Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1212/12.0TYVNG-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: INSOLVÊNCIA
DESPESAS A REEMBOLSAR AO AI
Nº do Documento: RP201906131212/12.0TYVNG-F.P1
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 177, FLS 95-105)
Área Temática: .
Sumário: I - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
II - O carácter prévio da autorização significa que ela só pode ser concedida antes de se recorrer ao auxílio de outrem, não sendo possível falar em autorização tácita ou aprovação tácita, ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida.
III - No que respeita às despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, o reembolso das mesmas é possível, mas não basta que o AI se limite a juntar aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e de presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação da sua actuação.
IV - Deste modo, exige-se que o AI justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores, v.g. devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza, escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, resultando daí a necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1212/12.0TYVNG-F-P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (940)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
Por apenso aos autos de insolvência em que B…, Ld.ª foi declarada insolvente, o Exmo. Administrador da Insolvência, em observância do disposto no artigo 62.º, nº 1, do CIRE, veio apresentar as contas, juntando prova documental para o efeito.
Foi notificada a Comissão de Credores para emitir parecer sobre as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 1, do C.I.R.E.
Foram notificados os credores e a devedora insolvente por éditos de 10 dias afixados à porta do Tribunal e por anúncio publicado no portal Citius para, no prazo de 5 dias, se pronunciarem, nada tendo sido dito.
Os autos foram com vista ao Digno Procurador da República, que deduziu oposição parcial à aprovação das referidas contas.
O Sr. Administrador da Insolvência, notificado do parecer do Ministério Público, veio pronunciar-se, na sequência do que o Ministério Público, veio actualizar o seu parecer, promovendo a não aprovação das contas da administração da massa insolvente, devendo aquele ser notificado para repor na conta da massa insolvente o montante de €78.313,04, correspondente ao somatório das despesas indicadas nos pontos I, II.I, II.II, II.III, II.IV, II.V da promoção antecedente, tendo em consideração o alheamento daquele do processo, a ausência de documentação, a falta de formalismo legal ou pela sua intrínseca gratuitidade.
Nessa sequência, veio de novo o Sr. Administrador da Insolvência pugnar pela falta de razão do Ministério Público e pela aprovação das contas.
Mais uma vez, o Ministério Público, promoveu a não homologação das contas, nos termos anteriormente referidos, ao que se seguiu novo requerimento do Sr. Administrador da Insolvência, onde fez apelo às regras do contrato de mandato para pugnar pelo pagamento das despesas apresentadas e da retribuição que ao caso competir.
Os autos prosseguiram os seus termos sendo proferido despacho que saneou o processo e considerou que o processo dispunha de todos os elementos necessários para que fosse proferida decisão, que de imediato, conheceria do mérito.
Foi então proferida sentença na qual se decidiu do seguinte modo:
Julgaram-se parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, com excepção das verbas referentes a comunicações tendencialmente gratuitas, no montante de € 532,50, das verbas referentes a restauração, no montante de € 1.605,55, das verbas referentes a combustíveis, no montante de € 1.177,30, nas verbas referentes a levantamentos e transferências em nome próprio, no montante de € 10.700,00, das verbas referentes a “contabilidade”, no montante de € 64.591,12 e da verba referente a “dossier e fichas”, no montante de € 62,50.
Mais se determinou que o Sr. Administrador da Insolvência reponha, no prazo de dez dias, os montantes relativos às despesas não aprovadas (num total de € 78.708,97).
O AI veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1.a- Nos termos do disposto nos artigos 647.°, n.º4 do C.P.C., requer-se que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, já que a decisão de que se recorre causa, ao recorrente, prejuízo patrimonial avultado, irreparável e incomportável, na medida em que além de pôr em causa a sua honorabilidade funcional, o referido cumprimento/pagamento cuja reposição está a ser exigida põe directamente em crise de sustentabilidade o escritório do Recorrente, impondo-lhe em abuso de direito (art.° 334.° do CC), que prossiga no interesse de terceiros uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduzirá com grande probabilidade a uma situação de insolvência (art.° 186.°, n.° 2, al. g) do CIRE).
2.a- A relação entre o AI e a MI. são aplicáveis as regras legais do contrato de mandato oneroso (arts. 1158.° a 1184.° e sgts do C. Civil) e, atenta a natureza comercial da insolvente, acrescem as especialidades do regime legal do mandato mercantil (arts. 231.° a 277.° do CComercial).
3.a- Nos termos da legislação em vigor, nomeadamente nos artigos 150.°, n.° 6 do CIRE e 22.° do Estatuto dos Administradores Judiciais, o administrador judicial tem o direito-dever de utilizar parte das somas estritamente indispensáveis às despesas correntes de administração recebidas em dinheiro e tem o direito a ser reembolsado das despesas necessárias ao cumprimento das suas funções.
4.a- O recorrente prestou as suas contas, em cumprimento do disposto no artigo nº 62°, n° 1 e 3 do CIRE e, notificados todos os credores, todos adoptaram comportamento concludente de concordância efectiva à aprovação integral das contas, não obstante parecer discordante do Ministério Público e apenas no que tange a algumas das despesas apresentadas.
5.a- Como consagra o CIRE, o processo de insolvência é um processo urgente e de execução universal, que visa a satisfação dos credores, nomeadamente através da liquidação do património do devedor insolvente, e a repartição do produto obtido pelos credores.
6.a- Os credores são os verdadeiros donos do processo de insolvência, cabendo-lhes a eles, credores, como dominus dos interesses em jogo, o efectivo domínio, a efectiva direcção do processo de insolvência e respectivos apensos.
7.a- Aplicando-se à relação entre o AI. e a Massa Insolvente as regras do mandato mercantil oneroso, todas as despesas elencadas evidenciam terem integral cabimento e mereceram integral aprovação por integralmente conformes aos usos e costumes atendíveis em sede da concreta relação contratual em causa, por se terem revelado necessárias, adequadas e proporcionadas, pelo que, sempre caberia ao Tribunal a quo validar e aprovar as contas do ora recorrente, uma vez que, notificados das mesmas, os credores a elas concludentemente não se opuseram.
8.a- Por Douta Sentença proferida 04-06-2018, veio o Tribunal a quo a proferir a Sentença de que se recorre, a qual julgou parcialmente válidas as contas apresentadas pelo ora recorrente, tendo dividido as questões a apreciar em "custo de comunicações tendencialmente gratuitas" e estranhamente em "custos alheios ao processo".
9.a- No que tange ao custo de comunicações alegadamente gratuitas, entendeu o Tribunal a quo que não seria de aceitar como despesa da massa insolvente normal e elegível o valor de 7,50€ por cada comunicação electrónica, com o que não se pode concordar.
10.a- Sempre com o devido respeito, a afirmação constante da Promoção do MP.°, e que parece ter sido inteiramente sufragada pelo Tribunal a quo, de que o equipamento informático instalado no escritório do recorrente "dispensa custos" ou que "o respectivo custo tenderá a ser nulo" padece de erro.
11.a- O custo unitário das comunicações por e-mail ou via citius foi fixado, assim como ocorre com muitos outros administradores de insolvência, por ponderação dos custos a suportar com os mesmos, sendo esse o valor tabelar do escritório do ora recorrente, à semelhança do que acontece com outros colegas, e que tem merecido acolhimento geral dos Meritíssimos Juízes, nas demais já centenas de processos em que o Recorrente exerceu a mesma actividade de administrador de insolvência.
12.a - Como é público e notório, para praticar actos no âmbito do processo de insolvência e para ter e usar eficaz e prontamente equipamento informático, tanto o recorrente, como qualquer outra pessoa, têm que pagar antecipada e designadamente os seguintes "custos materiais subjacentes nomeadamente, custos da sua aquisição; assistência técnica, licenças, internet, seguros, eletricidade, mobiliário, renda, vigilância, salários, impostos, prestações para a Segurança Social e prémios de seguros, das pessoas que utilizam tal equipamentos, papel, toner, entre muitos outros.
13.a- Assim, o valor de 7,50 € por comunicação electrónica, fax/citius e relativamente ao custo efectivo inerente às comunicações postais, corresponde ao custo/despesa efectivo/a do serviço efectivamente prestado, o qual deve ser individualizado e autonomizado como despesas.
14.a- O Tribunal a quo não coloca em causa o número de comunicações enviadas, pelo que, e apelando a um critério de razoabilidade e de equidade, sempre poderia, e deveria, fixar um valor que entendesse equilibrado e justo, para estas despesas de "economato", ou seja, despesas em papel, telefone, net e outras decorrentes do funcionamento do escritório, pronunciando-se expressamente sobre o custo alternativo que reputasse atendível, invocando-se por isso, a nulidade da Sentença por omissão desta pronúncia alternativa, o que se requer.
15.a- As despesas de restaurante - almoços ou jantares de trabalho - são custos de exercício decorrentes de despesas de representação, porque ocorreram devido ao exercício das funções do ora recorrente e dos seus colaboradores e assessores e por causa do exercício delas, obedecendo por isso a critérios razoáveis de utilidade e indispensabilidade legalmente estabelecidos nos artigos 60.° n.° 1 do CIRE, 12.°, n.° 6 e e 22.° infine e da Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro.
16.a- Tais reuniões almoço ou jantares de trabalho, resultaram de um exercício responsável e urgente dos poderes-deveres fundamentais a cargo do AI., quer de cuidado, quer de gestão, quer de representação, actuando sempre diligentemente como efectivo gestor criterioso e ordenado, sempre com clara noção e representação das efectivas necessidades desta Massa Insolvente, no que tange à disponibilidade e elevada competência técnicas.
17.a- E reconhecido pela lei, por conforme aos usos, que sejam as sociedades mandantes a pagar as refeições, as estadas, as deslocações e as demais despesas de representação dos seus administradores, gerentes, colaboradores, assessores, e trabalhadores, como no caso vertente, por decorrerem do exercício das funções de AI., nestes autos e por causa delas.
18.a- Ciente da fundamental importância para qualquer trabalhador, a CRP consagrou como direitos fundamentais, não apenas o direito à garantia dos direitos (art.°" 2.° da CRP) como ainda entre muitos outros, e em especial no artigo 59.° da CRP, os direitos: b) à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, deforma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; c) a prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; d) o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas."
19.a- Após a conclusão da liquidação o ora recorrente continuou a responder às notificações que lhe foram enviadas, quer pelo Tribunal a quo, quer pelos credores e diligenciou no sentido do rateio parcial do produto da liquidação por esses mesmos credores pelo que Douta Sentença em crise padece de erro ao defender que após o terminus da liquidação, mais nenhum trabalho foi realizado pelo recorrente e que seriam descabidas as despesas realizada após tal data.
20.a- Quanto às despesas de combustíveis, ao contrário do que parece decorrer da Sentença em crise, não se encontram duplicadas com as despesas apresentadas pelo recorrente nos termos do DL 137/2000, de 28 de Dezembro e respeitantes aos custos inerentes à utilização do seu veículo próprio.
21.a- As despesas decorrentes dos abastecimentos de combustíveis correspondem a valores que foram pagos aos assessores e colaboradores do AI. titulares dos referidos veículos ..-..-HX e ..-QA-.., que coadjuvaram o ora recorrente no exercício das suas funções ao serviço desta Massa Insolvente e consubstanciam despesas de representação, por serem actos materiais coadjuvantes da gestão e administração diligente, prudente criteriosa e ordenada.
22.a- No âmbito da actividade para a qual foi nomeado pelo Tribunal a quo, o ora recorrente necessitou de delegar em colaboradores seus diversas tarefas de averiguação dos bens da insolvente, deslocações ao Tribunal, a gabinetes de contabilidade e ao local do estabelecimento da insolvente, tendo, nesse sentido, liquidado os respectivos valores do combustível aos mesmos, motivo pelo qual, tendo sido realizadas em prol da presente massa insolvente, e dos respectivos credores, tais despesas deverão ser integralmente aprovadas.
23.a- Quanto aos alegados levantamentos e transferências em nome próprio, mais não são do que levantamentos no exercício da actividade de administrador de insolvência e, por conta das despesas e foram efectuados ao abrigo do disposto no art.° 150.°, n.° 6 do CIRE, segundo o qual, "as somas recebidas em dinheiro pelo administrador, ressalvadas as estritamente indispensáveis às despesas correntes de administração, devem ser imediatamente depositadas em instituição de crédito."
24.a- Como resulta da prestação de contas apresentada, as despesas da massa insolvente pagas através da receita obtida encontram-se plasmadas no quadro de prestação de contas junto a estes autos, na respectiva coluna de "débito Massa Insolvente".
25.a- As despesas, realizadas em nome da Massa Insolvente, adiantadas pelo ora recorrente, bem como a 1.a e a 2.a prestação de honorários, encontram- se plasmadas no quadro de prestação de contas que se encontra junto aos autos, na coluna "Débito/Crédito Administrador, com sinal negativo (-), pelo que falece a argumentação de que não se encontra esclarecido quais as despesas contempladas pelos adiantamentos referidos, pelo que tais despesas deverão ser aprovadas.
26a - Quanto à despesa com contabilidade, e como consta dos autos, após a declaração de insolvência o estabelecimento não foi encerrado, para evitar a cassação da licença pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o que diminuiria, irremediavelmente e em prejuízo de todos os credores, o valor de venda desse estabelecimento.
27.a- Como o estabelecimento continuou, ininterruptamente, a funcionar, foi necessário contratar pessoa habilitada para tratar da contabilidade da insolvente, o que sempre foi do conhecimento de todos os credores da insolvência, assim como a necessidade e a actividade desenvolvida pela empresa "C…, Lda.".
28.a- A referida empresa procedeu ao processamento dos salários dos funcionários da insolvente, uma vez que, não sendo o recorrente contabilista certificado/técnico oficial de contas, não poderia, ele próprio, proceder aos respectivos processamentos salariais (os quais, reitera-se, foram necessários para, em benefício de todos os credores desta insolvência, não encerrar o estabelecimento, com a consequente perda de alvará junto do Infarmed).
29.a- Foi também essa empresa que, em Setembro de 2015 procedeu à elaboração e entrega das devidas declarações relativas aos pagamentos de IRS e à Segurança Social, conforme documentos juntos com a prestação de contas.
30.a- O ora recorrente foi, também, acompanhado pelo sócio gerente da firma C…, Dr. D…, na recolha da contabilidade da insolvente, a fim de assegurar a correcta entrega de toda a documentação necessária, mostrando-se assim plenamente justificados os pagamentos efectuados pelo ora recorrente à empresa "C…, Lda.", também resultando da mesma prestação de contas o óbvio benefício para a massa insolvente, e para os credores da mesma.
31.a- Os serviços prestados por tal sociedade, não poderiam ser realizados pelo ora recorrente, pelo que teria o mesmo que ser coadjuvado por técnico especializado e devidamente certificado para o efeito e que, tendo em atenção os valores da liquidação, não se afigura, salvo o merecido respeito, que se tenha tratado de uma despesa manifestamente significativa para a massa insolvente.
32.a- De igual modo, a necessidade de contratação de Contabilista Certificado/TOC resulta de imperativo, quer legal, quer circular (cfr. Circulares 1/2010 e 10/2015, da AT).
33.a- No caso dos autos, o estabelecimento não foi encerrado de forma a evitar a cassação da licença pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e, como é consabido, os serviços da AT apesar de receberem a notificação nos termos e para os efeitos do artigo 65.° n.° 3 do CIRE, fazem sistematicamente letra morta do disposto no artigo 6.° do CIRE (normalmente assumem que sobre liquidação só lhes interessa o que consta dos artigos 146.° e segts. do CSC) e, nesta tormentosa e muitas vezes tenebrosa senda, fazem de conta que a não recebem e continuam de acordo com o seu privativo direito circulado garantido pela obediência hierárquica, a abusar do direito, notificando o AI. quase todas as semanas a exigir declarações que só aceitam na condição de serem prestadas apenas por TOC.
34.a- Com a declaração de insolvência a devedora não "cessou actividade comercial do estabelecimento", nem se extinguiu fiscalmente, pelo que, nos termos do art.° 65.°, n.° 3, do CIRE, a contrario, todas as obrigações declarativas e fiscais ainda se mantiveram até à venda ao estabelecimento e alvará, existindo a obrigação legal e fiscal de manter a contabilidade actualizada nos termos do art.° 29.° do C.Com. e 117.°, n.° 10 do CIRC.
35.a- Assim, viu-se o ora recorrente obrigado a manter a actividade do estabelecimento, primeiro enquanto esperava pela soberana decisão dos credores, quanto à melhor forma de liquidar o património ou viabilizar a empresa, por forma a maximizar os seus créditos e depois até efectivar a venda desse mesmo estabelecimento.
36.a- Mesmo depois de iniciada a insolvência, uma empresa continua obrigada a manter a contabilidade organizada, nos termos do art.° 123.° do C. IRC e a ter de entregar as declarações periódicas de IRC, ou IRS e IVA nos termos dos art.°s 121.° do CIRC e 78.° CIVA.
37.a- Tendo os credores decidido manter a actividade corrente até à venda do estabelecimento e do alvará por forma a rentabilizarem os activos da massa e assim minimizar os seus prejuízos, não poderia o recorrente fazê-lo à margem da lei pelo que foi neste contexto e para cumprimento dos deveres do recorrente enquanto representante da massa insolvente, que foi contratado um TOC para cumprimento das obrigações da massa, sendo que os valores cobrados pela empresa "C…, Ld.a", são os normais de mercado.
38.a - Assim, por tais obrigações decorrerem directamente da lei, o recorrente não carece de nenhuma deliberação nem de autorização, mas, em todo o caso, destaque-se que tanto o Tribunal a quo como os credores, foram sempre sabedores da actividade necessária da acessória contabilística prestada ao que nada opuseram, aceitando-a concludentemente.
39.a- Neste sentido decidiu, por unanimidade, o Ac. TRG de 19-03-2013 (Proc.° 14-64/0.0TBGMR-H.G1): "1.-A contratação pelo administrador de insolvência de serviços de advogado para efeitos de patrocínio judiciário, não depende de autorização. 2.-A contratação, pelo mesmo de outros técnicos" (incluindo, nos casos dos autos, do TOC/CC Dr. D…, para cumprimento das obrigações enunciadas nas Circulares 1/2010 e 10/2015 ambas da AT e no Ofício sem número, proc.° 523/2005 da Divisão de Concepção, da Direcção de Serviços do IRC -), "ou auxiliares, carece da concordância da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz. 3. - Criando- se, por força quer da actividade do administrador no processo, quer por força do comportamento do juiz" (ou da comissão de credores) "uma situação que permita criar expectativas no sentido de aquela actuação estar conforme às exigências legais, devem, em obediência ao princípio da confiança" (art.° 1163.° do C. Civil e art.° 240.° do Código Comercial, atenta a natureza comercial das massas insolventes em causa, ex-vi, art.° 3.° segmento final, do C. Comercial)", e não obstante o administrador ter negligenciado o seu dever de obtenção de prévia concordância judicial, validar-se as contas por ele apresentadas para pagamento dos serviços de terceiros a quem recorreu."
40.a- Consequentemente, ao afectar o trabalho e os legítimos interesses da "C…, LDA." e do seu sócio-gerente, Dr. D…, a Sentença encerra uma nulidade decorrente da denegação do contraditório a estas duas entidades.
41.a- A rubrica de "Dossiers e Fichas" é indicada na prestação de contas uma vez que é usual a consideração de um valor pela abertura do processo, visto que, segundo máximas de normalidade, tal dá origem a um dispêndio administrativo, de que não é exigível a sua documentação e que resulta do trabalho inicial de processamento da abertura do processo e aos gastos com todo o material necessário, nomeadamente material informático, papel, dossiers, ficheiros, tec, tal como os restantes agentes económicos costumam debitar, v.g. tribunais (artigos 9.° e 16.° do Código das Custas Processuais), bancos, etc. (artigo 412.° do CPCivil), e tem merecido aprovação geral, seja de forma directa, seja a título de "despesas de economato".
42.a- Aliás, os Administradores Judiciais, tal como os Advogados e os Magistrados, realizam despesas no exercício das suas funções e por causa delas, susceptíveis de comprovação mediante recibos, e outras, que dispensam tal comprovação, sendo que estas últimas, devem aferir-se em função da sua realização, que aliás se presume, bem como da sua plausibilidade e proporcionalidade, pelo que tais despesas deverão ser julgadas justificadas, elegíveis e devidas, e por isso, integralmente aprovadas.
43.a- No âmbito desta insolvência, no exercício das suas obrigações profissionais e por causa delas, o ora recorrente, teve que realizar todas e cada uma das despesas que se encontram enunciadas na prestação de contas em apreço.
44.a- Ao não julgar assim, o Tribunal a quo cometeu, sempre com o merecido respeito, a ilegalidade e inconstitucionalidade e iniquidade (art. 6.°, n.° 1 da CEDH, ex vi art. 8.° da CRP) de impor ao recorrente, o prosseguimento de uma actividade deficitária, em benefício do Estado Português, não obstante se saber, ou dever saber que esta conduziria, com grande probabilidade, a uma situação de insolvência do AI, ademais culposa (artigo 186.°, n.° 2, g) do CIRE).
45.a- Entendimento esse que além de ilegal, nos termos ditos, é abusivo do direito (artigo 334.° do C.Civil), facultando a esta MI e/ou ao Estado, um locupletamento ilegítimo à custa da imposição de um correspectivo empobrecimento ilícito em prejuízo do recorrente (artigo 473.°, n.° 2 C.Civil), sendo ainda inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 8.°, 13.°, 58.°, 59.° e 61.°, n.° 1 da CRP e inconvencional por violação do artigo 6.°, n.° 1 da CEDH.
46.a- O recorrente prestou à massa insolvente toda a sua melhor atenção, saber e experiência e praticou todos e cada um dos actos enunciados na conta corrente que já se encontra junta aos autos, tendo até adiantado do seu bolso o dinheiro necessário para que tudo fosse feito onde e como o deveria ser, prontamente e sem demoras (apesar de a tal não estar obrigado, atenta a aplicabilidade ao caso das normas que regem o contrato de mandato "in casu" mercantil (art. 243.° e 247.° do CComercial ex vi art. 3.° do CComercial e arts. 1163.°, 1167.° e 1168.° do CCivil).
47.a- Em contrapartida, tem o recorrente o direito de exigir da mandante, a presente massa insolvente, que esta lhe forneça os meios necessários à execução do mandato - Cfr. Art. 1167.°, a) do C. Civil, que lhe pague a retribuição que ao caso competir - Cfr. Art. 1167.°, b) do C. Civil e do seu reembolso das despesas feitas, que fundadamente considerou indispensáveis e até com juros legais desde que foram efectuadas - Cfr. Art. 1167.°, c) do C. Civil.
48.a- No que tange à autorização para pagamento da remuneração variável, o recorrente tem direito a ser remunerado pelo trabalho realizado, sendo que a respectiva remuneração é o resultado da articulação de duas componentes: (1) uma de natureza fixa e que se encontra estabelecida em 2.000,00€, por processo, acrescida de IVA; (2) outra de carácter variável e que resulta da aplicação de algoritmo, o qual além de considerar o resultado da liquidação da massa insolvente, considera ainda, o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
49.a - No âmbito dos presentes autos e no que se refere à remuneração fixa e dado que não foi processado qualquer adiantamento nesse âmbito pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, ela constituiu um encargo na totalidade para a massa insolvente e como tal, foi por aí paga, evidenciando-se tal pagamento na conta corrente devidamente junta aos autos.
50.a- No que se refere à remuneração variável, tendo a massa insolvente liquidez para a suportar, ao abrigo do artigo 29.° n.°s 1, 5 e 9 do EAJ, o Recorrente requereu que a mesma lhe fosse paga, já que era possível ao Tribunal a quo proceder ao cálculo e pagamento da remuneração variável devida ao ora recorrente, na medida em que, como é do conhecimento dos autos de insolvência, a liquidação destes autos encontra-se finda já há muito tempo, tendo sido o ora recorrente que diligenciou pela apreensão e subsequente liquidação dos bens da massa insolvente.
51.a- Encontrando-se finda a liquidação, estão os autos capazes e aptos a liquidar a remuneração variável devida ao ora recorrente, já que o valor relativo à remuneração variável não está sujeito a margem alguma de arbitrariedade quanto ao seu cálculo.
52.a- Ante o supra exposto, e sempre com o devido e merecido respeito, o Tribunal a quo está a cometer a ilegalidade de impor ao recorrente o prosseguimento de uma actividade deficitária, em benefício do Estado Português, não obstante se saber, ou dever saber que esta conduziria, com grande probabilidade, a uma situação de insolvência do AI, ademais culposa (artigo 186.°, n.° 2, g) do CIRE), violando assim o direito-dever do Recorrente de proteger e defender a integridade do seu património (art.°s 2.° e 62.° da CRP).
55.a - Entendimento esse que além de ilegal, nos termos ditos, é abusivo do direito (artigo 334.° do C.Civil), impondo um enriquecimento ilícito ao Estado, em prejuízo do AI (artigo 473.°, n.° 2 C.Civil), sendo ainda inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 8.°, 13.°, 58.°, 59.° e 61.°, n.° 1 da CRP e inconvencional por violação do artigo 6.° da CEDH.
Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V.ªs Ex.ªs se requer que no total provimento do presente recurso, seja a Douta Sentença recorrida revogada e substituída por Douto Acórdão, que aprove integralmente a prestação de contas do recorrente ou ordene o cumprimento do contraditório da “C…, LDA” e do seu gerente, Dr. D…, por assim ser de lei e de inteira Justiça.
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Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no âmbito deste recurso:
A de saber se deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se esta por decisão que aprove integralmente as contas apresentadas pelo apelante ou ordene a notificação da empresa de contabilidade C…, LDA e do seu gerente no sentido de justificarem as contas correspondentes aos serviços de contabilidade e acompanhamento fiscal alegadamente prestados à MI.
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Para apreciar e decidir esta questão, importa ter em conta o circunstancialismo de facto que foi dado como provado na sentença recorrida (e que agora não é questionado) e que foi o seguinte:
1. O Sr. Administrador da Insolvência foi nomeado na sentença proferida em 9.1.2013, na qual se decretou a insolvência de B…, Lda..
2. O Sr. Administrador da Insolvência apresentou as contas que antecedem, constando as mesmas de fls.4 a 20, as quais aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos.
3. Para suporte das contas referidas em 2, foram juntos os documentos de fls. 21 (doc.1) a 385 (doc.296), os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos, para todos os legais efeitos.
4. Por despacho de 2.7.2015, proferido no apenso B na sequência de requerimento apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência em 28.5.2015, foi encerrada a liquidação.
5. Nos autos foi nomeada comissão de credores em 19.3.2013.
6. O Sr. Administrador da Insolvência não obteve a prévia concordância da comissão de credores para a contratação de serviços de contabilidade e dispêndio das concretas verbas apresentadas por estes.
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Na decisão recorrida e perante tais elementos de facto foram identificadas como questões a conhecer as seguintes:
a) Custo de comunicações tendencialmente gratuitas;
b) Custos alheios ao processo
a. Restauração
b. Combustíveis
c. Levantamento e transferências em nome próprio
d. Contabilidade
e. Diversos
E em relação a cada um destes itens foi decidido o seguinte:
Custo de comunicações tendencialmente gratuitas:
“Nestes termos, impõe-se a não aprovação das despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 532,50 (71 ocorrências).”.
Restauração:
“Entende-se que estas despesas não apresentam qualquer relação com o exercício funcional de que foi incumbido o Ad. I., pelo que se impõe a não aprovação das despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 1.605,55.”.
Combustíveis:
“Assim, os abastecimentos em apreço traduzem-se em despesas inelegíveis para efeitos de contas da liquidação, pelo que se impõe a não aprovação das despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 1.177,30.”.
Levantamentos e transferências em nome próprio:
“Deste modo, apenas se pode concluir que não estamos perante despesas da liquidação que ademais nem se compreendem nem foram validamente explicadas, com o que se não aprovam as despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 10.700,00.”.
Contabilidade:
“Em face do exposto, apenas se pode concluir que não estamos perante despesas elegíveis (devidamente justificadas e previamente autorizadas) para a liquidação, com o que se não aprovam as despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 64.591,12.”.
Cumpre pois saber se tais “decisões parcelares”, que o apelante questiona, merecem ou não ser subscritas.
É consabido que ao administrador judicial, aqui designado por administrador da insolvência (AI), incumbe a gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência.
Mais se sabe que em processos desta natureza o mesmo tem competência para a realização de todos os actos que lhe são cometidos pelo respectivo estatuto e pela lei (cf. art.º 2º da Lei nº 22/2013, de 26/2, que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial (EAJ) -, tendo direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas (art.º 22º do EAJ).
O mesmo resulta do disposto no art.º 60º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que estipula que “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”.
Nas suas competências funcionais cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente as que constituem produto da alienação de bens que a integram (art.º 55º, nº 1, al. a), do CIRE).
Segundo os nºs 2, 3 e 7, do último dos citados preceitos legais:
“2 - Sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de actos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais.
3 - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
7 - A remuneração do administrador da insolvência referido na parte final do n.º 2 é da responsabilidade do administrador da insolvência que haja substabelecido, sendo deste a responsabilidade por todos os actos praticados por aquele ao abrigo do substabelecimento mencionado no mesmo número”.
Nos termos do disposto no art.º 62º do CIRE, o administrador da insolvência, por lhe caber a administração de bens e interesses alheios, encontra-se obrigado, uma vez finda a respectiva actividade, a prestar contas da mesma.
Isto sem prejuízo da informação trimestral referida no art.º 61º do CIRE, constituída por “um documento com informação sucinta sobre o estado da administração e liquidação” (nº 1) e bem assim da prestação de contas em qualquer altura do processo, sempre que o juiz o determine (nº 2 do art.º 62º).
De acordo com o nº3 do mesmo art.º 62º do CIRE, “as contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa destinado a retractar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”.
Já no que toca à tramitação da prestação de contas, estipula o art.º 64º, nºs 1 e 2, do CIRE que as contas são autuadas por apenso e o juiz fixará prazo para a comissão de credores, se existir, emitir parecer sobre elas; seguidamente os credores e o devedor insolvente são notificados por éditos e anúncio para se pronunciarem no prazo de cinco dias.
O Ministério Público terá vista do processo para o mesmo fim e depois o processo é concluso ao juiz para decisão, com produção da prova que se torne necessária.
Todos já vimos que no presente recurso, está em causa a aprovação ou a não aprovação das seguintes verbas: as referentes a comunicações tendencialmente gratuitas, as referentes a combustíveis, as referentes a levantamentos e transferências em nome próprio, as referentes a “contabilidade” e a referente a “dossier e fichas”.
Ora segundo Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2ª edição, 2013, a pág.379, a propósito do julgamento das contas apresentadas pelo administrador da insolvência, em anotação ao art.º 64º do CIRE, “a apreciação das contas permite avaliar a correcção das operações realizadas pelo administrador, bem como a eficiência da respectiva actividade, tendo por matriz referencial a prossecução dos interesses a satisfazer no processo.
Por outro lado, a análise das contas do administrador constitui hoje o instrumento por excelência do controlo de certos actos levados a cabo pelo administrador, que ele pode unilateralmente decidir e que susceptibilizam o seu próprio benefício em eventual prejuízo da massa. É o que se passa quanto ao reembolso de despesas havidas por indispensáveis ou úteis, segundo estatui o nº1 do art.º 60º, para cuja anotação se remete”.
Por outro lado e agora e anotação ao art.º 60º do CIRE, cujo nº1 estipula que o administrador tem direito, além da remuneração, às despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis, a fls. 369/370 da citada obra, escrevem os mesmos autores, depois de acentuarem que a adequação do critério constante do nº1 do art.º 60º não se ajusta ao art.º 22º do EAJ, que estabelece que o administrador tem direito ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das funções que lhe são cometidas, que não havendo razão para fazer prevalecer um diploma sobre o outro, só casuisticamente se pode apurar em que medida os seus critérios se podem ajustar.
E, criticando o facto de o legislador não ter aproveitado a revisão do CIRE e do EAJ para afastar os vícios decorrentes do facto de não serem coincidentes os qualificativos das despesas como úteis ou indispensáveis e necessárias, acrescentam o seguinte: “o que se afirma sem prejuízo do reparo que nos merece a solução do Código, ao reportar o direito ao reembolso das despesas ao critério, embora razoável, de quem as faz. Solução que consegue pecar por excesso e por defeito: inibindo um administrador criterioso e desinibindo outro que o não seja.”.
Transpondo e subscrevendo o entendimento e as considerações dos citados autores, no sentido de que a solução deve ser casuística, para o caso dos autos, o que cabe afirmar é o seguinte:
São desde logo inteiramente pertinentes os motivos constantes da fundamentação da decisão recorrida para não aprovar o pagamento das despesas referentes a comunicações tendencialmente gratuitas, restauração, combustíveis e levantamentos e transferências em nome próprio.
Assim e no que se refere a cada uma destas despesas, sufragamos os respectivos argumentos justificativos e que são, recorde-se, respectivamente os seguintes:
Custo de comunicações tendencialmente gratuitas
“Refere o Ministério Público que o Ad. I. considerou um custo de €7,50 por cada e-mail ou fax, debitando-o ao processo/massa insolvente, o que se afigura particularmente anómalo, tendo em conta que as comunicações electrónicas são processadas em equipamento informático que dispensa custos com a expedição postal, com envelopes, suporte de papel ou até impressão, ficando arquivadas em “caixa de correio electrónico”, o que significa que o seu custo tenderá a ser nulo.
Entendemos precisamente como o Ministério Público, não se compreendendo nem se aceitando como normal e elegível como despesa da massa insolvente um tão elevado valor por cada comunicação electrónica, não estando minimamente demonstrado que o valor de €7,50 por cada uma corresponde ao custo efectivo da mesma.”.
(…)
Restauração
Ora, todos os administradores judiciais almoçarão e jantarão diariamente; mas tal não legitima a imputação desse custo a um qualquer processo que lhes esteja distribuído. Note-se, por exemplo, que a primeira refeição apresentada como despesa neste item ascende a €185,80 (fls. 168), tratando-se de um jantar que terá envolvido entre 3 a 5 convivas, tendo em conta a quantidade de referências inscritas na factura respectiva, sucedendo-se diversas outras refeições (quase sempre mais de uma por factura), no mesmo estabelecimento de restauração, sendo a última delas datada de 8.10.2015, quando a liquidação se encontrava já finda (por despacho de 2.7.2015, proferido no apenso B).
Entende-se que estas despesas não apresentam qualquer relação com o exercício funcional de que foi incumbido o Ad. I., pelo que se impõe a não aprovação das despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de €1.605,55.
(…)
Combustíveis
Neste concreto item, o Sr. Ad. I. declarou ter efectuado diversos abastecimentos, nos seguintes montantes: €18,52 (gasóleo 211), €97,27 (gasóleo 213), €50,00 (gasóleo 214), €66,62 (gasóleo 216), €86,77 (gasóleo 219), €73,66 (gasóleo 221), €76,54 (gasóleo 222), €87,61 (gasóleo 225), €55,26 (gasóleo 226), €75,89 (gasóleo 231), €86,24 (gasóleo 232), €80,20 (gasóleo 235), €96,81 (gasóleo 241), €86,97 (gasóleo 250), €82,42 (gasóleo 282), €56,52 (gasóleo 291).
Também aqui não podemos deixar de concordar com o Ministério Público, por estarem em causa despesas que não apresentam relação directa com o processo de liquidação. Note-se que o valor atendível a título de ajudas de custo, para este efeito, passou a ser, com o D.L. n.º 137/2000, de 28 de Dezembro, €0,36 por quilómetro, aí se computando todos os custos inerentes à utilização de veículo próprio, custos esses que o Ad. I. profusamente reportou nos autos (vide, a título de exemplo, as 6 referências a deslocações a Vila Nova de Gaia, a fls. 4, reportando €68,40 por cada uma, o que corresponde a 190 km x €0,36).
Assim, os abastecimentos em apreço traduzem-se em despesas inelegíveis para efeitos de contas da liquidação, pelo que se impõe a não aprovação das despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de €1.177,30.
(…)
Levantamentos e transferências em nome próprio
Refere o Ministério Público, analisando as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência, que a partir de 10 de Agosto de 2013, este procedeu a movimentos financeiros em benefício próprio a partir da conta da massa, sob as referências “levantamento por conta das despesas” ou “transferência por conta das despesas”, assim afectando €10.700,00, essencialmente em “tranches” de €2.500,00, de €400,00 ou de €200,00 (vide, por exemplo, fls. 16, 17).
Tais movimentos encontram-se escriturados a débito na massa insolvente e a crédito na coluna “administrador”, o que dificulta a percepção do que foi, afinal, o total das despesas da liquidação, afectando a transparente demonstração em forma de conta corrente.
Analisando as contas prestadas e documentos atinentes, verifica-se que efectivamente não se mostram justificadas, de modo algum, as indicadas despesas. Na verdade, desconhece-se em absoluto que destino foi dado aos valores correspondentes aos levantamentos ou às transferências em apreço, sendo certo que são já inúmeras e (em grande parte) injustificadas as despesas apresentadas na presente prestação de contas.
Acresce que o Sr. Administrador da Insolvência também não esclareceu, na prestação e contas ou posteriormente, quais as despesas contempladas por tais adiantamentos, ou seja, quais as concretas despesas da liquidação que previamente suportou com dinheiro próprio, para depois proceder a tais levantamentos ou transferências.
Note-se que de acordo com o disposto conjugadamente nos artigos 62º e 64º do CIRE, a prestação de contas é uma providência judiciária conexa à acção de insolvência, que lhe é apensada e no âmbito da qual incumbe ao administrador da insolvência alegar e provar as receitas e despesas por si efectuadas no decurso da incumbência processual que lhe é entregue, sendo que das demais normas invocadas resulta, nomeadamente, que as despesas deverão ser realizadas de forma vinculada ao objecto do processo, mediante prévia autorização, quando necessária, e sempre com referencial a uma indispensabilidade ou utilidade processual efectiva.
As despesas assim apresentadas não se enquadram neste conceito, sendo que o Sr. Administrador da Insolvência nada de relevante e concreto alegou para se poder concluir pela verificação dos pressupostos necessários a considerar aquelas despesas como despesas da presente liquidação.
Deste modo, apenas se pode concluir que não estamos perante despesas da liquidação, que ademais nem se compreendem nem foram validamente explicadas, com o que se não aprovam as despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de €10.700,00.
(…)
Diversos
No seguimento do entendimento do Ministério Público, entende-se que a despesa de €62,50 a título de “dossier e fichas” não é elegível para a presente prestação de contas, não se enquadrando nas despesas tipologicamente previstas no CIRE, EAJ ou Portaria n.º 51/2005.
Consequentemente, não se aprova esta despesa, de €62,50.”.
Atento o considerável valor das verbas que estão em causa, deixamos propositadamente para agora a análise das despesas que o Tribunal “a quo” apelida “Contabilidade”.
Relativamente a estas foi a seguinte a fundamentação exarada pelo Tribunal “a quo” na decisão recorrida:
Contabilidade
Refere neste ponto o Ministério Público que “aparentemente a massa terá beneficiado dos serviços de contabilidade e acompanhamento fiscal prestados por «C…, Lda.», para o que desembolsou um quantitativo que se afigura elevado, no total de €64.591,12, assim especificado: C… 199 (€18.450,00), C… 202 (€9.225,00), Avulsas 202 (€2,60), C… 258 (€6.150,00), Avulsas 258 (€2,60), C… 267 (€18.450,00), Despesas 267 (€3,64), C… 286 (€3.075,00), Despesas 286 (€3,64), C… 294 (€9.225,00), Despesas 294 (€3,64).”.
Tal como referido pelo Ministério Público, verifica-se que as “despesas” nos valores de €2,60 e €3,64 não estão documentadas, o que se considera bastante para a não aprovação destas despesas.
Cumpre ademais relembrar, como o referiu o Ministério Público, que a assembleia de credores de 19.3.2013 deliberou o encerramento do estabelecimento e a liquidação do activo, com o que seria residual a subsequente produção de registos e declarações contabilísticas; mas tal assim não sucedeu, pois em 2015 os custos dispararam, como se pode ver através dos documentos em apreço, altura em que a liquidação estava finda, tal como finda estava a liquidação quando se apresentou, por exemplo, a despesa de €9.225,00 (26.1.2016).
Por fim, impõe-se referir que não estamos aqui perante uma despesa de reduzido significado, sendo certo que nos termos do disposto no art.55º, n.º 3 do CIRE, “o administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”.
Não foi aqui demonstrado, salvo o devido respeito, estar em causa algum acto/serviço que não pudesse ter sido praticado pelo próprio administrador da insolvência ou um acto a praticar de forma urgente que impusesse a dispensa da autorização da Comissão de Credores (caso, ainda assim, que importaria informação posterior); dito de outro modo, entendendo o Sr. Administrador da Insolvência que devia recorrer a serviços de contabilidade, deveria ter pedido autorização à Comissão de Credores, entendendo-se que só está dispensado de a pedir quando o recurso a outras entidades (como a advogado em causas onde o patrocínio é obrigatório) é obrigatório, o que não foi demonstrado nos autos.
Assim, se o Sr. Administrador da Insolvência decidiu, por sua livre iniciativa, recorrer aos serviços de contabilidade de um prestador de serviços sito em local não só distante do centro de interesses da insolvente, como até do seu próprio escritório (o que não se mostra suficientemente explicado, justificado e autorizado), sem a prévia concordância da comissão de credores e do tribunal, sibi imputet, considerando-se que a massa insolvente não terá que ser responsável pelo pagamento dos respectivos honorários.
Em face do exposto, apenas se pode concluir que não estamos perante despesas elegíveis (devidamente justificadas e previamente autorizadas) para a liquidação, com o que se não aprovam as despesas assim apresentadas, que ascendem ao montante de € 64.591,12.”.
Perante tal argumentação a qual merece, como já vimos, a discordância do apelante, importa tecer as seguintes considerações:
A este propósito referem os supra citados autores, a fls.346 da obra igualmente citada e em anotação ao art.º 55º, nº3 que “o administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.”.
Não deixam no entanto, de assumir o risco de que tal posição seja acusada de excessivo rigor, salientando que o CIRE “leva a ideia da pessoalidade do cargo ao ponto de rejeitar o recurso ao auxílio de terceiros e do insolvente, com ou sem remuneração, quando não haja prévia autorização da comissão de credores”, referindo também que “de resto, ainda quando autorizada competentemente, a intervenção de técnicos ou outros auxiliares do AI é sempre imputável a este, que assume para si a correspondente responsabilidade, sem prejuízo da que àqueles couber pessoalmente na qualidade de agentes materiais.”.
Ora como é sublinhado, entre outros, no acórdão da RE de 11/5/2017, Processo nº114/15.2T8RMZ-D.P1, disponível em www.dgsi.pt., o carácter prévio da autorização significa que ela só pode ser concedida antes de se recorrer ao auxílio de outrem, não sendo possível falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida. O simples silêncio dos credores ao longo das diligências realizadas, não pode ter o significado que o recorrente lhe atribui. Cada um dos credores pode, muito legitimamente, ter partido do princípio que a autorização existia por ter sido autorizada pelo juiz.
Vai também neste sentido o que se afirmou no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 20/6/2017, Processo nº1079/11.5T2AVR-G.P1, www.dgsi.pt: “assim, no que concerne às despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, o reembolso das mesmas é possível, mas não basta que o AI se limite a juntar aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e de presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação da sua actuação. Pois desde logo, exige-se que o AI justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores, v.g. devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza, escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, daí a necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar.”.
No caso dos autos, o apelante, cuja remuneração variável contempla já o resultado da liquidação da massa insolvente (nº2 do art.º 23º do EAJ) não obteve a prévia concordância da comissão de credores para a contratação de serviços de contabilidade e dispêndio das despesas agora em causa.
Em face deste entendimento, mais não resta do que também aqui sufragar a fundamentação que sustenta a decisão recorrida, não havendo sequer fundamento legal para nesta fase processual e como sugere o apelante, se dar cumprimento ao “contraditório” relativamente à empresa de contabilidade cujos serviços resolveu então contratar.
Em suma e com todo o respeito que nos merece a opinião aqui defendida pelo requerente/apelante, não aceitamos que se diga que a decisão recorrida violou as diversas disposições legais (nacionais e transnacionais) ali referidas, nomeadamente as que estão melhor identificadas nas conclusões 52.ª e 53.ª das suas alegações de recurso.
Improcede, deste modo, o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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………………………………………
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pela massa insolvente.
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Notifique.

Porto, 13 de Junho de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço