Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22174/15.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RP2018091322174/15.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º143, FLS.267-279 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade do mandatário forense, na medida em que decorre de um acordo de vontades, tem natureza estritamente contratual.
II - A culpa do incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de mandato é apreciada segundo os padrões de apreciação da culpa na responsabilidade civil.
III - A perspectiva, probabilidade ou expectativa de obter um determinado resultado, torna possível, desde que tenham sido accionados meios susceptíveis de o poder conseguir, a configuração de uma situação de perda ou de oportunidade de ganho de um benefício.
IV - A possibilidade de reparação do dano de perda de chance encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ, que, em matéria de chance processual, tem seguido a orientação de que o dano daí resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº22174/15.6T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto
Relator: Carlos Portela (868)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. José Manuel Araújo Barros
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, casado, residente na Rua …, …. - …, …, G… veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra C…, advogado, com domicílio profissional na Av. …, Edifício …, n.º … - …, …. - … Porto, pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e assim condenado o Réu a:
A) Por força do direito à reintegração do Autor na empresa entidade patronal, no pagamento a este da quantia de €344.937,60 (€64.800,00 + €3.905,60 + €119.232,00 + €132.000,00 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais, presentes e futuros, e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €89.800,00 (€64.800,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento;
Se assim não for entendido,
B) Por força do direito do Autor à indemnização por antiguidade, no pagamento a este da quantia de €151.383,92 (€54.432,00 + €3.280,70 + €60.264,00 + €8.407,22 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €139.696,00 (€54.432,00 + €60.264,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento, e
C) Em qualquer dos casos das precedentes alíneas, no pagamento ao Autor das despesas totais a haver com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença.
Se ainda assim não for entendido, à condenação do Réu:
D) Pelo dano da “perda de chance”, no pagamento ao Autor de 75% do valor de cada um dos pedidos formulados nas alíneas A) e B) (subsidiariamente) e C).
Para tanto e em síntese alegou o seguinte:
O Autor foi admitido como funcionário dos CTT Correios de Portugal em 11.05.1981.
O Autor contratou os serviços do Réu, então advogado do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações para responder à nota de culpa elaborada no processo disciplinar iniciado pelos CTT e tendente ao seu despedimento pela alegada prática de infracção disciplinar grave.
O Autor por intermédio do Réu respondeu à nota de culpa, mas os CTT despediram-no com alegada justa causa por decisão datada de 5.03.2012 e que lhe foi notificada em 7.03.2012.
Passados que foram sessenta dias sobre as notificações antes aludidas e no exercício do mandato antes conferido, o Réu instaurou em 17.05.2012, acção de impugnação judicial de despedimento contra os CTT.
Em 8.10.2012 foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pelos CTT com a sua absolvição do pedido.
A excepção procedeu por se ter entendido que a acção foi proposta depois de passado o prazo legal de 60 dias.
Mais se considerou que o Réu não utilizou o procedimento legalmente previsto para a oposição ao despedimento.
Foi interposto recurso para a Relação do Porto onde por acórdão de 6.01.2014 foi confirmada a sentença antes proferida.
Interpôs-se recurso para o STJ, recurso esse que por decisão sumária de 12.05.2014, não foi admitido.
De tal despacho foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que por decisão sumária de 19.11.2014 não conheceu o recurso.
Deduziu-se reclamação para a Conferência contra essa mesma decisão tendo sido proferido acórdão em 24.01.2015, a indeferiu.
Durante os três anos que decorreram entre a entrada da acção em juízo e a prolação deste último acórdão o Réu nunca informou o Autor dos factos antes relatados, violando assim o princípio da confiança em que deve fundar-se a relação entre advogado e cliente.
Mais alegou que o Réu não teve um comportamento profissional adequado às responsabilidades da função de advogado, não agiu por forma a defender os seus legítimos interesses, nem tratou com zelo e diligência a questão que lhe foi confiada, violando assim o disposto nos artigos 387º-2CT e 83º, 1, 92º, 2, 95º, 1-b) e 103º, 1 do EOA.
Referiu ainda que por força da actuação do Réu, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, perdendo de forma irreversível, a oportunidade de ver apreciada a ilicitude do seu despedimento.
A procedência da sua pretensão iria conferir-lhe o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e à reintegração na empresa, caso não optasse por uma indemnização por antiguidade, tudo sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento (cf. os artigos 389º, 1, 390º, 1 e 391º, 1 do CT).
Fundou os seus pedidos nas regras conjugadas dos artigos 483º, 496º, 1 e 4, 798ºe 799º, 1 e 1157º e 1161º, a) e c) todos do Código Civil.
Contestou o Réu começando por referir não ter sido contratado pelo Autor mas que prestou serviços próprios da advocacia ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações de que o Autor é associado e regime de avença.
O identificado Sindicato distribuiu o processo ao Réu para resposta à nota de culpa, o que ocorreu com o seu acompanhamento de todo o processo disciplinar e com a presença na audição das testemunhas oferecidas.
Mesmo conhecendo o Réu a caducidade da acção e prevendo os constrangimentos que tal facto acarretaria, decidiu em 17.05.2012, propor acção comum para impugnação do despedimento.
E foi nessa linha que esgotou todas as instâncias de recurso, ainda que sem sucesso.
Mais referiu ser habitual os Advogados do Sindicato não terem contacto directo com os associados, sendo este assegurado pelos seus serviços, só havendo contacto directo quando os associados o requerem a fim de esclarecer dúvidas sobre a propositura da acção.
No caso, quem não agiu com diligência foi o Autor que não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98º-C e 98º-D do D.L.295/2009 de 13.10.
É falso que o autor não tenha sido informado das diversas fases do processo.
O Autor era possuidor do número de telemóvel do Réu e do seu contacto fixo e não se coibiu de lhe ligar com frequência a perguntar pelo andamento do processo.
Mesmo não sendo estas as regras do Sindicato o Réu atendeu-o sempre, prestando-lhe as informações pedidas e que entendia serem necessárias.
Só agora o Autor descobriu a falta de zelo e de diligência do Réu, pois em 2013 mandatou-o para intentar nova acção contra os CTT e que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, na qual obteve merecimento de causa e recebeu a quantia de €4.426,19.
Mais alegou que o Autor bem sabia que os factos de que veio a ser acusado na nota de culpa representavam uma violação gravíssima dos seus deveres como trabalhador a qual impossibilitava, de forma irreversível, a manutenção do vínculo laboral.
Impugnou ainda os factos e o direito nos quais o Autor fundou o seu pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Questionou a demonstração do seu incumprimento de qualquer dos deveres elencados no nº1 do art.º95º do EOA.
Em relação à “perda de chance”, referiu que o dano que dai decorre não tem acolhimento na lei portuguesa, conclusão que é subscrita pela jurisprudência do STJ.
Mais pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Terminou requerendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Os autos prosseguiram os seus termos com a realização da audiência prévia na decorrência da qual foi proferido despacho que saneou o processo, fixou o objecto do litígio e definiu os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual se proferiu sentença onde se julgou a acção improcedente por não provada e, consequentemente, se absolveu o Réu do pedido.
O Autor veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
O Réu contra alegou, vindo subsidiariamente, ampliar o âmbito do recurso.
O Autor respondeu à matéria que diz respeito à ampliação do objecto do recurso.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo Autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
A - Foi ilícita a conduta do réu perante o autor, por força do não cumprimento, por aquele, dos deveres que para ele decorriam do Estatuto da Ordem dos Advogados, então em vigor, e que assumiu perante o autor.
B - O comportamento do réu impediu que o autor visse apreciadas, no processo de impugnação do despedimento, as razões pelas quais entendia dever o despedimento ter-se por ilícito.
C -Para além dos factos dados por provados na douta sentença a quo que, por comodidade, aqui se dão por reproduzidos, outros dois deverão ter-se também por assentes, conclusão permitida pelos elementos constantes dos autos: o de que nem o SNTCT, nem o autor, subscreveram o AE de 2008 e o de que a pensão de reforma do autor seria, caso não tivesse sido despedido, de 1.310,25€ ilíquidos, em 30.09.2022.
D - Em processos como o presente, em que há que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, in casu, do julgamento do processo laboral neste, é o réu a parte contra a qual deverá decidir-se, no caso de não se fazer prova de factos relevantes para a decisão, ou seja, é dele o ónus da prova.
E - A comunicação do autor para CTT-CP, SA, na qual se fundou o despedimento, foi efectuada mais de 4 anos antes da ocorrência de qualquer dos factos imputados ao autor - que não podia adivinhar o futuro - e informava que o autor passava a residir mais perto, não mais longe, do respectivo local de trabalho, o que impedia a conclusão pela intencionalidade da conduta do autor.
F - Os factos acusados na alínea a) da nota de culpa prescreveram, pois o exercício do poder disciplinar, quanto a eles, ocorreu muito mais de passado um ano sobre a verificação deles, sendo que, in casu, não tem aplicação o disposto no art.348º.-A CP, por só ter sido aditado ao Código Penal muito depois da prática dos acusados factos, para além de não se verificar o condicionalismo do preceito.
G -A prescrição aludida faria diminuir, acentuadamente, a gravidade dos factos imputados ao autor, já que eram os de maior significado económico.
H - O autor tinha dois domicílios, pelo que podia considerar-se residente em qualquer deles, facto que retira todo o sumo ao processo disciplinar que lhe foi movido.
I - À relação laboral entre o autor e CTT-CP, SA, eram aplicáveis o AE de 2006, seguramente, e/ou o AE de 2010 e o CT, mas não o AE de 2008, por este não ter sido subscrito, quer pelo SNTCT - sindicato em que o autor estava filiado -, quer pelo autor.
J - Apesar de considerar não ser aplicável o AE de 2008, CTT-CP, SA invocou o contrário no processo disciplinar.
K - O processo disciplinar está ferido de vício de violação de lei, gerador de nulidade, pois não foi emitido parecer do Conselho Disciplinar, obrigatório em caso de deliberação de pena expulsiva.
L - Face à prescrição dos factos acusados na alínea a) na nota de culpa, não poderia o autor ser, por força deles, penalizado, sendo que não se fez prova, exacta, de qual a quantia alegadamente recebida de forma indevida.
M - O autor, residindo, como dizia, em F… (de onde há transportes públicos para G…), não beneficiou de melhores compensações - bem pelo contrário – do que aquelas de que beneficiaria se residisse em … (de onde não há transportes públicos de para G…).
N - Os preceitos em que CTT-CP, SA fundou a decisão de despedimento, expressamente mencionados na nota de culpa, não têm aplicação no caso dos autos.
O - Os acusados comportamentos do autor não comprometeram a relação laboral com CTT-CP, SA, muito menos irreversivelmente, sendo absolutamente desmesurada a pena de despedimento, sendo bem de ponderar que as razões para o despedimento tenham de procurar-se, ao invés, no facto de o autor não ter aderido ao AE de 2008.
P - Por tudo quanto vem de dizer-se, pode afirmar-se ser certo que o Senhor Juiz do Trabalho consideraria procedente o pedido do autor, com a consequente declaração da ilicitude do despedimento e condenação do réu nos pedidos formulados pelo autor.
Q - Mas, se se entendesse não poder haver uma certeza, então ter-se-ia afirmado uma séria, uma elevadíssima, probabilidade de que se concluiria pela certeza da procedência do pedido do autor na acção de impugnação do despedimento.
R - Decidindo pela absolvição do réu dos pedidos, violou a douta sentença recorrida o disposto no AE de 2006 e no AE de 2010, ou no CT, o art. 82º.-1 CC, os arts. 128º.-1 f), 329º.-1, 351º.-1 e 357º.-4 CT, o art. 348º.-A CP e os arts. 16º.-1, 18º., 20º. e 46º. a) da Portaria 348/87, de 24 de Abril, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogada e substituída por outra que condene o réu nos pedidos formulados a título principal, ou a título subsidiário, se aqueles não deverem proceder, com o que tudo se fará a habitual JUSTIÇA.
*
Já o Réu conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
1. Contrariamente ao alegado o recorrido não violou quaisquer normas deontológicas que devesse observar;
2. O recorrente não demonstrou, como lhe competia, o grau de probabilidade séria de vencimento ou sucesso da acção de impugnação de despedimento;
3. O facto de as alegações insistirem na possível aplicação de um determinado AE e no valor com que o recorrente se locupletou, não afastam a ilicitude do seu comportamento;
4. É sabido que quer doutrinal quer jurisprudencialmente que não releva o quantum por violação do dever de lealdade;
5. E que o facto de o recorrente exercer um cargo de chefia e ter sido mesmo distinguido não é atenuante do seu comportamento;
6. Pelo contrário mais agrava a violação e torna impossível a manutenção do laço laboral por quebra de confiança;
7. A falta de lealdade e de fidelidade do trabalhador para com a entidade patronal abala profundamente o espírito de recíproca confiança que informa o contrato de trabalho, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, independentemente do valor em causa;
8. O recorrente fundamenta todo o pedido em factos que não conseguiu provar e que estão dependentes de decisões aleatórias e como tal indemonstráveis;
9. Sendo mais provável, a provarem-se os factos de que foi acusado na nota de culpa, o insucesso da impugnação do despedimento;
10. A junção do documento que o recorrente pretende juntar é extemporária, pelo que não deve ser admitida;
11. Aos factos dados como provados deverão ser acrescentados:
a) O Autor telefonava frequentemente ao Réu a perguntar pelo andamento do processo;
b) Os Advogados do Sindicato só têm contacto com o processo físico que lhes é entregue e todas as acções de pré-contencioso são asseguradas por serviços próprios da associação sindical;
c) Todas as informações relativas aos processos são transmitidas aos associados pelos serviços próprios do Sindicato;
d) O Réu atendia o Autor, telefonicamente, prestando-lhe as informações que lhe eram solicitadas e que entendia necessárias, de acordo com o depoimento das testemunhas citadas.
Por tudo quanto antecede, devem ser dados por provados os factos que se indicam, dado a MM Juíza a quo ter violado o art.º 607º, nºs 3 e 4 do CPC e no mais deve ser confirmada a sentença por correcta qualificação dos factos e por não ter havido erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis, negando-se provimento ao recurso apresentado, assim se fazendo JUSTIÇA
*
O Autor respondeu às contra alegações do Réu opondo-se, no fundo, à ampliação do âmbito do recurso que este último deduz.
*
Perante tudo o que antes ficou exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no recurso do Autor/apelante:
1ª) A “prévia”, da junção de um documento;
2ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
3ª) A procedência do pedido formulado pelo Autor na alínea D) da petição inicial.
E é a seguinte a única questão suscitada no recurso interposto pelo Réu:
A alteração/ampliação da decisão da matéria de facto.
*
Ora como todos já vimos, neste seu recurso o Autor requer a junção aos autos de um documento, justificando do seguinte modo esta sua pretensão:
“Estranhamente, parece não ter sido assim, uma vez que a Mma. Juiz veio, a final, a considerar, já na sentença, que o autor não justificou “a razão pela qual entendia ser aplicável o AE de 2006”.
É dizer: o que a Mma. Juiz entendia, no julgamento, irrelevante, passou na sentença a considerar relevante:
Nestes termos, o autor requererá, a final - ao abrigo do disposto no art.423º-3 do CPC-, a junção do documento que acompanha esta motivação, quer por confirmar as declarações das testemunhas D… e E…, quer por demonstrar que CTT-CP, SA entendia uma coisa antes e outra coisa durante o processo disciplinar (e, assim, por que razão o autor entendia aplicável o AE de 2006) quer, finalmente, por ter sido surpreendente a decisão da Mma. Juiz, neste particular, ocorrência só surgida durante a audiência de julgamento”.”
Vejamos, pois.
Segundo A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.184/185, “a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objectivos de celeridade.”.”
No entanto e como mais adiante se refere:
“Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.
Já todos vimos que a pretendida junção de documentos por parte do Autor se funda na circunstância de ser de todo surpreendente a decisão proferida pela Sr.ª Juiz a quo, relativamente à questão da relevância ou não da alegação por parte do Autor das razões pelas quais entendia ser aplicável ao caso o AE de 2006.
Em face de tal argumentação, é relevante voltar a chamar à colação os ensinamentos de Abrantes Geraldes e que são os seguintes:
“A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
Assim o que a tal propósito cabe considerar é o que entre outros, ficou vertido no Acórdão do STJ de 27.06.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II - 2000, pág. 131, segundo o qual:
“Continuam, assim, a ter pleno cabimento, a este propósito, o ensinamento que se colhe de Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pgs. 533-534, ao defenderem que a junção só tem razão de ser, nesse caso, quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, e não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova sobre identificados certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido”.
No caso e como decorre do despacho no qual ficaram identificados os temas de prova (cf. fls.303 dos autos), nomeadamente o melhor referido como sendo o do ponto 4., o que desde logo resulta é a necessidade de produção de prova quanto às razões pelas quais o Autor entendia ser aplicável o AE de 2006.
A ser deste modo valem aqui também as razões referidas no supra citado acórdão do STJ e segundo as quais, “dispondo a parte de uma prova documental que entendeu não necessitar de usar, é vítima da sua própria negligência, já que não usou a possibilidade de a apresentar em devido tempo; se o resultado havido a surpreende, tal só poderá resultar de ter errado nas previsões feitas a respeito de questão que estava abertamente em discussão”.
Em suma, não podendo ser aqui aplicável o regime previsto no nº3 do art.º423º do CPC, decide-se atento o disposto no art.º652º, nº1, alínea e) do mesmo diploma legal, não autorizar a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Autor e juntos a fls.546 a 548.
É pois sem este elemento de prova que deve ser apreciado o recurso da decisão de facto interposto pelo Autor.
A propósito deste recurso importa desde logo deixar dito o seguinte:
É consabido que por força da entrada em vigor do D.L. nº39/95 de 15.02, foram significativamente ampliados os poderes da Relação no que toca à alteração da decisão da matéria de facto.
De facto, enquanto na anterior redacção do art.º712º os poderes da Relação quanto á decisão da matéria de facto eram previstos a título excepcional, já a nova redacção do mesmo artigo (a do art.º662º do NCPC), representa, na verdade, um claro afloramento da verdadeira natureza de tribunal de instância que se quis atribuir ao Tribunal da Relação.
Por isso se afirma que saíram ampliados os poderes do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, transformando-a, efectivamente, num tribunal de instância e não apenas num tribunal de “revista”, quanto à subsunção jurídica da realidade de facto.
Isto e nomeadamente quando tenha existido gravação da audiência e das provas aí produzidas, situação na qual são mais amplas as possibilidades de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Tudo isto quando depois de se mostrar respeitado o princípio do contraditório, o tribunal superior e depois de fazer uma autónoma apreciação da prova, venha a adquirir uma convicção diversa da obtida pela 1ª instância.
Apesar do acabado de expor, é essencial salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição não deve nem pode subverter o princípio da livre apreciação das provas antes previsto no art.º607º, nº5 do CPC.
E também sem esquecer, que na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em nenhum caso podem ser importados para a gravação da prova por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência.
Ora no caso dos autos está comprovado que o autor/apelante deu cumprimento cabal ao disposto no art.º640º, nº1, alíneas a) e b) do CPC, razão pela qual cumpre pois apreciar e decidir o seu pedido de impugnação da decisão de facto.
Todos já vimos que neste seu recurso, o mesmo autor/apelante considera que para além dos factos que foram dados como provados, deveria ter sido considerado que estão também provados os seguintes:
a) Que nem o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT), nem o autor, subscreveram o acordo de empresa (AE) de 2008;
b) Que a pensão de reforma do autor seria, caso não tivesse sido despedido, de 1.310,25 €, ilíquidos, em 30.09.2022.
Mais, funda esta sua pretensão nos depoimentos prestados pelas testemunhas D…, dirigente sindical que acompanhou todo o processo do autor e E…, também ele dirigente sindical e colega do autor.
Como nos era imposto procedemos à audição das gravações onde foram registados os depoimentos prestados em julgamento por estas duas testemunhas.
E desta audição o que retiramos foi o seguinte:
A primeira começou por afirmar que o Autor se recusou a assinar o AE de 2008.
Disse ainda que o sindicato a que o Autor pertencia, não esteve de acordo com esse AE de 2008 e que por isso não o assinou.
Mais referiu não se lembrar de quaisquer problemas na aplicação dos AE de 2006 e 2010.
Quanto ao AE de 2008 defendeu a ideia de que para os CTT, o mesmo não era aplicável aos trabalhadores que não o tivessem subscrito.
Por fim, disse recordar-se do facto dos CTT terem exercido pressão sobre os trabalhadores (com excepção dos dirigentes sindicais), não subscritores desse acordo, o de 2008, para o subscreverem, chegando ao ponto de oferecer um bónus de 4000,00€ a quem o assinasse.
Já a segunda destas duas testemunhas referiu também que quer o Autor quer o SNTCT a que ambos pertenciam, não assinaram o AE de 2008.
Confirmou que não houve qualquer problema na aplicação dos AE de 2006 e de 2010, salientando que depois da vigência do AE de 2006 e antes da entrada em vigor do AE de 2010, foi sendo aplicada a lei geral do Código do Trabalho.
Terminou dizendo que quando respectivo sindicato não assina um AE, se entende que os seus sócios não são abrangidos pelo mesmo.
Perante tais declarações e sendo certo que as mesmas não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova produzido nos autos, temos as mesmas como suficientes para dar como provado o facto antes melhor descrito na alínea a).
Assim sendo e atento o disposto no art.º662º, nº1 do CPC, concede-se parcial provimento ao recurso da decisão de facto interposto pelo Autor e adita-se aos factos provados o seguinte ponto:
“ 37.- Nem o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT), nem o autor, subscreveram o acordo de empresa (AE) de 2008.”.
Importa pois apreciar agora a última das questões suscitadas pelo Autor neste seu recurso.
Vejamos, pois.
Na sua petição inicial o mesmo Autor formula os seguintes pedidos:
“A) Por força do direito à reintegração do autor na empresa entidade patronal, no pagamento àquele da quantia de 344.937,60€ (64.800,00€ + 3.095,60€ + 119.232,00€ +132.000,00€ + 25.000,00€), até efectivo pagamento;
B) Por força do direito do autor à indemnização por antiguidade, no pagamento a este da quantia de 151383,92€ 54.432,00€ + 3.280,70€ + 60.264,00€ + 8.407,22€ + 25.000,00€), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, contados desta data, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de 139.696,00€ (54.432,00€ + 60.264,00€ + 25.000,00€), até efectivo pagamento;
C) Em qualquer dos casos das precedentes alíneas, no pagamento ao autor das despesas totais a haver com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença.
Se assim não for entendido, deve o réu
D) Ser condenado, pelo dano da perda de chance, no pagamento ao autor de 75% do valor de cada um dos pedidos formulados nas alíneas A) e B) (subsidiariamente) e C) precedentes.”.
Ora, tais pedidos foram todos eles, julgados improcedentes por não provados, com a consequente absolvição do réu dos mesmos, sendo os fundamentos para tal decisão os que constam da decisão recorrida e que aqui nos dispensamos de reproduzir.
Como todos já vimos, vem agora o Autor questionar tal decisão, afirmando estar certo da procedência do pedido de impugnação e que, assim, o seu despedimento acabaria por ser julgado ilícito.
Mais, que mesmo que tal não ocorresse, ter-se-ia sempre de concluir pela elevada probabilidade de tal suceder, por força das efectivas consequências da perda de oportunidade.
Para tanto, defende a ideia de que no caso seria de fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento, ou seja, deveria a Sr.ª Juiz “a quo”, colocar-se, tanto quanto possível, no lugar do Juiz do Trabalho, que julgou a acção de impugnação do despedimento.
Ora, na sentença recorrida conclui-se desde logo, pela ilicitude da conduta do Réu, ilicitude essa decorrente do não cumprimento dos deveres que para si decorriam do EAO.
Mais também que por força de tal conduta omissiva, o Autor viu coarctado, de forma definitiva, o seu direito de ver apreciado pelo Tribunal de Trabalho, a ilicitude do despedimento instaurado pelos CTT – Correios de Portugal S.A.
Como já referimos, os pedidos formulados pelo Autor nas alíneas A), B) e C) foram todos eles julgados improcedentes por não provados.
Assim, quanto ao da alínea C) porque se entendeu que “existe um meio próprio para o ressarcimento das despesas com mandatário judicial, que decorrem do processo, meio esse previsto no Regulamento das Custas Processuais a que o Autor deve poderá recorrer, em sede de custas de parte”.
Por outro lado e no que toca aos pedidos das alíneas A) e B), “porque os mesmos assentam na demonstração, não possível, da procedência da pretensão do Autor, caso a acção laboral tivesse dado entrada em juízo no prazo legalmente estabelecido (de 60 dias), para a impugnação do despedimento”.
Tudo isto porque, segundo a Sr. Juiz “a quo”, importa considerar “que o processo judicial é sempre um processo de natureza incerta e de resultado aleatório, sendo por isso impossível provar qual o resultado do processo em que se verificou o incumprimento, ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato”.
Restava pois o pedido formulado pelo Autor na alínea D), o qual e como todos já vimos, foi igualmente julgado improcedente por não provado.
É pois este segmento da decisão que o autor/apelante agora vem questionar neste seu recurso.
Vejamos, pois:
É sabido que a teoria da “perda de chance” surgiu como uma terceira via tendente a superar a tradicional dicotomia entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, prevendo ainda as situações em que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas dos cidadãos.
Perante os pressupostos da responsabilidade clássica, a saber, a conduta, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, a teoria da “perda de chance” aparece para permitir o dever de indemnizar pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo.
Juridicamente, a perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, ou seja, tem ligação directa com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano.
Traduz a situação em que, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como é por exemplo o caso de se deixar de recorrer de uma sentença desfavorável por falha do respectivo advogado.
A doutrina da “perda de chance” propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização, quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis.
Aceita-se pois que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (ou seja, é necessário que o acto ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).
Ora, a aplicação desta tese no nosso regime jurídico não tem sido uma questão pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência.
No entanto, o certo é que tem vindo a ser reconhecida a existência da responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em pretensões de naturezas distintas.
Assim, na doutrina admitem a aplicação desta teoria Nuno Santos Rocha, A Perda de Chance Como Uma Nova Espécie de Dano, edições Almedina, 2014, página 96 e Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina – Junho 2006, página 63.
Já Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, Coimbra Editora, 2008, considera que não há no nosso ordenamento jurídico, base legal para a admissibilidade desta figura.
Para outros autores como Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 10.ª edição, Almedina, 2013, a perda de chance deve ser tida como um dano emergente, considerando-se que a oportunidade corresponderia a um beneficio já adquirido pelo lesado de que este vem a ser privado, devendo a indemnização deve ser calculada tendo em conta o grau de probabilidade de realização dessa oportunidade.
Ou seja, enquanto estes autores põem a tónica num novo conceito de dano, outros, como Júlio Gomes, Em Torno do Dano da Perda de Chance - Algumas Reflexões”, Studia Iuridica, 91, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Castanheira Neves, Volume II, Direito Privado, Coimbra Editora, 2008, página 18, consideram haver uma ruptura em relação à concepção clássica da causalidade.
Para este autor a perda de oportunidade não terá entre nós virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória, mas ainda assim admite a sua aplicação, residual nos casos em que a oportunidade está de tal forma consolidada que constitua um bem a merecer tutela no património do lesado.
Já Rui Cardona Ferreira, Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance - Em Especial na Contratação Pública , Coimbra, 2011, página 347fende uma tese que se aproxima “dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo”, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada. Para efeitos de cálculo da indemnização, entende que se deve ter em conta “o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do acto ilícito”.
Resumindo: para alguns autores a perda de chance não tem, entre nós, base jurídico - positiva (a perda de chance não constitui um dano autónomo, nem é indemnizável enquanto tal, admitindo alguns que o dano – final - possa ser indemnizável se se verificar elevada probabilidade de ter sido adequadamente causado pelo facto ilícito, ou seja reduzindo a perda de chance constitui um problema de causalidade);
Para outros o caminho está na consideração de um dano autónomo (consideram pois que a perda de chance pode ser indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance, pelo que a perda de chance não constitui um problema do domínio da causalidade, mas do domínio do dano);
Por fim, existem aqueles que defendem a tese da necessidade de revisão da teoria da causalidade adequada e tratam o assunto como uma hipótese de lucros cessantes (ou seja, não se estabelecendo o nexo causal com o dano – final - não há lugar a indemnização; a mera perda de chance não constitui só por si um dano que possa ser indemnizável).
Pode pois concluir-se que não existe hoje uma orientação que harmonize os pressupostos e facilite a aplicação da doutrina da perda de chance.
De todo o modo, o certo é que são cada vez mais as decisões jurisprudenciais nas quais se faz apelo à figura e se aplica a mesma, nomeadamente nos casos de negligência médica e de mandato forense.
Assim e em muitas delas considera-se a perda de chance como indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre este e o dano da perda de chance (cf. entre outros os Acórdãos do STJ de 06.03.2014, no processo nº23/05.3TBGRD.C1.S1 e de 05.02.2013, no processo nº488/09.4TBESP.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt).
Ora, tem todo o sentido a aplicação da figura em causa ao mandato forense, quando se sabe que o patrocínio judiciário se destina a garantir um interesse de ordem pública e, por isso, o mandatário forense tem uma obrigação de meios ou de diligência e não de resultado.
Assim, o advogado obriga-se a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os seus conhecimentos técnicos tendo em vista obter a solução jurídico-legal adequada ao caso que patrocina.
No entanto, importa não esquecer que o direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais forenses, tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litígio em questão e de forma a concluir que essa oportunidade ficou, por via da acção ou omissão do advogado, irremediavelmente perdida.
A este propósito, vale a pena atender aos ensinamentos vertidos no Acórdão do STJ de 05.02.2013, no processo nº488/09.4TBESP.P1.S1, em www.dgsi.pt. onde a dado passo se afirma o seguinte:
“A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
Através destes dois limiares, importa, pois, distinguir três tipos de hipóteses, ou seja, a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da «chance», que não dá direito a qualquer reparação [a], a perda de oportunidade super - específica, super - qualificada, ou perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final [b] e a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à actuação da doutrina da «perda de chance».
E são os casos de «chances» sérias e reais que expressam probabilidades consideráveis, sem embargo de serem insuficientes para efeito de afirmação do nexo causal.
Assim sendo, a doutrina da «perda de chance» ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.”.
Regressando ao caso concreto o que importa considerar é o seguinte:
No exercício do mandato, o réu instaurou, em 17/05/2012, uma acção de impugnação judicial de despedimento contra CTT – Correios de Portugal, S.A., processo que correu termos na secção única do Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, sob o n.º 427/12.5TTVCT.
A referida acção de impugnação judicial de despedimento deu entrada em juízo já depois de transcorrido o prazo estabelecido no art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho, de 60 dias, para impugnar o despedimento, conforme veio a ser decidido por sentença de 08/10/2012, que julgou procedente a excepção de caducidade invocada por CTT – Correios de Portugal, S.A., e absolveu esta empresa do pedido, sentença que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 06/01/2014, já transitado em julgado.
Cabe pois apurar se a tal circunstância, a de ter sido julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar de despedimento aplicada ao autor, invocada pela entidade patronal, com a sua consequente absolvição do pedido, impediu o autor de ver apreciada a sua pretensão e fê-lo perder toda e qualquer expectativa de obter ganho de causa na acção, o que constituiu, para o autor, uma “perda de chance”.
Ou seja, como bem se afirma na sentença recorrida, impõe-se ponderar se a “perda de chance” ou de oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, como é o caso, decorrente da instauração da acção de impugnação de despedimento já fora do prazo legalmente previsto para o efeito, se traduziu, para o Autor, num dano emergente, porquanto existia uma probabilidade consistente e séria de obter ganho de causa, uma vez apreciada a pretensão do Autor.
Ora, entre outros fundamentos então invocados, o autor na petição inicial então elaborada, o mesmo chamou à colação a prescrição dos factos de que vinha acusado, à luz do disposto no art.º 329.º do Código do Trabalho (cf. art.º48º e seguintes da mesma peça processual).
Segundo o n.º1 do mesmo art.º 329.º, “O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”.
No caso concreto o que se verifica é que os factos constantes da al. a) do artigo único da nota de culpa (cf. fls. 24 e 25) ocorreram entre Novembro de 2008 e Março de 2010, pelo que, aquando do início do processo disciplinar, com a remessa da referida nota de culpa, em 16/12/2011 (cf. fls. 23), havia já decorrido o prazo de um ano a que alude o n.º 1 do mencionado preceito.
No entanto e conforme salienta a Sr.ª Juiz “a quo”, aqueles factos poderiam, no entanto, constituir crime de falsas declarações, à luz do disposto no art.º 348.º-A do Código Penal, sendo que em tal caso, o direito de exercer o poder disciplinar apenas prescreveria no prazo de dois anos previsto no art.º 118.º, n.º 1, al. d) do mesmo diploma,
E isto, independentemente do efectivo exercício da acção penal, prazo de dois anos, que se interrompeu com a comunicação da nota de culpa, podendo, assim, aqueles factos, ser objecto de ponderação para efeitos do despedimento.
Segundo o que resulta dos autos, estava em causa, na referida alínea a) do artigo único da nota de culpa, a colocação do autor em F… e a sua deslocação pontual para Caminha e para G…, no período que decorreu entre Novembro de 2008 e Março de 2010, bem como o recebimento indevido, pelo Autor, da quantia de €2.475,66.
Também se verifica que na petição inicial então apresentada no Tribunal de Trabalho, o autor que comunicou à empresa ré, em 25 de agosto de 2004, que passaria a residir no Lugar de …, …, F…, onde passou a fazer a sua vida familiar e profissional, e que em 4 de Março de 2010, foi transferido definitivamente, por conveniência de serviço da Loja F… para a Loja G…, continuando a fazer a sua vida habitual em F….
Como todos já vimos, na referida acção o autor defendeu a tese de que ao seu caso não era aplicável o Acordo de Empresa de 2010, conforme o referido na nota de culpa, mas o Acordo de Empresa de 2006, o qual se encontra publicado no B.T.E. 1.ª Série, n.º 27, de 22 de Julho de 2006, celebrado entre o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e a empresa CTT – Correios de Portugal, S.A..
Ora, segundo o n.º 1 cláusula 94.ª do referido Acordo de Empresa, “A empresa pode, por necessidade transitória de serviço, devidamente fundamentada, deslocar temporariamente qualquer trabalhador para que este exerça as suas funções fora do local habitual de trabalho”.
Já de acordo com o disposto no n.º 4 da cláusula 95.ª do referido Acordo de Empresa, “O cálculo da distância a que o trabalhador se encontra deslocado, para os efeitos desta secção, efectua-se a partir do limite da localidade em que se situa o local habitual de trabalho, até ao limite da localidade de destino, entendendo-se como limites da localidade as placas toponímicas respectivas.”
Ou seja, resulta do disposto nas referidas cláusulas do Acordo de Empresa, revisão de 2006, que o autor considerava aplicável, que os trabalhadores deslocados tinham direito ao abono dos quilómetros percorridos entre o local habitual de trabalho e o local de deslocação.
Ficou comprovado que o autor estava colocado em F… e prestava trabalho, em regime de deslocação de serviço, em G… e Caminha, pelo que, no seu entender, sempre teria direito à quantia de €2.475,66, a título de deslocação em serviço, entre a localidade de F… e as localidades de G… e Caminha, segundo a entidade patronal, alegadamente recebida de forma indevida.
Como está visto, o Instrutor que conduziu o processo disciplinar e elaborou a nota de culpa considerou, no entanto, como aplicável, o Acordo de Empresa de Março/2008, bem como o Acordo de Empresa de Janeiro/2010, por entender que o autor não justificou devidamente a razão pela qual entendia ser aplicável o AE de 2006.
Segundo o disposto na al. a) do n.º 1 da cláusula 45.ª do Acordo de Empresa de Março de 2008, bem como da al. a) do n.º 1 da cláusula 39.ª do Acordo de Empresa de Janeiro/2010, os trabalhadores deslocados em serviço têm direito ao transporte de ida e regresso entre o local habitual de trabalho, ou a sua residência, se mais perto, e o local de deslocação, ou ao pagamento da despesa respectiva.
Ora, tendo em conta que a residência efectiva do autor deveria ser a do Lugar de …, …, em G…, conclui-se na nota de culpa que o local de residência ficava mais perto dos locais de deslocação, G… e Caminha, do que o local de trabalho habitual, F….
Mais, a ser assim, entendeu-se que o autor apenas teria direito a receber abonos quilométricos para as deslocações entre o Lugar de … e os locais de deslocação, G… e Caminha.
Por isso e tendo o autor recebido “abonos quilométricos” para deslocações entre F…, local habitual de trabalho e G… e Caminha, locais de deslocação, conclui-se que o mesmo recebeu indevidamente a quantia adicional de € 2.475,66.
Já quanto ao lugar de residência do autor, o que aqui se apurou, foi apenas e só que entre 2008 e 2011, o mesmo utilizava uma casa situada em F…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante manter o seu domicílio fiscal em G…, onde possui casa.
No que toca ao período a que alude a al. b) do artigo único da nota de culpa, referente à situação em que o Autor foi colocado definitivamente em G…, período esse que ocorreu entre Março de 2010 e Novembro de 2011, o que estava em causa era o direito do Autor ao pagamento do passe de transporte colectivo, que os CTT pagaram, no montante de €77/mês, no montante total de €1.540,00.
Para o autor tinha aplicação o disposto no art.º 53.º, n.º 3, al. b) do Acordo de Empresa de 2010, segundo o qual, “Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando-se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a Empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes: (…) b) Pagamento ao correspondente acréscimo de despesas de transporte”.
Segundo tal tese, continuando o autor, tal como alega, a fazer a sua vida habitual em F…, teria direito ao pagamento do correspondente acréscimo de despesas de transporte, pelo que teria recebido as quantias a que tinha direito.
No entanto, tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que a prova produzida nos presentes autos é insuficiente para se poder concluir que o autor fazia a sua vida habitual em F….
E isto porque o que resultou provado foi apenas que o autor utilizava uma casa situada em F…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante continuar a manter o seu domicílio fiscal em G…, local onde possui casa e residência.
O autor invocou ainda o disposto na Portaria n.º 348/87, de 28/04, aplicável aos trabalhadores admitidos até 18 de maio de 1992, como era o seu caso, diploma esse aplicável por força da cláusula 20.ª do Acordo de Empresa de 2010, em cujo art.º46.º se dispõe que, “Precedendo a decisão do conselho de administração, o Conselho Disciplinar emitirá o seu parecer nos seguintes casos: a) Se a pena proposta for expulsiva; (…)”, requisito que não tinha sido cumprido, no processo disciplinar em causa, o que no entender do Autor feria tal processo de nulidade, por falta de uma formalidade essencial.
Tem no entanto razão o Tribunal “a quo”, ao salientar que a lei não comina, a falta daquela formalidade com a nulidade o processo disciplinar, considerando que tal falta não constitui causa de invalidade do procedimento, à luz do disposto no art.º 382.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Atento o art.º 357.º, n.º 4 do mesmo diploma na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador devem ser ponderados os pareceres dos representantes dos trabalhadores.
Ora no caso, foi emitido Parecer da Comissão de Trabalhadores, o qual foi anexado à notificação da nota de culpa.
Por outro lado, segundo a nota de culpa o autor actuou de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado, e que ao actuar nos moldes descritos violou culposa e gravemente o dever de lealdade, a que está obrigado por força do contrato de trabalho, consignado na al. f), 1.ª parte do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, considerando que o comportamento doloso do autor consubstancia infracção disciplinar que, pela sua gravidade e consequências, comprometiam de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo causa de despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 7/2009, de 12/02.
De acordo com esta norma, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Na acção que correu termos no Tribunal de Trabalho, o autor defendeu-se alegando a inexistência de qualquer impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, uma vez que as eventuais diferenças nos abonos pagos poderiam ser objecto de correcção (cf. art.º 96.º da petição inicial apresentada), acrescentando ainda que a culpa e gravidade do seu comportamento teriam de ser apreciadas segundo o entendimento de “um bom pai de família” ou de “um empregado normal”, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, considerando que tais critérios não foram tidos em conta na decisão proferida pela entidade patronal.
Como resulta dos autos a nota de culpa aplicou o Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril, a qual estabelece, no seu art.º 20.º, um conjunto de circunstâncias atenuantes, dispondo o n.º 1 do mencionado preceito, do seguinte modo:
“São atenuantes todos os factos ou circunstâncias atinentes ao agente ou à infracção de que resulte diminuição da responsabilidade do arguido.”.
Por outro lado e agora no nº2, al. a), está previsto como circunstância atenuante especial, desde logo, o zelo e bom comportamento anteriormente evidenciados nos últimos dez anos de serviço.
Podemos também nós verificar que no art.º 85.º da petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o autor salientou a desproporcionalidade da sanção disciplinar de despedimento, invocando a sua colaboração dedicada e leal durante mais de 20 anos de serviço, sem qualquer sanção.
Ora, as supra referidas questões, então suscitadas pelo autor, não chegaram a ser apreciadas, por força da procedência da excepção de caducidade invocada por CTT – Correios de Portugal, S.A., procedência essa que levou à absolvição desta empresa do pedido que contra si havia sido formulado.
Entendeu a Sr.ª Juiz “a quo”, na sentença recorrida, que apesar do exposto, não se poderia concluir que, a ter sido apreciada a pretensão manifestada pelo autor junto do Tribunal de Trabalho, existiria uma probabilidade real, consistente e séria de o seu despedimento poder vir a ser considerado ilícito.
E isto porque “cabia ao autor alegar e provar, na presente acção, que, não fora a actuação omissiva do Réu, obteria ganho de causa, pelo que lhe competia demonstrar, desde logo, que tinha efectivamente residência em F…, ainda que alternada com a sua residência em …, G…, prova que o Autor não fez, sendo a matéria de facto provada insuficiente para se retirar tal conclusão.”.
Mais considerou que “a resultarem provados os factos constantes da nota de culpa, imputáveis do Autor a título de culpa, e violadores dos deveres de conduta a que estava sujeito por força do vínculo contratual, assumiam os mesmos gravidade e consequências suficientes para comprometer de forma irreversível a subsistência da relação laboral e, dessa forma, constituir justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho.”.
Ora todos sabemos que segundo esta norma, receito que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Sabemos igualmente que perante o n.º2 do mesmo preceito, “Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa; c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas; g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; m) Reduções anormais de produtividade.”.
Como bem se afirma na sentença recorrida, tal enumeração legal é exemplificativa, o que significa que poderá ainda constituir causa de despedimento qualquer outra infracção culposa dos deveres do trabalhador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, para além das elencadas nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 351.º.
No caso em apreço, tem particular relevância o dever de lealdade do trabalhador para com a sua entidade patronal, enquanto manifestação do princípio da boa-fé, de que o art.º 128.º, n.º1, al. f) do Código do Trabalho nos dá dois exemplos.
Ora, bem andou o Tribunal “a quo” quando não esqueceu que podem muitas outras situações constituir violação do dever de lealdade.
Mais também quando citando jurisprudência atinente, salientou que “a relação laboral pressupõe a lealdade e absoluta confiança na pessoa do trabalhador, a qual poderá ser afectada, e mesmo irremediavelmente destruída, quando violado o mencionado dever, sendo a sua observância fundamental para o correto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.”.
Regressando ao caso concreto, também para nós resulta evidente que o comportamento culposo atribuído ao autor, violador daquele dever de lealdade, pela sua gravidade e consequências, era susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Assim, o facto de o mesmo ter trabalhado na empresa aqui ré durante mais de 30 anos, período durante o qual foi sempre diligente, assíduo e zeloso no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas, nunca ter sido repreendido, nunca ter cometido qualquer ilícito, ou ter sido objecto de qualquer processo, e de ter sido frequentemente premiado, e louvado pela sua entidade patronal pelo desempenho na chefia da Loja de F…, invocadas pelo Autor como atenuantes a ter em consideração, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28/04, deve funcionar, não como circunstância atenuante mas sima como como circunstância agravante.
Tudo porque subscrevemos a ideia de que o dever de lealdade se acentua quer quando o trabalhador tem um cargo de maior confiança, como é um cargo de chefia, quer quando o trabalhador está há longo tempo ao serviço da empresa.
Deste modo e como se afirma, no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2007, no processo n.º2842/06:
“Nos casos em que o trabalhador está situado na organização da entidade empregadora em cargos de maior confiança – em que o dever de lealdade é mais acentuado, por mais extensas e qualificadas serem as funções atribuídas – a subsistência dessa confiança constitui o fundamento da permanência do vínculo.”.
Mais ainda: “A circunstância de o trabalhador estar há longo tempo ao serviço do empregador, actuando sem faltas, torna mais grave a violação dos seus deveres laborais, por representar uma frustração da maior confiança que, devido à duração regular da prestação laboral, nele normalmente devia depositar o empregador.”.
Por último quando se afirma o seguinte: “Este nível de confiança acrescido inerente ao desempenho de funções de chefia dificilmente se compadece, na prática, com o sancionamento de infracções disciplinares, através da aplicação de uma multa ou da suspensão com perda de retribuição, uma vez que acesso a estes cargos e a sua manutenção pressupõe necessariamente a existência de uma especial relação de confiança entre o empregador e o respectivo titular.”.
Em suma e realizando “o juízo dentro do juízo” a que entre outros também alude o supra citado acórdão do STJ de 05.02.2013, no processo nº488/09.4TBESP.P1.S1, a conclusão que deve ser retirada é a mesma que consta da sentença recorrida e que aqui sem mais considerações, passamos a transcrever:
“Assim sendo, julga-se não ter resultado demonstrada uma consistente e séria probabilidade de vencimento da acção de impugnação judicial de despedimento instaurada pelo Autor, representado pelo Réu, contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pelo que não assiste ao Autor o direito a uma indemnização pelo dano emergente da “perda de chance”, bem como a qualquer outra, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.”.
Concluindo, mesmo com a alteração da decisão da matéria de facto antes operada, impõe-se que se confirme o que então ficou decidido na mesma sentença.
Improcede por isso totalmente o recurso aqui interposto pelo autor ora apelante B….
*
Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
...........................................................................
...........................................................................
...........................................................................
*
III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se do seguinte modo o presente recurso de apelação:
1º)Parcialmente procedente quanto à impugnação da decisão de facto;
2º)Improcedente quanto à subsunção dos factos ao direito, confirmando-se assim a decisão recorrida.
*
Custas a cargo do autor/apelante, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
*
Notifique.
*
Porto, 13 de Setembro de 2018
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
José Manuel de Araújo Barros