Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3530/14.3TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA
FORMA
CRÉDITO DA HERANÇA
JUROS
Nº do Documento: RP201811053530/14.3TBMAI.P1
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º683, FLS.94-102)
Área Temática: .
Sumário: I - Havendo representação sucessória – art.º 2039.º do CC – a partilha dos bens que constituem determinado acervo hereditário ter-se-á de fazer sempre por estirpe, por força do estipulado no art.º 2044.º do CC.
II - Existindo dinheiro da herança depositado e na posse de interessados na partilha, os juros que render são frutos civis também pertencentes à herança, tal como o capital que os gerou.
III - Caso esse capital não tiver propiciado qualquer rendimento apenas são devidos juros a partir do momento em que se defina a obrigação de restituir à herança o respectivo capital, já que a partir de então cessa a boa-fé dos detentores do capital.
IV - Havendo lugar à restituição desses juros, nos termos do art.º 1271.º do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 3530/14.3TBMAI.P1
Apelação
(401)
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ACÓRDÃO
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens deixados pelo inventariado B… falecido em 14/12/1997, no estado de viúvo, sem ascendentes nem ascendentes em que é cabeça de casal C…, procedeu-se à conferência de interessados em 06/10/2016 (cfr. fls. 830 e segs.).
Nela foi determinada a eliminação da relação de bens das verbas 12, 13 e 14 respeitantes a veículos automóveis datados de 1971 e 1977 em avançado estado de degradação, tendo inclusive um deles (da marca Datsun) sido furtado há vários anos.
Mais se determinou a remessa dos interessados para os meios comuns quanto ao apuramento dos saldos existentes nas contas nºs ………./… e ………/… do Banco D….
Na mesma conferência, atendendo a que não existia acordo quanto à divisão dos bens e a solicitação do requerente/interessado E… e do cabeça de casal C…, procedeu-se a licitações quanto aos bens das verbas nºs 3 a 11 do acervo hereditário, formando um único lote, as quais foram adjudicadas àqueles pelo valor de €9.591,88, na proporção de metade para cada um.

Notificado o cabeça de casal para dar forma à partilha, veio fazê-lo em conjunto com o interessado E…, nos termos que constam de fls. 832 vº e segs., que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Por seu turno, as interessadas F…, G…, H… e I… também vieram indicar a forma à partilha, nos termos que constam de fls. 836 vº e segs., que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Procedeu-se a despacho determinativo da forma à partilha em 16/11/2016, como consta de fls. 843/844, da seguinte forma:
“Somam-se os valores das verbas relacionadas, considerando-se as alterações provenientes das licitações, divide-se o valor obtido em 10 (dez) partes iguais, adjudicando-se uma parte a cada um dos sobrinhos supra identificados.
O preenchimento dos quinhões será feito, nos termos acima preconizados e considerando as licitações efectuadas.
Notifique”

A fls. 860 a 862, consta o mapa informativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Por despacho de fls. 884, em 06/11/2017, foi determinada a elaboração do mapa de partilha nos termos determinados nos autos, o qual consta de fls. 885/886.

Por sentença datada de 07/03/2018, foi homologada a partilha constante do mapa de fls. 885 e 886 e, em conformidade foram adjudicados os respectivos quinhões aos interessados.

Inconformados, apelaram o cabeça de casal e interessado C… e o interessado E…, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
1. Vem o presente recurso da sentença homologatória da partilha destes autos, que se limitou, à menção telegráfica de “…homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls. 885 e 886 e, em conformidade, adjudico os respectivos quinhões aos interessados. Custas nos termos constantes do artigo 1383º, nº1 do CPC. Registe e notifique.”
2. Tal sentença é assim tributária de todo o processado imediatamente anterior, e posterior, ao despacho determinativo da forma da partilha – despacho este que, como decorre do art. 1373º do C.P.C. aplicável, “… só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha”.
3. Daí que, em sede do presente recurso, e para situar as questões de mérito que o fundamentam, estejam os recorrentes reconduzidos para essa impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, que só agora pode ter lugar – cumprindo aqui recordar tudo quanto trouxeram aos autos, previa e subsequentemente a esse despacho, e que o processado espelha.
4. Ao pronunciarem-se sobre a forma da partilha, nos termos do nº 1 do art. 1373º do C.P.C. aplicável, sustentaram os ora recorrentes, no essencial e para além do mais que, sendo interessados directos no presente inventário os dez sobrinhos do inventariado B… – filhos de seus irmãos germanos, pré-falecidos, J…, K… e L…,
5. Cabe a cada um dos Filhos de J…, E…, casado no regime de comunhão de bens adquiridos com M…, e C…, casado no regime de comunhão de adquiridos com N…, um quinhão correspondente a um sexto da herança.
6. Cabe a cada um dos Filhos de K…, O…, casada no regime de comunhão de bens adquiridos com P…, Q…, falecido no decurso deste processo, a quem sucede, por representação, sua filha, já habilitada nos autos, S…; T…, solteiro, maior; e U…, casada no regime de comunhão de bens adquiridos com Joaquim Barbosa Dias, um quinhão correspondente a um doze avos da herança.
7. Cabe a cada uma das Filhos de L…, F…, casada no regime de comunhão de bens adquiridos com V…; G…, casada no regime de comunhão de bens adquiridos com W…; H, casada no regime de comunhão de bens adquiridos com X…; e I…, separada judicialmente de pessoas e bens de Y…, um quinhão correspondente a um doze avos da herança.
8. A herança de B…, cuja partilha aqui se visa, haverá assim de partilhar-se entre aqueles interessados, na proporção dos quinhões que aos mesmos cabem.
9. Os bens a partilhar são dinheiro, correspondente ao valor dos saldos bancários levados à relação de bens, e os móveis (moedas e medalhas) que integram essa mesma relação, expurgada que foi essa dos bens móveis que constituíam as verbas 12, 13 e 14.
10. Houve licitações, relativamente aos bens (moedas e medalhas) descritos nas verbas 3 a 11, na conferência de interessados, pelos ora recorrentes, C… e E… – bens que a estes ficaram por essa via atribuídos, na proporção de metade para cada um – pelo valor de €9.591,88 (nove mil, quinhentos e noventa e um euros e oitenta e oito cêntimos), para lhes serem adjudicados na partilha.
11. Como decorre do processado anterior, e pelas próprias foi expressamente assumido, as interessadas F…, G…, H… e I… detêm na sua posse, desde 15.12.1997, os valores da herança correspondentes aos saldos que, nessa data, apresentavam as contas bancárias elencadas a fls. 288 a 295, levados à relação de bens sob a verba nº 2/A.
12. A herança é assim credora daquelas interessadas, pelos valores de €49.879,78 relativamente a cada uma, e respectivos frutos – correspondentes aos respectivos juros legais, calculados às taxas supletivas sucessivamente aplicáveis (de 10%, 7% e 4% ao ano), desde 15.12.1997 até efectiva devolução – juros esses actualmente no valor de €47.663,14 para cada uma daquelas, a ser distribuído entre os herdeiros, incluindo as próprias interessadas detentoras daqueles valores da herança, na proporção dos respectivos quinhões.
13. Tais verbas deverão assim integrar, proporcionalmente, o quinhão que a cada um dos interessados cabe na herança a partilhar, pelo referido valor.
14. Porém, o despacho determinativo da forma da partilha desconsiderou, sem qualquer fundamentação fáctica ou jurídica, aquela pronúncia dos ora requerentes, vindo a acolher, também sem qualquer fundamentação, o que a esse propósito sustentaram as interessadas F…, G…, H… e I….
15. Como está bom de ver, a partilha dos autos deve fazer-se em estrita obediência à lei aplicável – arts. 2026º, 2027º, 2032º, 2039º, 2040º, 2042º, 2044º, 2045, 2145º, e 2146º, todos do Código Civil.
16. Como tal, afigura-se absolutamente pacífico e incontestável que a partilha dos autos se faz em consideração das estirpes correspondentes aos irmãos germanos do autor da herança, J…, K… e L…,
17. E não através de simples repartição igualitária dos bens, “por cabeça”, aos interessados na mesma herança - pois não é igual o número de sobrinhos do “de cujus” que acedem à herança por representação sucessória em cada estirpe.
18. Os ora recorrentes, a bem da economia processual – julgando estarem na presença de desatenção ou lapso manifesto do despacho determinativo da forma da partilha, (que mandou
elaborar o mapa da partilha de maneira a atribuir quinhões iguais a todos os interessados, em seu directo prejuízo) - pediram imediata e oportunamente a reparação de tal erro manifesto - nos termos dos arts. 614º, nºs 1 e 3, e 616º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – o que não veio a ser acolhido,
19. Tendo o Tribunal “a quo”, a esse respeito, proferido decisão referindo que “…O despacho determinativo da forma à partilha não padece de erros ou lapsos materiais, único caso em que poderia ser admissível a sua correcção nesta fase processual, porquanto só é passível de recurso caso venha a ser interposto recurso da sentença homologatória da partilha. Assim, por carecerem de fundamento legal, ordena-se o desentranhamento dos requerimentos apresentados (e consequentemente da resposta aos mesmos) e a sua devolução às partes.
Notifique e mais D.N.
Mais se determina o prosseguimento dos autos nos termos legais.”
20. Sendo esse o entendimento do Tribunal “a quo”, impõe-se assim, por via do presente recurso, a rectificação ao despacho determinativo da forma da partilha – por forma a que esta assuma a forma preconizada pelos recorrentes.
21. Mas não só sobre a questão da formação dos quinhões e da divisão da herança pelos interessados errou aquele despacho sobre a forma da partilha – aquele enferma também de flagrante omissão de pronúncia.
22. Manda o nº 2 do art. 1373º do C.P.C. aplicável que, nesse despacho sobre a forma da partilha, “são resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo mandar-se proceder à prova que se julgue necessária” – coisa que o despacho em causa de todo não fez.
23. O Tribunal “a quo” deixou de pronunciar-se, ostensivamente, sobre a questão do crédito da herança sobre as interessadas F…, G…, H… e I…, suscitada pelos ora requerentes no seu requerimento de pronúncia sobre a forma da partilha, questão de óbvia relevância para organização do mapa da partilha.
24. Sobre essa matéria, evidenciaram oportunamente os recorrentes que, como decorre de todo o processado anterior, e pelas próprias foi expressamente assumido, as interessadas F…, G…, H…, e I… detêm na sua posse, desde 15.12.1997, os valores da herança correspondentes aos saldos que, nessa data, apresentavam as contas bancárias elencadas a fls. 288 a 295, levados à relação de bens.
25. Nessa medida, a herança é assim credora daquelas interessadas, pelos valores de €49.879,78 relativamente a cada uma daquelas, e respectivos frutos – correspondentes aos respectivos juros legais, calculados às taxas supletivas sucessivamente aplicáveis (de 10%, 7% e 4% ao ano), desde 15.12.1997 até efectiva devolução – juros esses no valor de €47.663,14 para cada uma daquelas, à data da pronúncia sobre a forma da partilha, mas devidos até efectiva e integral liquidação, que devem ser distribuídos entre os herdeiros, incluindo as próprias interessadas detentoras daqueles valores da herança, na proporção dos respectivos quinhões.
26. Sobre tal matéria, o despacho sobre a forma da partilha foi absolutamente omisso – omissão que não foi reparada apesar do requerimento subsequente dos ora recorrentes a que atrás se fez alusão, não tendo a essa matéria o Tribunal “a quo” dedicado uma única linha!
27. Enfermado o processado com o erro manifesto e a omissão de pronúncia que vêm de evidenciar-se – e como se tal não bastasse para inquinar a marcha deste processo, nascido há dezoito anos… - iniciou-se com o despacho sobre a forma da partilha mais um ano e meio de processado, que ora urge rectificar, por via do presente recurso.
28. Os recorrentes dão aqui por reproduzidos e adquiridos, para todos os devidos e legais efeitos, todos os requerimentos que apresentaram nos autos a propósito do teor das informações da Secretaria com vista à elaboração do mapa de partilha, e depois em sede de reclamação contra esse mesmo mapa de partilha – o que veio a ser homologado pela sentença de que aqui se recorre.
29. Como desse processado resulta, o mapa de partilha, para além de inquinado com os vícios originários de que enferma o despacho sobre a forma da partilha, cuja correcção sempre imporá a sua reformulação, contém também construções fáctico-jurídicas inadmissíveis e incompreensíveis, sempre em prejuízo dos ora recorrentes, impondo-se a sua rectificação - mesmo à luz do próprio despacho judicial que presidiu à sua elaboração - quanto ao que refere sob a epígrafe “Pagamentos”.
30. Na verdade, e para além do mais que já se viu estar incorrecto, o despacho determinativo da forma da partilha referiu expressamente: “O preenchimento dos quinhões será feito nos termos acima preconizados e considerando as licitações efectuadas.”
31. O activo da herança subsistente na relação de bens dos autos ascende a €246.449,61 – correspondendo por isso, (segundo as erradas divisão da herança e quantificação dos quinhões que decorrem do despacho sobre a forma da partilha), €24.644,96 a cada um dos interessados – sendo que os bens em que os interessados aqui recorrentes licitaram são no valor de apenas €9.591,88 – Verbas indicadas no mapa de partilha como Verbas nºs 3 a 11 - na proporção de metade, €4.795,94, para cada um.
32. Como tal, sendo €4.795,94 bem menos do que €24.644,96 (valor esse que aliás é bem inferior ao da quota que efectivamente lhes cabe na herança, como se viu) – resulta óbvio que o valor dos bens licitados pelos ora recorrentes deve entrar por inteiro no preenchimento das suas quotas, não ultrapassando o dos respectivos quinhões,
33. pelo que os mesmos recorrentes não são obviamente devedores de tornas a ninguém, que não têm assim de “repor” a qualquer dos interessados, não se verificando a previsão legal do art.º 1376º, nº 1, do C.P.C. aplicável.
34. Muito menos se concebe que cada um dos recorrentes, se fosse o caso, houvesse de “repor” tornas a diferentes interessados, e não a todos por igual - como se o “mapa informativo” a que alude o art. 1376º do C.P.C. aplicável fosse uma questão de fantasia arbitrária do seu autor, geradora de “créditos pessoais” de livre alvedrio desse, mas com repercussões imediatas na tramitação subsequente dos autos!
35. Na verdade, o mapa de partilha homologado pela sentença recorrida (e o mapa informativo anterior) “faz” o interessado C… devedor / repositor de “tornas” apenas às interessadas O…, Z…, S…, T… e U… - e, sabe-se lá porquê, atribui-se ali ao outro interessado, E…, a posição de devedor de “tornas” às interessadas F…, G…, H… e I….
36. Como está bom de ver, e decorre da lei aplicável, haveria o mapa da partilha de reflectir os acertos devidos, quanto à divisão das demais verbas por todos os interessados, em função do facto de o preenchimento dos quinhões dos recorrentes ser parcialmente efectuado com os bens das Verbas nºs 3 a 11 a esses atribuídos, pelos valores e em função das licitações efectuadas.
37. Na verdade, como os recorrentes sustentaram ao dar forma à partilha e na reclamação contra o mapa, e todo o processado anterior evidencia, quem deve pagar tornas aos interessados aqui recorrentes C… e E… – e a todos os demais herdeiros - são as interessadas F…, G…, H…, e I…, que há quase vinte anos mantêm na sua posse os valores em dinheiro que integram a verba nº 2 A – Esc. 43.000.000$00 / €214.483,10, valores que levantaram de contas bancárias da herança em 15.12.1997, e que a esta pertencem.
38. Tal resulta, insofismavelmente, da decisão judicial do Tribunal aqui recorrido, proferida nestes autos em 21.10.2005, e transitada em julgado após confirmação pela Relação do Porto de pelo Supremo Tribunal de Justiça.
39. Como tal, após e mediante rectificação do despacho determinativo da forma da partilha, e suprimento da omissão de pronúncia de que o mesmo enferma, (e com anulação do fantasioso mapa da partilha que a sentença aqui recorrida entendeu homologar), deverão aquelas interessadas ser chamadas a repor de tornas aos interessados ora requerentes as quantias em dinheiro que pertencem à herança e que permanecem na sua posse, pelo necessário ao preenchimento dos quinhões dos demais interessados
40. Reposição/pagamento que os recorrentes aliás reclamaram e requereram oportunamente, em tributo à anterior tramitação dos autos, ao abrigo do disposto no art. 1377º, nº 1 e art. 1378º do C.P.C. aplicável.
41. Assim, aos recorrentes caberia sempre – mesmo seguindo o despacho determinativo da forma da partilha que foi proferido pelo Tribunal “a quo” - avultado valor de tornas a receber das referidas interessadas F…, G…, H…, e I…, que detêm na sua posse, desde 15.12.1997, os €216.583,25 da Verba nº 2 da relação de bens da herança.
42. A tais valores acrescendo ainda a parte que lhes cabe nos juros vencidos sobre a referida quantia de €216.583,25 que as referidas interessadas mantêm indevidamente na sua posse e que pertencem à herança, desde 15.12.1997, até à data do efectivo depósito – juros que já ascendiam, à data da reclamação de tornas exercitada no processo pelos recorrentes, a €209.288,49, calculados esses às taxas legais supletivas sucessivamente vigorantes.
43. Como decorre do processado anterior, os recorrentes reclamaram formalmente do mapa de partilha elaborado com os dislates que vêm de expor-se – mas a decisão que incidiu sobre tal reclamação enferma da ostensiva omissão de pronúncia que informou as “decisões” anteriores.
44. Sobre essa reclamação referiu simplesmente o Tribunal “a quo” nada ter a acrescentar a uma decisão interlocutória anterior, de 28.09.2017, proferida mesmo antes de formalmente elaborado e colocado em reclamação o mapa da partilha – decisão essa que, nada referindo ou fundamentando sobre o que os requerentes sucessivamente trouxeram aos autos, antecipava já que “”O mapa de partilha elaborado nos autos obedece estritamente ao despacho determinativo da partilha, em rigoroso cumprimento das determinações e disposições aí consignadas. Na verdade, os interessados reclamantes não concordam é com o teor do despacho determinativo da partilha, mas quanto a este terão que recorrer, após ser proferida a sentença final homologatória da partilha. Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada, mantendo-se integralmente o mapa de partilha elaborado.
Notifique e decorrido o prazo legal de 10 dias, conclua.”
45. Por todo o exposto, e na procedência deste recurso, deve ser revogado o despacho determinativo da forma da partilha, proferido nestes autos em 16.11.2016, anulando-se também, necessária e consequentemente, todas as decisões subsequentes, nomeadamente o mapa de partilha elaborado em tributo àquele despacho sobre a forma de partilha, e a sentença que o homologou,
46. Sendo patente que todo esse processado, em função dessa decisão de 16.11.2016 cuja rectificação se pede, deu corpo a flagrante violação, para além do mais, do disposto nos arts. 2026º, 2027º, 2032º, 2039º, 2040º, 2042º, 2044º, 2045, 2145º, e 2146º, todos do Código Civil,
47. E fez tábua rasa do disposto nos arts. 1373º, nº 2, 1374º, al. a), e 1375º a 1382º, todos do Código de Processo Civil aplicável,
48. Devendo, em seu lugar, proferir-se douto Acordão que, com cabal e devido cumprimento do disposto no art. 1373º, nº 2, do C.P.C. aplicável, determine e dê forma à partilha – em consonância com a lei aplicável e com o requerido, a esse propósito, pelos ora recorrentes, nos termos do seu requerimento sobre essa matéria, de 17.10.2016, conhecendo de todas as questões nesse suscitadas, e ordenando a conformação do processado em função de tal decisão.

Foram apresentadas contra-alegações pela interessada F… e outras interessadas, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.
II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
1. Saber se a partilha dos autos se faz tendo em consideração as estirpes correspondentes aos irmãos germanos do autor da herança ou através da repartição igualitária dos bens “por cabeça” aos interessados na mesma herança.
2. Saber se o despacho sobre a forma da partilha padece de omissão de pronúncia relativamente à questão do crédito da herança (juros) sobre as interessadas que detêm o capital.
3. Saber se os recorrentes não são devedores de tornas.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes à resolução do presente recurso decorrem do antecedente relatório e do mais que se dirá aquando da análise das questões que a seguir abordaremos.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Saber se a partilha dos autos se faz tendo em consideração as estirpes correspondentes aos irmãos germanos do autor da herança ou através da repartição igualitária dos bens “por cabeça” aos interessados na mesma herança.
Ora bem, a sentença homologatória da partilha teve por base o despacho determinativo da forma à partilha de 16/11/2016, tal como consta de fls. 843/844, em que se determinou a repartição igualitária dos bens “por cabeça” aos interessados na mesma herança, considerando as licitações efectuadas.
Por seu turno, os recorrentes, o cabeça de casal/interessado e o seu irmão, o interessado E… entendem que a partilha se faz tendo em consideração as estirpes correspondentes aos irmãos germanos do autor da herança.
Vejamos a quem assiste razão.
O autor da herança B…, faleceu em 14/12/97, no estado de viúvo, sem ascendentes ou descendentes directos.
O autor da herança deixou testamento já há muito cumprido.
O acervo hereditário a partilhar subsume-se aos bens constantes da relação de bens tal como constam da conferência de interessados realizada em 06/10/2016 (cfr. fls. 833 e segs.).
O inventariado/autor da herança tinha três irmãos germanos, J…, K… e L…, os quais faleceram antes do inventariado.
Por isso, são interessados directos na herança, os dez sobrinhos do inventariado, filhos dos seus três irmãos germanos, que passamos a descrever:
1. Filhos de J…:
E… e,
2. C…
3. Filhos de K…:
O…
Q…, falecido na pendência destes autos, a quem sucede, por representação, sua filha, já habilitada, S…
F… e,
U…
4. Filhos de L…:
F…
G…
H… e,
I….
A herança do inventariado terá de ser partilhada por estes dez interessados, na proporção dos quinhões que ao mesmos couberem.
Os bens a partilhar são dinheiro correspondente ao valor dos saldos bancários levados à relação de bens (verbas nºs 1 e 2, no valor de €8.802,13); a verba nº 2/A, no valor de €216.583,25 e a verba nº 2/B no valor de €11.472,35 e ainda os móveis (moedas e medalhas) que integram essa mesma relação, expurgadas que foram as verbas 12, 13 e 14 (vide relatório supra).
Houve licitações relativamente às moedas e medalhas descritas nas verbas 3 a 11, pelos interessados C… e E…, bens que a estes ficaram atribuídos e a serem adjudicados na partilha, no valor de 9.591,88, na proporção de metade para cada um.
Assim o total do acervo (conhecido) a partilhar é de €246.449,61.
No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as regras ínsitas nos artºs 1374º e segs. do CPC aplicável.
E, de acordo com o artº 2145º do CCivil aplicável “Na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes, são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente os descendentes destes”.
É o caso.
De facto, nos termos do artº 2039º do CCivil aplicável, os descendentes dos irmãos sucedem a título de direito de representação.
Por conseguinte, de acordo com o artº 2044º do mesmo CCivil “Havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respectivo” (nº 1) e “Do mesmo modo, se procederá para o efeito da subdivisão, quando a estirpe compreenda vários ramos” (nº 2).
Deste modo, chegamos à conclusão que, dado não existirem irmãos do inventariado para serem chamados à sucessão, são os seus sobrinhos que em representação de seus pais lhes sucedem.
Por isso, havendo, como há, representação, a partilha dos bens ter-se-á de fazer por estirpe, como determina o artº 2044º do CCivil aplicável, assistindo, assim, razão aos recorrentes.
De facto, há igualdade de grau sucessório (são todos sobrinhos) mas existe desigualdade do número de membros dentro de cada estirpe.
Sendo três os irmãos germanos, são três estirpes, cabendo a cada estirpe, 1/3 do acervo hereditário.
E, consequentemente, a cada um dos filhos de J…, os ora recorrentes, caberá 1/6, sendo o seu quinhão composto atendendo para além do mais, ao valor da licitação que efectuaram e que lhes foi atribuída no valor de metade para cada um.
À estirpe formada pelos quatro filhos de K…, sendo que relativamente a um deles, ao Q…, dado ter falecido no decurso destes autos, suceder-lhe-á sua filha S…, já habilitada, caberá 1/12 a cada um deles.
O mesmo se passa relativamente à estirpe formada pelas quatro filhas de L…, cabendo a cada uma delas 1/12.
Se não existisse direito de representação como parecem querer entender a sentença recorrida e as apeladas e a partilha se fizesse por cabeça, a herança dividir-se-ia em partes iguais pelos dez sobrinhos (1/10) solução bem diferente daquela que defendemos e que está de acordo com a lei e a doutrina.
Conclui-se, assim, que atento o direito de representação existente, a divisão entre os dez sobrinhos do inventariado, não se faz por cabeça, como foi homologado por sentença, mas sim por estirpe, sendo tantas as quotas, quantas as estirpes, ou seja, neste caso, três, ocupando os sobrinhos a posição dos respectivos pais na posição sucessória. Depois cada uma das quotas, ou seja, 1/3 é que se divide por tantos quantos os filhos de cada irmão do inventariado, tal como supra mencionámos (neste sentido, vide Nuno Espinosa Gomes da Silva in Direito das Sucessões, Ed. da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1978, pag. 247 e seg e F. M. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Licões ao curso de 1973-1974, Coimbra 1974, pag. 132 e segs).
Procedem, pois, as conclusões da apelação atinentes a este segmento recursivo.
2. Saber se o despacho sobre a forma da partilha padece de omissão de pronúncia relativamente à questão do crédito da herança (juros) sobre as interessadas que detêm o capital.
Sustentam os recorrentes que o despacho sobre a forma à partilha enferma de omissão de pronúncia relativamente à questão do crédito de juros de montantes em dinheiro que estarão na posse das interessadas F…, G…, H… e I….
Trata-se dos saldos das contas bancárias elencadas a fls. 288 a 295, constantes da relação de bens.
Nas contra-alegações, as recorridas sustentam que os montantes que se encontram na sua posse são apenas os que constam da relação de bens, sem adição de quaisquer juros moratórios ou “frutos percebidos pelas interessadas”.
No entanto, o despacho sobre a forma à partilha nada refere sobre eventuais juros a integrar o crédito da herança relativamente a tais saldos de contas bancárias.
Mas tal questão, a nosso ver, tem relevância.
De acordo com o artº 668º nº 1 al. d) do CPC aplicável, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Parece-nos ser o caso, por isso, a sentença é nula.
No entanto, de acordo com o artº 715º nº 1 do CPC aplicável (CPC/61) este tribunal de recurso não pode deixar de conhecer de tal questão.
Assim, entendemos que há que apurar se tal dinheiro esteve depositado e a render juros (os autos não nos fornecem elementos sobre tal).
Se tal dinheiro esteve depositado e a render juros, quer-nos parecer que tais frutos civis pertencem à herança, tal como o capital que os gerou.
Se tal capital não tiver propiciado qualquer rendimento, apenas serão devidos juros a partir do momento em que se defina a obrigação de restituir à herança esse capital, já que, a partir de então cessou a boa-fé das detentores do capital, havendo lugar à restituição dos frutos, nos termos do disposto no artigo 1271º do CCivil aplicável.
Procedem, igualmente, as conclusões da apelação atinentes a este segmento recursivo.
3. Saber se os recorrentes não são devedores de tornas.
Atendendo a que a sentença de homologação de partilha irá ser revogada e consequentemente determinado que se proceda a novo despacho determinativo da forma à partilha, nos termos supra referenciados, a questão supra enunciada mostra-se prejudicada.
V – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente e, em consequência revogar a sentença homologatória de partilha, devendo ser proferida outra que seja precedida de despacho determinativo da forma à partilha tal como descrito na 1ª questão, sem olvidar que previamente se deve apurar o que se referiu na análise da 2ª questão.
Custas em ambas as instâncias pelas apeladas.
(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 05/11/2018
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho