Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3782/15.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
SERVIDÃO ELÉCTRICA
INDEMNIZAÇÃO PELA DESVALORIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202105113782/15.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Sendo a servidão administrativa é um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem, “in casu” estamos perante a constituição de uma servidão administrativa decorrente da passagem de linha eléctrica aérea em alta tensão pelo prédio do autor.
II - Em matéria de servidões eléctricas é aplicável o regime jurídico previsto no DL n.º 43.335, de 19.11.1960, em vigor à presente data, como resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 2, do DL n.º 172/2006, de 23.08 e ainda atento o preceituado no art.º 8.º n.º3 do C.Exp.
III – Não obstante a passagem da linha eléctrica na afectar a capacidade/aptidão edificativa do prédio do autor, na parte em que ela é permitida pelo PDM, a sobrepassagem de tal linha eléctrica em alta tensão pelo prédio afecta-o/constringe-o na medida em que, por força de lei, fica criada uma zona/faixa de protecção da linha de 12,5m de comprimento para cada lado do eixo da dita linha.
IV- E verificando-se que essa mesma zona/faixa de protecção da linha tanto existe na área do prédio de 3.353m2, situada, face ao PDM, em solo classificado de “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional” como na restante área do mesmo de 1.192m2, situada em área classificada como “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”, onde fica afectada uma área (triangular) correspondente a cerca de 90m2, ocorre um prejuízo para o autor pela redução do rendimento possível da primeira área e ainda uma desvalorização do valor do terreno, em termos de mercado, da segunda área.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3782/15.1T8VFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
- Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3
Recorrentes – B…
- C…, S.A
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues

I – B… instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C…, S.A., com sede em Lisboa, pedindo:
- a condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de €60.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que: é proprietário de um prédio constituído por terreno a pinhal e mato, sito no lugar …, … e que, por decisão do Director Regional do Ministério da Economia e do Emprego, foi à ré atribuída Licença de Estabelecimento para a Instalação Eléctrica da linha LN Aérea 60KV SE … (REN)-SE …, cuja passagem concreta só foi fixada em 2015. Ora, a ré comunicou ao autor, por carta de 8.04.2015 que iria proceder à construção da linha pelo prédio do autor e que, após as obras, seria feito um percorrido à linha para avaliar os prejuízos causados e estabelecer uma indemnização nos termos do art.º 37 do DL 43335 de 19.11.60.
Efectivamente a referida LAT passa pelo prédio do autor, em linha longitudinal, atravessando-o sensivelmente pelo meio e no sentido sul/norte, afectando-o em todo o seu comprimento e que foram colocados os fios condutores da energia eléctrica em Alta Tensão.
O autor, atenta a desvalorização substancial do seu prédio pela passagem longitudinal da linha, invadindo-o aereamente e colocando nele suportes, ficando prejudicado com a área de protecção e afectação à referida linha, pretende ser indemnizado de todos os danos que lhe foram causados.
As partes não lograram alcançar um acordo quanto a essa indemnização. Sendo certo que o prédio tem uma área de ha-0,373800 e foi adquirido em 11.11.1980, com destino à construção e/ou para venda para construção, atenta a localização em zona de construção e de expansão urbana, confiante com via pública importante que liga a parte norte do concelho da … a …, ligando as freguesias v.g …, …, … e insere-se no PDM numa área urbana condicionada e antes da passagem da LAT, tinha um valor de mercado superior a €100.000,00.
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Foi deduzida e admitida a intervenção principal espontânea pela esposa do autor, D…, que fez seus os articulados do mesmo.
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Devidamente citada, a ré veio contestar pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, começou por excepcionar alegando que, sendo concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão em todo o território nacional, tem o direito de solicitar a constituição de servidões sobre imóveis sempre que tal se mostre necessário ao estabelecimento da rede eléctrica de serviço público, que se manifesta no atravessamento de prédios particulares com linhas aéreas, na implantação dos apoios que servem de suporte às mesmas e na construção de todas as infra-estruturas relacionadas com a exploração das linhas e que no processo de licenciamento em causa, a autora não apresentou qualquer reclamação contra a aprovação do projecto.
Mais alegou que a referida linha eléctrica tem uma extensão total de 7,81597 km e no que ao prédio do autor respeita, apenas ocupa uma extensão de 42 metros, onde não foi colocado qualquer apoio da linha. Assim, apenas será necessário constituir uma faixa de protecção com a área de 1.050 m2, o que contudo não sucedeu em virtude de a ré ter sido impedida de dar cumprimento à disposição legal por o autor ter negado acesso ao seu prédio e não ter concedido autorização para que a faixa de protecção fosse estabelecida.
Os condutores da linha eléctrica distam do solo 27 metros na sua condição de flecha máxima, o que significa que a altura desses condutores nunca será inferior aos referidos 27m. A ré cumpre as disposições legais aplicáveis aos limites dos campos electromagnéticos, que no ponto em que os condutores da linha mais se aproximam do solo e nas condições de carga máxima da linha não atingem os limites máximos e que no caso os campos electromagnéticos são completamente inócuos para quem se encontre na proximidade da linha.
O prédio do autor não perdeu a sua aptidão aedificandi, mas que mesmo assim o autor poderá exigir da ré as modificações necessárias à execução das edificações que vieram a ser licenciadas pela respectiva Câmara Municipal, nos termos previstos na legislação aplicável. Quanto ao povoamento eucaliptal do prédio, o autor poderá manter toda a cultura florestal pretendida no terreno em causa, sendo apenas necessário proceder à desarborização para efeitos de constituição da faixa de protecção (o que lhe é imposto legalmente), podendo contudo o autor continuar a utilizar a zona da faixa de protecção à linha para outras actividades, designadamente para apoio a eventuais construções a edificar, ou mesmo para a exploração agrícola não florestal.
Por fim, alegou que a invocada desvalorização do prédio não cabe na previsão na norma aplicável em matéria de indemnizações pela constituição de servidões eléctricas.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se fixou o objecto do litígio e se elencaram os temas da prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento após o que foi proferida decisão de onde consta: “1) Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré C…, S.A., a pagar ao autor B… a quantia de €5.319,00 (cinco mil, trezentos e dezanove euros) — correspondendo à soma dos valores parcelares de €2.007€ e de €3.312,00€ —, acrescida de juros moratórios civis, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento (…)”.
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Inconformado com a tal decisão, dela veio o autor recorrer de apelação pedindo a sua revogação e em sua substituição por outra que fixe a indemnização global pela desvalorização do prédio do autor/apelante em €50.000,00.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e manifestamente prolixas conclusões:
1. De entre os factos provados foi dado como provado - facto 24. - A passagem da LAT não afecta a capacidade aedificandi do prédio id. em 1).
2. E dado como provado - Facto 25. - A passagem da LAT no prédio id. em 1), afecta o valor do solo do prédio classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, na área (triangular) correspondente à margem nascente de segurança de 12,50m, assinalada na p.1 do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019, correspondente a cerca de 90m2.
3. O facto dado como provado em 24 é incompatível com a demais prova produzida e com a douta exegese feita pelo Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos ínsitos sob os pontos 25. e cotejados com os pontos 4. 11, 12, 15, 16, 21 e 22. dos Factos Provados, pois,
4. O prédio id. em 1) encontra-se inscrito na respectiva matriz, com a área de 3.782m2, mas tem a área real de 4.545m2;
5. A LAT atravessa o prédio na transversal e no sentido SO-NE na segunda linha do mesmo em relação ao arruamento;
6. A LAT foi instalada, tendo atravessado o prédio do autor (sobrevoando-o) na transversal num comprimento de 45 metros, dando origem a uma área de afectação para efeitos de protecção da linha de 1.115 m2 (12,5m de comprimento para cada lado do eixo da linha);
7. A LAT sobrepassa o terreno numa zona mais interior do mesmo, cuja projecção dista, no seu ponto mais próximo, cerca de 6,4m para além da área do solo classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, junto à estrema poente do terreno e a uma altura de cerca de 27 metros;
8. De acordo com o PDM do local, da área total do prédio, 3.353m2 encontra-se inserido em solo classificado de “espaço florestal de produção e em reserva ecológica nacional” e a restante área de 1.192m2, na parte que confina com o arruamento público a sul, classificada no PDM como “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”;
9. O prédio tem, à data de 04.11.2019, uma área potencial de construção de 629m2 (3x 190m2 + 6,60mx9m);
10. Na parte edificável (1.192m2), à data de 04.11.2019, o solo tinha o valor de €36,80/m2 (totalizando €43.865,60.
11. Na motivação da sentença aduz-se “No entanto, resulta do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019 [fls. 267], que é reservada uma distância de segurança de 12,5m para cada lado (nascente e poente) da LAT. Essa distância de segurança implica a existência de uma área triangular, dentro do espaço residencial nível III urbanizado, que fica afectada pela passagem da linha de alta tensão — ainda que não afecte a capacidade aedificandi stricto, condiciona-a, face às exigências legais decorrentes da referida margem de segurança: ”concluindo o Tribunal que a área do terreno classificada como “Espaço Residencial de Nível III” fica afectada numa área de 90m2 conforme facto 25.
