Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4214/15.0T9MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
INSUFICIÊNCIA DA ACUSAÇÃO
CRIME DE DENÚNCIA CALUNIOSA
FALSIDADE OBJECTIVA
Nº do Documento: RP201801244214/15.0T9MAI.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 3/2018, FLS 82-102)
Área Temática: .
Sumário: I – A acusação é manifestamente infundada quando de forma clara e evidente é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídica.
II – A insuficiência na acusação da narração de factos não pode ser colmatada ou substituída pela imputação genérica dos factos relativos aos elementos subjectivos do crime, pois estes pressupõem, naturalmente, a prova prévia dos factos que preenchem os elementos objectivos do crime.
III – São elementos do crime de denúncia caluniosa:
1 – Elementos objectivos: denunciar ou lançar suspeita da prática de crime (ou falta disciplinar) sobre pessoa determinada; denúncia perante autoridade ou publicamente; falsidade da denúncia ou suspeita;
2 – Elementos subjectivos: ter o agente consciência da falsidade da imputação veiculada na denúncia; intenção de ver instaurado procedimento (disciplinar) contra a pessoa visada na denúncia.
IV – A denuncia ou suspeita tem de ser, no seu conteúdo essencial, falsa, no sentido de que, comprovadamente, a pessoa denunciada não cometeu o facto (crime, contra-ordenação ou ilícito disciplinar) por que o agente pretende vê-la perseguida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4214/15.0T9MAI.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal da Instância Local da Maia – Juiz 2 da Comarca do Porto, com o nº 4214/15.0T9MAI, foi submetido a julgamento o arguido B..., tendo a final sido proferida sentença, depositada em 15.11.2016, que condenou o arguido, pela prática de um crime de denúncia caluniosa p. e p. no artº 365º nº 2 do Cód. Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros).
Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Estão em causa neste recurso as decisões que precedem a sentença: “... julga-se improcedente a nulidade da acusação” e “... prosseguindo os autos os seus termos para julgamento quanto ao crime de denúncia caluniosa também imputado ao arguido” e da sentença final, a seguinte: “Por todo o exposto, decide-se julgar a acusação pública procedente, por provada, e em consequência, condenar o arguido B..., pela prática de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artigo 365º nº 2 do C.Penal, numa pena de 90 (noventa) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia de € 900,00 (novecentos euros)” bem como “Condenar o arguido nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC”.
2. O assunto referente à mesma carta dos presentes autos, encontra-se definitivamente julgado nos autos com o nº 952/14.3TAMAI da Secção Criminal – Ji, Instância Local da Maia – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
3. A acusação é nula por violação do preceituado na alínea b) do nº 3 do artº 283º do CPP e, obviamente, das garantias de defesa a que se refere o artº 32º da Constituição da República Portuguesa e demais instrumentos legais internacionais, sobre a matéria, a que Portugal está vinculado, mormente por violação dos princípios constitucionais da justiça, da legalidade, da tipicidade, do contraditório, da igualdade das partes em processo penal, da independência do julgador face ao Ministério Público e da imparcialidade do Juiz, em que a igualdade de armas do Ministério Público e do arguido perante o Juiz é absolutamente essencial à defesa deste e à efetividade do direito a um processo justo, nulidade que deve ser declarada para todos os efeitos legais (cf. II supra, para cujos termos remete, dando-os aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
4. É nula a sentença em conformidade com o n.º 1 do art.º 205.º da CRP e nos termos das das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, por violação do preceituado no n.º 2 do art.º 374.º do CPP, sob a epígrafe requisitos da sentença, porque, nas sentenças penais, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição (motivação) tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, nos termos do supra alegado em IV da fundamentação deste recurso, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais, aliás, há contradição entre alguns dos factos dados como provados, a motivação da própria sentença e os elementos objetivos invocados pelo tribunal e constantes dos autos como é evidente, declaração de nulidade que pretende e aqui requer para todos os efeitos legais (cf. II, III e IV supra).
5. Sem prescindir, dos autos não se retiram indícios suficientes da prática do crime de denúncia caluniosa pelo que o mesmo deve ser declarado nos termos e para os efeitos a que se refere o nº III supra, para aqui convocado e dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Foi incorretamente julgada a matéria de facto a que se refere o V e VI supra – em confronto com os anteriores II, III e IV e com os seguintes VII, VIII, IX, X, XI e XII, todos aqui dados por integramente reproduzidos para todos os efeitos legais, com violação do preceituado 127.º do CPP, designadamente, por contrariar evidências constantes da prova documental dos autos, não fazer a justa ponderação entre os direitos da recorrente em matéria do direito de petição e por falta de apreciação ponderada e crítica da prova produzida segundo as regras da experiência (cf. II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII supra).
7. A formação da convicção do julgador enferma de vícios que afrontam os princípios gerais previstos no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no n.º 1 do art.º 2.º, n.º 1 do art.º 32.º, n.º 1 do art.º 52.º, n.º 1 do art.º 202.º, n.º 1 do art.º 205.º e n.ºs 1 e 4 do art.º 268.º, todos da CRP, nos artigos 2.º e n.º 1 do artigo 9.º e artigos 85.º, 118.º, 124.º, 125.º, 127.º, 138.º, 140.º, 283, alíneas a) e g), 323.º, alínea f), 340.º, 346.º, 362.º, 363.º, 364.º e n.º 2 do art.º 374.º, todos do Código de Processo Penal, consubstanciando uma desaplicação, ainda que implícita ou, pelo menos, uma desconsideração, dos princípios gerais supra alegados e do invocado procedimento previsto na Circular n.º 12/2008, datada de 7 de abril, da 3.ª Repartição do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, e dos artigos 3.º a 13.º do Código de Procedimento Administrativo bem como das disposições do Código da Estrada atinentes à sinalização, às obras na via pública, aos acidentes de viação e à atuação dos agentes da autoridade em tais circunstâncias (cf. II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII supra para onde se remete, dando para o efeito o seu conteúdo por integralmente reproduzido nestas conclusões).
8. Em conformidade, pela douta sentença foram violadas, ignoradas, desaplicadas ou erradamente interpretadas ou erradamente aplicadas ao caso concreto, as seguintes normas: art.º 2.º, n.º 1 do 32.º, art.º 52.º, n.º 2 do art.º 202.º, n.º 1 do art.º 205.º e n.ºs 1 e 4 do art.º 268.º, todos CRP, n.º 1 do art.º 6.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, artigos 3.º a 13.º do CPA, Procedimento previsto na Circular n.º 12/2008, datada de 7 de abril, da 3.ª Repartição do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, alterado pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, art.º 365º, nº 2, do Código Penal, artigos 180º, nº 1 e 184º, com referência à alínea I), do artigo 132.º, do mesmo diploma legal e artigos 2.º, 9.º, n.º 1, 85.º, 118.º, 124.º, 125.º, 127.º, 138.º, 140.º, 170.º, 283, 1líneas a) e g), 323.º, alínea f), 340.º, 363.º, 364.º, 374.º, n.º 2, todos do CPP, conforme supra alegado (cf. II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII supra para onde se remete dando, para o efeito, o seu conteúdo por integralmente reproduzido nestas conclusões).
9. A interpretação e aplicação de cada norma jurídica, das constantes da douta sentença e das aqui invocadas devia atender a toda a matéria efetivamente provada, à análise e ponderação crítica de toda a prova segundo as regras e os princípios legalmente aplicáveis, designadamente da matéria invocada e vertida na contestação do arguido, com base nos princípios supra invocados da justiça, da equidade das partes perante o tribunal, do interesse público, do direito de petição dos cidadãos e dos direitos e deveres dos membros das forças policiais no exercício das suas funções, e das normas que devem sindicar o cumprimento das suas obrigações legais e regulamentares, conforme supra alegado (cf. II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII supra para onde se remete dando, para o efeito, o seu conteúdo por integralmente reproduzido nestas conclusões).
10. Com efeito, foram incorretamente julgados os concretos pontos de facto que, nas coincidências e descoincidências – que não foram atendidas, consideradas ou valoradas pelo julgador - entre as declarações e os depoimentos, por um lado, interessados e, por outro lado, desinteressados, dos intervenientes processuais, diretos ou indiretos, apoiados na prova documental dos autos, e que resultam da audição da documentação áudio, das declarações e dos depoimentos transcritos supra aqui dados por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, designadamente quanto à credibilidade atribuída às declarações do arguido e ao depoimento de C..., confrontados, critica e ponderadamente, com a prova (e com a supra referida ausência de prova) documental nos autos e com as declarações do assistente e aos depoimento das outras supra referidas testemunhas, através de um exame crítico da prova, que confronte as provas supra referidas com a falta de dados manifestamente provados, mas erradamente levados aos factos não provados, a ausência de prova documental necessária aos factos provados, bem como com as contradições da motivação da própria sentença com os factos dados como provados, nos termos supra referidos em II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII para onde remete dando, para o efeito, o seu conteúdo por integralmente reproduzido nestas conclusões.
11. Mas, se assim não fosse, como se alega em VII supra não se verificou o preenchimento dos elementos do tipo legal do crime imputado, pela acusação, ao ora recorrente, i.e., não se verificou o preenchimento do crime de denúncia caluniosa contra o arguido, pelo qual foi condenado, pelo que o arguido devia ter sido absolvida da totalidade da acusação pública, pelo menos, sob o princípio do in dubeo pro reo, o que ora pretende e, aqui, requer para todos os efeitos legais (cf. VII supra).
12. Ou, assim não sendo entendido, deviam ser renovadas as provas supra indicadas, assegurando-se o contraditório perante o tribunal a quo e requerida a informação completa dos processos da companhia de seguros identificada nos autos, para ulterior exame crítico da prova, de acordo com as normas e princípios supra invocados.
13. Em suma, foram ignoradas, violadas ou foram incorretamente interpretadas e aplicadas as normas jurídicas supra invocadas, designadamente dos artigos 13.º, os art.ºs 17.º e 18.º, o n.º 5 do art.º 20.º, o n.º 1 do art.º 32.º e o n.º 2 do art.º 202.º, todos da CRP, e n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, em geral, os princípios constitucionais da igualdade dos cidadãos perante lei – mormente da lei processual penal –, do contraditório, da garantia de tutela judicial efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da legalidade, da presunção de inocência e correspetiva proibição da indefesa, da justiça, da legalidade, da tipicidade, do contraditório, da igualdade das partes em processo penal, da independência do julgador face ao Ministério Público e da imparcialidade do Juiz, em que a igualdade de armas entre o Mº Pº e do arguido perante o Juiz é absolutamente essencial à defesa deste e à efetividade do direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, ínsitos na lei fundamental, designadamente, por incumprimentos dos deveres do juiz na boa administração da justiça como incumbência constitucional inalienável dos tribunais, e artigos 10.º, n.º 2, 13.º, 14.º, 15.º, 47.º, 365º, nº 2, do Código Penal.
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Na 1ª instância o Ministério Público e o assistente responderam às motivações de recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em sentido concordante com a resposta do Mº Público em 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio o arguido responder, reiterando os fundamentos do recurso.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O despacho interlocutório sob recurso é do seguinte teor: transcrição
«...
Da nulidade da acusação:
Na contestação que apresentou, o arguido invoca a nulidade da acusação, alegando em suma que a mesma não extrai as expressões que, em concreto, diz serem ofensivas para a honra e a consideração do assistente, deixando o arguido sem possibilidade de se defender, já que o seu conteúdo é globalmente positivo e qualquer parte é incindível das circunstâncias narradas, não se podendo concluir pela imputação de falsidade ao seu texto, elemento necessário para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa, pois exige-se o agente denuncie factos que saiba serem falsos, com intenção de fazer desencadear procedimento, seja criminal, contraordenacional ou disciplinar contra o denunciado, o que pressupõe, desde logo, a falsidade objetiva do que foi denunciado e a intenção dolosa de procedimento.
Assim, segundo alega, a acusação não identifica em concreto os factos que, efetivamente, foram falsamente denunciados nem retira qualquer expressão da carta que constitua um facto denunciado que o arguido soubesse ou pudesse saber que era falso.
Cumpre decidir:
Dispõe o art.º 283.º, n.º 3, al. b) do C. P. Penal, que "a acusação contém, sob pena de nulidade (...) a narração ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada".
Importa desde logo referir que face à prescrição declarada por despacho proferido nos autos do procedimento pelo crime de difamação agravada, nos autos apenas está em causa os factos atinentes ao crime de denúncia caluniosa.
Ora, analisada a acusação proferida pelo Ministério Público, na parte em que imputa ao arguido a prática de um crime de denúncia caluniosa e analisado o respetivo tipo legal previsto no art.º 365.º, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, verifica-se que a resultarem provados os factos imputados ao arguido os mesmos integram a prática do crime em questão e, como tal, fundamentam a aplicação de uma pena.
De facto, consta da acusação que no dia 07 de Maio de 2009, o assistente D..., soldado da Guarda Nacional Republicana, no exercício das suas funções e devidamente fardado, deslocou-se à Rua ..., na Maia e ali elaborou a participação n.º 211/09 referente a um acidente de viação onde foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-XT conduzido pela arguida C... e uma máquina retroescavadora pertencente à empresa "E..., S.A." e que no dia 7 de Fevereiro de 2014, a referida C... remeteu à Inspeção Geral da Administração Interna, ao cuidado da Inspetora-Geral, Juíza Desembargadora Dr.ª F..., uma carta por si elaborada em conjugação de esforços e intentos com o arguido B..., que foi quem redigiu o texto e que foi recebida pela aludida entidade, nela ainda se fazendo constar que foi dado conhecimento da mesma ao Provedor de Justiça, cujo teor se transcreve na íntegra.
Mais consta da acusação que ao afirmar na carta os factos supra descritos relativamente ao aqui assistente, o ora arguido sabia que os mesmos não correspondiam à verdade e que bem sabia o arguido que os factos relatados na participação de acidente de viação elaborada pelo ofendido e o depoimento por aquele prestado no âmbito do processo 1735/09.8TAMAI, que correu termos neste Tribunal e que vieram a ser dados como provados, eram verdadeiros e nada se podia apontar ao comportamento profissional do assistente D..., que exercia funções de soldado da Guarda Nacional Republicana e que, no dia 07 de Maio de 2009, elaborou a dita participação de acidente de viação e nela fez constar tudo o que evidenciou quando se deslocou ao local.
Na acusação consta ainda que sabia o arguido que o aqui assistente não presenciou o acidente de viação no qual interveio, tendo apenas elaborado a participação de acidente de viação com base nas declarações recolhidas, no local, dos intervenientes que identificou naquela data, no caso C... e de G..., que na mesma data lhe afirmou que fora o mesmo quem colocou naquele local a máquina, aliás tal como ficou expressamente a constar na participação n.º .../09 e o assistente, aquando da audiência de julgamento ocorrida no âmbito do processo nº 1735/09.8TAMAI, reconheceu que errou quando escreveu na aludida participação de acidente de viação que a máquina retroescavadora estava "estacionada" quando deveria ter mencionado que estava "imobilizada". A suspeita levantada pelo arguido, nomeadamente quando alega que o militar não foi imparcial e visou beneficiar terceiros, como o mesmo bem sabe, não tem qualquer fundamento, sendo que o militar não violou de forma alguma os deveres funcionais a que estava adstrito quando foi chamado ao local no dia 07 de Maio de 2009 e elaborou a participação de acidente de viação. A carta em causa, deu origem ao Processo Administrativo n.º .../2014 da Inspeção Geral da Administração Interna, o qual veio a ser arquivado.
Por fim, consta também da acusação que ao permitir o respetivo envio da carta acima referida à Inspeção Geral da Administração Interna, agiu o arguido, em conjugação de esforços e vontades com C... e visava o propósito de vir a ser instaurado procedimento disciplinar por violação dos seus deveres funcionais e profissionais, contra o soldado da GNR, D... e mesmo contra o Posto da GNR da Maia e que o arguido agiu livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Assim, conforme referimos, tal factualidade, que se encontra descrita na acusação, preenche os elementos típicos - objetivos e subjetivo - do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, n.º 2 do C. Penal e, a resultarem provados tais factos, fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.
Acresce que o facto de a carta ter sido transcrita na íntegra permitiu ao arguido defender-se, como o fez na sua contestação.
Como tal, não se verifica a nulidade invocada pelo arguido na sua contestação.
Pelo exposto, julga-se improcedente a nulidade da acusação invocada pelo arguido na sua contestação».
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A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos:transcrição
1 - O arguido casou com C... em 23.02.2002, sendo que se divorciaram em 08.07.2011;
2 - No dia 07 de Maio de 2009, o assistente D..., soldado da Guarda Nacional Republicana, no exercício das suas funções e devidamente fardado, deslocou-se à Rua ..., Maia e ali elaborou a participação n.º .../09 referente a um acidente de viação onde foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-XT, conduzido por C... e uma máquina retroescavadora pertencente à empresa "E..., S.A.";
3 - Em 17 de Maio de 2009, C..., discordando do teor da participação elaborada pelo assistente D..., apresentou no Posto da GNR da Maia uma reclamação no livro de reclamações por si escrita e assinada, referente à participação do acidente de viação acima aludida;
4 - No dia 11.07.2009, C... remete ao Ministério da Administração Interna, Guarda Nacional Republicana, ao cuidado do Digníssimo Comandante Geral, uma carta por si elaborada e assinada, onde a mesma se insurge quanto à atuação do aludido militar;
5 - Por força das afirmações proferidas pela referida C... na aludida missiva, foi instaurado nestes serviços do M.P. da Maia o inquérito n.º 1735/09.8TAMAI, onde foi formulada acusação pública contra aquela, imputando-lhe um crime de difamação agravada, p. p. nos termos dos artigos 180.º e 184.º do C. Penal, sendo que, por sentença proferida em 28.06.2011, transitada em julgado em 27.02.2012, foi a mesma condenada na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 10 euros, pela prática do crime de difamação agravada, tendo a pena de multa sido declarada extinta, por pagamento, em 15.06.2012;
6 - O arguido B... teve conhecimento de toda a supra descrita factualidade, nomeadamente quanto ao acidente de viação, bem como a missiva redigida por C... e do processo crime instaurado contra aquela;
7 - Aquando do acidente de viação em que foi interveniente C..., o arguido era casado com a mesma, tendo estado presente e teve conhecimento de todos os factos atinentes à elaboração da participação de acidente de viação;
8 - No dia 07 de Fevereiro de 2014, C... remeteu à Inspeção Geral da Administração Interna, ao cuidado da Inspetora-Geral, Juíza Desembargadora Dr.ª F..., uma carta por si elaborada em conjugação de esforços e intentos com o arguido B..., que foi quem redigiu o texto e que foi recebida pela aludida entidade, nela ainda se fazendo constar que foi dado conhecimento da mesma ao Provedor de Justiça onde se diz: "A minha determinação para que fosse feita justiça sobre o procedimento desconforme de um Militar da GNR, do Posto Territorial da Maia na elaboração de uma Participação de Acidentes de Viação, na sequência de um acidente de viação, em sete de Maio de 2009, levou-me a comunicar o mesmo aos Comandos da GNR (Comandantes Geral e Operacional). Surpreendentemente, apesar de nunca ter sido escutada nem me ter sido solicitado qualquer depoimento, foi-me movido pelo militar uma queixa por difamação. Numa clara prova de que o que escrevi estava completamente enquadrado com a verdade, no julgamento que decorreu no Tribunal da Maia, o Militar, as suas testemunhas e os factos por mim relatados e pelas testemunhas por apresentadas vieram a provar que em toda a intervenção da Patrulha da GNR foram praticadas todas as desconformidades e ilícitos por mim relatados.
Depois de receber o Acórdão do Tribunal de Paredes, sobre um processo judicial (do qual fui ilibada de todas as acusações) em que um colega médico me acusava de o ter difamado em vários órgãos de comunicação, aos quais descrevi o meu desagrado relativo às suas práticas desviantes da ética, da humanidade e da Lei, constatei que na página 10 parágrafo 45 do referido Acórdão há uma referência ao meu Registo Criminal, em que está inscrito "e foi anteriormente condenada pela prática de um crime de difamação agravada...". Perante o facto percebi que tal condenação tem por base um procedimento judicial que decorreu no Tribunal da Maia, o qual me foi movido por um militar da GNR, sobre quem eu escrevi ao comando da GNR.
Tal como faço diariamente na minha atividade como médica, quando comunico ilícitos e desconformidades da prática de médicos, também no caso em que comuniquei ao Comando da GNR a atuação do Militar, Cabo, D..., tal procedimento visou lançar um alerta para a necessidade de o assunto ser tratado para impedir os desvios às boas práticas e para que os infractores e os incumpridores da Lei não fiquem impunes.
Mais não faço do que uma Manifestação de Civismo, com total respeito pela verdade e pelas pessoas a quem me refiro.
Fico indignada com o facto de eu ter sido condenada em Tribunal (da Maia), no que eu pensava ser apenas uma sanção com uma multa???!, por afirmações e preocupantes alertas que dirigi ao Comando da GNR, perante as práticas descontextualizadas de um Militar do Posto Territorial da Maia, mas afinal a condenação foi muito mais penalizante. Valerá a pena escrever verdade e clamar por justiça?
Importa ressalvar, que por ter consciência da gravidade da desconformidade da atuação do Militar, Cabo, D..., ao mesmo tempo que esperei ser contactada pelo Comando da GNR para detalhar os factos e para que os "erros" que constatei não práticas correntes, tudo fiz para não comunicar ao Ministério Público os factos gravosos da atuação o Militar em questão; ainda não tive a oportunidade de o transmitir à instituição, dado que também a imagem da instituição sai muito afetada com os referidos factos. Neste sentido, e perante as comunicações de irregularidades e ilícitos que fiz, apelo a essa Inspeção Geral da Administração Interna - IGAI - para que seja realizada uma investigação às práticas do militar e à atuação do Comando Geral da GNR em todo o processo em que clamei por justiça.
Estou a viver um momento surreal. Depois de telefonar diretamente para a GNR a solicitar a comparência de uma patrulha num acidente que ocorreu em frente da minha habitação, para que fosse cumprida a Lei e sancionados os infractores que praticaram desconformidades e para que o procedimento não se repita e para que os cidadãos possam confiar na qualidade, competência e rigor o trabalho de todos e quaisquer militares da GNR, que são destacados para um acidente, solicito a intervenção dessa IGAI.
Como é possível que o Comando da GNR não se tivesse interessado por analisar através do contraditório a gravidade das práticas e inação para que alertavam as minhas afirmações, devidamente enquadradas ao longo do texto, e muitas outras que "reservei" para proferir em sede de inquérito, dado que estou consciente de que o enquadramento das mesmas certamente causariam (e acredito que vão causar) danos severos no quadro disciplinar do Militar, Cabo. D...?
Como se não bastasse uma primeira queixa em Tribunal, ao mesmo tempo que a GNR não se interessou por me ouvir, o Militar, Cabo, D..., que (por agora) ficou impune, permitiu-se ainda colocar-me um processo no Tribunal da Maia, chegando ao ponto de no próximo dia 19 de Fevereiro decorrer uma audiência relativa a um pedido de indemnização de 2500,0 euros.
Não entro na questão da falta de formação de militares da Unidade Territorial para tratarem de problemas específicos da questão de Tráfego, Trânsito e Segurança Rodoviária, que neste caso provavelmente nunca estariam sujeitas a críticas se a patrulha que se deslocou ao local fosse da Unidade de Trânsito, mas o que é facto é logo que percebemos que o Militar, Cabo D... estava um pouco "perdido", a B... teve no local do acidente o cuidado de lhe fazer um reporte detalhado das várias infrações à Lei do Código da Estrada que deveriam ser sancionadas. Aliás o Militar Cabo D... mostrou um incipiente conhecimento, se não mesmo um total desconhecimento/desmotivação, insensibilidade e menorização pelas questões da sinistralidade rodoviária, bem como ignorou as sanções que os temas fraturantes das boas práticas da segurança rodoviária devem ser tratados como um problema de Saúde Pública (tal como define a União Europeia e o Governo de Portugal), tanto mais que um condutor/operador/manobrador foi por mim, e especialmente pela testemunha B..., referenciado como alcoolizado ou sob o efeito de substâncias psicotrópicas, e assim nunca em situação alguma poderia ficar sem ser identificado e levado à justiça.
Na carta que dirigi ao Comando da GNR, alertei para a prática do militar cabo D..., tendo solicitado uma acareação, pois os factos são facilmente comprovados e assim se perceberá se quem falhou o fez por falta de formação, desleixo e/ou por incompetência para a prática da atividade de militar da GNR em ações de tráfego.
Quando foi recolhida a Participação o de Acidentes de Viação verificamos que não só não existia manobrador/operador identificado, como estavam adulterados os factos, pelo que de imediato decidimos inserir no Livro de Reclamações uma primeira comunicação a alertar para a não veracidade dos factos. Não esperei dias ou semanas para relatar a existência de graves ilícitos. Era tão grave o que lia, que exarei logo a reclamação.
Gostaria também de chamar à atenção para o facto de em Tribunal o camarada do Militar Cabo D..., que o acompanhava na patrulha que se deslocou ao local afirmou que ainda tentaram alterar o texto da Participação Acidentes de Viação, mas já não foram a tempo. Esta afirmação é verdadeiramente importante contextualizar, pois na realidade, quando me dirigi ao Posto Territorial da Maia para exarar a reclamação no "Livro Amarelo" foi-me proposta a elaboração de um novo texto na Participação de Acidentes de Viação. Mas eu recusei. Como se percebe pela consistência dos factos e dos relatos, através de uma acareação o Comando da GNR tinha chegado rapidamente à verdade. Será que eu estou a ser vítima por me ter recusado a pactuar com a não sanção dos infractores?
Na realidade foi-me sugerido que aceitasse uma alteração e uma nova redação do texto da Participação de Acidentes de Viação, mas recusei perante a gravidade do relato escrito do Militar, Cabo D..., e tanto mais que o mesmo no local do acidente me tinha dado como garantia que não era necessário chamar uma outra patrulha da GNR, e que o cidadão (operador/manobrador) que eu pedia para ser efetivamente identificado por ser quem operava a máquina e que se me afigurava que se encontrava alcoolizado ou sob efeito de substâncias psicotrópicas (lícitas ou ilícitas), não só não figurava no relato dos factos na Participação, como os procedimentos que estavam escritos desvirtuavam a verdade e poupavam os infractores às respectivas sanções.
Importa ter em conta que a primeira informação/Reclamação relativa à prática do Militar, Cabo D..., foi exarada no Livro de Reclamações, no Posto Territorial da Maia, apenas uma hora (60 minutos) após ter sido recolhida a Participação de Acidentes de Viação, elaborada pelo Militar, Cabo D..., dado que o mesmo não reproduzia fielmente os factos transmitidos: omitia a identificação de um manobrador/operador que estava visivelmente ou embriagado ou sob efeito de substâncias psicotrópicas e referia que fui eu quem embateu com o automóvel numa máquina estacionada.
Não só recusei aceder a qualquer alteração ao texto (depois de receber a Participação Acidentes de Viação, desvirtuada) tal como foi relatado pelo Militar, testemunha (que integrava a patrulha que se deslocou ao local do acidente), como também não me comovi com os argumentos usados de poderem vir a pender sobre o(s) infrator(es) severas sanções, e perante as evidências (de que tinha sido omitidos pessoas e factos) me recusei em condescender ao pedido que me foi feito à porta de casa para retirar a Reclamação apresentada no "Livro Amarelo". É imperioso que se investigue e esclareça a quem interessa a mentira para desacreditar e minimizar as desconformidades por mim comunicadas ao Comando da GNR.
Perante a gravidade dos factos por mim constatados, entendi que o mesmo deveria ser do conhecimento de um alargado conjunto de entidades ligadas à questão da segurança rodoviária e da ordem pública, pelo que inseri na carta o nome de entidades a quem pretendia dar conhecimento do meu descontentamento pela atuação do referido militar.
Como entendi que perante a gravidade da atuação do militar da GNR algo de muito grave poderia ocorrer contra ele, decidi que (numa primeira fase) seria suficiente dar conhecimento dos mesmos apenas ao Comando da GNR, ficando na expectativa de ser ouvida (tal como as minhas testemunhas do acidente) para que a situação fosse sanada. Hoje arrependo-me de não ter dado mais passos e de não ter tomado público este caso de gravíssimo desrespeito à Lei do Código da Estrada e dos meus direitos enquanto cidadã.
Importa recordar que o veículo por mim conduzido dispunha de Seguro Contra Todos os Riscos, pelo que fica evidente que a minha única preocupação era o esclarecimento da verdade sobre a forma como o militar da GNR, Cabo D..., atuou e não sancionou os ilícitos em desconformidade com a lei (tal como por mim e por uma testemunha solicitado. Tendo-se tomado evidente que a partir de determinado momento existia um bom ambiente, sorrisos e gargalhadas do militar da GNR, Cabo D... com pessoas que seriam hipoteticamente chefes de alguma empresa ou empresas ligadas à obra que decorria na via, foi questionado o militar da GNR sobre se tinha identificado objectivamente e corretamente o condutor/manobrador por mim e pelas testemunhas indicado, ao que ele respondeu afirmativamente.
Foi dito objetivamente ao militar da GNR, Cabo D..., que para além da nossa suspeita de que o mesmo operador/manobrador, de nome H..., se encontraria embriagado ou sob efeito de substâncias psicotrópicas quando operava a máquina no momento em que embateu na minha viatura, desconfiávamos que o mesmo não estaria legalmente habilitado para operar o equipamento ou que era um intruso ao quadro legal de pessoal da empresa. Perante a evidência do trabalhador ser o único que não tinha vestuário uniformizado, dissemos ao militar, Cabo D... que também pretendíamos a identificação do mesmo para comunicar à Autoridade para as Condições do Trabalho - ACT, para solicitarmos uma investigação sobre a legalidade da sua atividade.
Apesar de ter garantido no local que a pessoa que identificou era a pessoa por nós referida, de nome H..., depois de verificarmos que o mesmo não foi reportado na Participação Acidentes de Viação, fui ainda surpreendida na audiência do Tribunal da Maia com o facto de o Militar, Cabo, D..., apresentar como testemunha um hipotético manobrador, que se dizia ter sido ele quem colocou a máquina no local (apesar de prontamente ter sido desmentido por mim e pelas testemunhas), dado que em nada correspondia ao indivíduo que diariamente operava a máquina e que lhe foi indicado para que lhe fosse feita identificação e realizado o teste do álcool.
Pode o Militar da GNR, Cabo, D... formular a sua opinião e interpretação, mas nunca jamais se poderá furtar a identificar determinado cidadão, que um outro cidadão solicitou à autoridade para o identificar, tanto mais que sobre ele fez denúncia objectiva de existir forte suspeita de graves ilegalidades.
Muito para além do Militar ter o dever de corresponder às solicitações de um cidadão, que lhe pede para identificar um "criminoso" com vista a um futuro apuramento de responsabilidade e de legalidade, um Militar tem o dever de imparcialidade e não pode contribuir para a não legitimidade da elaboração de um procedimento judicial de um cidadão sobre outro cidadão. Se o cidadão que pedi para ser identificado se sentir ofendido com a minha determinação apenas tem de encontrar forma e fórmula para se defender.
Importa recordar que foi realizado o contacto com a GNR, diretamente para o Posto Territorial da Maia, através de telemóvel ......., tendo sido relatado objetivamente a quem atendeu o telefone, que era solicitada a comparência de uma patrulha na sequência de um embate entre duas viaturas, que envolvia uma máquina de obras. Aquando da chegada ao local da Patrulha, ficou evidente que não havia qualquer dúvida nem qualquer outra chamada telefónica. Estranhamente, apesar de todas as conversas e factos terem provado que se tratava de um acidente por desrespeito da lei do Código da Estrada, depois da carta que dirigi ao Comando da GNR, parece ser estratégia de alguém a fuga para a frente que visa desacreditar e menorizar o meu relato de graves ilícitos e desconformidades e proteger os infractores.
Só o Ministério Público ou uma entidade realmente independente como IGAI pode fazer com que se saiba a verdade e se investigue a mentira e se a mesma é ficcionada para abafar graves ilícitos e desconformidades perante a Lei. Estou consciente de que é muito grave para a imagem da GNR os factos que denunciei, escrevi e relatei, mas como isso constitui um ilícito que permite escamotear o acesso à verdade e deixar impune a prática de graves infracções à Lei e deixar impune os infractores, irei em frente na busca da verdade.
Como se prova, os factos por mim descritos são de elevada gravidade, por isso considero muito estranho que tenham sido ignorados os meus relatos. Como também estranho que um Oficial da GNR, devidamente uniformizado, tenha compareci do na primeira audiência no Tribunal da Maia e se tenha mostrado muito preocupado e empenhado em chegar à fala com os senhores Magistrados Judicial e do Ministério Público. Ê mesmo muito estranho. Quem era o tal oficial? Teve algum papel no "inquérito interno"?
Curiosamente quando vi um Oficial da GNR presente na sala de audiência, revivi o pesadelo com que fui confrontada na área da saúde. Tal como a GNR que não se interessou por me ouvir, também nas instituições da saúde (que tudo fizeram para ignorar, minimizar e ridicularizar as minhas comunicações e denúncias de graves ilícitos de incumprimento dos deveres éticos e profissionais de quem ganhou milhões à custa (do sofrimento infligido intencionalmente às populações) foram os dirigentes que se "mexeram" para que, tudo o que eu viesse a dizer já estivesse desacreditado. O eco dos "movimentos subterrâneos" chegou ao ponto de numa audiência na IGAS - Inspeção Geral dos Assuntos em Saúde - logo após a minha entrada na sala o responsável do inquérito (antes do mesmo começar) já me afirmava perentoriamente que não acreditava em nada do que eu viesse a dizer. Importa referir que anteriormente o "inquiridor" tinha estado a ouvir precisamente a dirigente do ACES (Agrupamento do, Centros de Saúde), aquela que ao mesmo tempo e sistematicamente ignorava as minhas comunicações, por inação e cumplicidade conveniente exibia e beneficiava, perante a hierarquia, com os números desvirtuados de uma atividade falseada. Na saúde, os dirigentes que nada fizeram ao longo de anos para travar as ilegalidades, "mexeram-se" para não se exporem ao risco de serem arrastados pelo turbilhão da verdade, pois sabiam que eu tinha razão e apenas clamava por justiça e verdade. Mas como a mentira e os esquemas têm perna curta, recentemente numa audiência em Tribunal a mesma dirigente a quem eu comuniquei os ilícitos ouviu a digníssima Magistrada Judicial sugerir-lhe que fizesse um esforço para se lembrar de alguns factos e posteriormente foi referida no Acórdão com uma alusão ao facto de ter demonstrado uma perda de memória selectiva em tudo o que dizia respeito ao que lhe comuniquei.
Resta-me a consolação de saber que, a exemplo do que aconteceu no caso do Ministério da Saúde, em que só fiz ouvir a minha voz quando jornalistas honrados e dignos ca Carteira Profissional se interessaram pelo assunto, também neste caso de uma gravidade extrema acredito que os órgãos de comunicação social farão a sua parte.
Nos casos horrendos e desumanos da saúde, que foram ignorados ao longo de anos, depois do programa I..., as estruturas do Ministério da Saúde abriram inquéritos e o Ministério Público está a realizar investigações e aqueles sobre quem eu comunicava ilícitos já começaram a ser devidamente julgados em sede própria. Poderá ser que neste caso aconteça o mesmo e que quem desrespeitou a Lei, quem ignorou os meus alertas e quem tentou desvirtuar a verdade seja sancionado, através de um real inquérito.
Tal como na questão das minhas comunicações em torno dos abusos e desconformidades na Saúde, espero que também nesta questão da minha comunicação sobre um Militar da GNR exista interesse em esclarecer a verdade. Eu não desisto de ver reposta a verdade. Na área da saúde, depois de todos os "inquéritos" terem sido sucessiva e premeditadamente escamoteados da verdade, cozinhados à medida e com vista a que os mesmos fossem "condenados" à nascença ao arquivamento para proteger quem não atuou, foi como muita satisfação e orgulho que tomei conhecimento que por decisão superior foram reabertos todos os processos relacionados com as minhas comunicações. Importa referir que esta mudança de comportamento de quem "investiga" e da teia de cumplicidades e amizades entre quem dirige e quem infringe as regras, só foi possível depois de jornalistas Sérios e Honestos, dignos da Carteira Profissional, terem tomado público o escândalo.
O que aqui está em causa é que um indivíduo, sobre o qual solicitamos à patrulha da GNR, como autoridade, que fosse devidamente identificado (que estava alcoolizado ou "drogado" e muito provavelmente não tinha habilitações para operar a máquina que embateu na minha viatura), não fazia parte dos autos e ficou impune a severas sanções, tal como ficou impune a empresa que o acolhia e também foram ignoradas as graves infrações de diversos responsáveis pela obra que não tinham a mesma devidamente sinalizada e balizado o acesso aos locais onde decorriam os movimentos de terra (o que passou a fazer precisamente só no dia seguinte ao sinistro).
Por percebermos que havia alguma condescendência do Militar, Cabo D..., para identificar e realizar o teste de alcoolemia ao manobrador/operador por nós identificado e indicado como sendo o profissional que operava a máquina no momento do acidente e dado que a determinada altura começamos a verificar que existiam relações de "amizade" ou "simpatia" e muita conversa entre o Militar, Cabo D... e um elemento de uma das empresas, questionamos o militar da GNR se se sentia constrangido para atuar e se considerava necessário que telefonássemos para o Comando da GNR, no quartel ... no Porto ou para a Unidade Territorial de Matosinhos, para solicitar a presença de uma patrulha especializada, visto que estávamos a desconfiar que a "amizade" pudesse levar a que fossem ignorados/esquecidos os perigos e as infrações. Curiosamente confirmamos a nossa premunição. De forma inexplicável, verificamos que na Participação de Acidentes de Viação não era feita qualquer referência a um vasto conjunto de graves infrações e desrespeito pelas Leis do Código de Estrada e da legislação de Segurança e Condições do Trabalho, praticadas por parte do proprietário da obra, empreiteiros, subempreiteiros e trabalhadores que manobravam máquinas e veículos.
Da minha parte sempre houve o cuidado de preservar o Militar, Cabo, D.... Importa por isso ter em conta que quando percebemos que o militar deixava transparecer que tinha relações de "amizade" com alguém das chefias ou da gestão da obra, tivemos a perceção que poderia, seria complicado para o Militar, Cabo, D... ter de sancionar os graves ilícitos na área criminal (álcool, falta de habilitação para manobrar e envolvimento em um acidente) e de segurança rodoviária (desrespeito por um vasto conjunto de artigos do Código de estrada), pelo que dissemos objetivamente ao militar que em nosso entendimento, para que ele não tivesse problemas com quem ele conhecia, seria melhor chamar outra patrulha.
Apesar da nossa insistência só não foi chamada uma outra patrulha para o Comando da GNR, para a Unidade Territorial de Matosinhos, nem foi realizado uma ligação telefónica para o Serviço de Emergência 112, porque o Militar, Cabo, D... nos assegurou que seria identificado o infrator por nós indicado e que seriam realizados os testes imprescindíveis e levantados os autos pelas infrações em causa.
Há algo de muito estranho em tudo isto. Fui significativamente penalizada em sede judicial, para efeitos de Registo Criminal, e até humilhada na realização do teste de alcoolemia perante a impunidade de todos os infratores que se encontravam no local do acidente. Assim sugiro que essa IGAI solicite ao Tribunal da Maia as gravações da Audiência do julgamento (se necessário eu poderei fazer chegar uma cópia das mesmas) e assim perceberão como o Tribunal reconheceu as desconformidades da prática do Militar, Cabo D..., que me causaram prejuízos significativos. Entendeu o Tribunal que, apesar de as afirmações serem objetivas, eu deveria ter elaborado mesma carta com outro texto??!! Assim o faço, para que seja feita justiça.
Num claro sinal de que nunca tive a intenção de difamar ou ofender o Militar, Cabo D..., mas tão só existiu a preocupação de alertar para gravíssimas desconformidades, foi confirmado em Tribunal pelo referido profissional da GNR todos os factos por mim relatados na carta relativamente à não sanção e aplicação de coima num elevado valor monetário e infrações legislativas com gravidade de grande significado, tendo inclusive o militar Cabo D... afirmado em sede de julgamento que não aplicou as coimas aos infractores simplesmente "porque não é hábito fazer-se!!". Pergunto: não é hábito ter de se cumprir a Lei? Mas foi precisamente esse incumprimento e desrespeito pela Lei que foram as razões que estiveram na génese da minha carta!
É estranho que a GNR não se tenha interessado por fazer o contraditório para esclarecer a verdade de um caso de elevadíssima gravidade. O comando da GNR deveria saber que o Militar, Cabo D... em audiência em Tribunal, devidamente uniformizado, reconheceu graves desconformidades entre a realidade e o seu relato exarado para a Participação de Acidentes de Viação, como também confirmou perentoriamente que um vastíssimo conjunto de ilícitos e desrespeito pela Lei do Código da Estrada e do Trabalho não foram sancionados e reportados para os autos, tendo os proprietários da obra e respetivos empreiteiros e demais envolvidos, sido poupados a severas sanções financeiras por desrespeito para com a Lei.
É imprescindível que as afirmações em Tribunal do Militar, Cabo, D... sejam devidamente escutadas, enquadradas e interpretadas, para que se esclareça se tal conteúdo está contextualizado em orientações do Comando da GNR. A sociedade civil tem de saber se as afirmações do Militar, Cabo D..., correspondem a uma orientação específica imanada por escrito, para que na prática seja desrespeitada a Lei do Código da Estrada e outras legislações, nomeadamente, o direito dos cidadãos de solicitarem a identificação de outros. Será que há um "cardápio secreto" ou um "catálogo" que dá a alguns militares da GNR instruções para não sancionarem "amigos", determinados infratores e infrações que envolvam certo tipo de empresas? A fazer fé na afirmação do Militar, Cabo, D... importa investigar se há orientações específicas (e quem as dá), para que não sejam sancionadas determinadas práticas e infrações praticadas na via pública.
Questionado em Tribunal o Militar, Cabo D..., sobre porque é que no seu relato na Participação de Acidentes de Viação teve o preciosismo de referir que a máquina se encontrava estacionada, apesar de quando chegou ao local do sinistro os dois veículos estavam imobilizados e com os motores desligados, o Militar, Cabo D... foi evasivo e não soube responder como chegou ao detalhe de dar apenas a máquina a máquina como estacionada.
Também em Tribunal o Militar, Cabo D..., fez questão de afirmar que elaborou a Participação de Acidentes de Viação tendo por base o que leu no texto por mim escrito sobre o relato do sinistro. Perante esta afirmação alertamos para o facto de a legislação dizer que a prática do militar tem de ser obrigatoriamente diferente. Diz a Lei que o relato de um qualquer sinistro deve ser exarado em conformidade com os elementos recolhidos no local, por isso importa perceber se o militar atuou por desconhecimento, gerando grave desconformidade com a Lei por ignorar o texto da mesma e porque quem o dirige não lhe faculta formação e/ou reciclagem e atualização de conhecimentos. Aliás este é um tema recorrente, segundo vários testemunhos de Militares da GNR, que estão disponíveis na internet.
Sobre este caso em concreto o Código Civil no Artigo 6º (Ignorância ou má interpretação da lei) diz "A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas". Para que o desconhecimento da Lei não faça Lei e para que essa prática não beneficie ninguém, nenhum de nós pode deixar de cumprir com as nossas obrigações legais por não as conhecer ou por alegar que há o hábito (secreto) de incumprimento sistemático.
Mas esta questão do que o Militar afirmou referindo-se ao que escreveu e porque escreveu, e a sua argumentação, leva-me a solicitar que sejam investigadas as suas afirmações, dado que por indicação da testemunha B... (depois de este ler o texto por mim elaborado na Declaração/Informação - Acidente de Viação) o mesmo disse-me que o melhor era colocar mais uma ou duas palavras no texto, para evitar confusões interpretativas e para que o mesmo fosse suficientemente explícito, mas o Militar, Cabo D... desaconselhou essa clarificação, por ser desnecessária, e afirmou perentoriamente que não me preocupasse pois o que ele viesse a escrever na Participação de Acidentes de Viação é que era importante para efeitos de companhia de seguros.
Importa informar que após o sinistro, o militar da GNR foi visto por diversas vezes nas proximidades do estaleiro da obra, nomeadamente num café/tasco e restaurante frequentados por pessoas que trabalhavam ou dirigiam as obras no local onde ocorreu o sinistro.
Considero também importante informar que nos estaleiros da obra existia um cartaz afixado, que diariamente era atualizado com a informação de há quantos dias os trabalhos decorriam sem sinistros. Segundo o que nos informaram, o não registo de acidentes ou incidentes dava prémios.
Tal como aconteceu nos casos por mim comunicados ao Ministério da Saúde, ante as graves desconformidades das práticas do militar, Cabo D... e pela inação da GNR em me ouvir numa investigação factual alargada, não vou silenciar as minhas denúncias e o meu clamor por justiça até que a mesma seja feita.
Apenas quero justiça. Pretendo por isso saber se essa IGAI irá realizar algum procedimento investigatório ou se devo apresentar uma queixa junto de tribunais nacionais e europeu para que seja feita justiça e para que as más práticas e as desconformidades não sejam premiadas.
A situação é demasiado grave para que eu possa silenciar a minha voz. Os factos por mim relatados não podem ficar impunes. O objetivo de lixiviar as práticas condenáveis e justificar a impunidade dos infratores determinam que este caso seja entregue ao Ministério Público, para que haja uma investigação alargada, que inclua uma pesquisa e escutadas as gravações dos telefonemas recebidos no Posto Territorial da Maia na data/hora em que se enquadra o acidente e assim se perceberá que a mentira tem perna curta e apenas visa desacreditar a profunda gravidade dos factos ilícitos e desconformidades por mim relatadas.
Não tenho qualquer dúvida que nunca tive a intenção de ofender, mas tão só me empenhei (como o faço diariamente) para que as injustiças e as ilegalidades não sejam premiadas.
Todos, mas muito especialmente quem exerce funções públicas, temos o dever de respeitar e fazer respeitar a Coisa e a Causa Pública.
Certa de que a informação que aqui transmito merecerá a atenção dessa IGAI, fico desde já disponível para o que seja tido por conveniente.
Sem mais,
De vossa excelência, Atenciosamente
C...";
9 - Após a elaboração da carta pelo arguido B... em conluio com a referida C..., a mesma foi assinada por aquela;
10 - A carta foi remetida por C..., com o conhecimento do arguido, ao destinatário referido, na convicção de que assim a remetia à Inspeção Geral da Administração Interna que, além do mais, superintende os militares da GNR e respetivos Postos Territoriais, que efetivamente a recebeu;
11 - Ao afirmar na carta os factos supra descritos relativamente ao aqui assistente, o ora arguido sabia que os mesmos não correspondiam à verdade;
12 - Bem sabia o arguido que os factos relatados na participação de acidente de viação elaborada pelo ofendido e o depoimento por aquele prestado no âmbito do processo 1735/09.8TAMAI, que correu termos neste Tribunal e que vieram a ser dados como provados, eram verdadeiros e nada se podia apontar ao comportamento profissional do assistente D..., que exercia funções de soldado da Guarda Nacional Republicana e que, no dia 07 de Maio de 2009, elaborou a dita participação de acidente de viação e nela fez constar tudo o que evidenciou quando se deslocou ao local;
13 - Bem sabia o arguido que o aqui assistente não presenciou o acidente de viação no qual interveio, tendo apenas elaborado a participação de acidente de viação com base nas declarações recolhidas, no local, dos intervenientes que identificou naquela data, no caso C... e de G..., que na mesma data lhe afirmou que fora o mesmo quem colocou naquele local a máquina, aliás tal como ficou expressamente a constar na participação n.º 211/09;
14 - O assistente, aquando da audiência de julgamento ocorrida no âmbito do processo nº 1735/09.8TAMAI, reconheceu que errou quando escreveu na aludida participação de acidente de viação que a máquina retroescavadora estava "estacionada" quando deveria ter mencionado que estava "imobilizada";
15 –A suspeita levantada pelo arguido, nomeadamente quando alega que o militar não foi imparcial e visou beneficiar terceiros, como o mesmo bem sabe, não tem qualquer fundamento, sendo que o militar não violou de forma alguma os deveres funcionais a que estava adstrito quando foi chamado ao local no dia 07 de Maio de 2009 e elaborou a participação de acidente de viação;
16 - A carta em causa, deu origem ao Processo Administrativo n.º .../2014 da Inspeção Geral da Administração Interna, o qual veio a ser arquivado;
17 - Ao permitir o respetivo envio da carta acima referida à Inspeção Geral da
Administração Interna, agiu o arguido, em conjugação de esforços e vontades com C... e visava o propósito de vir a ser instaurado procedimento disciplinar por violação dos seus deveres funcionais e profissionais, contra o soldado da GNR, D... e mesmo contra o Posto da GNR da Maia;
18 - O arguido agiu livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
19 – É jornalista, possuidor da carteira profissional número .... emitida pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, válida até outubro de 2016;
20 - Tem formação de jornalismo, vias de comunicação, segurança rodoviária, modos de transporte e logística;
21- Pertence a diversas organizações internacionais de jornalistas, tendo sido durante anos vice-presidente da J...;
22 -Desde há bastante tempo que colabora com diversos órgãos de informação, com especial incidência em assuntos relacionados com a configuração das vias de circulação rodoviária, as melhores práticas da circulação rodoviária atinentes ao transporte de mercadorias e à segurança e sinistralidade rodoviárias;
23 - Atualmente, através da organização "K...", está a elaborar um trabalho sobre os locais em Portugal onde, por erro de sinalética, são emitidas coimas contra condutores que, no caso de a sinalização ser a regulamentar, não seriam sujeitos a sanções;
24 -Tem dado formação a jovens, em diversas escolas e, através de câmaras municipais e outras instituições, formação e reciclagem de conhecimentos a condutores com mais de 65 anos de idade;
25 - É uma referência para todos os jornalistas que procuram informação detalhada sobre as matérias especializadas de transportes, sinalética, segurança e sinistralidade rodoviária;
26 - Está há vários anos envolvido em projetos de segurança rodoviária para veículos do futuro: Camiões de 60 toneladas e camiões autónomos (isentos de condutor);
27 – L... é filha do arguido e de C...;
28 - O arguido, no dia 7 de maio de 2009, residia com C..., na Rua ..., .., freguesia ..., município da Maia;
29 - O arguido chegou à sua residência por volta das 12:30 horas;
30 – M..., proprietário de uma oficina de mecânica automóvel, estava nesse dia incumbido pelo extinto casal de retirar da garagem da residência de ambos, para manutenção e revisão, uma viatura automóvel- jipe clássico Land Rover - que lá se encontrava;
31 - Aquele, acompanhado de N..., apresentou-se na referida residência entre as 13:15 e as 13:30 horas a fim de dela retirar a referida viatura;
32 - O arguido, juntamente com M... e N... ficaram no passeio junto à porta da residência de ambos a aguardar a chegada de C...;
33 - Cerca das 13:30 horas, C... chegou ao local ao volante do seu Audi;
34 - Dirigiu a sua viatura em direção à rampa de acesso à garagem da residência;
35 - A parte da rua onde operava a retroescavadora a seguir ao período de almoço não tinha barreiras ou gradeamento a delimitar a zona dos trabalhos;
36 - O arguido, cerca das 13:35 horas, ligou pelo seu telemóvel, com o número ........., para o posto territorial da GNR da Maia, pedindo a comparência dessa autoridade policial no local;
37 - A patrulha da GNR, que chegou ao local por volta das 14:00 horas, apresentou-se fardada, deslocando-se numa viatura com identificação da respetiva força policial, e era composta por dois elementos, entre eles o aqui assistente D...;
38 - Este, dirigiu-se ao arguido e a C... e pediu o relato do que se passara;
39 - O dono da obra era a empresa O...;
40 - Era empreiteiro "P..., S.A.";
41 - E subempreiteiro "E..., S.A.";
42 - A retroescavadora que operava no local corresponde a uma retroescavadora Komatsu ..., com 4.485 cm3 de cilindrada e o peso total de 9.000 quilos, sendo 8.150 quilos o peso operacional da máquina base, possuidora de um sistema de registo de atividade via satélite: registo data/hora, com limitações legais à circulação e à operação em vias públicas, que não pode operar sem seguro, nem deve ser operada por pessoas não habilitadas para o efeito;
43 - No dia 16 de maio de 2009, foi-lhes entregue uma cópia do auto de participação;
44 - De imediato, o arguido constatou que, nela, não estava identificado o operador da retroescavadora e perguntou se não havia mais documentos ou elementos anexos sobre o acidente;
45 - O agente policial que o atendeu, depois de consultar o processo, informou que não havia anexos;
46 - O arguido pediu o livro de reclamações a fim de lavrar uma reclamação;
47 - Face a isso, foi imediatamente dado conhecimento da intenção do arguido ao comandante do posto, Sargento Q..., que se apresentou de imediato junto do arguido e de C..., identificando-se como comandante do posto;
48 - O arguido, durante o estado de casado com C... bem como depois de divorciado da mesma, acompanhou e acompanha de muito perto a sua vida pessoal e profissional e intervém, direta ou indiretamente, em sua defesa, sempre que pode, nos processos e nos procedimentos que, à mesma, dizem respeito;
49 - A carta foi encerrada num sobrescrito em nome de C... como remetente e da Inspeção-Geral da Administração Interna, ao cuidado da Inspetora-Geral, Juíza Desembargadora Dra.ª F..., como destinatária, a quem foi remetida por via do correio postal registado, com aviso de receção;
50 – C... não foi, de todo, ouvida a fim de poder, sequer, esclarecer o que quer que fosse, nem o arguido nestes autos nem qualquer outra das pessoas identificadas em qualquer processo instaurado na sequência da carta enviada;
51 - Em consequência da carta constante destes autos, foi instaurado outro processo crime contra C..., o qual corre termos sob o n.º 952/14.3TAMAI, da Secção Criminal - J1, da Instância Local da Maia, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto;
52 -A decisão que recaiu em primeira instância, condenou C..., como autora material e em concurso efetivo, pelo cometimento de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, n.º 2 e pela prática de um crime de difamação agravada contra o assistente, p. e p. pelos art.ºs 180.º, n.º 1 e 184.º, com referência à al. l) do art.º 132.º, todos do Código Penal;
53 - Esta decisão encontra-se pendente de recurso no Tribunal da Relação do Porto;
54 - Foi nesses autos que o assistente requereu a extração da certidão que subjaz à queixa contra o arguido e que deu lugar à instauração do presente processo;
55 - O arguido, quando pode, intervém na sua qualidade de jornalista, em ações de formação, programas de rádio e televisão e em outros órgãos de comunicação social e em procedimentos sobre sinalização, segurança e sinistralidade rodoviária;
56 - Em muitas das iniciativas conta com a colaboração da GNR aos mais diversos níveis da sua hierarquia;
57 - Procura informar-se, sistematicamente, sobre os procedimentos e os processos que envolvem forças de segurança e seus agentes, por infração a deveres orgânicos, funcionais e operacionais dos seus agentes, como omissão de procedimentos legalmente devidos, faltas de imparcialidade, corrupção e má-fé, entre outras infrações que diga respeito à configuração das vias, à sinalização, à segurança e à sinistralidade rodoviária;
58 - Em relação à sinistralidade rodoviária o arguido atendia, na altura muito particularmente, aos fundamentos da Circular n.º 12/2008, datada 7 de abril, do Chefe do Estado Maior, Major General José Gabriel Braz Marques, sobre a uniformização de procedimentos na participação de acidentes de viação, a qual entrou em vigor no dia 1 de maio seguinte, revogando a Circular n.º 5039, da 3.ª Repartição do Comando Geral da GNR;
59 - O assistente, no exercício das suas funções, registou no auto em relação ao veículo n.º 2 (retroescavadora) e ao seu condutor, o seguinte: "PROPRIETÁRIO E..., SA", "RESIDÊNCIA ... - Piso . - Ap .. - ....-... - Porto Salvo", "TEM LICENÇA DE CONDUÇÃO - S/M", "A LICENÇA FOI APREENDIDA - NÃO", "PASSADA GUIA - NÃO", "CATEGORIA DA LICENÇA DE CONDUÇÃO - LIGEIRO" e o condutor que colocou a máquina no local de trabalhos, declarou por escrito o seguinte: ''A máquina encontrava-se parada na berma, e a senhora ao entrar para a garagem de casa, não reparou no garfo da referida máquina, tendo embatido no referido", sem que registasse quaisquer outras declarações;
60 - O assistente também concluiu sobre o croquis que realizou para determinação do provável local do embate em relação à posição do veiculo nº 2, que o mesmo estava "Parado" "a executar trabalhos", "sem matrícula", sem que que disso tenha recolhido o depoimento das testemunhas presentes;
61 - Do auto não constam as menções sobre o número de matrícula ou do chassis da retroescavadora; a referência ao documento de identificação da mesma; a identificação do operador ou manobrador; o estado de funcionamento da máquina; a referência ao IPO (Inspeção Periódica Obrigatória);
62 - O arguido está divorciado, mas vive com a ex-esposa, em casa da mesma;
63 - É jornalista, auferindo um vencimento mensal de cerca de € 4.500,00;
64 - Exerce a profissão em Bruxelas, onde possui uma casa arrendada, pela qual paga cerca de € 900,00 mensais;
65 - A companheira é médica e tem um rendimento mensal de cerca de € 2.500,00;
66- Têm uma filha, com 13 anos de idade, que estuda;
67 - O arguido é licenciado em Comunicação Social e tem mestrado de Segurança Rodoviária;
68 - Ao arguido não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: transcrição
1 - O arguido é o único jornalista em Portugal habilitado para a condução de veículos pesados de mercadorias e de passageiros;
2 - No dia 07.05.2009, C... saiu de casa entre as 7:30 e as 8:00 horas para prestar os seus serviços de saúde, como médica, na S..., Paredes;
3 - À sua saída da referida habitação não decorria qualquer atividade com movimentação e trabalho de máquinas nas proximidades da mesma;
4 - Cerca das 10:30 horas uma máquina retroescavadora iniciou trabalhos na via pública com levantamento de paralelos e abertura de uma vala;
5 - A chave da garagem encontrava-se com C...;
6 - Esta tinha previsto chegar do seu serviço ao domicílio depois das 13:00 horas;
7 - Enquanto assistiam aos trabalhos que estavam a ser realizados na via pública, a sua atenção foi, em especial, chamada para a forma como era operada retroescavadora que se encontrava no local e para a falta de sinalização, delimitação e barreiras entre a zona da obra e o resto da via;
8 - A máquina levantava o paralelo do piso da rua, amontoando-o do lado esquerdo, para posteriormente, no mesmo enfiamento, retirar a terra para prolongamento da vala que já tinha sido aberta durante o período da manhã no sentido sul/norte, e colocando-a do lado direito;
9 -O operador, após proceder ao levantamento e retirada de alguns paralelos da calçada, para deslocar a máquina para trás a fim de ter mais paralelos à sua disposição, provocava movimentos acrobáticos com a retroescavadora, fixando, primeiro, o balde retro desta na terra onde anteriormente havia retirado os paralelos do piso, o que provocava o levantamento e afastamento do solo das sapatas e das rodas da mesma, para, por último, provocando o deslocamento/deslizamento da máquina no sentido contrário à vala já aberta, sem utilização das rodas;
10 - Quando percorria o espaço frente à rampa, apontando a viatura à porta e contornando com todo o cuidado os limites visíveis da retroescavadora, o operador desta provocou um movimento brusco para deslocamento/deslizamento da máquina, fazendo com que um garfo colocado na pá principal (carregadora) embatesse e perfurasse a porta da frente do lado direito da mesma à altura do friso;
11 - Nesse momento, com o garfo já enfiado na viatura conduzida por C..., o arguido berrou para que o operador imobilizasse a retroescavadora;
12 -Imobilizada a mesma, o operador abriu a porta da cabine e dela saiu ao mesmo tempo que caia uma garrafa vazia de cerveja para o chão;
13 - O operador, dirigindo-se de seguida ao arguido e às pessoas que com ele estavam disse não saber que o referido garfo estava aberto na pá do bale principal da retroescavadora;
14 - Disse ainda que ia ao escritório do estaleiro, situado entre 50 e 60 metros do local onde se encontravam, chamar o chefe;
15 - E pediu ao aqui arguido e a C... para não dizerem ao chefe que era ele quem estava a operar a retroescavadora;
16 - Aparentemente encontrava-se sob efeito do álcool ou de substância psicotrópica;
17- Pelas 13:45 horas, alguém que se designou responsável pela obra no local,
dirigiu-se ao arguido e a C... e, reconhecendo a falta de barreiras delimitadoras da zona de trabalhos, disse: "a empresa assume a responsabilidade pelo acidente e pede desculpa pela atuação do trabalhador;
18 - Garantindo que a obra iria continuar só depois de delimitada a zona dos trabalhos;
19 - O operador da máquina não regressou de imediato ao local onde se encontravam;
20 - O arguido relatou o que se tinha passado, designadamente, que, no momento do embate, a retroescavadora estava a ser operada por um indivíduo de que não sabiam o nome, o qual, aparentemente, estava alcoolizado e que, depois de imobilizar a máquina e dela sair, se tinha dirigido ao escritório do estaleiro da obra para, segundo lhes disse, chamar o chefe, não sem antes, ter pedido ao arguido e a C... para não dizerem ao chefe que era ele quem operava a máquina;
21 - Entretanto, o arguido tendo voltado a ver o referido operador da retroescavadora do outro lado da rua, disse ao assistente que o manobrador que se ausentara do local, era o homem que se deslocava do outro lado da rua, exibindo para o assistente a foto recolhida na máquina fotográfica logo após o acidente;
22 - O assistente disse ao arguido: "vá buscá-lo";
23 - Quando o assistente já se encontrava no outro lado da rua, para onde se deslocara a fim de se encontrar com um grupo de pessoas identificados com o vestuário, coletes e capacetes de quem trabalhava na obra, o arguido dirigiu-se-lhe acompanhado do referido operador, dizendo-lhe: "este é o manobrador";
24 - Simultaneamente, um indivíduo que o arguido não sabe identificar, mas que compunha o grupo que se encontrava junto do assistente, fez sinal - gesticulando para o operador e apontando no sentido do estaleiro ao fundo da rua;
25 -Ato contínuo, o mesmo indivíduo que, antes, se tinha apresentado ao arguido como responsável no local pela obra, dirigiu-se ao assistente e disse: "a empresa assume a responsabilidade pelo acidente";
26 -O arguido vendo, nesse momento, o operador da máquina a afastar-se em direção do estaleiro, disse ao assistente: "o manobrador da máquina é aquele senhor que está a fugir";
27 -O assistente respondeu de imediato: "não se preocupe";
28 - Depois, alguém, que não se identificou no local perante o arguido, veio a preencher uma declaração pela empresa, com caligrafia aparentemente feminina, a qual se encontra nos autos do processo 952/14.3TAMAI, assinada por G...;
29 - Pessoa esta que, efetivamente, não operava a retroescavadora no local, como reconheceu o assistente;
30 - O arguido solicitou ao indivíduo que se apresentara como responsável da obra no local que lhe facultasse o registo data/hora da operação da referida retroescavadora;
31 - Algum tempo depois, pelo mesmo indivíduo, foi entregue ao arguido o solicitado registo;
32 -Que o arguido, por sua vez, posteriormente entregou ao assistente, pedindo que fosse anexado à participação do acidente;
33 -Só durante a manhã do dia 8/05/2009 foram colocadas barreiras delimitadoras da via pública, entre a zona dos trabalhos e de operação das máquinas e a zona de circulação de pessoas e veículos junto à residência;
34 - Nos topos norte e sul da rua encontravam-se placas sinalizadoras;
35 - O escritório do empreiteiro e do subempreiteiro e a logística atinente ao local situava-se ao fundo do da rua do lado sul;
36 - À data dos factos a obra tinha uma extensão de algumas centenas de metros;
37 - No dia 13 de maio de 2009 o arguido e C... dirigiram-se ao posto da GNR da Maia, a fim de levantarem cópia dos autos para participação do acidente;
38 - Aí foram informados que a mesma ainda não se encontrava pronta;
39 - Novamente, no dia 15 de maio de 2009, o arguido e C... dirigiram-se ao posto da GNR da Maia, a fim de levantarem cópias daqueles;
40 - Novamente foram informados que ainda não se encontrava pronta a participação do acidente;
41 - O agente policial que os atendeu nesse dia sugeriu que lá voltassem no dia seguinte, sábado, dia este em que o assistente, estaria de serviço;
42 - A pedido do arguido e de C..., tal agente, foi perguntar ao assistente se havia anexos àquela participação de acidente, ao que foi respondido que não;
43 - O arguido insistiu que havia um "manobrador' que tinha sido indicado ao assistente;
44 -Este acompanhava a conversa a alguma distância;
45 -O Comandante do Posto disse que a situação se lhe afigurava preocupante;
46 - Sugeriu que não fizessem a reclamação no livro porque "pouco serviria";
47 -Ao invés, sugeriu que fosse a elaborada e remetida uma exposição ao Comando Geral da GNR, assinada pela lesada, a fim de serem investigadas todas as faltas que estavam a ser relatadas pelo arguido em relação ao que tinha assistido e, posteriormente, após a chegada da patrulha, com o que consta da cópia do auto de participação de acidente que lhes tinha sido entregue;
48 - O arguido informou o Comandante do posto que o próprio militar D..., ora assistente, dissera, minutos antes, que não existiam mais elementos ou informações sobre o manobrador nem sobre o veículo manobrado, interveniente no acidente;
49 - O Sargento Q..., então, disse que, se na realidade existissem quaisquer outros elementos sobre veículo ou o manobrador, eles tinham de ser comunicados aos intervenientes e inseridos na Participação de Acidente ou até fornecidos como anexo, sendo o procedimento, segundo disse, "obrigatório ao abrigo da circular n.º 12/2008";
50 - Em concreto, disse o Sargento Q...: "a GNR, para acabar com as baldas no preenchimento das participações de acidente tem as normas que constam da Circular 12/2008 que orientam o procedimento a adotar pelos agentes quanto à recolha e aos elementos nas participações";
51 - Disse, ainda, que ficava deveras preocupado com as faltas ou desconformidades e os erros cometidos na elaboração da Participação de Acidente por qualquer dos seus subordinados face à Circular 12/2008, pois esta também o responsabilizava como comandante do posto;
52 - O Comandante do Posto, tendo mostrado interesse, ouviu do arguido que o militar D..., ora assistente, não lavrou auto em relação ao dono da obra ou à natureza desta, de identificação do empreiteiro e do subempreiteiro, não registou o depoimento do arguido no local nem de outros intervenientes ou testemunhas com quem efetivamente falou, não identificou o responsável da obra no local, não apurou o número do chassis ou do motor da retroescavadora ou se, esta, tinha seguro, não mencionou a falta de sinalização ou se estavam colocadas barreiras delimitadoras da obra que estava a ser efetuada na via pública e, tão pouco, mencionou a falta de identificação do operador da máquina e, por conseguinte, se este estava ou não alcoolizado ou sob o efeito de substâncias psicotrópicas ou se abandonara o local;
53 - Bem como ouviu que, tão pouco, o ora assistente tinha levantado auto de notícia ou outro sobre as infrações verificadas no local;
54 - E, ainda ouviu do arguido que, o ora assistente, quando chegou ao local, a pedido do arguido, constatou que a retroescavadora estava com o motor quente, e pelo mesmo foi informado que autorizara que a máquina fosse desligada (por ter conhecimento d registo data/hora, colaborando com o militar na localização e verificação das etiquetas de identificação dos números do chassis e do motor na retroescavadora;
55 - A seguir, o arguido elaborou, manuscrevendo pelo seu punho, uma reclamação no respetivo livro;
56 -A qual foi, depois, assinada por C...;
57- O arguido aceitou a sugestão do Sargento Q..., na qualidade de Comandante à altura do posto territorial da GNR da Maia, e elaborou em computador a exposição que consta da carta que deu lugar ao processo crime que correu sob o n.º 1735/09.8TAMAI, imprimiu-a e, por si, grafou a assinatura de C...;
58 -Como já acontecera em ocasiões anteriores, antes obteve o consentimento de C... para, por si, grafar a sua assinatura em tal exposição que, entre outros, enviou ao Comando Geral da GNR;
59 - Encerrando-a num sobrescrito em que apôs o nome de C... como remetente e da Guarda Nacional Republicana, ao cuidado do seu Comandante Geral, como destinatária, remetendo-a depois a este por via do correio postal registado com aviso de receção;
60 - Indignou-se o arguido pelas faltas cometidas pelo assistente e pelas injustiças que, em consequência da reação contra tais faltas, entende terem sido cometidas e, fazendo suas a dores morais de C... pelo resultado dos processos, como sempre tem feito, agiu ou, pelo menos, pensou convictamente, que agia em sua defesa, com a elaboração da carta;
61 - Efetivamente, como da primeira vez, foi o arguido que elaborou sozinho a exposição que consta da carta no seu computador, imprimiu-a e, por si, voltou a grafar a assinatura de C...;
62 -Por ter-lhe sido sugerido pessoalmente, atenta a legitimidade de lesada, pelo Comandante Geral, Tenente General T...;
63 - Para tanto, mais uma vez obteve o consentimento de C... para grafar a sua assinatura na exposição que enviaria à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI);
64 - Não foi instaurado qualquer procedimento dos legalmente tipificados, apesar da sua obrigatoriedade e caráter público previstos nos termos dos artigos 71.º e 72.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, ou seja, processo disciplinar ou de averiguações ou de inquérito ou de sindicância;
65 - Foi a manifesta atuação do assistente contra os procedimentos previstos na Circular n.º 12/2008, enquanto agente da autoridade policial em que está incorporado, que suscitou dúvidas sobre a idoneidade da sua atuação, face ao não cumprimento dos seus deveres, legal e regulamentarmente previstos, levando o arguido, naturalmente, à incompreensão por tão manifestas omissões e à sua surpresa pela falta de objetividade ou ignorância reveladas e, consequentemente, à justa suspeição de parcialidade do seu comportamento;
66 - O arguido estava informado que eram vários os processos internos ou externos por causa da atuação da GNR e dos seus agentes, por via da corrupção ou por outras infrações mais ou menos graves em consequência da ignorância, da negligência, da atuação dolosa ou da má-fé dos seus agentes;
67 - A carta visa o pedido de uma atuação pedagógica da IGAI;
68- São manifestos os vícios da atuação do assistente;
69 - O arguido não quis ofender o assistente e agiu de boa-fé, ainda que a sua atuação possa afigurar-se censurável por ter elaborado uma carta, quase toda, no nome de C... e, por nesta, ter grafado a sua assinatura e remetido a mesma à IGAI;
70 - O assistente no local do acidente pôde verificar as infrações ao Código da Estrada, às normas sobre higiene e segurança no trabalho e aplicar todos os requisitos a que se referem os procedimentos para que remete a Circular n.º 12/2008;
71 - No auto de participação não constam, são incompletos, estão errados ou são falsos os dados recolhidos quanto aos restantes intervenientes, à retroescavadora e ao seu operador;
72 - O assistente registou no auto o constante de 59 dos factos provados sem ter verificado qualquer documento ou sinal identificativo da retroescavadora ou comprovativo dessa propriedade, sem ter verificado qualquer documento comprovativo e, indevidamente, ter acreditado em meras declarações de pessoa ou de pessoas que não identificou, não verificou efetivamente quem era o operador da retroescavadora, por nunca lhe ter sido exibida qualquer licença ou, sequer, qualquer documento que fizesse menção à respetiva habilitação legal;
73 -Foi perante estes factos que o arguido lavrou uma reclamação no respetivo livro do posto policial, ulteriormente assinada por C...;
74 - O assistente não cumpriu com os seus deveres funcionais;
75 -A seguradora U..., interpelada para o efeito na sequência de requerimento de C... - e não respondendo cabalmente a este - veio dizer, sem que se tivesse, sequer, a possibilidade de averiguar a verdade sobre tais menções, que "se trata de uma máquina de construção civil, marca Koma ..., matrícula ......";
76 - Para além do arguido, o assistente falou com diversas pessoas no local, que não identificou nem recolheu qualquer depoimento das mesmas;
77 - O assistente desfez-se ou dissipou o registo data/hora da máquina que lhe foi entregue pelo arguido;
78 - Agiu em manifesta desconformidade com o procedimento prescrito na Circular n.º 12/2008;
79 - O assistente não a cumpriu, designadamente na descrição do acidente;
80 - O assistente faz uso da demanda judicial com vista à obtenção de vantagens pecuniárias de quem, ainda que com razão, põe em causa a sua atuação como agente da autoridade;
81 - A primeira carta foi escrita a conselho do Sargento Q... tendo sido aposta a assinatura de C... por uma questão de legitimidade para reclamar em concreto;
82 -O arguido respeita o assistente como pessoa, como cidadão e como agente da autoridade e, pessoalmente, não quis ofendê-lo nem desejou procedimento contra o mesmo por razões pessoais;
83 - O assistente nunca foi sujeito a procedimento disciplinar ou outro, decorrente das referidas cartas;
84 - Os superiores hierárquicos do assistente e a IGAI, manifestamente, alhearam-se do teor das referidas cartas, optando por não instaurar qualquer procedimento dos previstos na lei, como era sua obrigação legal;
85 -Apesar da referida carta ter chegado ao conhecimento do Comando Geral da GNR o assistente não sofreu danos ou prejuízos de qualquer natureza.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: transcrição
A convicção do Tribunal fundou-se na conjugação dos documentos juntos aos autos, nas declarações do arguido e do assistente e depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com regras de experiência comum.
Assim, quanto à prova documental, o tribunal considerou:
- as certidões de fls. 9 e segs. e 24 e segs. (retiradas do processo n.º 952/14.3TAMAI), em que constam a sentença proferida nesses autos, documento enviado pelo IGAI ao Comando da GNR (fls. 65 v.) e a carta em causa nos autos (fls. 66 a 70) - factos provados em 8, 16, 51, 52, 53 e 54;
- certidão de nascimento de fls. 83 e 84 dos autos - facto provado em 1;
- cópias certificadas de fls. 109 e segs., em que consta a acusação, sentença e acórdão do TRP proferidos no âmbito do processo n.º 1735/09.8TAMAI, reclamação apresentada na GNR da Maia (fls. 161), carta enviada ao MAI em 17.05.2009 (fls. 162 a 167), participação de acidente (fls. 169 a 172) - factos provados em 2, 3, 4, 5, 59, 60 e 61;
- c.r.c de fls. 188 - facto provado em 68;
- documentos de fls. 330 a 353 e 394 a 397 - factos provados em 19 a 26;
- documentos de fls. 347 - facto provado em 49;
De salientar que os documentos de fls. 354 a 392, 398 a 403 e 431 a 477 não têm a virtualidade de provar, de per si, os factos para que alegadamente foram juntos, uma vez que não permitem extrair conclusões pretendidas pelo arguido com a sua junção.
Assim, ainda quanto aos factos provados, o Tribunal teve também em consideração as declarações do arguido, que assumiu a autoria da carta dada por provada em 8 dos factos provados. Nesta parte, importa considerar que o tribunal não deu por provado ter sido mesmo a assiná-la, ainda que com autorização da testemunha C..., uma vez que surge contrário a regras de experiência comum, nomeadamente porque não faz sentido a mesma ler a carta, conforme referiu e ser o arguido a assiná-la. Acresce que nenhuma outra prova foi feita quanto a esse facto, uma vez que apenas a aqui testemunha C... confirmou as declarações do arguido, sendo que este depoimento não foi considerado, nos termos que infra referiremos.
No mais, com exceção dos factos atinentes à condição pessoal do arguido, cujas declarações surgem comprovadas pelos documentos juntos aos autos e atrás referenciadas, as suas declarações não foram consideradas, uma vez que não se mostraram de todo credíveis, nomeadamente quando refere que não tinha intenção prejudicar ninguém. Para o efeito basta atentar no teor do próprio documento e nas expressões que nele constam para se aferir da intenção do arguido, para descredibilizar as suas declarações nesta parte e, recorrendo a regras de experiência comum e ao homem médio para dar por provada a intenção do arguido tal como esta constava da acusação.
Teve o tribunal em consideração as declarações do assistente, que de forma isenta e credível, confirmou, no essencial, os factos tal como constam da acusação, mais concretamente o conhecimento que teve das cartas enviadas pelo arguido e C..., participação por si elaborada e processos crime existentes. O mesmo confirmou a existência de um processo administrativo, sendo o respetivo depoimento assente nos documentos juntos aos autos com que foi confrontado.
Os depoimentos das testemunhas N..., M..., V.. e W... serviram apenas para confirmar a ocorrência do embate que levou à elaboração pelo assistente da participação do acidente, sendo que quanto ao mais não lograram demonstrar conhecimento dos factos.
Já o depoimento da testemunha C..., que foi casada com o arguido e vive com o mesmo, não foi considerado, uma vez que se mostrou demasiado nervoso, tendo confirmado os factos declarados pelo arguido, mas sem conseguir justificá-los, pelo menos de forma assertiva, nomeadamente quanto à assinatura da carta por parte do arguido. Mas a testemunha vai mais longe e afirma perentoriamente que a atuação do assistente "levou a suspeitar que havia algum interesse", o que vai de encontro ao teor da própria carta e, assim, permite concluir pela intenção subjacente à sua elaboração em conformidade com os factos que constam da acusação, em detrimento da versão do arguido. Aliás, todo o depoimento foi marcado pelas condenações que já sofreu e que chamou sempre à demanda e o propósito de continuar a "desconsiderar" a atuação do assistente, o que retirou a isenção ao seu depoimento.
Por fim, o depoimento da testemunha Q..., militar da GNR, serviu apenas para aferir da reclamação efetuada no Posto da GNR, que confirmou, nada mais demonstrando conhecimento quanto aos factos em causa nestes autos e o depoimento da testemunha H... nada de pertinente trouxe para a prova dos factos.
Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência ou insuficiência de prova que sobre os mesmos incidiu ou por contrários a regras de experiência comum e aos factos provados, nos termos supra consignados.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
De acordo com as conclusões do recurso, as questões que o recorrente submete à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
- se a acusação deduzida pelo Mº Público padece de nulidade por violação do preceituado no artº 283º nº 3 al. b) do C.P.P. e das garantias de defesa do arguido;
- se a sentença é nula por violação do preceituado no nº 2 do artº 374º do C.P.P.;
- se a matéria de facto se mostra incorretamente julgada e
- se se mostram preenchidos os elementos do tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado.
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Dispõe o artº 283º nº 3 al. b) do C.P.P.:
«A acusação contém, sob pena de nulidade:
...
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
... »
Assim, a acusação, além de outros elementos de índole subjetiva, do respetivo enquadramento jurídico e da prova, deve, em princípio, ser precisa relativamente aos seguintes aspetos: quem cometeu o crime (questão da autoria), quando (questão da prescrição), onde (questão da competência), como (questão da qualificação) e porquê (questão da motivação).
Os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória a qual deve obedecer ao princípio da suficiência e clareza definem e fixam o objeto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal.
Segundo Figueiredo Dias[3] é a este efeito que se chama vinculação temática d tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objeto do processo penal, ou seja, os princípios segundo os quais o objeto do processo deve manter-se o mesmo, da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
Significa isto que a acusação deve conter, ainda que de forma sintética, a descrição dos factos de que o arguido é acusado, efetuada descriminada e precisamente com relação a cada um dos atos constitutivos do crime, pelo que se hão-de mencionar todos os elementos da infração e quais os factos que o arguido realizou, sendo perante este quadro e esta factualidade que o mesmo arguido deve elaborar a sua estratégia de defesa.
Como sublinha António Leones Dantas[4] é essencial a descrição dos factos “que integram todos os elementos de algum crime”, já que, “para que a acusação desempenhe a sua função processual – delimitando a factualidade de que o arguido é acusado – mostra-se necessário que a descrição nela feita evidencie de uma maneira precisa e imediatamente inteligível aquilo que é imputado ao arguido”; sendo este o “destinatário da acusação, impõe-se que a entenda para que, face a ela, possa organizar a sua defesa”.
Com efeito, um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do objeto do processo, uma vez definido este pela acusação.
É assim que o Código de Processo Penal vem a estabelecer, de forma clara, o papel do Ministério Público, enquanto entidade dominus do inquérito, quanto à promoção do processo e à dedução da acusação nos artigos 48º e 53º do Código de Processo Penal (com as naturais limitações constantes dos artigos 49º a 52º do mesmo diploma).
Ao juiz de julgamento, assim impedido de se pronunciar quanto a essa fase processual – a acusação – restaria o papel de direção da fase de julgamento (no que ao caso concreto interessa, já que a instrução se não encontra em discussão), balizado e limitado pelo conteúdo da acusação, pelo thema decidendum (objeto do processo) e pelo thema probandum (extensão da cognição), no que seria uma manifestação de alguma disponibilidade das “partes” na definição do que se pretenda seja apreciado pelo tribunal.
Porém, o legislador viu-se obrigado a restringir estes efeitos extremos de um processo acusatório puro, um puro “adversarial system”. Mas fê-lo de forma clara e mitigada, excluindo a possibilidade de um retorno a um sistema inquisitorial, mesmo que mitigado.
É esse o papel da al. a) do nº 2 e das quatro alíneas do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal. Evitar a todo o custo que casos extremos de iniquidade da acusação conduzam a julgamento um cidadão que se sabe, será decididamente absolvido, pretendendo evitar sujeitá-lo, inutilmente, a um processo incómodo e vexatório.
E as diversas alíneas do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal definem, de forma clara, a área de atuação do juiz de julgamento, ao qual se impõe, em obediência àquele princípio, uma interpretação restritiva daquelas alíneas.
Como se escreve de forma eloquente no Ac.R. Coimbra de 21.04.2010[5] «é interessante verificar que as várias alíneas daquele nº 3 vêm a consagrar uma forma de nulidade da acusação por referência a uma forma extremada do vício.
As nulidades da acusação estão previstas no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal. Como se sabe e em obediência ao princípio da taxatividade das nulidades processuais, estão construídas como nulidades sanáveis – cfr. artigos 118º a 120º do Código de Processo Penal.
Todos os casos referidos no nº 3 do artigo 311º se contêm – de forma mais ou menos explícita - nas previsões das alíneas do nº 3 do artigo 283º. Daí que exista uma íntima conexão entre o nº 3 do artigo 283º e os números 2 e 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.
Ali a previsão genérica das nulidades da acusação, que deverão ser tratadas de acordo com o regime geral das nulidades processuais, por referência ao regime da taxatividade e, por isso dependentes de arguição e sanáveis.
Aqui os casos extremos, indicados pelo legislador como de ameaça extrema aos princípios processuais penais com assento constitucional, reconduzindo-nos a um tipo de nulidade sui generis, insuperável ou insanável enquanto se mantiver ato imprestável, mas passível de correção pelo Ministério Público, a ponto de se permitir ao Juiz de julgamento a intromissão – atípica num acusatório puro – na acusação, de forma a evitar conduzir a julgamento casos em que seria manifesto isso se não justificar.
Assim, nos casos do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal, não obstante o não afirmar, o legislador veio a consagrar um regime de nulidades da acusação que, face à sua gravidade e à intensidade da violação dos princípios processuais penais contidos na CRP, são insuperáveis, insanáveis enquanto a acusação mantiver o mesmo conteúdo material.
De facto, a falta dos elementos referidos naquelas alíneas acarretaria uma gravíssima violação dos direitos de defesa do acusado, tornando inviável o exercício dos direitos consagrados no artigo 32º da CRP.
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Em termos práticos, se ao juiz de julgamento não é permitido, em homenagem às dimensões material e orgânico-subjetiva da estrutura acusatória do processo, imiscuir-se ex oficio, nas nulidades genericamente referidas no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, já se lhe impõe que impeça a ida a julgamento de acusações nos casos contados previstos no nº 3 do artigo 311º.»
Daí que se possa afirmar que nem todas as nulidades da acusação consagradas no nº 3 do artº 283º têm como consequência uma acusação manifestamente infundada.
Os casos integrantes da figura da acusação manifestamente infundada devem ser claros e evidentes. Daí o uso, pelo legislador, do advérbio de modo “manifestamente”.
Como se afirma no Ac. R. Lisboa de 16.05.2006[6] «Conforme jurisprudência assente, manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais».
E como acentua Paulo Pinto de Albuquerque[7] “o juiz deve apenas controlar os vícios estruturais graves da acusação referidos no artº 311º nº 3 aditado pela Lei nº 59/98 de 25.8. Já foi notado, com razão, que estes vícios se sobrepõem às nulidades sanáveis do artigo 283º nº 3 als. a), b) e c) (“sob pena de nulidade”), pelo que as ditas nulidades se convertem em matéria de conhecimento oficioso do tribunal (Germano Marques da Silva, 2000 b: 207 e 208)”.
Vejamos, então, se a acusação deduzida a fls. 85 a 101 contém todos os factos que integram os elementos objetivos e subjetivos do ilícito criminal que imputa ao arguido, o crime de denúncia caluniosa p. e p. no artº 365º nº 2 do Cód. Penal, tendo em consideração que, como se disse, a acusação deve conter os factos normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática.
Constituem elementos do crime de denúncia caluniosa imputado ao arguido:
1) Elementos objetivos típicos:
a) Denunciar ou lançar suspeita da prática de crime [ou falta disciplinar] sobre pessoa determinada;
b) Denúncia perante autoridade ou publicamente;
c) A falsidade da denúncia ou suspeita.
2) Elementos subjetivos especiais:
d) Ter o agente consciência da falsidade da imputação veiculada na denúncia;
e) A intenção de ver instaurado procedimento [disciplinar] contra a pessoa visada na denúncia.
Sobre o crime de denúncia caluniosa, p e p pelo 365º do Código Penal, refere o Ac. da Relação do Porto de 26.01.2011[8], que o mesmo pressupõe a criação de um perigo concreto da pessoa ofendida ver a sua liberdade posta em causa pela instauração de um procedimento persecutório: a denúncia ou suspeita tem de ser, no seu conteúdo essencial, falsa, no sentido de que, comprovadamente, a pessoa denunciada não cometeu o facto (crime, contra-ordenação ou ilícito disciplinar) por que o agente pretende vê-la perseguida.
O tipo subjetivo exige "um dolo qualificado por duas exigências cumulativas: por um lado, o agente terá de atuar com a consciência da falsidade da imputação; por outro lado e complementarmente, terá de o fazer com intenção de que contra ela se instaure procedimento. A consciência da falsidade significa que, no momento da ação o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objeto da denúncia ou suspeita".
Ou, como se refere no Ac. R. Coimbra de 15.02.2012[9], “Para o preenchimento do crime de denúncia caluniosa é necessário que o agente denuncie factos que saiba serem falsos, com intenção de fazer desencadear procedimento, seja criminal, contra-ordenacional ou disciplinar contra o denunciado, o que pressupõe, desde logo, a falsidade objectiva do que foi denunciado.
No caso em apreço, da leitura da extensa acusação de fls. 85 a 101, resulta que o Ministério Público teve a preocupação de transcrever integralmente o texto da “carta” redigida pelo arguido e enviada para a Inspeção Geral da Administração Interna, onde se dá conta da conduta do assistente na elaboração da participação do acidente ocorrido no dia 07.05.2009.
Contudo, em momento algum se alega que o assistente não praticou os factos pelos quais o arguido pretendeu vê-lo perseguido disciplinarmente ao denunciá-lo junto da IGAI. E o certo é que, fazendo parte do tipo objetivo do ilícito em causa a falsidade da denúncia ou suspeita, impunha-se que o Ministério Público alegasse e demonstrasse que a imputação de infração disciplinar feita pelo arguido não foi cometida pelo assistente e que aquele sabia que a pessoa que denunciou, efetivamente, não cometeu a referida infração. O tipo de ilícito em causa exige que o agente saiba que o visado é inocente da infração que lhe imputa e, mesmo assim, faz a denúncia. Exige-se uma denúncia objetiva e subjetivamente falsa, que esteja em desconformidade com a verdade dos factos e que o denunciante esteja plenamente ciente de tal desconformidade, o que vale dizer da mentira.
Nem tão pouco se descrimina quais os atos praticados pelo assistente falsamente denunciados pelo arguido. Transcreve-se integralmente o texto da “carta”, mas não se teve o especial cuidado de realçar os trechos da mesma em que se imputam ao assistente factos falsos de natureza disciplinar. E mesmo na parte em que se descreve a conduta do assistente, aquando da participação do acidente de viação, o Mº Público não refere que os mesmos sejam falsos, pese embora contenham “insinuações sobre a imparcialidade e probidade do assistente”.
Acresce que a alegação de que “o arguido sabia que os factos descritos na carta não correspondiam à verdade” é manifestamente insuficiente para dar cabal cumprimento à imposição contida no artº 283º nº 3 al. b) do C.P.P., já que, como se disse a narração dos factos deve ser “efetuada descriminada e precisamente com relação a cada um dos atos constitutivos do crime, pelo que se hão-de mencionar todos os elementos da infração e quais os factos que o arguido realizou”, não se bastando a alegação do elemento subjetivo, na medida em que, no que respeita ao crime imputado ao arguido, a denúncia deve ser objetiva e subjetivamente falsa.

Não contendo a acusação factos objetivos suficientes que viabilizem a condenação do arguido, não pode o tribunal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação.
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 31.03.2014[10] “a acusação fixa o objeto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a atividade investigatória e cognitória do tribunal. Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório que, nos termos do art. 32º nº 5 da Constituição, estrutura o processo penal. Deverá conter a «narração» de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança – art. 283 nº 3 al. b) do CPP.
Por outro lado, a «narração» dos factos feita na acusação não deve deixar margem para dúvidas sobre os factos ou incidências processuais a que se refere. Isso impede o uso de meras fórmulas genéricas e tabelioas que, de tão abrangentes, nada concretizam.
Ora, como se disse, do texto da acusação não resulta explícito, nem inevitavelmente implícito, que os factos denunciados pelo arguido à IGAI e imputados ao assistente fossem falsos.
Num processo muito mediático, o Tribunal Constitucional considerou que “é imperativo que a acusação e a pronúncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”. Considerou também que as “exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido” não são compatíveis com “uma mera «simplificação» da acusação…” e que não é possível uma condenação assente em “factos apenas indireta e implicitamente referidos”. Outro entendimento violaria os princípios do acusatório e do contraditório – ponto nº 67 da fundamentação do ac. 674/99 do TC de 15-12-99, disponível no sítio da internet daquele tribunal.
Finalmente, os arguidos defendem-se duma acusação e não do “processo”. Não deve ser confundida a exigência de alegação de todos os factos essenciais à condenação com a prova dos mesmos. A circunstância de determinado facto resultar da prova arrolada na acusação, não dispensa a sua alegação.
Foi esse, também, o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão já acima citado, o qual, embora tratando de questão não totalmente coincidente com a destes autos, decidiu “julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República – ac. 674/99 do TC de 15-12-99, disponível no sítio da internet daquele tribunal”.
A apontada insuficiência na acusação da narração de factos, não pode ser colmatada ou substituída pela imputação genérica dos factos relativos aos elementos subjetivos do crime. A prova de que o arguido “ao afirmar na carta os factos supra descritos relativamente ao aqui assistente, sabia que os mesmos não correspondiam à verdade” pressupõe, naturalmente, a prova prévia dos factos que preenchem os elementos objetivos do crime.
Ora, a verdade é que não foi feita a prova dos elementos objetivos do crime, pela simples razão de que os mesmos nem sequer constavam da acusação.
Conclui-se, assim que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito proferida. Contudo, não se trata de vício da sentença a que alude o artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P., uma vez que os factos supra referidos nem sequer constavam da acusação.
Por força do princípio do acusatório e da vinculação temática, com consagração constitucional (artº 35º nº 2 da CRP), o tribunal só pode investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos pela acusação. É esta que define e fixa, perante o Tribunal o objeto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objeto do processo penal.
Não constando da acusação todos os elementos objetivos do tipo, e não se tratando, como se disse, de vício da sentença suprível nos termos do artº 426º do C.P.P., impõe-se a absolvição do arguido.
Fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, absolvendo o arguido/recorrente B... do crime de denúncia caluniosa p. e p. no artº 365º nº 2 do Cód. Penal que lhe era imputado.
Sem tributação.
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Porto, 24 de janeiro de 2018
(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] In Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 145.
[4] In Os factos como matriz do objeto do processo, RMP, nº 70, ano 18º, Abril/Junho 1977, pág. 111 e segs.
[5] Proferido no Proc. nº 51/06.1TAFZZ.C1, relator Des. João Gomes de Sousa, e disponível em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc. nº 836/2006-5, Rel. Margarida Blasco, disponível in www.dgsi.pt.
[7] In Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 3ª ed., pág. 789.
[8] Proferido no Proc. nº 11018/08.5TDPRT.P1, Des. Maria do Carmo Silva Dias, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Proferido no Proc. nº 1357/09.3TACBR.C1, Des. Maria Pilar Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Proferido pelo Des. Fernando Monterroso, no Proc. nº 250/12.7IDBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt