Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
417/15.6GBETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL SOARES
Descritores: RECURSO
FACTOS SUPERVENIENTES
CONHECIMENTO
Nº do Documento: RP20180110417/15.6GBETR.P1
Data do Acordão: 01/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º742, FLS.302-307)
Área Temática: .
Sumário: Por aplicação do artº 4º CPP é de aplicar ao processo penal o disposto no artº 412º2 CPC permitindo conhecer de factos supervenientes em recurso, e dele retirar as consequências necessárias em vista a proferir uma decisão justa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 417/15.6GBETR.P1
Comarca de Aveiro
4ª Secção do Juízo Central Criminal de Aveiro
Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por acórdão proferido em 27 de Abril de 2017 foi o arguido B… condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado, previstos no artigo 204º, nº 1 alínea f) do CP, em duas penas de 2 anos de prisão, pela prática de dois crimes de furto simples, previstos no artigo 203º do CP, em duas penas de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto no artigo 204º, nº 1, alínea a) do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e pela prática de um crime de burla informática, previsto no artigo 221º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, condicionada a regime de prova.
1.2 Recurso
O Ministério Público interpôs recurso invocando erro na interpretação e aplicação do direito apenas na parte do acórdão em que se decidiu suspender a execução da pena de prisão.
Concluiu o recurso alegando o seguinte (transcrição sem itálicos, negritos e sublinhados):
[O recurso] divide-se em duas categorias de considerações: visando as circunstâncias que o Tribunal ad quem deveria ter ponderado, não o tendo feito, e que o Tribunal a quo deverá analisar; e visando as diversas circunstâncias que, salvo melhor entendimento, foram mal avaliadas pelo tribunal recorrido em favor da opção pela pena de substituição.
Em relação à primeira categoria de considerações, e atendendo à personalidade do agente haverá que ponderar a falta de empatia do arguido para com os lesados em face dos transtornos e prejuízos sofridos, postura essa em claro contraste com a de vitimização de si próprio.
Quanto às condições de vida do agente, apesar de beneficiar do amparo do agregado familiar, tal circunstância, no caso concreto do arguido, nada acrescenta uma vez que tal apoio e vínculos também existiam no passado e nunca foram suficientes para impedir a sucessiva e constante violação, por parte do arguido, dos mais variados bens jurídicos.
No que à conduta anterior e posterior ao crime concerne, para além de um extenso rol de condenações (13 – treze no total), essas condenações dizem respeito a um leque diversificado de bens jurídicos violados, tendo o arguido já cumprido pena de prisão. Não obstante isso, o arguido apresenta, pelo menos, duas (2) condenações por factos praticados após ter tido liberdade definitiva de pena de prisão anterior, sendo que retomou a prática de novos crimes apenas alguns meses após ter visto a pena anterior extinta.
Em relação à conduta posterior ao crime, o arguido não reparou, por qualquer forma, nem sequer numa pequena parte, os prejuízos patrimoniais e/ou outros danos causados aos ofendidos – quando é certo que estava em condições de o fazer.
No que à problemática de toxicodependência concerne, o arguido “afirma estar abstinente”, sem que tal facto esteja devidamente comprovado.
Finalmente, as circunstâncias do crime reveladoras de uma persistência na violação dos bens jurídicos patrimoniais, em nada suportam a suspensão da execução da pena.
O tribunal parece ter, também, ponderado os intervalos de tempo que o arguido esteve sem praticar crimes – quando deveria ter atendido ao facto de que, na sua história mais recente, os períodos de tempo em que não são conhecidos ao arguido crimes praticados correspondem, em geral, aos períodos de tempo em que o arguido esteve disso arredado por força do cumprimento de penas de prisão.
O Arguido confessou praticamente sem reservas os crimes imputados, é certo, mas havia nos autos prova abundante da sua (co)autoria
Em suma, todas as circunstâncias elencadas no artº 50º do Código Penal para avaliação da possibilidade de suspensão da execução da pena são absolutamente desfavoráveis a tal opção, nenhuma permitindo um juízo de prognose favorável – tendo o tribunal recorrido interpretado a aplicado de forma incorrecta a norma em causa que, assim, violou.
No caso em análise, as exigências de prevenção geral e especial ficam desacauteladas com a suspensão de execução da pena.
Estando, em relação ao arguido, há muito ultrapassada a expectativa de que a solene advertência ou a censura do facto surtam algum tipo de efeito dissuasor ou reparador.
Caso o Tribunal ad quem entenda que a pena aplicada ao arguido pode ser suspensa na execução, o que por mera cautela se equaciona, então sempre terá que reconhecer que a mesma carece de reafirmação mediante a sujeição a outras obrigações ou regras de conduta, pois estas funcionarão como garantia acrescida de eficácia da suspensão.
O artigo 51º nº1 do Código Penal, ao conter a expressão “nomeadamente” não pode deixar de ter o sentido de enumeração não taxativa e, ao mesmo tempo, exemplificativa dos deveres que podem ser fixados.
No caso dos autos, considerando a vertente patrimonial dos crimes cometidos, a condição mais adequada e proporcional é a da reparação, aos ofendidos, dos prejuízos sofridos.
Porém, a fixação de condição desse tipo de condição não depende da existência de um pedido de indemnização.
Nos casos em que não exista pedido de indemnização formulado, mas exista um “mal causado” demonstrado e quantificável, não significa que se deixe imponderada tal reparação.
Sendo a mesma imprescindível para reforçar o conteúdo da pena pedagógico da pena e para não deixar cair a mesma numa encapotada absolvição.
Da conduta do arguido visando os ofendidos resultaram prejuízos diversos, desde logo os relatados nos factos provados 9/14/15, 26, 39 e 40, do acórdão.
Em face disso, a suspensão de execução da pena, no caso, nunca poderia olvidar a reparação desses prejuízos aos ofendidos.
Não o tendo feito, o tribunal violou o disposto no artº 51º do C.P.

O arguido não respondeu ao recurso.
Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento. Aderiu às razões apresentadas no recurso e acrescentou, em suma, que é falacioso o raciocínio de que a ameaça da pena de prisão, sobretudo para quem já cumpriu outra, assegura as finalidades preventivas da pena; que as razões em que se fundamentou a suspensão da pena são contrárias à personalidade e comportamento do arguido, que revela propensão para a prática de crimes e que a circunstância de residir com os pais, já antes existente, não é suficiente para basear um juízo de prognose futura favorável à prevenção especial.
2. Questões a decidir no recurso
A única questão a decidir neste recurso é a de saber se a pena em que o arguido foi condenado deve ser ou não objecto de suspensão. Caso se entenda que sim, então importará ainda verificar se a condição de suspensão da pena deve ser agravada com o dever de pagamento dos prejuízos.
3. Fundamentação
3.1. Matéria de facto provada e não provada no acórdão
(transcrição apenas dos factos relativos ao arguido recorrente)
Factos provados
1. No dia 28 de Dezembro de 2015, a hora não concretamente apurada, mas durante o período da tarde, os arguidos B… e C… (à data, namorados), decidiram apanhar o comboio na estação de D… na cidade do Porto e sair na estação da localidade de E….
2. Ali chegados, os arguidos, em execução de um plano que haviam delineado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas, acordaram dirigir-se ao Centro Paroquial e Social de E…, sito no Largo …, E…, local conhecido do arguido B… por aí ter frequentado um programa de tratamento de desabituação de drogas, com o propósito de ali entrarem e retirarem do seu interior dinheiro e objetos que aí encontrassem e pudessem levar com eles.
3. Cerca das 16:55 horas, na execução desse plano, entraram no mencionado Centro Paroquial, tendo sido logo abordados pela funcionária da secretaria, F…, que lhes perguntou o que pretendiam, tendo o arguido B… dito que estava à espera da sua sogra.
4. Por sua vez, na execução desse plano e conforme havia sido previamente acordado com o arguido B…, a arguida C…, foi sentar-se no banco junto da porta de acesso ao local onde estão as crianças e os idosos e que só abre mediante a digitalização de um código, ou tocando na campainha.
5. Após, o arguido B…, aproveitando-se do facto de a porta se encontrar aberta por alguém se encontrar a entrar ou a sair por essa porta e antes que a mesma se fechasse, entrou para esse local.
6. Já nesse espaço reservado, o arguido B…, aproveitando-se do acesso a vários compartimentos, entrou no consultório onde trabalha o G… e daí retirou os seguintes objetos, pertença daquele, nomeadamente:
a) - Um computador da marca "ASUS …" de cor … e o carregador, no valor de 574€ (quinhentos e setenta e quatro euros);
b) - Um telemóvel de marca "VODAFONE" de cor … no valor de 200€, com capa de proteção da mesma cor no valor de 5€ (cinco euros) e com cartão SIM da operadora "VODAFONE";
c) - Uma carteira de homem, sem marca, de cor … no valor de 9€ (nove euros);
d) -Documentos pessoais que se encontravam dentro da carteira, nomeadamente cartão de cidadão; carta de condução e outros documentos;
e) - Um porta-moedas sem marca de cor … no valor de 2€ (dois euros);
f) – 60€ (sessenta euros) em notas do BCE que se encontravam dentro do porta-moedas;
g) - Uma medalha de pequenas dimensões de Nossa Senhora de Fátima no valor de 3€ (três euros);
h) - Um cartão de débito (Multibanco) da H…;
i) - Um cartão de débito (Visa) do banco I…;
j) - Um cartão de débito (Visa) do J…;
k) - Um cartão de débito (Visa) da K…, da conta n° ……………, em nome de L….
7. Na posse desses objetos, o arguido B… foi ter com a arguida C…, que se encontrava à espera deste e cerca das 17:23 horas, abandonaram o dito Centro Paroquial e Social, pela porta principal, local por onde entraram, levando com eles os objetos acima mencionados.
8. Na posse do referido cartão de débito (Visa), da conta n° …. ……….., propriedade do ofendido G…, da K… e do respetivo código secreto, que se encontrava junto do mencionado cartão, os arguidos resolveram, de comum acordo, proceder a levantamentos de dinheiro em máquinas automáticas, fazendo assim uso indevido daquele cartão que sabiam não lhes pertencer.
9. Após, no mesmo dia, os arguidos B… e C…, dirigiram-se à Caixa ATM, instalada na K… em E… e inseriram o referido cartão de débito, digitaram os algarismos correspondentes ao respetivo código secreto (PIN), tendo aí efetuado quatro levantamentos no valor de 60€ (sessenta euros), 150€ (cento e cinquenta euros), 100€ (cem euros) e 40€ (quarenta euros), respetivamente, da mencionada conta à ordem n° ……………, perfazendo o levantamento total de 350€ (trezentos e cinquenta euros), utilizando para o efeito o cartão de débito anteriormente subtraído.
10. Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de retirarem os objetos e de os integrarem no seu património, sabendo bem que não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do respetivo dono, o que quiseram e conseguiram.
11. Mais tinham os arguidos perfeito conhecimento de que ao digitarem o código de acesso ao sistema informático da rede ATM introduziam nesse sistema dados que lhes permitiam desencadear o acesso à conta bancária a que aquele cartão estava adstrito, o que lhes possibilitava o débito na mesma dos levantamentos que realizaram.
12. Os arguidos atuaram com o propósito de obter benefícios, que sabiam não lhes serem devidos e que atuavam contra a vontade do titular do cartão/conta bancária e à custa do empobrecimento do mesmo, o que conseguiram.
13. Os objetos mencionados no ponto 6 alíneas a), b), c), d), e), g), i), j), k), subtraídos a G… foram recuperados pela GNR de … na posse dos arguidos, tendo sido já entregues ao respetivo dono.
14. Pela mesma autoridade policial foram também recuperados e entregues ao respetivo dono, G…, 9,69€ (nove euros e sessenta e nove cêntimos) dos 60€ (sessenta euros) que se encontravam dentro do porta-moedas, descrito no ponto 6, alínea f).
15. Também, a quantia em dinheiro que veio a ser apreendida ao arguido B…, no montante de 250€ (duzentos e cinquenta euros) em notas do BCE eram produto da atividade descrita em 9, pertença do ofendido G….
16. Neste mesmo dia, após terem saído do Centro Paroquial e Social de E…, o arguido B… contactou com o arguido M…, telefonicamente pelo número ………, e perguntou-lhe se estava interessado, num computador portátil, respondendo-lhe o arguido M… que sim.
17. De seguida, passado cerca de vinte minutos, o arguido M… dirigiu-se para junto dos arguidos B… e C…, numa rua ao lado da farmácia, em frente à casa conhecida por "N…" em E…, conforme haviam previamente acordado e neste momento pelos arguidos B… e C… foi-lhe exibido o computador portátil de marca “ASUS …..” de cor … e o carregador.
18. O arguido M…, após examinar o mencionado computador portátil, comprou-o ao arguido B… que o vendeu pelo preço de 60€ (sessenta euros), sendo o valor comercial do mesmo em estado de novo de cerca de 500€ (quinhentos euros).
19. O arguido M… não se assegurou da legítima proveniência do computador e carregador que adquiriu, designadamente, não exigiu que lhe fosse exibido o recibo de compra do mesmo e adquiriu um objeto por um preço muito inferior ao valor comercial, o que o fez suspeitar que os objetos provinham de facto ilícito típico contra o património.
20. O arguido ao adquirir tais objetos admitiu como possível que os mesmos tivessem proveniência ilícita, designadamente que tivessem sido furtados, no entanto, não se coibiu de os integrar no seu património, conformando-se com tal situação.
21. O referido computador portátil foi recuperado pela GNR de … na posse do arguido M…, tendo sido já entregue ao seu legítimo dono.
Apenso NUIPC 01/16.7GBETR
22. No dia 29 de Dezembro de 2015, no período compreendido entre as 08h00 e as 09h10, os arguidos B… e C…, em execução de um plano que haviam delineado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas, decidiram dirigir-se à Unidade de Cuidados Saúde Personalizados (UCSP) sita na Praceta …, E…, com o propósito de ali entrar e retirar do seu interior dinheiro e objetos que aí encontrassem e pudessem levar com eles.
23. Uma vez ali, com aquele propósito, os dois arguidos, entraram na referida Unidade de Saúde e não se dirigiram à secretaria.
24. Assim, conforme tinham previamente acordado, a arguida C… sentou-se na sala de espera, enquanto o arguido B…, circulou pelo corredor entre as salas de atendimento médico e a sala de espera, com o telemóvel na mão, simulando que estava a telefonar, para não ser questionado.
25. A dada altura, o arguido B…, após verificar que ninguém estava no corredor, nem na sala de enfermagem, aqui se introduziu.
26. Já aí, o arguido B… dirigiu-se junto do cacifo que se encontrava aberto pertencente a O… e daí retirou de dentro de uma mala, uma carteira de senhora em calfe com inscrições em azul e um símbolo em metal com as letras "MK", no valor de 80€, que continha o seguinte, no seu interior:
a) 130€ (cento e trinta euros) em dinheiro em notas do Banco de Portugal;
b) Um cartão de cidadão;
c) Uma carta de condução n° .. - ……;
d) Dois cartões de débito Multibanco;
e) Dois cartões de crédito do P…;
f) Um cartão da ADSE;
g) Um cartão de estudante da Universidade Q…;
h) Uma cédula profissional da Ordem dos S…;
i) Um cartão de refeições em nome de T…, marido de O….
27. Ato contínuo e já na posse da referida carteira, o arguido B… foi ter com a arguida C…, que se encontrava à sua espera, conforme combinado e ambos abandonaram a Unidade de Cuidados Saúde Personalizados (UCSP).
28. Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de retirar os objetos e de os integrar no seu património, sabendo bem que não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos donos, o que quiseram e conseguiram.
Apenso NUIPC 555/15.5GCETR
29. Na tarde dia 29 de Dezembro de 2015, os arguidos B… e C… apanharam o comboio na estação de D… na cidade do Porto e saíram na estação da cidade de U….
30. Ali chegados, os arguidos, em execução de um plano que haviam delineado, em comunhão de esforços e divisão de tarefas, dirigiram-se ao Quartel dos Bombeiros Voluntários de U…, sito na Rua …., U…, com o intuito de penetrarem no seu interior e de lá retirarem os objetos de valor que aí encontrassem.
31. Com esse desígnio, aí chegaram, cerca das 21:30 horas.
32. Já no interior das instalações dos bombeiros, o arguido B… perguntou e pediu ao bombeiro que se encontrava de serviço, operador de comunicações, V…, se ambos podiam ali pernoitar.
33. A testemunha V…, após ter contactado com o seu superior, autorizou que os arguidos aí permanecessem e pernoitassem.
34. Seguidamente, pela referida testemunha, foi-lhes solicitada a sua identificação para ficar registada no relatório diário de ocorrências daquele dia, tendo-se ambos os arguidos identificado verbalmente por não trazerem com eles qualquer tipo de documento.
35. Posteriormente, pela testemunha, foi-lhes indicado o quarto onde iam dormir e foi-lhes fornecida alimentação.
36. No dia seguinte, 30 de dezembro de 2015, cerca das 08:00 horas, os arguidos levantaram-se e na execução do plano que haviam delineado, começaram a circular livremente pelo interior do quartel dos bombeiros, sem que ninguém os impedisse, já que tinham tido autorização superior para aí permanecerem e circularem.
37. Aproveitando-se desse facto, acordaram entre eles, entrar nos balneários masculinos e femininos dos bombeiros, com o propósito de dali retirarem dos cacifos, objetos de valor que aí encontrassem.
38. Assim, a hora não concretamente apurada, mas certamente já depois das 08:30 horas, os arguidos B… e C…, após se certificarem que não se encontrava ninguém nos balneares masculinos, aí se introduziram.
39. Uma vez ali, com aquele propósito, os arguidos dirigiram-se ao cacifo do bombeiro W…, que não se encontrava fechado, abriram a mochila que aí se encontrava e retiraram do seu interior um computador portátil e respetivo carregador de marca Sony, modelo …, de cor …, no valor global de 150€ (cento e cinquenta euros).
40. De seguida, dirigiram-se a outro cacifo pertencente ao bombeiro X…, que também não se encontrava fechado e do seu interior retiraram de dento da mochila que ali se encontrava, um GPS de marca Tom Tom, modelo …, com o número de série …………, no valor de 200,98, pertencente a Y…, esposa do bombeiro X…, mas por aquele utilizado diariamente.
41. Seguidamente, os arguidos abandonaram o balneário masculino e decidiram entrar no balneário feminino e aí no seu interior, dirigiram-se ao cacifo da bombeira Z…, de onde retiraram uma chave, que os arguidos sabiam pertencer a um veículo estacionado no exterior do quartel, no caso concreto, o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo …, de cor … e de matrícula .. – JÁ - ..., com valor superior a 5.100€ (cinco mil e cem euros) que se encontrava no porta-chaves juntamente com outras chaves, tendo abandonado o balneário pelas 11:00 horas.
42. Neste momento, foram abordados pela bombeira AB…, que lhes perguntou o que estavam ali a fazer, mas estes não lhe responderam e saíram em direção à parada do quartel e de seguida para o seu exterior.
43. No exterior do quartel, os arguidos na posse das chaves do veículo, que haviam retirado momentos antes do cacifo da bombeira Z…, após pressionarem o botão do comando remoto, logo constataram qual era o veículo a que correspondia aquele comando e onde o mesmo se encontrava, tendo-se dirigido para o seu interior para dele se apropriarem.
44. Posto isto, os arguidos B… e C…, abandonaram o local no mencionado veículo, levando consigo os objetos que se encontravam no seu interior, pertencentes a Z…, designadamente, uma mochila que continha uma farda de bombeiro e uma carteira com vários documentos pessoais.
45. Os arguidos deixaram no interior das instalações dos bombeiros, uma ficha de identificação médica, bem como duas receitas médicas emitidas em nome da arguida C….
46. Por motivos não concretamente apurados, os arguidos abandonaram o veículo na cidade de AC…, próximo da Estação de Comboios de AC1….
47. O mencionado veículo foi encontrado e recuperado pela PSP de AC…, na Avenida …, em AC…, tendo sido já entregue à sua legítima proprietária juntamente com a mochila e documentos que se encontravam no interior do veículo.
48. Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de retirarem os objetos e de os integrarem no seu património, sabendo bem que não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos donos, o que quiseram e conseguiram.
49. Agiram todos os arguidos livre e lucidamente e com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
50. O arguido B…, é um de três filhos de um casal de …, tendo o seu processo educativo sido equilibrado e com inserção comunitária ajustada.
51. Concluiu o 8º ano de escolaridade aos dezasseis anos, tendo nessa altura começado a trabalhar. Foi também por essa altura que iniciou o consumo de estupefacientes.
52. Por iniciativa própria, no ano de 2000, procurou tratamento, mas sem sucesso já que recaiu e praticou crimes.
53. Em fevereiro de 2003 procurou novo tratamento, mas de novo recaiu, tornando-se sem abrigo no Porto em 2004.
54. Voltou para casa da família em dezembro de 2004 e afastou-se do consumo de drogas.
55. Entretanto, fruto do relacionamento com uma namorada, também toxicodependente, nasceu em 2006 uma filha que é criada pelos seus pais, dado o falecimento da mãe, circunstância que motivou nova recaída do arguido nos consumos, já em 2005.
56. A vida desregrada que retomou levou-o ao cumprimento de oito anos e três meses de prisão.
57. Saiu em liberdade condicional em 07.08.2013, cumprindo as obrigações que lhe foram impostas designadamente quanto à dependência aditiva.
58. Entretanto foi declarada a sua invalidez devido a doença infeto-contagiosa de que padece.
59. Em 2014 emigrou para a Suiça onde trabalhou em limpezas e viveu com irmã, cunhado e sobrinhos.
60. Após cerca de dez anos de abstinência recaiu em 2015 nos consumos, na companhia da coarguida C… e na prática de ilícitos.
61. Em março de 2016 regressou a casa dos pais onde vive com estes com a irmã e com a filha.
62. Passou por experiências profissionais transitórias mas, a partir de setembro de 2016 passou a trabalhar numa empresa de jardinagem auferindo cerca de 530€ mensais.
63. Confessou os factos, mostra-se arrependido e disposto a mudar de vida.
64. Encontra-se abstinente.
65. Tem antecedentes criminais por crimes de falsificação de documento (seis condenações), burla (duas condenações), furtos simples e furtos qualificados (dez condenações), condução sem habilitação legal e burla informática tentada (duas condenações), que lhe determinaram o cumprimento, no processo 585/04.2GBOAZ, da referida pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.
66. Após a libertação foi condenado no processo 588/15.1PAOVR pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa por igual período.
(…)
Factos não provados
1 - que o arguido M…, tenha dado aos arguidos B… e C…, 40€ (quarenta euros) e dois pacotes de heroína pelo computador;
2 - que não lhes tenha solicitado fatura;
3 - que o computador de W… valesse 450€ (quatrocentos e cinquenta euros).
3.2. Análise do mérito do recurso
Toda a controvérsia do recurso gira à volta da verificação, ou não, dos pressupostos da suspensão da execução da pena, previstos no artigo 50º do CP.
O histórico pessoal do arguido pode resumir-se da seguinte forma: 38 anos de idade, consumidor de drogas desde os 16 anos, duas tentativas falhadas de afastamento da toxicodependência em 2000 e 2003, período de vida como sem-abrigo, regresso à família e 2 anos afastado das drogas, filha em comum com uma toxicodependente entretanto falecida, nascida em 2006, recaída nas drogas em 2005, prática de vários crimes, cumprimento de 8 anos e 3 meses de prisão, até à liberdade condicional, concedida em 2013, emigrante na Suíça entre 2014 e 2015, nova recaída nos consumos de drogas em 2015, mais um período de criminalidade (onde se inserem os crimes deste processo), regresso a casa dos pais, passando a trabalhar, com abstinência de drogas e arrependimento. Nos seus antecedentes criminais, sofreu diversas condenações entre 2001 e 2015, por 29 crimes de furto simples e qualificados, 5 crimes de falsificação, 3 crimes de burla, 2 crimes de condução sem habilitação legal e 1 crime de detenção de arma proibida.
No acórdão recorrido o tribunal, sem deixar de reconhecer a excepcionalidade da situação, baseou a decisão de suspender da execução da pena de prisão numa expectativa positiva de reinserção social determinada, sobretudo, pelo facto de o arguido ter regressado à inserção familiar, ter começado a trabalhar, encontra-se abstinente dos consumos de drogas e mostrar-se arrependido; tudo aliado à sua condição de toxicodependente, que o torna, também, além de autor de crimes, uma pessoa doente a precisar de ajuda para a reabilitação.
As razões que o Ministério Público contrapôs no recurso têm a ver, em resumo, com o facto de não se poder acreditar razoavelmente que alguém com o passado do arguido, que já recaiu nos consumos várias vezes, que tem um imenso historial de crimes, se afastará da prática de novos crimes, só porque se inseriu de novo profissional e familiarmente, visto tais factores já terem estado antes presentes na sua vida e não terem sido suficientes para assegurar as finalidades de prevenção especial. Mas além disso, o Ministério Público afirma também que uma pena suspensa não protege de forma suficiente e adequada as finalidades de prevenção geral, que exigem uma protecção mais efectiva dos bens jurídicos violados e uma reafirmação social mais intensa da validade das normas.
Postos em confronto, resumidamente, os factores relevantes para a decisão, temos de reconhecer que a questão não teria uma resposta simples, não fosse o facto de ter ocorrido um facto-processual posterior do qual temos de tomar conhecimento e que influi decisivamente no sentido da nossa decisão.
Como resulta do recurso e do expediente processual de fls. 539 e seguintes, por decisão de 14JUL2017, foi emitido mandado de captura para cumprimento de pena de prisão em que o arguido foi condenado no processo 681/15.0PAOVR. Esta pena tinha sido inicialmente suspensa em primeira instância, mas na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, veio a ser alterada para prisão efectiva por acórdão desta Relação.
Este facto é obviamente relevante para a nossa decisão. O que dele resulta é que se “inutilizou” toda a argumentação do acórdão recorrido, no sentido de que, ainda que num quadro particular de alguma excepcionalidade, a manutenção do arguido em liberdade seria favorável à sua reinserção social. O arguido tem agora uma outra pena de prisão efectiva para cumprir e os pressupostos de inserção familiar e profissional alteraram-se radicalmente. Duma maneira ou de outra, a execução da pena imposta no acórdão recorrido tornou-se inviável e contraditória com a situação pessoal do arguido.
Em regra, a Relação deva atender apenas aos elementos de ponderação que o tribunal de primeira instância teve em conta na decisão e que o recurso questionou. Mas a preponderância de razões formais-processuais sobre as razões substanciais que permitem alcançar a justiça material não é um valor processual com acolhimento. As decisões dos tribunais têm de fazer sentido, têm de ser razoáveis, têm de ter uma lógica de argumentação e aplicação prática dos dispositivos legais que não as torne incompreensíveis para o senso comum. Não teria qualquer racionalidade ignorar agora que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido se tornou inútil, pois ele tem uma pena de prisão efectiva para cumprir e não se pode estar preso e em liberdade ao mesmo tempo.
Na nossa leitura, por via da regra da aplicação das normas do processo civil para resolver casos omissos, estabelecida no artigo 4º do CPP, é aplicável ao nosso caso a disposição do artigo 412º nº 2 do CPC, que nos permite tomar conhecimento do referido facto superveniente e dele retirar as consequências necessárias para que possamos proferir uma decisão justa.
E dito isto, torna-se já óbvio o sentido da nossa decisão.
Os pressupostos fáticos excepcionais em que o tribunal recorrido baseou a sua decisão de suspender a execução da pena, que permitiram, na sua lógica de argumentação, dar como verificados os requisitos do artigo 50º do CP, não se verificam.
Como tal, tornou-se inútil discutir a fundo toda a argumentação do recurso, visto que não é mais possível dizer que a ameaça da execução pena de prisão, com regime de prova, é um factor suficiente para garantir as finalidades de prevenção especial. Pelo contrário, uma pena suspensa nas condições actuais teria o efeito contrário, pois equivaleria a uma “não-pena”.
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, consideramos o recurso procedente.
4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em conceder provimento ao recurso e em modificar o acórdão recorrido, no sentido de que a pena em que o arguido foi condenado não é objecto de suspensão da execução.

Porto, 10 de Janeiro de 2018
Manuel Soares
João Pedro Nunes Maldonado