos de idade, caso em que a responsabilidade contra ordenacional recai sobre o detentor que não obste a tal situação, ou sem os meios de contenção previstos no artigo 13.º, ou a circulação ou permanência em zona proibida e sinalizada para o efeito nos termos do n.º 4 do mesmo artigo;
e) A introdução em território nacional de cães potencialmente perigosos das raças ou cruzamentos de raças constantes da portaria prevista na alínea c) do artigo 3.º sem o registo ou a autorização prévia prevista no artigo 16.º ou em violação das condicionantes ou proibições estabelecidas ao abrigo daquele mesmo artigo;
f) A criação ou reprodução de cães potencialmente perigosos das raças ou cruzamentos de raças constantes da portaria prevista na alínea c) do artigo 3.º sem que seja em centros de hospedagem com fins lucrativos que disponham da permissão administrativa prevista no artigo 17.º;
g) A reprodução de cães perigosos ou potencialmente perigosos ou a sua não esterilização em desrespeito pelo disposto no artigo 19.º;
h) A não manutenção pelos centros de hospedagem com fins lucrativos autorizados para criação ou reprodução de cães potencialmente perigosos dos registos de nascimento e de transação previstos nos artigos 18.º e 20.º, pelos períodos de tempo neles indicados;
i) A não esterilização nas condições estabelecidas nos artigos 5.º e 19.º;
j) O não envio pelo médico veterinário da declaração prevista no artigo 19.º ou o desrespeito das condições estabelecidas nos termos da mesma disposição para o efeito;
k) A comercialização e publicidade de animais perigosos em desrespeito pelo disposto no artigo 20.º;
l) O treino de animais perigosos ou potencialmente perigosos tendo em vista a sua participação em lutas ou o aumento ou reforço da agressividade para pessoas, outros animais ou bens;
m) A falta de treino de cães perigosos ou potencialmente perigosos, nos termos do artigo 21.º, ou o seu treino por treinador sem título profissional emitido nos termos do artigo 25.º;
n) O treino de cães realizado em local que não disponha das condições estabelecidas no artigo 23.º;
o) A não comunicação dos treinadores certificados, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º;
p) O desrespeito por alguma das obrigações dos treinadores estabelecidas no artigo 28.º;
q) A falta de entrega à DGAV do título profissional de treinador de cães perigosos e potencialmente perigosos, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 29.º;
r) A não observância de deveres de cuidado ou vigilância que der azo a que um animal ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa causando-lhe ofensas à integridade física que não sejam consideradas graves.
2 - A tentativa e a negligência são punidas, sendo os limites mínimos e máximos das coimas reduzidos a metade.»
Segundo o mesmo autor, ainda na linha do reforço à proteção dos bens jurídicos e da confiança comunitária, as ofensas simples passam a ter dois regimes, crime semipúblico e, subsidiariamente, contra ordenação.
«Assim temos as seguintes situações de concurso aparente ou concurso de normas, em três níveis:
Ofensa simples à integridade física por negligência, sem queixa, e sancionada pela contra-ordenação prevista no artigo 38.º n.º1 al.ªr), subsidiária face ao artigo 148.º n.º1, do Código Penal. A contra-ordenação inova, por prever o dano ao invés do mero perigo de lesão (como sucedia anteriormente), visando evitar que estas condutas fiquem descobertas de protecção apenas porque o ofendido optou por abdicar do procedimento criminal;
Ofensa simples à integridade física por negligência, com queixa, é punida pelo artigo 148.º n.º1 do Código Penal, excluindo a contra-ordenação, prevista no artigo 38.º n.º1 al.ªr), por subsidiariedade (ex vi atigo 36.º n.º3). A única alternativa a este entendimento, absurda por colidir frontalmente com a enunciada ratio legis e a mens legislatoris, seria a descriminalização das ofensas simples negligentes, nestes casos e que um animal é a fonte do perigo, mediante a degradação sancionatória para aquela contra-ordenação.
Ofensa grave à integridade física negligentes (e animal), é punida pelo artigo 33.º é lex specialis face ao artigo 148.º n.º3, do Código Penal, cuja principal diferença que traz e a natureza procedimental pública da infracção» - ob cit., pág.318.
No caso presente, atenta a factualidade dada como provada, estamos perante ofensas corporais causadas por um cão da raça rottweiller, cujo detentor não teve o cuidado de vigiar o animal, como lhe cabia, ofensas essas que não se integram nas ofensas corporais graves, tal como estão previstas no art.144.º do C.Penal, subsidiariamente aplicável por força do art.34.º do citado DL315/2009.
Considerando que ao longo dos tempos tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência a aplicação do crime de ofensas à integridade física por negligência aos detentores de animais que ataquem pessoas, não teria sentido que com a entrada em vigor do DL315/2009, que visou reforçar a proteção dos bens jurídicos face ao elevado número de ataques a pessoas por animais potencialmente perigosos, se descriminalizassem as ofensas corporais simples provocadas por animal a que deu azo uma conduta negligente do seu detentor ou proprietário, subsumindo-as tão-só a contraordenação. Tal descriminalização seria contrária ao espírito que presidiu à elaboração do DL315/2009, que visou reforçar a confiança da comunidade, através de um maior sancionamento, perante frequentes ataques de animais potencialmente perigosos.
Por isso, concordamos com Placido Conde Fernandes quando defende que a ofensa corporal simples por negligência, em que não foi apresentada queixa, é sancionada pela contraordenação prevista no art.38.º, n.º1, alínea r), do DL325/2009, mas já será punida como crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.148.º, n.º1, do C.Penal, quando foi apresentada queixa.
Revertendo ao caso presente, considerando que a ofendida apresentou queixa, bem andou o tribunal recorrido ao enquadrar a conduta do arguido na prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.148.º, n.º1, do C.Penal.
Neste caso, a contra ordenação prevista pelo citado art.38.º, n.º1, alínea r), cuja violação constitui elemento do crime de ofensa à integridade física, é consumida por este, sob pena de dupla valoração – art.20.º do DL433/82, de 27/10, que prevê o regime geral das contra ordenações.
Posto isto, não merece censura a subsunção jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido ao condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.148.º, n.º1, do C.Penal e não pela contraordenação prevista pelo art.38.º, n.º1, alínea r) do DL 325/2009, de 29/10.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 Uc a taxa de justiça.
(texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)

Porto, 10/5/2017
Maria Luísa Arantes
Renato Barroso