12. Porém, a resposta dada ao ponto 24. não pode ter a abrangência que lhe é emprestada pela forma genérica e global como é dada como provada porquanto tal briga com a resposta 25. conjugada com as outras supra descritas respostas.
13. Assim, impõe-se que a resposta dada ao ponto 24. dos Factos Provados deve ser substituído por outra resposta, indicando-se a seguinte: “Factos Provados 24. A passagem da LAT afecta o valor do prédio id. em 1), condicionando a sua capacidade aedificandi.“
14. Já os Factos Não Provados sob pontos ii), iii), iv), v) e ix) deverão ser dados por Provados nos termos que se indicam infra.
15. Como decorre dos factos provados e mormente do expendido quanto aos pontos 24.e 25 conjugados com os pontos 4, 11, 12, 15, 16, 21 e 22, o prédio do autor ficou afectado pela passagem da LAT por força área reservada como distância de segurança de protecção da Linha, sendo tal espaço de 12,5 metros para cada lado da LAT.
16. E ficou afectado na área com capacidade aedificandi porque ficou condicionada face ao facto de a área de protecção da LAT incidir nesse espaço numa área de 90m2, implicando condicionamento às exigências legais para poder construir.
17. Finalmente, face ao depoimento evidenciado na motivação e que é correcto, prestado pela testemunha, E…, como que certifica um facto notório.
18. Diz-se claramente na motivação que a testemunha depôs no sentido de que os interessados na compra do terreno, deparando com uma Linha da C… rejeitam ou constitui pretexto para comprar mais barato, referindo que a zona tem muita procura para construção, inclusive emigrantes, sendo que a rua em causa dá acesso a muitos lugares.
19. Pelo que tais pontos devem ser dados como provados nos termos seguintes:
ii) - O prédio do autor fica afectado, pela passagem da LAT, na parte com capacidade aedificandi, condicionando a construção , impedindo-a numa extensão de 90m2, e, na parte de florestal impedindo o crescimento de árvores.
iii) A existência da LAT implica uma perda de aptidão construtiva do prédio id. em 1) dos factos provados numa área de 90m2 e condicionada na restante área construtiva.
iv) A perda referida em iii) afecta todo o valor da unidade predial.
v) O prédio id. em 1) está situado numa zona de forte crescimento urbano, onde proliferam, além das habitações do referido em 19) dos factos provados, existem edificações destinadas ao comércio e à indústria.
20. Face aos Factos Provados temos que o prédio do autor, quanto á parte edificável que foi calculada em 1.192m2, tinha o valor, á data de 04.11.2019, de €43.865,60 tendo por base o preço de €36,80/m2.
21. O local é numa zona em forte expansão urbana (ponto 20), sendo o espaço edificável Espaço Residencial de Nível III urbanizado o qual permite o máximo de utilização do solo de 0,70 com o número de pisos até 3 pisos com aproveitamento de desvão do telhado, potenciando uma área de construção de 629m2.
22. Acrescendo a área restante do prédio, 3.353m2, espaço florestal, fica afectada na sua capacidade de uso e exploração florestal pelo facto de ser sobrevoada pela LAT em quase toda a sua extensão, nesta parte se aceitando a perda de rendimentos florestais arbitrada de €2.007,00.
23. Uma coisa é a perda de rendimentos outra é a desvalorização substancial do prédio que perde o seu valor de uso e sobretudo de troca e o autor tem que ser indemnizado pelos rendimentos que deixa de poder auferir, pela perda de rendimentos, pela perda da capacidade e condicionalidades de construção e pela desvalorização substancial do valor do seu prédio.
24. Pois, nestes casos do prédio do autor atravessado pela LAT, deixam de poder ser usados para edificação a plêiade de edificações restringidas pela Lei n.º 30/2010 de 02.09 e o subsequente DL n.º11/2018 de 15.02, o Tribunal “a quo” não teve em devida conta tais factos na fixação da justa indemnização, ficando-se por um valor diminuto que se atém apenas a um elemento objectivo.
25. Assim, tendo em conta o que se entende por justa indemnização no quadro constitucional vigente e de acordo como princípio actualista na interpretação das leis deve a indemnização ser fixada tendo em conta todas as restrições e desvalorizações da propriedade, na esteira v.g. Acórdãos TRL de 16.11.2010, TRP de 12.04.2012, do Tribunal dos Conflitos de 19.06.2014 e Ac. TRE de 27.04.2017.
26. Evidencia-se assim uma Jurisprudência constante e clara sobre a justa indemnização a fixar pela passagem da LAT e constituição da servidão administrativa, duradoura, causadora de danos certos, efectivos, actuais e um prejuízo substancial para o prédio do autor que jamais terá interessados em tal prédio edificar ou residir próximo das linhas de alta tensão.
27. Tais servidões administrativas, uma vez estabelecidas, são praticamente inalteráveis e imodificáveis, quanto à sua passagem.
28. E, no caso como dos autos em que estão em causa linhas de tensão de 60KV basta o parecer do concessionário no sentido de que é tecnicamente inconveniente para as linhas não serem alteradas, para elas permanecerem duradouramente, o que é um facto notório.
29. Trata-se de dano, certo e evidente imposto ao autor e que tem que ser indemnizado de acordo com a jurisprudência citada, de acordo com a Constituição e o Código da Expropriações e fazendo jus a toda a recente legislação, não podendo o autor sofreu um sacrifício no seu direito de propriedade que fica desvalorizado substancialmente sem que tal lhe seja indemnizado.
30. Assim, o valor a indemnizar terá que ter em conta o valor do solo referido no ponto 22. dos Factos Provados acrescendo ao valor fixado para a perda de rendimento florestal.
31. Critérios que nos permitem chegar ao que se tem por justa indemnização, atento o facto de o autor ter adquirido a propriedade destinada a construção, ter pago impostos por essa natureza do prédio e ter tido a fundada spes de edificar e obter créditos.
32. Pelo que o valor global a fixar para a justa indemnização deve ser de €50.000,00, por ser equitativo e realizar a justiça.

A ré/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela improcedência do recurso do autor/apelante e interpôs também recurso subordinado pedindo a revogação da decisão recorrida e que seja o pedido apresentado pelo autor julgado totalmente improcedente.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e também prolixas conclusões:
A. O DL n.º 172/06, de 23 de Agosto (com a redacção conferida pelo DL n.º 215-B/2012, de 08 de Outubro) prevê, no n.º 2 do seu artigo 75.º, que se mantêm em vigor - até à aprovação de nova legislação - as disposições do DL n.º 43.335, de 10 de Novembro de 1960, na matéria relativa à implantação de instalações eléctrica e à constituição de servidões.
B. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 8.º do Código das Expropriações manda aplicar a legislação especial à constituição das servidões e à determinação da indemnização.
C. Assim, dúvidas não restam que o DL nº 43.335 é uma lei especial e que a sua aplicação se impõe na matéria versada nos autos, designadamente no apuramento dos danos indemnizáveis e no quantum indemnizatório devido em virtude da sobrepassagem da LAT.
D. Assim, desde logo se verifica uma contradição nos fundamentos de Direito da sentença recorrida, uma vez que, embora aí se admita que não houve uma expropriação (v. pág. 20, 2.º parágrafo), são concomitantemente citadas e aplicadas, uma lei geral (que é o Código das Expropriações) e uma lei especial (que é o DL n.º 43.335 de 19.11.1960).
E. Atenta a natureza precária e não definitiva das servidões deverá apenas ser atendida a disciplina constante do DL n.º 43.335, que é uma lei especial.
F. Deverá igualmente fazer-se uma aplicação directa da disposição prevista no artigo 37.º do DL n.º 43.335, entendendo como indemnizáveis os danos certos e atuais que se verificam à data de constituição da servidão, designadamente aqueles que: a) resultam da diminuição das propriedades; b) resultam da perda de rendimento; c) sejam provenientes da construção das linhas, onde, s.m.o., não se encaixa a desvalorização considerada pelo tribunal recorrido, precisamente por não se tratar de um dano certo e actual.
G. No que respeita à perda de rendimento florestal, a sentença recorrida condenou a recorrente a pagar ao recorrido o montante de €2.007,00, sendo certo que tal montante não é devido uma vez que não se verifica qualquer dano, por não ter ocorrido corte de árvores, nem ter sido constituída a faixa de protecção.
H. A págs. 18. da sentença recorrida expressamente se refere que “(…) conforme foi apurado pelos senhores peritos que se deslocaram ao local, não houve qualquer corte de árvores, razão por que, de igual modo, não foi produzida qualquer prova da existência desta espécie de prejuízo”, sendo certo que o relatório pericial de 17.12.2016 - expressamente refere a págs.2 que “verificou-se no terreno que está concluída a construção da linha e que não houve corte de árvores aquando da construção da mesma.”.
I. Contudo, em clara oposição a estes fundamentos, vem a sentença condenar a recorrente a pagar ao recorrido a quantia devida pelo corte de árvores, associado à perda de rendimento florestal por constituição da faixa de protecção, entendendo a recorrente que existe aqui uma oposição entre os fundamentos da sentença e a decisão, facto que motivou a reacção própria junto do Tribunal recorrido e que, por mero cautela, aqui também se alega.
J. Resulta da lei geral e da lei especial que o pagamento daquela indemnização de €2.007,00 calculada pelos senhores peritos pressupõe o corte das árvores e a constituição da faixa de protecção, ou seja, pressupõe que ocorra o dano, o que não se verifica no caso em apreço, conforme de resto constatado na sentença, pelo que a decisão assim proferida tem a virtualidade de enriquecer o recorrente, em vez de o indemnizar, pois obriga a recorrida a pagar uma quantia a título de indemnização sem que tenha ocorrido o dano correspectivo.
K. Por outro lado, em violação do disposto no artigo 37.º do DL n.º 43.335, o Tribunal a quo considerou como indemnizável a desvalorização referente a um condicionamento imposto pelo DL n.º 11/2018 à área triangular de 90 m2 incluída em zona edificável, destacada da zona de protecção à linha obtida por aplicação do artigo 28.º do RSLEAT, calculando a esse título uma compensação no valor de €3.312,00.
L. Desde logo, constata a recorrente que o Tribunal a quo já havia considerado a indemnização devida pela constituição da faixa de protecção, pelo que, s.m.o, nos parece haver aqui uma duplicação de compensações com fundamento no mesmo facto, como seja, a constituição da faixa de protecção à linha.
M. Por outro lado, entende a recorrente que o conceito de “quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas” a que se refere o artigo 37.º do DL n.º 43.335 deve ser entendido como aqueles que resultam directamente das obras de construção (como por exemplo a destruição de culturas e de instalações), sendo também esse o sentido que se estrai da Base XX anexa ao Dec. Lei nº 172/2006, de 23 de Agosto, que reproduz o texto da Base XIII anexa ao Dec. Lei n.º 185/95, de 27 de Julho, – “proceder à reparação de todos os prejuízos que resultem dos trabalhos executados”.
N. Assim, parece-nos que a sentença incorre em erro na interpretação actualista que faz da legislação citada, designadamente do artigo 37.º DL n.º 43.335.
O. Logo à partida, também o DL n.º 43.335 teve em consideração o direito de propriedade privada, tanto mais que o artigo 8.º n.º15 da Constituição da República de 1933 consagrava o direito de propriedade como um dos direitos dos cidadãos.
P. Por outro lado, o direito de propriedade foi considerado e ponderado na redacção do DL n.º 43.335, tendo, o legislador ponderado a articulação entre os direitos e interesses em jogo, concluindo que: “Por outro lado, as linhas eléctricas de transporte e de distribuição de energia têm uma função de interesse público que transcende de longe as conveniências dos respectivos concessionários; e sobretudo as grandes artérias da rede eléctrica nacional, designadamente as de tensão igual ou superior a 60 kV, não podem estar sujeitas a frequentes deslocações, porque delas resultam inconvenientes de ordem técnica e até irregularidades no abastecimento de energia, como facilmente se compreende. Evidentemente, há que respeitar o direito de propriedade, mas há também que subordiná-lo ao interesse público.”, mais dizendo quanto ao direito de propriedade que o mesmo se mantém intacto “quando se mostre que o seu exercício não provém de simples capricho (…).
Q. Por outro lado ainda, não obstante o DL n.º 43.335 ter sido publicado em 1960, a verdade é que o Código das Expropriações – publicado em 1999 – continua a remeter para aquela legislação especial, sem qualquer reserva, não obstante as várias alterações que foi sofrendo.
R. Mais ainda: o legislador ainda não alterou a redacção do DL n.º 43.335, pelo que, em face de tudo e com o devido respeito, parece ousada a interpretação que o tribunal a quo faz de um diploma transversal ao sector eléctrico e fundamental na actividade de serviço público, sendo certo que se mantem inalterados os pressupostos teleológicos daquele diploma, designadamente no que respeita à importância da electrificação e à repercussão que o incremento das indemnizações arbitradas tem no custo de obras e, consequentemente, no valor da tarifa eléctrica.
S. Por isso, considera a recorrente que novas interpretações do artigo 37.º do DL n.º 43.335 devem ser promovidas em sede própria, observando o processo legislativo constitucionalmente previsto, com audição dos parceiros económico sociais e com ponderação de todos os interesses – públicos e privados – em jogo.
T. Assim, entende a recorrente que os danos indemnizáveis e atendíveis pelo artigo 37.º do referido diploma deverão ser certos e atuais, tal como se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 1974, proferido no âmbito do Processo 064767, que determina que: “A indemnização a que se refere o artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, determina-se em função de danos certos e atuais e não dos que eventualmente possam resultar quanto a possíveis actividades futuras no prédio onerado com a servidão (…)”; e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03 de Abril de 1995, proferido no âmbito do processo 9410559, citado supra, consagrando que: “Devem ser certos e atuais os prejuízos, indemnizáveis, provenientes da construção de linhas eléctricas”.
U. Ora, a desvalorização considerada pelo Tribunal recorrido – relacionada com a aplicação do DL n.º 18/2011 - não representa um prejuízo certo nem actual, nem mesmo previsível, pelo que não merece a tutela jurídica do artigo 37.º do DL n.º 43.335.
V. Desde logo, o recorrido não demonstrou que efectivamente pretende levar a cabo qualquer construção no prédio em causa, não existindo projecto de construção aprovado pelas entidades competentes, pedido de emissão de licença ou contacto para o efeito.
W. Por outro lado, na eventualidade de se verificar uma nova construção, a recorrente seria obrigada a promover as alterações necessárias na linha para que a construção se efectuasse no prédio em causa nos autos - tal como previsto no artigo 44.º do DL n.º 43.335 - ou, em última instância – poderia até ser intimada a adquirir o prédio onerado, tal como prevê o artigo 45.º do DL n.º 43.335.
X. Ou seja, a posição do recorrido estará, como sempre esteve, acautelada, parecendo-nos, s.m.o., que o DL n.º 43.335 salvaguarda de forma integral o direito de propriedade e os interesses do recorrido, enquanto proprietário do prédio onerado.
Y. Não compreende assim a recorrente como o Tribunal a quo pode simplesmente ignorar a tutela que o DL n.º 43.335 confere ao proprietário – que prevê, inclusivamente, a possibilidade de aquisição do prédio onerado – e opta por acolher danos futuros e hipotéticos, o que tem como resultado um enriquecimento indevido do recorrido.
Z. Verifica-se que a sentença recorrida apenas fez uma aplicação genérica e teórica do DL n.º 11/2018, ignorando e desprezando se efectivamente vai ocorrer uma construção, se a LAT vai ser efectivamente impeditiva dessa construção ou se vai ser modificada em consequência dessa construção ou até se o prédio vai ser adquirido pelo concessionário.
AA. O Tribunal recorrido não poderia ignorar - como ignorou – que o arbitramento destas indemnizações deve ser feito de forma sistémica, em consideração pela concessão de serviço público e em respeito pelo desejável equilíbrio do sector, tendo em conta que o valor arbitrado terá repercussões no valor da tarifa, impondo a todos um sacrifício em prol do benefício de apenas um.
AB. O Tribunal recorrido olvidou ainda que o dano emergente da violação do direito de propriedade apenas se concretiza ao nível das privações concretas que a coisa proporciona, sendo certo que, no caso em apreço, não se verifica nenhum dano actual, nem sequer previsível, porquanto o recorrido, em momento algum, alegou, nem por essa razão logrou provar, ter projecto de construção aprovado (ou não) para o local e que a presença da LAT o impediu de concretizar.
AC. Ao condenar a recorrente no pagamento de indemnização por dano virtual e hipotético, violou por erro de aplicação e interpretação o disposto nos artigos 37.º e 43.º e seguintes do Dec. Lei n.º 43335, e bem assim a Base XX anexa ao Dec. Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, e o artigo 564.º do Código Civil.
AD. Pelo que é de inteira Justiça que se declare procedente a presente apelação e, em consequência, seja revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare totalmente improcedente o pedido deduzido pelo recorrido.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Encontra-se inscrito a favor do autor na matriz predial rústica da União das freguesias de …, sob o artigo 984 e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial sob o n.º 822, da freguesia de …, o prédio constituído por terreno a pinhal e mato, sito no lugar …, …, a confinar do norte com caminho, do sul com Estrada-…, do nascente com F… e do poente com G…, conforme doc. 1 e 2 juntos com a petição, cujo teor se considera reproduzido.
2. O prédio id. em 1) adveio à titularidade do autor por contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada em 11.09.1980, conforme doc. 3 junto com a petição, cujo teor se considera reproduzido.
3. O autor, por si e seus antepossuidores, usam o prédio id. em 01), fabricando-o, cultivando-o e colhendo os seus frutos, à vista de todas as pessoas sem oposição de quem quer que fosse e na convicção perfeita de não ofenderem direitos de outrem, pagando os impostos a ele referentes, há mais de vinte anos, com a convicção de exercerem um direito de propriedade sobre o mesmo.
4. O prédio id. em 1) encontra-se inscrito na respectiva matriz, com a área de 3.782m2, mas tem a área real de 4545m2, conforme relatório da 4.ª perícia junto aos autos (de 04.11.2019), cujo teor se considera reproduzido.
5. O prédio id. em 1) confronta com um arruamento municipal, que faz a ligação entre o lugar … da ex-freguesia de …, com o lugar …, da ex-freguesia ….
6. A ré C…, S.A é concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão em todo o território nacional.
7. Em Agosto de 2012 a ré apresentou junto da Direcção Regional da Economia do Norte, do Ministério da Economia e do Emprego, um pedido de licenciamento para a construção de uma linha de alta tensão, a 60 kV, entre a Subestação da REN sita no concelho de … e Subestação explorada pela ré no mesmo concelho – a denominada “LN 60 kV SE … (REN) – …”.
8. No âmbito do referido pedido de licenciamento, que correu termos por aquele Órgão do Governo sob o número “EPU 36766”, o projecto da referida linha foi tornado público através de éditos publicados no Diário de Notícias de 11.10.2012 e no DR 2.ª Série, n.º 204, de 22.10.2012.
9. Por decisão do Director Regional do Ministério da Economia e do Emprego, foi à ré C…, S.A, atribuída Licença de Estabelecimento para a Instalação Eléctrica da linha LN Aérea 60KV SE … (REN)-SE …, cuja execução decorreu em 2015.
10. Em 08.04.2015, a ré remeteu à autora a carta cuja cópia foi junta sob doc. 4 com a petição inicial, cujo teor se considera reproduzido, comunicando que iria proceder à construção da linha LN 60Kv…(REN)- …, pelo prédio id. em 1).
10. A referida LAT atravessa o prédio id. em 1) na transversal e no sentido SO-NE na segunda linha do mesmo em relação ao arruamento, conforme levantamento topográfico realizado pelo colégio de peritos, cujo teor se considera reproduzido.
11. A LAT foi instalada, tendo atravessado o prédio do autor (sobrevoando-o) na transversal num comprimento de 45 metros, dando origem a uma área de afectação para efeitos de protecção da linha de 1115 m2 (12,5m de comprimento para cada lado do eixo da linha).
12. A existência da faixa de protecção da linha referida em 12) implica uma perda de rendimento para o autor de 2007€, conforme critérios e parâmetros descritos no 1.º relatório pericial, cujo teor se considera reproduzido.
13. A LAT está concluída, sem que tenha sido aposto qualquer apoio da linha no prédio id. em 1).
14. Em Novembro de 2019, a LAT sobrepassa o terreno id. em 1) numa zona mais interior do mesmo, cuja projecção dista, no seu ponto mais próximo, cerca de 6,4m para além da área do solo classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, junto à estrema poente do terreno e a uma altura de cerca de 27 metros.
15. De acordo com o PDM do local, o prédio id. em 1), da área total do prédio, 3353m2 encontra-se inserido em solo classificado de “espaço florestal de produção e em reserva ecológica nacional” e a restante área de 1192m2, na parte que confina com o arruamento público a sul, classificada no PDM como “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”.
16. O PDM de … classifica como “espaços residenciais” as áreas destinadas, preferencialmente, a acolher funções residenciais, podendo também acolher outros usos, designadamente comércio, serviços, equipamentos, indústrias e outros, desde que compatíveis com a função dominante.
17. O índice máximo de utilização do solo é de 0,70, com número de pisos ≤ 2 acima da cota de soleira, sendo possível o acréscimo de mais um piso, desde que seja de aproveitamento de desvão de telhado ou piso recuado.
18. A zona envolvente do terreno id. em 1) é de ocupação florestal encontrando-se a construção mais próxima a nascente a cerca de 20 metros e a poente a cerca de 300 metros; nessa zona é constituída por edificações destinadas essencialmente à habitação (com pontos de comércio ou prestação de serviços), sendo o terreno servido por um arruamento municipal, que faz a ligação entre dois lugares de duas freguesias e possibilita o acesso ao nó da A.., que dista a cerca de 1,3Km.
19. O prédio id. em 1) confronta a Sul com um arruamento municipal, Rua…, que faz ligação entre os lugares de Outeiro e Mota e ao longo do arruamento, onde se localiza o prédio, está prevista a expansão urbana, cujos solos estão classificados como área aedificandi (Espaço Residencial de Nível III urbanizado).
20. O prédio id. em 1) tem, à data de 04.11.2019, uma área potencial de construção de 629m2 (3x 190m2 + 6,60mx9m).
21. Na parte edificável (1192m2), à data de 04.11.2019, o solo tinha o valor de 36,80/m2 (totalizando 43.865,60€), conforme relatório da perícia dessa data e respectivos critérios e parâmetros aí descritos, cujo teor se considera reproduzido.
22. A linha instalada não apresenta impacto acústico e os níveis de campo eléctrico e magnético, na área do terreno id. em 1) são os constantes do relatório pericial de 20.07.2018, junto aos autos, cujo teor se considera reproduzido, os quais encontram-se abaixo dos limites previstos para o público em geral.
23. A passagem da LAT não afecta a capacidade aedificandi do prédio id. em 1).
24. A passagem da LAT no prédio id. em 1), afecta o valor do solo do prédio classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, na área (triangular) correspondente à margem nascente de segurança de 12,50m, assinalada na p.1 do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019, correspondente a cerca de 90m2.
25. O prédio foi adquirido pelo autor com o objectivo de futura possível construção para si e/ou para venda para construção.

Não se julgaram provados os seguintes factos:
i) O prédio do autor confronta com a estrada nacional que liga parte do concelho da … a ….
ii) O prédio do autor fica afectado, pela passagem da LAT, em toda a sua área.
iii) A existência da LAT implica uma perda de 100% da aptidão construtiva do prédio id. em 1) dos factos provados.
iv) A perda referida em iii) estende-se em toda a área do prédio.
v) O prédio id. em 1) está situado numa zona de forte crescimento urbano, onde proliferam, além das habitações do referido em 19) dos factos provados, existem edificações destinadas ao comércio e à indústria.
vi) O prédio id. em 1), na sua área residencial urbana permite a construção de três edifícios para habitação.
vii) Os fios condutores de energia eléctrica das LAT, foram colocados no prédio dos autos, em todo o seu comprimento
viii) Foram colocados no prédio do autor suportes/apoios para a LAT.
ix) Com a referida linha de Alta Tensão a procura do prédio dos autos e o seu valor de mercado passaram a ser nulos ou residuais, sendo que ninguém quer ou tem interesse em tal prédio.
x) O prédio do autor fica afectado para a prática de cultura florestal.
xi) A passagem da LAT implica efeitos nefastos na saúde das pessoas, designadamente, efeitos cancerígenos emergentes da exposição a menos de 100 metros.
xii) Existe o perigo e o risco de um raio ou de um vento tombarem a LAT no prédio do autor.
xiii) Existe a passagem de fluído eléctrico que provoca zumbido, silvos e barulho que causa incómodo e receio a qualquer pessoa que se exponha “próximo da linha".

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações do autor/apelante e da ré/apelante são questões a apreciar no recurso principal e subordinado:
1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.ª – Da indemnização devida.
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Em suma, a presente acção é uma acção que, na sua essência, visa a defesa do direito de propriedade privada, e na perspectiva dos danos causados ao proprietário, tem como iminente objectivo a fixação de indemnização justa e equitativa, em consequência da sobrepassagem pelo espaço aéreo do imóvel do autor de uma linha electrica em alta tensão, a 60 KV, construída pela ré e denominada “LN 60 kV SE … (REN) – SE …”, como concessionária que é da rede de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão em todo o território português após concessão da respectiva licença pelo Director Regional do Ministério da Economia e do Emprego e, constituição da correspectiva servidão administrativa. Pelo que é assim manifesto que estamos perante um litígio onde se debatem interesses privados e interesses públicos, ambos legítimos e que urge acautelar.
Como é óbvio, a servidão administrativa é um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem, cfr. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, pág. 1053 e “in casu” estamos perante a constituição de uma servidão administrativa decorrente da passagem de linha eléctrica aérea em alta tensão pelo prédio do autor.
A servidão eléctrica em questão estava dependente da licença de estabelecimento da instalação, a obter nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL n.º 26.852, de 30.07.1936, com as alterações introduzidas pelos DL n.ºs 446/76, 5.06.1976 e 344/89, de 13.05.1989 e Leis n.ºs 30/2006, de 11.07 e 12/2008, de 26.02, e como já referimos, ela foi, oportunamente, concedida.
Em matéria de servidões eléctricas é aplicável o regime jurídico previsto no DL n.º 43.335, de 19.11.1960, em vigor à presente data, como resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 2, do DL n.º 172/2006, de 23.08.
E segundo o preceituado no art.º 37.º daquele DL n.º 43.335, “Os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas”. Estatuindo o art.º 38.º desse mesmo DL que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados, o que não ocorreu no caso em apreço, não obstante não ter sido alcançado acordo entre as partes. Estabelecendo ainda o §2.º do referido art.º 38.º que: “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.”
Ou seja, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é, subsidiariamente, aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado. Pois como preceitua o n.º 3 do art.º 8.º do C.Exp. “À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”.
Em conclusão, o proprietário que se sentir lesado pela constituição de uma servidão administrativa como a que está em apreço nestes autos podia, com vista a alcançar uma indemnização por tal evento, ter requerido a constituição de arbitragem ou recorrer aos tribunais, tendo “in casu” o autor optado por esta segunda via.
Como é sabido o direito de propriedade, como muitos outros direitos, não é absoluto, mas tem garantias de defesa insertas na Constituição da República Portuguesa, pois segundo o preceituado no art.º 62.º “1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
A 1.ª instância veio a julgar a acção parcialmente procedente e em consequência condenou a C…, SA a pagar ao autor a quantia total de €5.319,00, correspondendo à soma dos valores parcelares de €2.007,00 relativo ao dano consistente na redução do rendimento do prédio do autor em consequência da existência da faixa de protecção da linha eléctrica em alta tensão que sobrevoa o prédio na transversal, num comprimento de 45 m, dando origem a uma área de afectação para efeitos de protecção da linha de 1.115 m2 (12,5m de comprimento para cada lado do eixo da linha) e de €3.312,00 pela desvalorização adveniente para o prédio por decorrência da constituição da servidão administrativa, concretamente, numa área de cerca de 90 m2.
Por via dos presentes recursos, o autor/apelante pretende, em suma, que se fixe a indemnização devida em €50.000,00, já a ré/apelante, por via do seu recurso subordinado, pretende, em suma que se considere que “in casu” a sobrepassagem da linha eléctrica em alta tensão pelo prédio do autor não constitui um qualquer prejuízo certo, actual, ou previsível para o mesmo, pelo que não merece a tutela jurídica.
Vejamos.
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1.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Começa o autor/apelante por se insurgir contra a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, concretamente defende que existe incompatibilidade ou contradição entre os factos provados e elencados sob os n.ºs 24 e 25, pretendendo, em consequência que se altere o facto n.º 24 e que dele passe a constar: “A passagem da LAT afecta o valor do prédio id. em 1), condicionando a sua capacidade aedificandi.
Mas, manifestamente não lhe assiste razão.
Senão vejamos.
Está provado que:
“24. A passagem da LAT não afecta a capacidade aedificandi do prédio id. em 1)”.
“25. A passagem da LAT no prédio id. em 1), afecta o valor do solo do prédio classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, na área (triangular) correspondente à margem nascente de segurança de 12,50m, assinalada na p.1 do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019, correspondente a cerca de 90m2”.
*
A 1.ª instância, em fundamentação do assim decidido, escreveu: “(…) Sobre o facto provado 24), os peritos, quer no seu relatório de 19.12.2016, quer no relatório de 04.11.2019, assinalaram, sempre por unanimidade, que a passagem da LAT não afecta a capacidade construtiva do prédio do autor. Procedendo-se à análise da figura inserta no último relatório (reproduzida supra), constata-se que as linhas em causa têm apoio fora do prédio do autor e que em toda a sua extensão não sobrepassam o espaço residencial nível III urbanizável (isto é, a área em que no PDM local é admissível a construção para fins habitacionais — conforme relatório de 04.11.2019, de duas moradias unifamiliares de 2 pisos, com área média de 250m2 cada). Sem prejuízo do referido no parágrafo antecedente, já sobre o facto provado 25), apesar de a LAT não passar sobre a área edificável, é inequívoco que a linha atravessa, na diagonal, de um lado ao outro do terreno, uma área inserida na REN – Reserva Ecológica Nacional (espaço florestal de produção).
Não se afigura, nesta sede, de relevar as declarações de parte do autor (que enunciou que “quem tem dinheiro não compra um prédio junto às linhas e que se for para vender não o consegue por mais de metade do valor por que comprou”), por se tratar de um subjectiva, não constituindo um facto valorável em si mesmo.
Do mesmo modo, não se afigura conferir particular valoração à declaração do engenheiro electrotécnico da ré H…, quando afirmou que embora a linha “cause incómodo”, “as pessoas” não costumam “pedir” (indemnização), porque, conforme será analisado na matéria de direito, o dano não patrimonial não é acolhido nesta sede; nem outrossim a declaração de I…, engenheiro de gestão industrial e florestal da ré, referiu que como no caso não houve abertura de corredores e por ter considerado que não havia “prejuízos certos e atuais”, não foi aberto qualquer procedimento para pagamento de indemnização ao autor (com uso de conceitos que não se enquadram em nenhum critério legal).
No entanto, resulta do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019 [fls. 267], que é reservada uma distância de segurança de 12,5m para cada lado (nascente e poente) da LAT. Essa distância de segurança implica a existência de uma área triangular, dentro do espaço residencial nível III urbanizado, que fica afectada pela passagem da linha de alta tensão — ainda que não afecte a capacidade aedificandi stricto, condiciona-a, face às exigências legais decorrentes da referida margem de segurança: No referido levantamento topográfico não foi calculada a área do triângulo acima assinalado, contudo atendendo às distâncias expressamente indicadas (12,5 e 36,2) é possível obter a área em causa, por aplicação de regras básicas (já que in casu inexistem elementos para aplicação das regras de trigonometria). Assim:
 12,5 m, corresponde, à escala impressa, a 1,8cm; sendo h [altura do triângulo] de 1,2cm, pela aplicação da regra “três simples”, 1,8*h = 12,5*1,2 = (12,5*1,2)/1,8 = 15/1,8 = 8,33m;
 12,5m, corresponde, à escala impressa, a 1,8 cm; sendo b [base do triângulo] de 3,1cm, pela aplicação da regra “três simples”, 1,8*b = 12,5*1,8 = (12,5*3,1)/1,8 = 38,75/1,8 = 21,53m.
AΔ = [(b)*(h)]/2 (regra segundo a qual, a área do triângulo é igual ao produto da base pela altura sobre 2) = [(21,53)*(8,33)]/2 = 179,34/2 = 89,67m2.
 Porque os cálculos supra realizados não seguiram uma escala firme nem as regras de trigonometria, afigura-se ser de arredondar o resultado para 90 m2 (…)”.
*
Como se vê a fundamentação da 1.ª instância é bem elucidativa da distinção entre “jus aedificandi” e “valor do solo” e sobre o potencial desvalor de um e de outro como realidades distintas e que no caso em apreço não se cumulam.
Todavia sempre se dirá que preceitua o art.º 1344.º do C.Civil, quanto aos limites materiais do direito de propriedade, que “1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. 2. O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir”.
Mas o “direito de edificação” ou “jus aedificandi” não é, quanto a nós um componente essencial ou natural do direito de propriedade, na sua vertente mais usual, ou civilística, pois que está iminentemente dependente da legislação urbanística, de natureza pública, já que qualquer proprietário não possui a faculdade de decidir se pode construir e como pode construir no seu terreno, ou seja, o proprietário apenas pode construir e pela forma que lhe for permitido pelo respectivo ordenamento urbanístico, designadamente o respectivo PDM, pelo que há que harmonizar estas duas vertentes, privada e pública, do direito de propriedade.
In casu” e, como resulta da matéria provada nos autos:
- O PDM de …, coloca o prédio do autor, na sua área de 3.353m2 como inserido em solo classificado de “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional” e a restante área de 1.192m2, na parte que confina com o arruamento público a sul, em espaço classificado como área aedificandi - “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”. Sendo, segundo esse regulamento de ordenamento do território, “Espaços Residenciais” as áreas destinadas, preferencialmente, a acolher funções residenciais, podendo também acolher outros usos, designadamente comércio, serviços, equipamentos, indústrias e outros, desde que compatíveis com a função dominante e onde o índice máximo de utilização do solo é de 0,70, com número de pisos ≤ 2 acima da cota de soleira, sendo possível o acréscimo de mais um piso, desde que seja de aproveitamento de desvão de telhado ou piso recuado.
Destarte, e como resulta unanimemente da perícia realizada nos autos, por exemplo: relatório pericial de 17.12.2016; esclarecimentos de 20.02.2017 e de 4.11.2019 - a sobrepassagem da linha eléctrica em alta tensão pelo prédio do autor, sobrevoando-o a uma altura de 27 metros e, sem que tenha sido colocado qualquer apoio da mesma no solo do prédio não afecta a sua vocação edificativa, na área em que a construção é possível – “Espaço Residencial de Nível III” e nos termos em que é possível, nomeadamente a altura da construção.
Finalmente e como é bem perceptível, do facto provado e elencado sob o n.º 25 consta uma outra realidade, distinta da capacidade ou vocação edificativa do prédio do autor, ou seja, a apontada desvalorização ou depreciação do mesmo em virtude das condicionantes obrigatórias e legais resultantes da sobrepassagem da linha eléctrica em alta tensão, ou seja, da constituição de uma faixa de protecção à linha que se estende numa área de cerca de 90m2 pela área do prédio do autor situada no espaço classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, daí que a 1.ª instância referiu e bem, que “Essa distância de segurança implica a existência de uma área triangular, dentro do espaço residencial nível III urbanizado, que fica afectada pela passagem da linha de alta tensão - ainda que não afecte a capacidade aedificandi stricto, condiciona-a, face às exigências legais decorrentes da referida margem de segurança.” Ou seja, mesmo nessa área é possível a construção nos termos gerais admitidos pelo respectivo PDM, todavia não se pode ignorar que é zona de protecção da linha eléctrica, ficando condicionada nesses termos e por isso mesmo.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merecem os factos provados em 1.ª instância e constantes dos pontos 24 e 25 do respectivo elenco, mantendo-se, em concreto, aquele primeiro inalterado.
Improcedem as respectivas conclusões do autor/apelante.
*
Mais defende ainda o autor/apelante que os factos julgados não provados em 1.ª instância e elencados sob os pontos ii), iii), iv), v) e ix) deverão ser agora julgados provados. Para tanto, o autor/apelante chama à colação os vários documentos juntos aos autos, mormente os relatórios periciais e respectivos esclarecimentos, e ainda o depoimento da testemunha E….
Vejamos.
No que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil.
Decorre do preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.
Vendo ainda esse preâmbulo, dele consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o Tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
Por outro lado, deve ainda a Relação, por força do disposto no n.º2 do art.º 662.º do C.P.Civil, “mesmo oficiosamente”: a), a renovação “da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”; b) a produção de novos meios de prova em segunda instância, “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”; c) a anulação da decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, sempre que não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) se determine que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Tendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
a) - Especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
b) - Indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
c) – Indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, “in casu” no que respeita à prova testemunhal chamada à colação pelo autor/apelante é manifesto que o mesmo não respeitou minimamente os ónus alegatórios que sobre si impendiam. Concretamente, o autor/apelante, tendo um dos meios probatórios invocados – depoimento da testemunha E… – sido gravado, o mesmo não indicou qualquer passagem desse depoimento em que funda o seu recurso, nem indica com exactidão as respectivas passagens da gravação, nem transcreve esse mesmo depoimento.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos e de harmonia com o preceituado na al. a) do n.º2 do art.º 640.º do C.P.Civil, há que rejeitar o recurso nessa parte.
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A 1.ª instância julgou não provado, além do mais, que:
ii) O prédio do autor fica afectado, pela passagem da LAT, em toda a sua área.
iii) A existência da LAT implica uma perda de 100% da aptidão construtiva do prédio id. em 1) dos factos provados.
iv) A perda referida em iii) estende-se em toda a área do prédio.
v) O prédio id. em 1) está situado numa zona de forte crescimento urbano, onde proliferam, além das habitações do referido em 19) dos factos provados, existem edificações destinadas ao comércio e à indústria.
ix) Com a referida linha de Alta Tensão a procura do prédio dos autos e o seu valor de mercado passaram a ser nulos ou residuais, sendo que ninguém quer ou tem interesse em tal prédio.
*
Em fundamentação do assim decidido pode ler-se na decisão recorrida que “(…)
Relativamente aos factos não provados resultou de não ter sido produzida qualquer prova sobre as específicas circunstâncias e condições a que diziam respeito, bem como por manifesta contradição com os factos dados por provados”.
Na verdade, vendo o complexo fáctico provado nos autos, é manifesto e até redundante que atento o que acima deixámos consignado relativamente ao facto julgado provado sob o n.º 24 – A passagem da LAT não afecta a capacidade aedificandi do prédio id. em 1) – que os factos elencados sob os pontos iii) e iv) são manifestamente o oposto do que está provado, pelo que sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merecem as decisões de não provados aos mesmos.
No que concerne ao facto não provado e elencado sob o ponto ii) é também manifesto que o mesmo é o oposto do facto julgado provado e elencado sob o n.º 25 - A passagem da LAT no prédio id. em 1), afecta o valor do solo do prédio classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, na área (triangular) correspondente à margem nascente de segurança de 12,50m, assinalada na p.1 do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019, correspondente a cerca de 90m2, pois que apenas se provou que a passagem da LAT afecta o prédio do autor numa área de cerca de 90 m2. Logo, também nenhuma censura nos merece a resposta não provado a tal facto.
Finalmente e no que respeita ao facto julgado não provado e elencado sob o ponto ix), desde logo, atento o global complexo fáctico provado nos autos, designadamente que, em consequência da passagem da LAT sobrevoando o prédio do autor não afecta a capacidade aedificandi do mesmo, nomeadamente a cércea permitida; que tal linha eléctrica não apresenta impacto acústico e os níveis de campo electromagnético, na área do terreno são os constantes do relatório pericial de 20.07.2018, que se encontram abaixo dos limites previstos para o público em geral; tal linha eléctrica está concluída, sem que tenha sido aposto qualquer apoio da mesma no prédio – não logrou o autor/apelante fazer a mínima prova isenta, segura, e credível de que depois da colocação da referida linha eléctrica no local, a procura do prédio dos autos e o seu valor de mercado passaram a ser nulos ou residuais, e que ninguém quer ou tem interesse em tal prédio.
Logo e sem necessidade de outros considerandos, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, e como é sabido, devendo o juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura.
Improcedem as respectivas conclusões do autor/apelante.
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2.ªquestão – Da indemnização devida.
Como decorre dos autos, esta é a questão fulcral do presente litígio e relativamente a ela, como acima já se referiu, é manifesto o dissenso entre as partes recorrentes.
Está assente nos autos, além do mais, que:
- o autor é proprietário do o prédio constituído por terreno a pinhal e mato, sito no lugar …, …, a confinar do norte com caminho, do sul com Estrada-Rua…, do nascente com F… e do poente com G…, inscrito na matriz predial rústica da União das freguesias de …, sob o artigo 984 e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 822, da freguesia de ….
- esse prédio encontra-se inscrito na respectiva matriz, com a área de 3.782m2, mas tem a área real de 4545m2 e confronta a sul com um arruamento municipal, que faz a ligação entre o lugar do …ex-freguesia de …, com o lugar da …, da ex-freguesia de … e ao longo desse arruamento, onde se localiza o prédio, está prevista a expansão urbana, cujos solos estão classificados como área aedificandi (Espaço Residencial de Nível III urbanizado).
- o mesmo adveio à titularidade do autor por contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada em 11.09.1980 e foi adquirido com o objectivo de futura possível construção para si e/ou para venda para construção.
- a zona envolvente do prédio do autor é de ocupação florestal encontrando-se a construção mais próxima a nascente a cerca de 20 metros e a poente a cerca de 300 metros; nessa zona é constituída por edificações destinadas essencialmente à habitação (com pontos de comércio ou prestação de serviços), sendo o terreno servido por um arruamento municipal, que faz a ligação entre dois lugares de duas freguesias e possibilita o acesso ao nó da A.., que dista a cerca de 1,3Km.
- de acordo com o PDM de …, da área total do prédio, 3.353m2 dela encontra-se inserido em solo classificado de “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional” e a restante área de 1.192m2, na parte que confina com o arruamento público a sul, situa-se em área classificada como “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”, ou seja, áreas destinadas, preferencialmente, a acolher funções residenciais, podendo também acolher outros usos, designadamente comércio, serviços, equipamentos, indústrias e outros, desde que compatíveis com a função dominante e nessa área edificável (1.192m2), o solo tinha o valor de €36,80/m2 (totalizando €43.865,60).
- no “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado” o índice máximo de utilização do solo é de 0,70, com número de pisos ≤ 2 acima da cota de soleira, sendo possível o acréscimo de mais um piso, desde que seja de aproveitamento de desvão de telhado ou piso recuado, tendo a parte do prédio do autor aí situada uma área potencial de construção de 629m2 (3x 190m2 + 6,60mx9m).
Mais está provado ainda que:
- a C…, S.A, no uso da respectiva Licença de Estabelecimento para a Instalação Eléctrica da linha LN Aérea 60KV SE … (REN)-SE …, procedeu à execução da mesma durante o ano de 2015.
- a referida linha eléctrica em alta tensão foi instalada e atravessa o prédio do autor (sobrevoando-o), na transversal num comprimento de 45 metros e no sentido SO-NE, na segunda linha do mesmo em relação ao arruamento público a sul e está concluída, sem que tenha sido aposto qualquer apoio da linha no prédio do autor.
- essa linha sobrepassa o prédio do autor numa zona mais interior do mesmo, cuja projecção dista, no seu ponto mais próximo, cerca de 6,4m para além da área do solo classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, junto à estrema poente do terreno e a uma altura de cerca de 27 metros, pelo que a passagem dessa linha não afecta a capacidade aedificandi do prédio.
- mas essa passagem, na transversal do prédio, dá origem a uma área de afectação para efeitos de protecção da linha de 1.115 m2 (12,5m de comprimento para cada lado do eixo da linha) e implica uma perda de rendimento para o autor de €2.007,00.
- e essa passagem afecta ainda o valor do solo do prédio classificado como “Espaço Residencial de Nível III”, na área (triangular) correspondente à margem nascente de segurança de 12,50m, correspondente a cerca de 90m2.
- finalmente, a linha instalada não apresenta impacto acústico e os níveis de campo electromagnético, na área do prédio do autor são os constantes do relatório pericial de 20.072018 e encontram-se abaixo dos limites previstos para o público em geral.
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Em suma, e não obstante as prolixas alegações de ambas as partes, podemos concluir que a linha eléctrica em alta tensão que sobrevoa o prédio do autor - não apresenta qualquer impacto acústico; - nem o campo electromagnético que dela emerge encontra-se abaixo dos limites previstos para o público em geral (??? - pois que tal facto não se encontra minimamente concretizado) - nem a sua construção e existência necessitou da colocação de qualquer apoio no terreno do mesmo prédio; - nem demandou o corte de qualquer arvoredo que existisse no dito prédio; - nem a passagem da mesma pelo espaço aéreo do prédio afecta a capacidade ou aptidão edificativa do imóvel, na área de 1.192 m2 onde a construção é legalmente possível, nomeadamente atendendo à cércea aí possível. E assim, mais podemos concluir que - a sobrepassagem de tal linha eléctrica em alta tensão pelo prédio do autor apenas o afecta/constringe na medida em que, por força de lei, fica criada uma zona/faixa de protecção da linha de 12,5m de comprimento para cada lado do eixo da dita linha, o que considerando o cumprimento em que a mesma sobrevoa o prédio do autor (45m) dá origem a uma área de afectação por tal efeito de 1.115 m2. E essa mesma zona/faixa de protecção da linha tanto existe na área do prédio de 3.353m2, situada, face ao PDM, em solo classificado de “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional” como na restante área do mesmo de 1.192m2, situada em área classificada como “Espaço Residencial de Nível III Urbanizado”, onde fica afectada uma área (triangular) correspondente a cerca de 90m2.
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Cumpre agora fixar a justa indemnização devida ao autor pela existência, por via da lei, da zona/faixa de segurança da dita linha eléctrica em alta tensão, nos termos acima referidos no terreno do seu prédio.
Preceitua o art.º 37.º do DL n.º 43.335, de 19.11.60 – legislação especial que regula, “in casu”, a fixação da justa indemnização em virtude de constituição de servidão administrativa por passagem aérea de linha eléctrica em alta tensão, que: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.
É certo que, como se escreveu no Ac. desta Relação e secção de Porto, 12.01.2016, in www.dgsi.ptA questão da imposição de uma servidão administrativa não é semelhante à da expropriação, na qual se encontra em causa a ablação de um direito real sobre a coisa, enquanto na primeira se visa a imposição de um direito, ónus ou sujeição sobre outro direito pré-existente”, todavia, não se poderá olvidar, o preceituado no n.º3 do art.º 8.º do C.Exp. – legislação subsidiariamente aplicável, de onde resulta, nomeadamente, a clarificação do conceito de indemnização, a qual, segundo o disposto no art.º 23.º n.º 1 do C.Exp. “(…) não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal...”.
Assim, no conceito de “indemnização” que, além do mais, deve ser justa, deverá incluir-se o “princípio de contemporaneidade” e o “princípio da igualdade”, quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados, tendo em linha de conta os factores em que se repercutem, como sejam os rendimentos, as culturas, ou quaisquer outros constrangimentos relevantes, apresentando-se como uma reconstituição em termos de valor da posição do proprietário que detinha antes da constituição da servidão. Assim e em conclusão, não obstante a supra referida legislação especial para o estabelecimento de linhas eléctricas sobre prédios alheios, no cálculo da indemnização devida pela constituição da respectiva serventia administrativa e a atribuir ao proprietário do prédio onerado é aplicável, com as devidas e necessárias adaptações, a disciplina legal relativa às expropriações.
Ninguém porá em causa que a ré/apelante, atento o seu objecto iminentemente de interesse público, e no desenvolvimento dessa sua actividade, tem o direito de atravessar prédios alheios – privados ou públicos - com linhas aéreas e montar nestes, sempre que necessário for, os respectivos apoios.
Como se deixou já consignado a indemnização a fixar e que é inexoravelmente devida ao autor/apelante pela ré/apelante, que evidentemente e, por força de Lei, repercute sobre os consumidores finais de energia eléctrica os custos que suporta, genericamente, com as infraestruturas, transporte e fornecimento de energia, tem por fundamento a constituição de uma servidão de uma linha em alta tensão que sobrevoa o imóvel daquele e que consiste na reserva de espaço necessário à manutenção das distâncias de segurança designadamente ao solo, árvores e edifícios, nas condições previstas na lei. Não obstante tal actuação da ré/apelante resultar da execução de um direito que lhe está conferido por lei e estabelecido tendo em consideração o interesse público, entendido como interesse da comunidade no serviço público de transporte de energia.
Em concreto, a violação do direito de propriedade do autor/apelante resulta da necessária constituição da zona de protecção da dita linha aérea que consiste no volume envolvente da linha, limitado, em cada vão, por dois planos laterais verticais, paralelos e equidistantes do eixo da linha, e por duas superfícies curvas, situadas acima e abaixo dos condutores e deles equidistantes, cujos traços, em planos verticais normais ao eixo da linha, são de nível, e das limitações dela decorrentes para o pleno uso e fruição do prédio, como decorre do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18.02 que aprovou o Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão.
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Tal como resulta da matéria provada nos autos, e não colocada em causa por qualquer dos recorrentes, o estabelecimento da referida zona de protecção da linha, já que a mesma atravessa, na diagonal, de um lado ao outro do prédio do autor/apelante, em área cujo solo está classificado, segundo o PDM, em “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional”, corresponde a uma área que assim fica afectada de 1.115 m2 (12,5m de comprimento para cada lado do eixo da linha), o que segundo o que foi apurado pelos Srs. Peritos intervenientes nos autos, implica uma perda de rendimento para o autor/apelante de €2.007,00.
Tal perca de rendimento é actual, independentemente do destino que o autor/apelante dê ou pretenda dar a tal área do seu prédio. Ou seja, trata-se de dano real e não hipotético, pois que o destino de tal área do prédio – exploração florestal de produção – fica inexoravelmente impedida, ou quando muito limitada ou constrangida numa área de 1.115m2, no total da área do prédio com tal destino, de 3.353m2, ou seja, de cerca de metade da exploração florestal aí possível, pelo que é uma indemnização subsumível à previsão do art.º 37.º do DL n.º 43.335, de 19.11.1960.
Destarte, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando fixa em €2.007,00 a indemnização parcelar devida ao autor/apelante em consequência da referida redução do rendimento.
Improcedem assim as respectivas conclusões do autor/apelante e da ré/apelante.
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A 1.ª instância atribuiu ainda ao autor/apelante uma outra indemnização parcelar de €3.312,00 (€36,80*90m2) pela desvalorização que considerou existir, em face da existência da supra referida zona de protecção da linha, a qual afecta uma área de cerca de 90m2 do imóvel, situada em área classificada, segundo o PDM, como “Espaço Residencial -Nível III Urbanizado”.
Em fundamentação do assim decidido pode ler-se na decisão recorrida que “(…) conforme foi julgado provado, resulta do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019 [fls. 267], que é reservada uma distância de segurança de 12,5m para cada lado (nascente e poente) da LAT.
Essa distância de segurança implica a existência de uma área triangular, dentro do espaço residencial nível III urbanizado, que fica afectada pela passagem da linha de alta tensão — ainda que não afecte a capacidade aedificandi stricto, condiciona-a, face às exigências legais decorrentes da referida margem de segurança. Por essa razão, conforme foi assinalado na motivação de facto, procedendo-se ao cálculo da área desse triângulo, resulta que – pelo menos nessa parte – haverá condicionamento resultante directamente da área de segurança da passagem da LAT, sendo essa área correspondente a cerca de 90m2 (facto provado 25).
Nessa medida, a servidão administrativa condiciona nessa parte o prédio do autor, importa considerar para o efeito que, ainda que circunscrita à concreta área mencionada, o autor ficará sempre subordinado às restrições estabelecidas no Decreto-Lei n.º 11/2018, de 15.02 — que embora seja posterior à instauração da presente acção, não pode deixar de ser considerado ao abrigo do disposto no art.º 611.º, do Código de Processo Civil.
Este diploma, na sequência da Lei n.º 30/2010, de 2.09, veio regulamentá-la, estabelecendo as restrições básicas ou níveis de referência referentes à exposição humana a campos electromagnéticos derivados de linhas, instalações e demais equipamentos de alta e muito alta tensão, que considera como “infraestruturas sensíveis” os “edifícios residenciais e moradias destinadas a residência permanente” [art.º 3.º, al. b)-vi], subordinando e condicionando os edifícios aí elencados, incluindo os residenciais e moradias destinadas a residência permanente ao mínimo da exposição (art.º 5.º) e o afastamento relativamente a infraestruturas sensíveis (art.º 7.º), prevendo-se no n.º 2 deste último preceito que “o afastamento estabelecido no número anterior aplica-se ao licenciamento, autorização ou comunicação prévia da construção, utilização ou funcionamento de novas infraestruturas sensíveis, relativamente ao traçado de linhas de transporte e distribuição de electricidade de AT e MAT já existentes ou aprovadas”, pelo que se o autor pretender apresentar projecto de licenciamento para construção de moradia na área do seu prédio classificada como solo residencial nível III urbanizado, não deixará de estar subordinado às enunciadas condicionantes, sendo inclusive expectável, segundo as regras da experiência do padrão médio, que seja especialmente condicionado na área do triângulo enunciada no facto provado 25).
Por conseguinte, esta afectação e condicionante, outrora inexistente, não pode deixar de considerar-se como uma “redução do rendimento”, sabendo que “a constituição duma servidão administrativa para transporte de energia eléctrica, prevista no art.º 37º do DL n.º 43335 de 19/11/60 e base XIII do anexo ao D.L n.º 185/95 de 27/6 - implica quase sempre uma redução do rendimento da propriedade, pelas limitações impostas à sua fruição” (Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 13-12-2005, proc. 1834/05-3).
(…)
In casu, sendo a área em causa de cerca de 90 m2 e atento o valor por m2 do solo em causa — com valor de 36,80/m2 (facto provado 22), deverá o autor ser indemnizado pela quantia de 3.312,00€ (36,80€*90m2)”.
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Sendo que, em concreto, o cálculo de tal indemnização foi assim efectuado em 1.ª instância, podendo ler-se na decisão recorrida que: “(…) resulta do levantamento topográfico anexo ao relatório pericial de 04.11.2019 [fls. 267], que é reservada uma distância de segurança de 12,5m para cada lado (nascente e poente) da LAT.
(…)
No referido levantamento topográfico não foi calculada a área do triângulo acima assinalado, contudo atendendo às distâncias expressamente indicadas (12,5 e 36,2) é possível obter a área em causa, por aplicação de regras básicas (já que in casu inexistem elementos para aplicação das regras de trigonometria). Assim:
 12,5 m corresponde, à escala impressa, a 1,8cm; sendo h [altura do triângulo] de 1,2cm, pela aplicação da regra “três simples”, 1,8*h = 12,5*1,2 = (12,5*1,2)/1,8 = 15/1,8 = 8,33m;
 12,5m corresponde, à escala impressa, a 1,8 cm; sendo b [base do triângulo] de 3,1cm, pela aplicação da regra “três simples”, 1,8*b = 12,5*1,8 = (12,5*3,1)/1,8 = 38,75/1,8 = 21,53m.
AΔ = [(b)*(h)]/2 (regra segundo a qual, a área do triângulo é igual ao produto da base pela altura sobre 2) = [(21,53)*(8,33)]/2 = 179,34/2 = 89,67m2.
 Porque os cálculos supra realizados não seguiram uma escala firme nem as regras de trigonometria, afigura-se ser de arredondar o resultado para 90 m2”.
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Vejamos.
É certo que está provado nos autos que – os níveis de campo electromagnético da linha instalada na área do prédio do autor são os constantes do relatório pericial de 20.07.2018, e encontram-se abaixo dos limites previstos para o público em geral, todavia e como referimos acima também, tal facto não se encontra minimamente concretizado. Dúvidas não temos de que serão irrelevantes as manifestações do referido campo electromagnético, relativamente à área do prédio do autor situada, face ao PDM, em “Espaço Florestal de Produção e em Reserva Ecológica Nacional”, mas já não será assim relativamente à área do mesmo com aptidão edificativa.
Ora, não podemos desconsiderar que o campo electromagnético que emerge da dita linha eléctrica em alta tensão (electricidade e magnetismo) que como é sabido é uma força da natureza muita mais forte que a força da gravidade, e que ao interagir, nomeadamente, com o ser humano, por exposição, causa danos na saúde, o que levou a elaboração da Recomendação do Conselho n.º 1999/519/CE, de 12.07.99, relativa à limitação da exposição da população aos campos electromagnéticos (0 Hz-300 GHz), e que foi acolhida entre nós, além do mais, na Lei n.º 30/2010, de 2.09, que veio regular os mecanismos de definição dos limites de exposição humana a campos eléctricos e electromagnéticos derivados de linhas, de instalações ou de equipamentos de alta e muito alta tensão, regulamentada pelo DL n.º 11/2018, de 15.02, “no quadro das orientações da Organização Mundial de Saúde e das melhores práticas europeias”.
Como é sabido, a lei não proíbe a construção de edificações sob linhas eléctrica em alta tensão, desde que observadas condições técnicas e de segurança actualmente em vigor, daí que “in casu” o prédio do autor/apelante na respectiva área não tenha visto ser afectada pela passagem da linha em apreço a sua capacidade ou aptidão edificativa, sendo ainda usual que muitas edificações existentes sob as linhas aéreas de transporte de energia tenham sido erigidas posteriormente à instalação da linha, contudo não podemos desconsiderar actualmente, e face ao actual e já robusto conhecimento científico que se deverá evitar ou minimizar ao máximo a exposição da população a campos magnéticos, eléctricos e electromagnéticos com vista à defesa da saúde pública.
Como bem referiu a 1.ª instância são consideradas, além do mais, “infraestruturas sensíveis”, “os edifícios residenciais e moradias destinadas a residência permanente”.
Sendo que, segundo o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 7.º do DL n.º 11/2018, de 15.02 “2. O afastamento estabelecido no número anterior aplica-se ao licenciamento, autorização ou comunicação prévia da construção, utilização ou funcionamento de novas infraestruturas sensíveis, relativamente ao traçado de linhas de transporte e distribuição de electricidade de AT e MAT já existentes ou aprovadas, ou ao que se encontre definido em plano municipal de ordenamento do território. 3 - Às operações urbanísticas de alteração, reconstrução ou ampliação dos edifícios onde funcionem infraestruturas sensíveis preexistentes situadas sob linhas de transporte e distribuição de electricidade de AT ou MAT, bem como à ampliação, alteração ou reforço de potência de linhas de transporte e distribuição de electricidade de AT ou MAT situadas sobre infraestruturas sensíveis, é aplicável o disposto no artigo 29.º do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro”.
Ou seja, actualmente existem, por força de lei, constrangimentos/condicionantes urbanísticos à liberdade de edificação na proximidade da passagem de linha eléctrica de transporte e distribuição de electricidade em alta tensão, situação que se aplica directamente capacidade edificativa na área do prédio do autor/apelante destinada a esse fim - “Espaço Residencial de Nível III” - e que não podemos ignorar, concretamente na área triangular correspondente à margem nascente de segurança da linha, de 12,50m, no total de cerca de 90m2.
Isto, sem descurar que o natural aumento de literacia da população relativamente aos riscos para a saúde da exposição a campos electromagnéticos emergentes das linhas de alta tensão tem como consequência, (fundamentada ou não) alguma desvalorização da propriedade sobrevoada por linhas eléctricas de alta tensão, com receio da sua influência nefasta na sua saúde. Daí que, é de todo legítimo julgar-se actual e real, e não eventual e hipotético, o dano decorrente do constrangimento/ /afastamento da normal procura de tal terreno, o que se repercute no seu valor em contexto de mercado, desvalorizando-o.
Como se deixou acima consignado, segundo o preceituado no art.º 37.º do DL n.º 43.335, de 19.11.60 “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”. Sendo certo que “desvalorização do prédio em termos de mercado” não é a mesma realidade que “redução de rendimento” ou “diminuição da área das propriedades”, nem “quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”, todavia é um dano que causa um prejuízo que urge indemnizar, chamando aqui à colação o preceituado no n.º3 do art.º 8.º do C.Exp. e, designadamente como resulta da legislação aplicável directamente às expropriações, que a indemnização deve ser justa e fundada nos princípios da contemporaneidade e da igualdade, quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados, tendo em linha de conta os factores em que se repercutem, como sejam os quaisquer constrangimentos relevantes, apresentando-se como uma reconstituição, em termos de valor, da posição que o proprietário detinha antes da constituição da servidão administrativa de passagem da linha de transporte e distribuição de electricidade em alta tensão. Assim a indemnização justa devida ao autor/apelante também deve ressarcir o prejuízo que para o mesmo advém da constituição da serventia relativamente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, caso a mesma não existisse.
Destarte, nenhuma censura nos merece o “quantum” indemnizatório apurado e fixado em 1.ª instância para a referida desvalorização do prédio do autor/apelante, no montante de €3.312,00.
Pelo que, improcedem as derradeiras conclusões do autor/apelante e da ré/apelante, confirmando-se “in totum” a decisão recorrida.
Sumário
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelações principal e subordinada, improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes, na proporção do respectivo decaimento.

Porto, 2021.05.11
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues